Proteção aos direitos da criança: a violência sexual intrafamiliar


PorJeison- Postado em 11 novembro 2012

Autores: 
NOGUEIRA, Cordélia Alves.

O presente estudo se propõe a investigar a problemática da violência sexual sofrida pelas crianças no ambiente familiar, tendo em vista que é cada dia mais comum e assustador o número de casos que aparecem na mídia nacional e internacional relatando abuso sexual contra crianças e adolescentes, sendo que combater esse tipo de violência passou a ser um dos grandes desafios da humanidade, motivo pelo qual é estudado por diversos segmentos da sociedade brasileira.

Mesmo com tanto destaque, ainda existem muitos casos que continuam escondidos pelas vítimas por medo da reação do agressor, uma vez que também acontece no ambiente familiar. O espaço “família” geralmente é o primeiro grupo social que a criança vai estabelecer contato em que se estabelece uma relação de onipotência/superioridade da autoridade do “pai”. É nesse ambiente que acontecem situações modificadoras na vida de um indivíduo que podem influenciar positiva ou negativamente, causando marcas irreparáveis.

Entre estes fatores, a violência merece destaque, porém convém aqui ressaltar que o desemprego, a violência nas ruas, ausência de uma educação de qualidade, condições precárias de saúde e moradia, desigualdades sociais são fatores que podem influenciar no crescimento, mas não são determinantes uma vez que pode ser observada em todos os segmentos da sociedade brasileira.

Nesse sentido, a violência doméstica contra crianças e adolescentes podem ser consideradas como aquela que acontece dentro de casa ou no âmbito familiar, originada de fatores de ordem cultural, social e política que acaba atingindo profundamente todas as camadas da sociedade em que o mais forte domina o mais fraco. Pode ser classificada em três tipos: física, psicológica e sócio-econômica, trazendo conseqüências de dimensões orgânicas, psicológicas, comportamentais e, na maioria das vezes resultando, em desequilíbrio familiar. Tais conseqüências são imensuráveis e cruéis, dificultando profundamente na socialização deste ser tão frágil. Em grande parte dos casos, o menor é agredido por pessoas do seu convívio diário, gente em quem ele confia, respeita e admira.

A relevância social desta reflexão consiste em mostrar como as crianças vitimizadas, coisificadas, submetidas ao abuso de quem rompeu os laços de confiança existentes ou transgrediu seu poder/dever de proteção, evidenciarão diversas seqüelas, a curto, médio e longo prazo, tais como problemas mentais, autoculpa, hiperagressividade, pesadelos, desenvolvimento inadequado da capacidade cognitiva, dificuldades na escola, depressão, síndrome de pânico ou comportamento autodestrutivo.

Em sua maioria, não se manifestarão ao respeito, pela incapacidade de avaliarem a agressão a que se submeteram ou por receio de represálias. Nas classes mais pobres, provavelmente fugirão de casa rumo ao locus público das ruas. Quando adultas, haverão quase sempre de reproduzir a violência de que foram vitimas ou testemunhas, alimentando um círculo vicioso e interminável.

Diante disso, as questões norteadoras que nos cercam são:

a)    Quais os tipos de violência que a criança pode ser acometida?

b)    De que forma as crianças reagem à violência doméstica?

c)    Como é feita a intervenção com as crianças vítimas de violência domestica?

d)    Quem são os profissionais que compõem a equipe multidisciplinar no Judiciário no processo de intervenção das crianças vitimadas?

Notoriamente a violência doméstica apresenta caráter universal, tem sido alvo de atenção crescente, especialmente no que diz respeito à conscientização generalizada, de modo que não deva ser vista como drama particular ou problema exclusivamente privado, cabendo ao Estado intervir quando forem constatados abusos. O silêncio e a resistência por grande parte das vítimas que não denunciam as agressões sofridas fazem crescer as cifras negras e a impunidade, fazendo com que os índices da violência intrafamiliar se elevem de maneira preocupante em todo o mundo. Algumas práticas violentas são culturalmente reconhecidas pela sociedade atual. A violência intrafamiliar é, dentre todas, a mais legitimada, pelo fato de ter perpassado histórica e culturalmente pela hierarquia, herança da tradição patriarcal.

A violência contra seres humanos por seus semelhantes traz registros que comprovam o uso da violência entre os povos tão antigos quanto os mais velhos registros que existem na terra. A narrativa de uma das principais mitologias civilizadoras se inicia com o anúncio de um acontecimento fratricida. Em cada época, em cada século, as realizações humanas sempre foram acompanhadas pela violência.O dia 18 de maio é o dia Nacional de Combate ao Abuso e a Exploração de Crianças e Adolescentes. Essa data foi criada em homenagem a menina Araceli Cabrera Crespo, de apenas 8 anos, que foi sedada, violentada sexualmente e morta em Vitória (ES), em 18 de maio de 1973 (CONSULEX, 2004, p. 22).

