Quando as fontes conversam - um diálogo sobre a modernização do Poder Judiciário


PorLahis Kurtz- Postado em 21 março 2016

Este texto é um diálogo montado a partir da mixagem de trechos de dois artigos de autores diferentes que li em meio a minhas pesquisas. Os destaques são meus.

As fontes estão referenciadas ao final do post e a leitura integral é altamente recomendada; no entanto, pensei que seria mais lúdico apresentar o resumo de ambos na forma de uma conversa, como se os autores estivessem em um painel:

 

É preciso testar em que medida a informatização do processo e a criação de um sistema estatístico, por exemplo, que são parte das respostas atuais pela necessidade de modernização do Judiciário, atingem o problema qualitativo das decisões e do acesso à justiça efetivo.

(LEITE, REBOUÇAS; 2015, p. 67)

 

Inserido no contexto das reformas administrativas do Poder Executivo brasileiro, que teve como marco a criação Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado –MARE [sic] (BRESSER-PEREIRA, 1999), o Poder Judiciário também sofre coerção de uma sociedade ávida por celeridade, segundo apontado nas reformas do Poder Judiciário, diante da dita “Crise do Judiciário”, seguindo a tendência de adoção do modelo gerencial na administração pública. “O impacto da crise da burocracia weberiana e da implementação do modelo gerencial em vários órgãos, transformou o atual debate na área de administração pública. A reforma administrativa ligada ao managerialism entrou na ordem do dia” (ABRUCIO, 1997, p. 37).

(LIMA, CRUZ; 2011, p. 10)

 

Um dos diagnósticos mais adequados a esta complexidade pode ser encontrado nos estudos de Antoine Garapon (2008) quando apresenta uma análise das características desse modelo neoliberal de justiça, focado na ideia de eficácia, atuação estratégica e segurança. Partindo da ideia de neoliberalismo como uma extensão do paradigma econômico a todos os domínios da sociedade e da vida individual, Garapon expõe as faces instrumentais de um juiz objeto, como uma tecnologia a serviço do mercado, a permitir julgamentos úteis, eficientes e seguros.

(LEITE, REBOUÇAS, 2015, p. 70)

 

No que tange à expansão do uso da Tecnologia da Informação, desde a sua instalação, o CNJ vem exercendo um importante papel conforme pode ser evidenciado nas análises das resoluções publicadas. Para realização de tal análise buscou-se a constatação quantitativa e não institucional, do número de vezes em que o tema da tecnologia da informação entrou na agenda de discussões do conselho, resultando na elaboração destas.

(LIMA, CRUZ, 2011, p. 13)

 

ANDRADE (2013), avaliando a criação e implantação do sistema virtual PROJUDI (atualmente e-jus) pelos tribunais brasileiros, identificou um cenário bastante complexo na transição de um sistema analógico para outro virtual. A autonomia administrativo-financeira e gerencial de cada um dos tribunais que compõe o organograma da justiça brasileira resultou que iniciativas atomizadas e sem qualquer comunicação entre as instâncias resultassem num emaranhado de sistemas autônomos, sem qualquer ligação e possibilidade de transmissão de dados entre eles.

(LEITE, REBOUÇAS, 2015, p. 72)

 

É importante ressaltar que a atuação do CNJ nas definições das diretrizes tecnológicas do Poder Judiciário brasileiro, traz este Poder a uma posição de vantagem em relação ao Poder Executivo. Isto porque, na pesquisa realizada por Laia (2009), a fragmentação das políticas de Tecnologia da Informação no Poder Executivo representa um grande dificultador para o alcance dos benefícios esperados. Assim, o Conselho representa um forte potencial na promoção da coesão dos direcionamentos tecnológicos do setor pela sua centralização das diretrizes mesmo diante da pluralidade de contextos existentes nos órgãos do Poder Judiciário brasileiro em tamanhos, número de processos recebidos, número de servidores e, especialmente, nos investimentos em Tecnologia da Informação.

(LIMA, CRUZ. 2011, p. 14)

 

Os dados do ‘Justiça em números’ são lançados desde o ano de 2005, e o CNJ vem aperfeiçoando os critérios de coleta de dados a cada ano. Neste sentido, as séries históricas estão ainda em fase de estabilização, tendo em vista que ao mudar a forma como o dado é calculado, cria-se um óbice à comparação ano a ano. Por outro lado, como os tribunais ainda não possuem um sistema unificado de coleta de dados, inclusive por conta dos diferentes sistemas de informatização que foram implantados em cada tribunal, o início da coleta dos dados, que acontece em cada setor dos mais diversos tribunais, tem sido um ponto crítico para a coerência dos sistemas de avaliação. Muitos tribunais realizam a coleta manual, sem qualquer indexação ao dado.

