PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE ATRAVÉS DO DIREITO DO CONSUMIDOR: UMA INTERPRETAÇÃO PÓS-MODERNA DOS INSTITUTOS LEGAIS CONTEMPORÂNEOS.


Pormarianajones- Postado em 29 abril 2019

Autores: 
MAGNUM KOURY DE FIGUEIREDO ELTZ

0 PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE ATRAVÉS DO DIREITO DO CONSUMIDOR: UMA INTERPRETAÇÃO PÓS-MODERNA DOS INSTITUTOS LEGAIS CONTEMPORÂNEOS.

MAGNUM KOURY DE FIGUEIREDO ELTZ

PORTO ALEGRE

2009 1

MAGNUM KOURY DE FIGUEIREDO ELTZ

PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE ATRAVÉS DO DIREITO DO CONSUMIDOR: UMA INTERPRETAÇÃO PÓS-MODERNA DOS INSTITUTOS LEGAIS CONTEMPORÂNEOS.

Artigo elaborado para a cadeira de Proteção do Consumidor na Europa, na OEA e no MERCOSUL.

Professora: Cláudia Lima Marques.

Porto Alegre

2009 2

RESUMO

O presente artigo propõe o estudo da intersecção entre as áreas do Direito Ambiental e o Direito do Consumidor e os reflexos desta interação no comércio internacional, a partir do estudo de casos tratados pela OMC baseados no artigo XX do GATT, alíneas b e g que tratam da manutenção de espécies e recursos naturais ameaçados.

Palavras-chave: responsabilidade por vicio e fato de produto; proteção do meio-ambiente; proteção do consumidor.

3 ABSTRACT

This work studies the intersection between Environmental and Consumers protection and the reflexes of this interaction in the international commerce by the study of cases of WTO which are concerned with the Article XX of GATT, b and g, which disposes about the endangered species and natural resources protection.

Key words: product liability; environmental protection; consumers protection.

4 SUMÁRIO

Introdução--------------------------------------------------------------------------------------05 1 A proteção do consumidor na Common Law e Civil Law e intersecções com a proteção do meio ambiente ---------------------------------07 1.a. Institutos da Common Law a partir de uma análise anglo-americana -----------------------------------------------------------------------------------------------------08 1.b Institutos da Civil Law a partir de uma abordagem do sistema brasileiro ---------------------------------------------------------------------------------------12 2. Casos envolvendo meio ambiente na OMC e a relação com os institutos de proteção do consumidor -----------------------------------------------15 Conclusões------------------------------------------------------------------------------------20 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS------------------------------------------------------22 5

Introdução.