Lemos (2010 apud Santos; Lima, 2010, p. 205) ressalta que a violência de pais contra os filhos ainda é prática bastante comum, não somente no Brasil como também no mundo, onde os pais e responsáveis vêem os filhos como sendo de sua propriedade. Trata-se de corpos que são desvalorizados frente a uma perspectiva geracional, sendo silenciados e devendo se calar diante das ações autoritárias dos adultos, sendo produzidas como “vida nua” ou “vida sem valor” de modo a ser alvo de situações de violência diariamente.Sob a visão de Santos & Lima (2010, p. 26) três são as características fundamentais da violência: “a) hierarquia de gênero; b) relação de conjugalidade ou afetividade entre as partes; c) habitualidade da violência”.

A hierarquia de gênero implica a supremacia de um dos atores na relação e tem como conseqüência a negação ou submissão do outro. As relações hierarquizadas de gênero são fundadas socialmente e revelam a assimetria dos pares. Um dos pólos da relação é invisibilizado ou inferiorizado, tornando-se o alvo majoritário de uma violência que tem sido justificada social e juridicamente.  

Nos anos mais recentes, tem sido referido, com destaque, o impacto econômico da violência doméstica, seja com a assistência jurídica, médica e psicológica às vítimas, seja com a manutenção de instituições de abrigo, que oferecem o apoio necessário para a reconstrução de suas vidas (LEAL; PIEDADE JR, 2001, p. 43).

Considerada como um complexo fenômeno do universo social, suas causas devem ser analisadas sob múltiplos aspectos, com a finalidade de serem obtidas soluções que permitam aceitá-la em nível de suportabilidade, pois não foi e nem é ela problema da sociedade contemporânea, apesar de que ultimamente, por vários fatores, próximos ou remotos, que foram se acumulando no meio social brasileiro, venha se acentuando sob diversas formas.Estruturas sociais e políticas permitiram que ocorresse uma institucionalização da violência, da qual o Estado é participante, na medida em que a ele compete cuidar, zelar, assegurar, enfim, dar uma segurança e um meio de vida mais digno ao cidadão.

A presunção legal de violência nos crimes sexuais contra menores trata-se de um critério jurídico que remonta ao Direito Romano, através de Carpsovio (prático da Idade Média) ao formular o princípio Qui velle non potuit, ergo noluit, na obra Practica Nova Rerum Criminalium, fundada em passagens do Digesto. “Este princípio viria a significar que quem não poder querer, não quer, quem não pode consentir, dissente, de modo que foi adotado em várias legislações com critérios variados quanto à idade mínima, para a validade do consentimento do menor para a prática sexual” (PIERANGELI, 1999 apud CARVALHO, 2009, p. 23).

No Brasil, na época do Código Imperial Brasileiro, já havia quem entendesse que o defloramento de menor em tenra idade, porém somente assumiria relevância nos Códigos Penais de 1890 e 1940, ambos prevendo a presunção de violência nos delitos sexuais contra menores, sempre vinculada à idade da vítima.Não deixa de ser, a nosso ver, no mínimo extravagante pensar que em uma determinada data a pessoa adquire plena consciência da atividade sexual, não a possuindo, todavia, até a véspera da mesma. Sem dúvida, “essa postura de rigidez atrita contra a lógica e o bom senso, porque não poder existir uma passagem brusca da privação da liberdade sexual para o exercício pleno dessa liberdade” (BÁRTOLI, 1992 apud CARVALHO, 2009, p. 25)

Para conhecer de forma mais profunda um problema, uma das melhores formas é realmente está lado a lado, com as pessoas mais atingidas por esta problemática  Conforme mostra Gil (2010, p.136), “a experiência vivida é a melhor fonte de dados para o estudo do fenômeno”.Trivinos (2008, p. 43) diz que “a fenomenologia é o estudo das essências de todos os problemas,” e uma das maneiras de se conhecer essas essências, ou seja, o que realmente está por trás destes problemas, as prováveis causa da situação, é procurar vivenciar a realidade onde está acontecendo o fato, e isto pode ser feito através do processo da observação e do diálogo com os envolvidos, para que possamos garantir o mínimo que a nossa Constituição legitimiza a todas as crianças sem nenhuma distinção.

REFERÊNCIAS

BÁRTOLI, Márcio. A Capacidade de Autodeterminação Sexual da Vítima como Causa de Revitalização da Presunção de Violência. Revista dos Tribunais, v. 678. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr, 1992, p. 411. In: CARVALHO, Adelina de Cássia Bastos Oliveira. Violência Sexual Presumida. Curitiba: Juruá, 2009.

BRASIL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível no site: http://www.planalto.gov.br. Acesso em 12 de abril de 2012. 

GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

JURÍDICA CONSULEX. Ano VIII, nº 177, 31 de maio de 2004.

LEAL, César Barros; PIEDADE JR, Heitor. Violência e Vitimização: A Face Sombria do Cotidiano. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. 

LIMA, Fausto Rodrigues & SANTOS Claudilene. Violência Doméstica: Vulnerabilidades e Desafios na Intervenção Criminal e Multidisciplinar. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2010. 

PIERANGELI, José Henrique. Escritos Jurídicos Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 167. In: CARVALHO, Adelina de Cássia Bastos Oliveira. Violência Sexual Presumida. Curitiba: Juruá, 2009.

 

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