Quem tem medo da Justiça do Trabalho?


Porwilliammoura- Postado em 21 março 2012

Autores: 
DUARTE, Bento Herculano

 

Quem tem medo da Justiça do Trabalho?

 


Bento Herculano Duarte

 

Juiz do Trabalho. Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor da UFRN

 


 

 

A coisa chegou a tal ponto que poderíamos ter intitulado: quem tem medo do lobo mau! Em face das leviandades e distorções afirmadas nos últimos dias, deixaremos de lado a riqueza dialética e os floreios de ocasião, impondo-se tratar da forma mais objetiva possível o gravíssimo golpe que se contorna sombriamente em direção à sociedade brasileira, particularmente ameaçando o gigante segmento de nossa classe trabalhadora assalariada. 

      Poderíamos, inclusive, de igual ter nominado: a quem interessa acabar com a Justiça do Trabalho? De qualquer sorte, haveremos sempre que expor a veracidade acerca da ‘‘obscena marcha de insensatez’’ (expressão de Carlos Chagas, in Correio Braziliense de 11.3.99) empreendida pelo presidente do Senado: o que se pretende é acabar com a legislação trabalhista de nosso país, por conseqüência desprotegendo-se, por completo, o labor sob vínculo de emprego. 

      Em verdade, a resposta às indagações supra é única e clarividente, havendo de ser corajosa. Quem pretende acabar com a legislação trabalhista é o capital que tem ojeriza do plano social. Mas como o fazer? Aí é que adentram em cena os instrumentos formais do desmonte: os políticos que são financiados às abertas por dito capital. Em suma: a elite econômica forja a elite política, comprometida em beneficiar o capital, sem qualquer outra preocupação. Foi assim, e.g., com a barbárie do inócuo kit obrigatório de segurança automotiva. Imediatamente geraram-se 270 milhões de reais em prol dos laboratórios farmacêuticos — fortes financiadores de campanha. Cumprida a missão, a revogação da obrigação já se anuncia. Pretende-se que seja assim com o desmonte da proteção trabalhista, para tanto vendendo-se a imagem de que a Justiça do Trabalho é o lobo mau; o empresariado descomprometido com o social sendo a vovozinha. 
 

      Pergunta-se: podemos rotular de lobo mau uma instituição que recepciona, apenas as Juntas de Conciliação e Julgamento, 1.981.562 processos (dados de 97)? E que dizer dos Tribunais Regionais, que em 98 receberam 384.886 recursos para apreciar? E o TST, dito improdutivo por ACM, com 27 ministros recebendo 131.413 processos ao ano e apreciando 111.831 deles? Significa, em onze meses, média mensal de 376,5 julgamentos para cada ministro, como relator, e igual número como revisor. Total: 753 decisões ao mês. As JCJ’s julgaram, em tais períodos, 1.922.367 processos, enquanto os TRT’s atingiram a marca de 413.439. 

      Há de se esclarecer a verdade. A grande crítica à Justiça refere-se à demora. E tal só ocorre por culpa exclusiva do legislador, que faz leis ao talante dos interesses das elites econômicas, com um sistema recursal absurdamente amplo e complicado. Ademais, não se tem investido na estruturação do Judiciário, pela ausência de dividendo eleitoral. Mas muitos são os que erram, escudando-se de seus erros imputando-os a terceiros. Assim é que o presidente do Senado tem a ousadia de acusar o Judiciário pela figura do juiz classista. A sociedade há de saber: todas as associações de juízes do Brasil, como tribunais diversos, de há muito vêm pedindo o fim da instituição classista, inclusive exercendo lobby em tal sentido. Mas, em dezembro passado, o Senado Federal — pasmem — obstaculou emenda constitucional com tal proposição. É caso típico, pois, de culpado acusando a vítima por sua culpa. 

      Recentemente, foi promulgada a Emenda nº 20, pela qual os senhores senadores e deputados aprovaram a ampliaçção da idade mínima para o emprego, de 14 para 16 anos de idade. Amanhã, certamente, será a Justiça do Trabalho chamada de lobo mau, por colocar na marginalidade garotos de 14 e 15 anos, quando outros é que engoliram a vovozinha. 
 

      Como bem afirma Antonio Ermírio de Moraes (Folha de S. Paulo de 7.3.99), o problema reside no campo da lei e não no da Justiça. Arremata ele: ‘‘Se a lei é instigadora de conflito, está na hora de mudar a lei para, então, elevar a cooperação, desafogar a Justiça e valorizar os seus julgamentos’’. Mas quem pode mudar a lei; o juiz ou o legislador? 
 

      Na realidade, a legislação deve modernizar-se. Para tanto, o Executivo e o Legislativo hão de se empenhar, ao invés de instigarem o ataque a uma instituição que, em face aos números expostos, demonstra-se essencial à paz social. Pregar-se o fim da JT implica, inelutavelmente, defender o fim da proteção trabalhista, com o restabelecimento do capitalismo selvagem pré-revolução industrial. Para tanto utiliza-se da tática nazifascista da transformação, pela repetição, de uma mentira em verdade. Esconde-se da sociedade que Justiça do Trabalho especializada existe em países tão diversos como Alemanha, Inglaterra, Austrália, Argentina, Israel, Indonésia e Costa do Marfim. São dezenas deles. Mas onde não há, existe uma aparelhagem judicial que permite que uma Justiça, mesmo não especializada, resolva com presteza os reclamos dos trabalhadores. Definitivamente, não é esse o nosso caso.

Extraído do site do jornal Correio Braziliense