O direito ambiental e o direito do consumidor possuem diversas áreas de conexão, dado que ambos os ramos do direito tratam de direitos difusos, transindividuais e que, não se pode hoje falar em um micro-sistema de proteção ao consumidor sem lembrar que este está contido em um macro-sistema de proteção ao meio ambiente, que está conectado a todas as áreas do direito pós-moderno. Erik Jayme1 , em suas lições sobre a pós modernidade, traz três características especialmente interessantes para o tema abordado, a primeira trata do Pluralismo, onde já não se pode restringir a hermenêutica normativa a um ponto de vista isolado, mas a uma pluralidade de correntes de interesses que é bem representada em nossa constituição federal em nossos tão distintos direitos fundamentais, desde um direito constitucional à ordem econômica e ao desenvolvimento até um direito fundamental à igualdade e à diversos direitos sociais mínimos a ser prestados pelo Estado, em tese, social-democrata desenhado pela Constituição Brasileira de 1988; dessa forma, estando a Pluralidade intimamente ligada à intersecção entre a proteção do meio ambiente e do consumidor em nosso ordenamento jurídico e na ordem internacional pós moderna; Uma segunda característica interessante de ser lembrada, é a da comunicação das normas, dado que, conforme mencionado anteriormente, os sistemas jurídicos estão interligados e se comunicam, não podendo-se falar hoje em micro-sistemas fechados ou macro-sistemas alienados, mas em um sistema orgânico que se comunica e tem aplicabilidade conjunta. Por ultimo, deve-se mencionar o chamado “retorno dos sentimentos”, onde o renomado autor dá à valorização dos direitos humanos, hoje entendidos como “jus cogens” ou “direitos fundamentais internacionais” o papel de irradiação principiológica que norteia a aplicação de nossas normas em âmbito 1 JAYME, Erik, Cadernos do Programa de Pós Graduação em Direito – PPGDir/UFRGS, Vol I. Número I – 2004, UFRGS. 6 internacional e os direitos fundamentais no âmbito interno da mesma forma são o norte a ser seguido pelos aplicadores da norma e pelos cidadãos em sua busca pela efetividade do ordenamento jurídico e do Estado Democrático de Direito em que convivem. Dessa forma, princípios como Desenvolvimento Sustentável, Proteção do Consumidor e Meio Ambiente Equilibrado andam de mãos dadas para o florescer dos tempos pós-modernos em que vivemos. O direito do consumidor, por sua natureza, trata das relações de consumo, seja essa efetuada entre consumidores propriamente ditos ou equiparados (embora nesse quesito haja algum conflito doutrinário), ou seja, empresas de pequeno porte e algumas coletividades assim consideradas; O direito ambiental, introduzido internacionalmente com os adventos de Estocolmo e Eco 92, trata de um âmbito mais abrangente, preocupando-se com todo o entorno das atividades humanas e as próprias relações interhumanas que afetam esse entorno, podendo-se perceber o alcance desse direito pela disposição bastante robusta no artigo 255 de nossa Constituição Federal. O presente trabalho pretende tratar desta vasta área de intersecção entre a proteção do consumidor e a proteção do meio ambiente, a fim de analisar quais os instrumentos de tutela do consumidor que podem ser utilizados para a proteção do meio ambiente. Dessa forma, aumentando as possibilidades de tutela deste grande bem jurídico que a todos interessa e contextualizando o direito do consumidor na nova era de proteção de direitos humanos que estamos vivendo hoje. 7