(LEITE, REBOUÇAS; 2015, p. 75)

 

O direcionamento e integração promovidas pelo Conselho Nacional de Justiça têm fundamental importância diante da dificuldade imposta pela estrutura interna dos órgãos do Poder Judiciário brasileiro, pautados na burocracia profissional, para a implantação de práticas gerenciais. Ainda, a atuação do CNJ, reduz o efeito da fragmentação natural dos órgãos do Poder Judiciário que se transformaram em ilhas incomunicáveis, conforme defendido anteriormente. [...]

Diante de problemas do Poder Judiciário brasileiro, destacados por Renault (2005), como a lentidão, pouca transparência, obsolescência administrativa, dificuldade de acesso, complexidade estrutural e desarticulação institucional, coligidos com os efeitos da revolução Sociedade da Informação (CASTELLS, 2000), a informatização passou a ter um importante papel no processo de reformas, tornando-se parte delas. Este crescente papel da Tecnologia da Informação pôde ser identificado nas ações promovidas pelo Conselho Nacional de Justiça, que ora determina diretrizes para a adoção de tecnologia da informação, ora utiliza esta tecnologia no suporte às suas ações, como verificado em 35% de suas resoluções publicadas.

(LIMA, CRUZ; 2011, p. 14)

 

A determinação de metas quantitativas e a utilização de tecnologia de informatização dos processos certamente servirá para modernizar o Judiciário, torná-lo mais eficiente. Poderá diminuir a carga de trabalho dos magistrados, dos servidores em geral e até dos atores dos processos, mas não há nenhuma garantia de que proporcionará uma justiça mais efetiva, mais “justa”. Eficiência é diferente de efetividade. Modernizar para garantir a eficiência do Judiciário não implica, necessariamente, garantir resultados efetivos para quem se utiliza do sistema de justiça brasileiro.

(LEITE, REBOUÇAS; 2015, p. 79)

 

Mesmo em constante aperfeiçoamento, a atuação do Conselho Nacional de Justiça mediante reformas do Poder Judiciário brasileiro tem um papel significativo na introdução das práticas gerenciais. Não se trata aqui de defender a administração pública deva ter o seu funcionamento espelhado na administração privada, uma vez que os objetivos das duas organizações são divergentes. Na primeira, há a busca da justiça e melhor alocação dos recursos e, na segunda, prima-se pelo lucro. Na administração pública, a sociedade conta com os políticos para traduzirem os seus anseios, assim, também não defendo a completa separação entre política e administração, pois a compreensão da demanda da sociedade contribui para o alcance da melhor alocação de recursos. Contudo, a administração pública pode ser mais “gerencial”, a fim de ser mais eficiente, atuando com economia de recursos de forma otimizada e com eficácia, produzindo os melhores resultados.

(LIMA, CRUZ; 2011, p. 15)

 

De leituras como essas, podemos concluir que no sentido top-down, ou no âmbito macro, que é o do CNJ, o Poder Judiciário usa TI para aprimorar sua atuação, inserindo-se nesse novo contexto que emerge com o digital e do qual também é fruto uma maior demanda por cidadania a e participação.

No entanto, no sentido bottom-up temos ações que vão ao encontro dessas? Na realidade com que lidam os magistrados, advogados, partes, servidores no primeiro grau, podemos registrar boas práticas de TI que vão ao encontro dessas políticas? Quais as disparidades? Quais os reflexos da busca por eficácia? Qual o rumo ou os rumos tomado no âmbito micro? Como reunir dados para responder a essas perguntas de forma objetiva?

 

Referências:

LEITE, Martha Franco; REBOUÇAS, Gabriela Maia. Desafios de um judiciário brasileiro em números: a modernização a serviço de que(m)?. In: BARBOSA, Claudia Maria; CARVALHO NETO, Frederico da Costa; LEAL, Rogério Gesta (Org.). Política judiciária e administração da justiça. Florianópolis: Conpedi, 2015. p. 64-81. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/publicacoes/c178h0tg/7z8sksbh/9wFg6lQyr8ddOx9s.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2016

LIMA, Tatiana Cristina; CRUZ, Marcus Vinicius Gonçalves da. O Conselho Nacional de Justiça e as Reformas do Poder Judiciário: aspectos da Tecnologia da Informação. In: XXXV ENCONTRO DA ANPAD, 25., 2011, Rio de Janeiro. Anais do XXXV EnANPAD. Rio de Janeiro: Anpad, 2011. p. 1 - 17. Disponível em: <http://www.anpad.org.br/admin/pdf/APB3066.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2016.

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