1. A proteção do consumidor na Common Law2 e Civil Law3 e intersecções com a proteção do meio ambiente

Segundo Cançado Trindade, os direitos humanos e a proteção do meio ambiente, juntamente com os temas do desenvolvimento humano (e a luta pela erradicação da pobreza extrema) e do desarmamento, constituem as grandes prioridades da agenda internacional contemporânea4 . Dessa forma, não podemos nos furtar de analisar as repercussões dessas prioridades em nossos ordenamentos internos, para que os princípios internacionalmente postos no acordo quadro de direito ambiental, RIO 92 tenham aplicabilidade prática no nosso cotidiano. Neste primeiro capitulo, estudaremos a possibilidade de intersecção entre a proteção do consumidor na Common Law e na Civil Law e as repercussões dessa intersecção em casos notórios da OMC como o caso Golfinho-Atum, Camarão-Tartaruga, etc. a fim de justificar a importância da participação do consumidor na proteção ambiental e efetivação dos princípios internacionais considerados prioridades na atualidade. 2 Ou “Direito Comum” é o sistema jurídico anglo-saxão baseado na jurisprudência como o fio de sustentação do ordenamento jurídico, tendo uma construção de diplomas legais mínimos e forte raiz de precedentes vinculantes. 3 Também conhecido como “Sistema Româno-Germânico”, é o sistema jurídico continental que influencia diretamente o sistema brasileiro, tendo por base um forte positivismo jurídico, onde os diplomas legais são abundantes e o papel do juiz, em tese, é meramente de “boca da lei”. 4 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio ambiente. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1993, p.23. 8 1.a Institutos da Common Law a partir de uma análise anglo-americana Pfennigstorf, ao fazer uma análise sobre Compensação, Danos e Meio Ambiente, estuda alguns institutos da Common Law de responsabilidade civil, a fim de traçar paralelos entre os institutos conhecidos de responsabilização e a proteção do meio ambiente. Em seu trabalho, destaca sobre o principio do poluidor pagador: Há outro movimento que é preocupado menos com a compensação de danos sofridos por indivíduos, mas com os aspectos econômicos da poluição e controle da poluição em escala maior. Parece que danos individuais como um determinado custo que deveria ser alocado à atividade poluidora – internalizado – para permitir a abordagem informada dos verdadeiros custos da atividade e repasse desses curtos no preço de produtos ou serviços, provenientes da atividade. Internacionalmente essa noção é conhecida como principio do “poluidor-pagador”... A diferença de foco possui importantes implicações. Sendo preocupado primariamente com a alocação de custos própria, o principio do poluidor pagador não oferece respostas imediatas para questões de quais danos ou ofensas devem ser compensadas, sob quais circunstancias e condições e em qual extensão. Reclamações sobre danos individuais, portanto, são apenas um objeto de custo entre outros, incluindo custos de instalação de artigos de controle de produtos, desenvolvimento de métodos alternativos de menor potencial poluente, operações de limpeza, esforços de mitigação de efeitos prejudiciais de poluição à outros e pesquisa ambiental em geral. Especificamente, o principio do poluidor pagador não cria recursos com os quais pagar compensação ilimitada. Apenas distribui o custo entre os manufatureiros poluidores de forma que torna-se parte do preço a ser pago pelo produto pelos consumidores. Se o produto ou serviço é considerado essencial, o fardo não deve ser muito pesado e a compensação deve ser limitada ou as industrias poluentes subsidiadas.5 5 PFENNIGSTORF, Werner, Environment, Damages and Compensation p. 365 e 366. 9 Desta forma, uma primeira intersecção a ser estudada entre a proteção do meio ambiente e o direito do consumidor são os repasses de custos ambientais aos consumidores e as limitações da indenização ambiental em casos de produtos e serviços essenciais. Essa primeira abordagem demonstra o quão ligados estão os dois ramos do direito, dado que a economia que sustenta a proteção do meio ambiente é a mesma que o consumidor sustenta através das relações de consumo, de forma que não se pode negar a importância do consumidor dentro do sistema de proteção do meio ambiente. Em relação aos custos suportados pela sociedade em relação aos danos ambientais, o autor construiu a seguinte tabela6 a fim de ilustrar as repercussões deste tipo de prejuízo: Ofensa pessoal Ações ou eventos Danos à propriedade Dano Ambiental causando perdas Perdas econômicas ou custos públicos Pessoais (governo) 1. Atos ou eventos danosos à saúde 1. Despesas gerais para controle ambiental (pesquisa, Individual ou propriedade como parte do prevenção, administração, coerção). Ambiente. 2. Limpeza e despesas para tipos específicos 2. Ofensa ou dano ao individuo como de poluição (ex: derramamento de óleo). conseqüência da ofensa ao meio ambiente. 3. Dano à propriedade pública. 4. Perda de impostos recolhidos. A partir da leitura desta tabela, fica claro que o consumidor não somente sofre repasses de preços como também é atingido por esferas pessoais, como atos danosos à saúde individual, decorrente de danos provenientes de produtos contaminados, medicamentos defeituosos, etc. ou mesmo ofensas individuais como conseqüência da ofensa ao meio ambiente, como por 6 PFENNIGSTORF, Werner, Environment, Damages and Compensation P. 360 10 exemplo o dano extra patrimonial decorrente da extinção de uma espécie a partir do descuido por parte do processo de elaboração de algum produto; além de sofrer danos a partir do repasse de custos públicos a partir de taxas, impostos e desvio de verbas de cunho social para compensação desses custos no âmbito administrativo. No tocante à atividades perigosas, a Common Law possui os seguintes institutos de reparação, apontados pelo autor: Atividades ultra-perigosas: aquele que age sem intenção ou negligencia, pode sem prejuízo ser responsável por ofensa ou perda sob a doutrina que é amplamente conhecida como a doutrina da responsabilidade objetiva, como a regra de Rylands v. Fletcher, ou, em termos usada pelo Restatement (second) of Torts, como responsabilidade por atividades ou condições de perigo anormal.7 Essa norma geral, conforme apontado por Pfennigstorf, possui eco no direito do consumidor desse sistema, a partir do instituto da responsabilidade por produto (product liability), onde: Responsabilidade por produto: a lei da responsabilidade por produto, como desenvolvida durante a ultima década, tem bastante em comum com a lei da responsabilidade objetiva por conduta de perigo anormal: também com bastante parte do regime de responsabilidade objetiva, baseada no ato de botar no mercado produto que é defeituoso ou intrinsecamente perigoso sem alertar os consumidores e potenciais usuários do perigo. Produtos químicos, especialmente farmacêuticos, pesticidas, alimentos e rações, são exemplos óbvios de produtos que em caso de acidente ou contaminação podem causar danos ambientais pelos quais os princípios da responsabilidade por produto podem ser relevantes.8 Dessa forma, pode o consumidor nos países de Common Law beneficiar-se da responsabilidade pelo produto para evitar danos à saúde humana e contaminação do meio ambiente em sentido estrito. 7 Ibidem, p 373 8 PFENNIGSTORF, Werner, Environment, Damages and Compensation, p. 375 11 Outro instituto, dessa vez concentrado no âmbito norte americano, que deve ser mencionado é o chamado Endengered Species Act, de 1973, que em seus dispositivos preconiza: Por ação federal e encorajamento do estabelecimento de programas estatais, o ato de espécies ameaçadas provê para a conservação de ecossistemas sob os quais espécies ameaçadas de peixes, silvestres e plantas dependem. O ato: ... proíbe tomar posse, vender e transportar sem autorização espécies ameaçadas. ... autoriza aplicação de penalidades civeis e criminais por violação do Ato ou regulações...9 Dessa forma, os institutos de responsabilização civil, inclusive de responsabilidade por produto sofrem extensão de aplicação pelo ato de espécies ameaçadas, entre outros atos como o Clear Air Act, que dispõe sobre a qualidade do ar, Clean Water Act que dispõe sobre águas, etc. podendo-se reclamar não somente pelos danos sofridos pela pessoa do consumidor, mas pelos danos sofridos por espécies ameaçadas e seu entorno, através do instituto da responsabilidade pelo produto. A importância e aplicabilidade desses institutos observados parecem bastante visíveis a partir da reflexão sobre os custos que recaem sob o consumidor a partir dos danos ambientais e deverão ficar ainda mais claros a partir dos estudos de caso presentes no órgão de solução de controvérsias da OMC a ser apontados no final deste capitulo. 9 United States of America, Endangered Species Act of 1973 (16 U.S.C. 1531-1544, 87 Stat. 884), as amended -- Public Law 93-205, approved December 28, 1973, repealed the Endangered Species Conservation Act of December 5, 1969 (P.L. 91-135, 83 Stat. 275). The 1969 Act had amended the Endangered Species Preservation Act of October 15, 1966 (P.L. 89- 669, 80 Stat. 926). 12 1.b Institutos da Civil Law a partir de uma abordagem do sistema brasileiro Dando continuidade aos estudos dos institutos de proteção do consumidor e as repercussões no âmbito ambiental desses institutos e da repercussão dos danos ambientais no cotidiano do consumidor, passaremos a estudar a realidade do direito continental, dando maior atenção aos institutos presentes no direito brasileiro que servirá de ponto de partida para análise do bloco sul americano no segundo capitulo deste trabalho. Seguindo os passos utilizados em nossa análise dos institutos da Common Law a partir do trabalho de Pfennigstorf, nos utilizaremos do trabalho da Professora Claudia Lima Marques “Contratos no Código de Defesa do Consumidor”10 para analisar alguns institutos análogos aos existentes no sistema anglo-saxão para conectar a realidade da proteção do consumidor à proteção do meio ambiente. Primeiramente, analisaremos o instituto dos vícios de qualidade, ou vícios de inadequação que, segundo a autora: ... o sistema do CDC prevê três tipos de vícios por inadequação dos produtos: vícios de impropriedade, vícios de diminuição de valor e vícios de disparidade informativa. Estes três últimos denominamos aqui vícios de qualidade por falha na informação, os quais por sua relação com o dever de informação, destacado anteriormente como um dos principais do novo regime contratual do CDC... ...Quanto aos vícios de inadequação, o dispositivo mais importante é o do art. 18 do CDC, o qual institui em seu caput uma solidariedade entre todos os fornecedores da cadeia de produção, com relação à reparação do dano (note-se que é um dano contratual a partir da visão do consumidor) sofrido pelo consumidor em virtude da inadequação do produto ao fim que se destinava.11 10 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 3ª edição, 1999, Revista dos Tribunais. 11 Ibidem, p 582 13 A partir de nosso estudo anterior, podemos destacar entre os prejuízos ambientais que podem afetar o consumidor aqueles que concernem a sua saúde diretamente e aqueles que o afetam a partir dos desequilíbrios causados no entorno do qual faz parte. Dentro da visão do vicio por inadequação, resta evidente que o produto que não é compatível com a sua finalidade, independente da etapa de produção, o que justifica a solidariedade entre a cadeia de fornecimento é abarcado por remédios dentro de nosso sistema de defesa do consumidor e que, a partir da análise em conjunto com a nossa constituição federal que institui em seu art. 255 um direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, estão abarcados nesses vícios de adequação, não somente aqueles produtos ofensivos ao consumidor diretamente, mas aqueles produtos que podem afetar o entorno do consumidor, pois é direito deste, enquanto parte do mesmo ordenamento constitucional mencionado um meio ambiente equilibrado. Dessa forma, é aplicável o regime de vicio por inadequação para uma proteção do meio ambiente em ambos casos de intersecção das áreas em que estamos trabalhando. Quanto ao primeiro regime de vícios, concernentes à saúde do consumidor, uma análise dos artigos 8º e 10º podem sanar qualquer duvida, em conformidade com o trecho que destacamos do trabalho da referida autora: Deveres do fornecedor de produtos perigosos – Os arts. 8º e 10 do CDC impõem aos fornecedores, inclusive ao comerciante final, não fabricante, a obrigação de não colocarem no mercado produtos ou serviços que acarretem “riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza ou função”12 Dessa forma, está abarcada de forma prevista a categoria de produtos nocivos à saúde ou segurança dos consumidores dentro do micro-sistema de proteção ao consumidor em nosso ordenamento. 12 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 3ª edição, 1999, Revista dos Tribunais. p. 618 14 Por ultimo, uma análise da responsabilidade por fato do produto e do serviço é necessária para que se completem as esferas de proteção do meio ambiente a partir do sistema de proteção do consumidor brasileiro, onde: ...Em matéria de responsabilidade civil, o principal valor a ser protegido pelo direito deve ser o efetivo e rápido ressarcimento das vitimas. O CDC para alcançar este fim afasta-se do conceito de culpa e evolui, no art. 12 para uma responsabilidade objetiva do tipo conhecida na Europa como responsabilidade “não-culposa”. ...O Código de Defesa do Consumidor em seu art. 1 dispõe: “Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor nacional e o importador respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua utilização e riscos”.13 Dessa forma, a partir de uma leitura constitucional do CDC em consonância com o art. 255 da constituição federal brasileira, está o consumidor protegido em seus direitos de um meio ambiente sadio e demais decorrências da proteção do meio ambiente a partir do micro-sistema brasileiro de proteção ao consumidor tanto pelo sistema de responsabilidade por vicio de produto dos artigos 19 e 20 do CDC, bem como pelo regime de responsabilidade por fato de produto dos arts. 12 e 13 do CDC. Podendo-se concluir que, em ambos sistemas, de Common Law e Civil Law é possível a intersecção dos meios de proteção do meio ambiente e do consumidor, a partir de uma interpretação sistemática que hoje permeia ambos sistemas influenciados pela difusão dos direitos humanos e dos valores protetivos do meio ambiente que transcendem os sistemas outrora fechados do direito que hoje vivem a égide do diálogo das fontes preconizado por Erik Jayme.14 13 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 3ª edição, 1999, Revista dos Tribunais. p 620 e 621 14 JAYME, Erik, Cadernos do Programa de Pós Graduação em Direito – PPGDir/UFRGS, Vol I. Número I – 2004, UFRGS. 15

2. Casos envolvendo meio ambiente na OMC e a relação com os institutos de proteção do consumidor.

É de suma importância o estudo da matéria do comércio internacional, em relação à interação entre consumidores e meio ambiente, dado que em nosso mundo globalizado, grande parte das relações de consumo são provenientes de questões de comercio exterior, havendo uma grande interdependência entre Estados em matéria de fornecimento de produtos e serviços hoje reconhecida mundialmente pela presença de fortes blocos econômicos regionais e pela força da Organização Mundial do Comércio (OMC). No que se trata das questões envolvendo este segmento, é notório que o órgão com maior importância neste segmento é o de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio, não analisando-se para tal afirmação questões qualitativas em relação aos blocos econômicos existentes, mas pelo alcance das decisões do referido órgão pelo grande numero de países signatários desta organização superior a qualquer bloco econômico regional. A partir do entendimento desta importância, escolhida foi a OMC para a análise das repercussões no comércio exterior da proteção do meio ambiente e posterior análise dos casos apreciados pelo referido órgão de solução de controvérsia, selecionados a partir da repercussão internacional histórica destes, sob a visão das possibilidades de tratamento interno a partir dos sistemas de proteção do consumidor anteriormente estudados neste trabalho. Segundo Ana Cristina de Paulo Pereira, o meio ambiente influi sobre o fluxo internacional de comércio de duas formas: ... 1) Como elemento de desequilíbrio na competitividade dos produtos/ serviços, em decorrência de disparidades nas legislações ambientais nacionais, ou mesmo, de ausência de tal legislação; e 2) Como objeto de proteção para 16 justificar a adoção de medidas internas de restrição ao comercio.15 Quanto à primeira forma de interferência, a autora refere as tentativas de harmonização legislativa dentro dos blocos econômicos regionais, que visam reduzir este tipo de prática: ...Dessa forma, no âmbito das áreas de integração econômica, onde prima a livre circulação de mercadorias, o meio ambiente é mormente submetido a disciplinas comuns a suas partes integrantes: na União Européia existe uma política ambiental comunitária, que da origem a normas obrigatórias a todos os seus Estados-membros; no Acordo Norte Americano de Livre Comércio..., vamos encontrar o Acordo Norte-Americano sobre Cooperação Ambiental...e no MERCOSUL, temos o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente...16 Dessa forma, para fins de estudos dos casos da OMC, fixaremos nossa atenção na segunda forma de interferência a partir dos casos que trataremos a seguir. Importante ressaltar porém antes da análise casuística a previsão contida no acordo GATT que dá origem à OMC que é utilizado como fundamento para o levantamento das questões ambientais a ser estudadas a seguir: Dentre todos esses dispositivos, interessam-nos particularmente o Artigo XX, onde duas alíneas, (b) e (g), referem-se especificamente à proteção do meio ambiente enquanto objeto legitimo para justificar a aplicação de restrições ao comércio: enquanto a alínea (b) autoriza os Membros da OMC a adotarem medidas “necessárias para protegr a saúde ou a vida das pessoas, animais ou vegetais”, a alínea (g) autoriza a adoção de medidas “relacionadas à conservação dos recursos naturais não renováveis quando tais medidas forem tornadas efetivas em conjunto com restrições sobre a produção ou o consumo doméstico”.17 15 PEREIRA, Ana Cristina Paulo, A proteção do meio ambiente na OMC: Restrição legítima ao comércio internacional de mercadorias?, in TRINDADE, Antônio Augusto Cançado et al. Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo, Renovar, 2008. p. 425 e 426 16 Ibidem p. 426 17 PEREIRA, Ana Cristina Paulo, A proteção do meio ambiente na OMC: Restrição legítima ao comércio internacional de mercadorias?, in TRINDADE, Antônio Augusto Cançado et al. Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo, Renovar, 2008. p. 433 17 O primeiro caso selecionado, é o emblemático Tuna-Dolphin, ou AtumGolfinho18, no caso em questão, os Estados Unidos da América proibira a importação de atum de outro membro do bloco NAFTA, o México, a fim de preservar a determinada espécie de Golfinhos ameaçada, com fulcro no Endangered Species Act, anteriormente mencionado neste trabalho, pelos métodos de pesca do produto em questão. O caso foi levado à OMC pelo México a fim de derrubar medidas protetivas por parte dos EUA que estariam em desacordo com as restrições impostas pela OMC aos seus signatários a partir do principio do tratamento nacional e da não-discriminação. Foi utilizado como fundamento pelos EUA para a medida tomada, o art. XX do GATT, alínea g que, conforme visto, tenta preservar o recurso natural não-renovável Golfinho. O órgão de resolução de controvérsias nesse caso particular não considerou a aplicabilidade do art. XX do GATT, dado que as restrições impostas pelos EUA ao México não eram compatíveis com as restrições internas em relação aos seus produtores, não atendendo dessa forma o disposto na segunda parte da mesma alínea invocada. Um segundo caso passível de estudos é o chamado US-Gasoline, ou caso da Gasolina19, considerado o 1º caso da OMC a tratar da questão ambiental, o caso discutira os padrões impostos pelos EUA para a importação de gasolina a partir da efetivação do Clean Air Act e tentativa de redução de emissões de gases poluentes nas principais cidades norte-americanas. A medida foi discutida pelo Brasil e pela Venezuela no âmbito da OMC, afirmando que os EUA estariam tomando medidas desproporcionais entre os produtos importados e os produtos internos do país. Os EUA utilizaram como argumento a alínea g do artigo XX do GATT, afirmando que a medida visara proteger o recurso natural não-renovável “ar”, e que portanto as barreiras seriam legitimas. Da mesma forma que no caso Tuna-Dolphin, a OMC entendeu que a falta de proporcionalidade entre a aplicação doméstica e tratamento internacional da medida tornavam a aplicação da referida alínea injustificável. 18 United States – Restictions of Imports of Tune from EU (WT/DS29/R, 1994). 19 United States – Standards for reformulated and conventional gasoline, from Brazil and Venezuela (WT/DS2/AB/R. 1996) 18 A partir dos primeiros casos mencionados, portanto, pode-se concluir que a proteção do meio ambiente a partir do art. XX, alínea g do GATT ainda é bastante limitada pelo foco concorrencial do órgão de solução de controvérsias desta organização. Não limita-se porém à questão comercial a discussão dos casos tratados, uma vez que a soberania do país membro é inquestionável no âmbito internacional e os preceitos constitucionais e legais que são levantados para a proteção do meio ambiente a partir da tentativa de efetivação destes podem e devem ser suscitados a partir dos meios de defesa do consumidor que é ferido em seus direitos a um meio ambiente equilibrado no próprio âmbito interno, seja a partir dos institutos da Responsabilidade pelo Produto (Product Liability) na Common Law, seja por institutos de responsabilidade por vicio ou fato do produto em países de origem jurídica continental. Por último, passamos a estudar o caso Turtle-Shrimp, ou CamarãoTartaruga20, onde os EUA proíbem a importação de camarões e produtos relacionados da Malásia e outros países orientais com fundamento no Endangered Species Atc, onde a proteção da espécie de Tartarugas, ameaçada pelos meios de pesca de camarão, justificaria as medidas protetivas. Os países afetados pela medida dos EUA levaram o caso ao órgão de solução de controvérsias da OMC que surpreendentemente entendeu como legitima a suscitação do artigo XX, alínea g do GATT, inclusive apreciando o disposto no preâmbulo do acordo, no toante à preservação do meio ambiente ser um dos objetivos da OMC, mas porém a medida tomada pelos EUA evocando o diploma legal fora considerada desproporcional, dado que primeiramente deveria procurar as partes interessadas para acordos multilaterais de cooperação ambiental, portanto foi desconsiderada mais uma vez a medida dos EUA por não ser justa e flexível para com os países afetados. Dessa forma, o caso Camarão-Tartaruga demonstra que é mais uma ferramenta para a defesa do meio ambiente o órgão de solução de controvérsias, desde que as medidas tomadas pelo Estado seja justa e equitativa em relação aos Estados afetados pelas mesmas. Estando o meio 20 United States – Import Prohibition of Certain Shrimp and Shrimp products (WT/DS58?AB/R2001) 19 ambiente ligado ao direito do consumidor tanto nas relações internas quanto nas internacionais no tocante ao tratamento dos produtos antes, durante e após as relações de consumo. 20

Conclusões.

A partir dos estudos realizados em âmbitos outrora designados como incompatíveis de Common Law e Civil Law, podemos perceber que a teoria de Erik Jayme se perfectibiliza na atual consonância existente em regimes tão distintos em origem a partir da proteção do consumidor e do meio ambiente como princípios bastante presentes em ambos ordenamentos. O direito internacional não foge à intersecção entre essas duas áreas de proteção de direitos difusos, uma vez que as matérias de direito concorrencial presentes no órgão de resolução de controvérsias da OMC tratam de ambas matérias, ou seja, produção, transporte e vendas de produtos e danos ambientais destes decorrentes. Dessa forma, o direito internacional, como o direito interno, sob uma égide pósmoderna aplica diferentes sistemas jurídicos que se comunicam entre si para resolver casos cada vez mais recorrentes em nossa sociedade, em especial casos de direito do consumidor e de direito ambiental. Para tanto, em países de origem jurídica de Common Law, estatutos legais como Endangered Species Act e Clean Air Act, somados a institutos tradicionais de resolução de controvérsias como a Responsabilidade Objetiva (Strict Liability) e Responsabilidade pelo Produto (Product Liability) são cruciais para a resolução destas questões que hoje se põe. Da mesma forma que uma interpretação constitucional do Código de Defesa do Consumidor ou leis de defesa do consumidor presentes em diferentes ordenamentos de origem Romano-Germânica é de mesma valia para que haja uma efetiva comunicação entre as normas tão necessária para a proteção efetiva do consumidor e do meio ambiente, que ocupam esferas tão interdependentes entre si. Da mesma forma, não se pode desmerecer a importância dos órgãos de solução de controvérsia internacionais para tratamento de questões desta área, dado que a OMC ainda é mister em questões concorrenciais que envolvem 21 diferentes blocos econômicos e também deve-se atentar para a importância crescente das cortes voltadas a proteção dos direitos humanos para esta matéria, tendo como exemplo o mencionado entendimento do membro da Corte Inter-Americana de Direitos Humanos, Cançado Trindade e igualmente importante em atuação Corte Européia de Direitos Humanos, entre outros órgãos de suma importância atuantes na área. 22

Referências Bibliográficas

GUERRA, Sidney, O direito de ingerência em matéria ambiental, in TRINDADE, Antônio Augusto Cançado et al. Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo, Renovar, 2008. JAYME, Erik, Cadernos do Programa de Pós Graduação em Direito – PPGDir/UFRGS, Vol I. Número I – 2004, UFRGS JUNIOR, Alberto do Amaral et al., O Artigo XX do Gatt, meio ambiente e direitos humanos, São Paulo, 2008, Aduaneiras MARQUES, Claudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 3ª edição, 1999, Revista dos Tribunais PEREIRA, Ana Cristina Paulo, A proteção do meio ambiente na OMC: Restrição legítima ao comércio internacional de mercadorias?, in TRINDADE, Antônio Augusto Cançado et al. Novas Perspectivas do Direito Internacional Contemporâneo, Renovar, 2008. PFENNIGSTORF, Wener, Environment, Damages and Compensation; Law & Social Inquiry, Volume 4 Issue 2, American Bar Foundantion Pg. 347-448. Disponível em: http://www3.interscience.wiley.com/journal/119606542/abstract p 350 Último acesso em: março de 2009. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio ambiente. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1993, p.23. United States – Standards for reformulated and conventional gasoline, from Brazil and Venezuela (WT/DS2/AB/R. 1996) United States – Import Prohibition of Certain Shrimp and Shrimp products (WT/DS58?AB/R2001) United States – Restictions of Imports of Tune from EU (WT/DS29/R, 1994). United States of America, Endangered Species Act of 1973 (16 U.S.C. 1531- 1544, 87 Stat. 884), as amended -- Public Law 93-205, approved December 28, 1973, repealed the Endangered Species Conservation Act of December 5, 1969 (P.L. 91-135, 83 Stat. 275). The 1969 Act had amended the Endangered Species Preservation Act of October 15, 1966 (P.L. 89-669, 80 Stat. 926).