Recurso Extraordinário. Feição objetivo do instrumento de controle difuso de constitucionalidade e ampliação dos efeitos para tratamento idêntico ao controle concentrado


PorJeison- Postado em 18 dezembro 2012

Autores: 
SILVA, Dirlene Gregório Pires da.

 

O recurso extraordinário tem previsão legal na Constituição Federal e no Código de Processo Civil, sendo a última instância recursal que detêm as partes litigantes, para manifestar inconformismo na defesa de seus direitos contra atos ou normas, que acreditem ser contrárias a Magna Carta.

 

Trata-se de instrumento de controle de constitucionalidade, na via difusa, em que as partes incidentalmente argúem acerca de ato/norma inconstitucional co-relacionado ao pedido principal, cabendo o seu julgamento ao plenário do Supremo Tribunal Federal.

 

Ao STF cabe a apreciação da constitucionalidade do objeto impugnado pelas partes incidentalmente, por meio da via recursal. Nas palavras de Lenio Streck, Marcelo Andrade e Martonio Mont’Alverne:

 

O Supremo Tribunal, aqui, não funciona nem mesmo como mera corte de cassação, mas como corte de apelação, cabendo-lhe julgar tanto o error in procedendo quanto o error in iudicando Assim, o resultado da atuação do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade nunca é o julgamento de uma tese, e dessa atuação não resulta uma teoria, mas uma decisão; e essa decisão trata da inconstitucionalidade como preliminar de mérito para tratar do caso concreto, devolvido a ele por meio de recurso, sob pena de se estar negando jurisdição (art. 5.º, XXXV e LV, da Constituição da República). (STRECK; OLIVEIRA; LIMA, 2007, p. 3-4).

 

Apesar de recurso manejado em um processo de interesse das partes, o recurso extraordinário não envolve questões que afetam aspectos individuais, particulares, tendo um escopo maior, qual seja, a proteção dos preceitos estatuídos na Magna Carta.

 

É com essa finalidade que o manejo do extraordinário se submete a um procedimento próprio, não sendo objeto de reexame, na via excepcional, o aspecto probatório da lide, e sim o reexame da questão constitucional em causas decididas em última ou única instância[1]. Neste sentido é pacífico que não cabe o extraordinário para reexame de matéria fática[2], em razão do caráter objetivo do recurso que visa à proteção do sistema constitucional posto.

 

Outrossim, ao instituir o recurso extraordinário o legislador previu a necessidade de prequestionamento[3] para a reapreciação da matéria pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, faz-se imprescindível que as instâncias inferiores tenham se pronunciado acerca da questão tida como violadora da Constituição Federal, preservando-se a possibilidade de qualquer juiz poder se manifestar acerca da matéria constitucional, a análise difusa da constitucionalidade.

 

Apesar da exigência de prequestionamento contida no estatuto processual, o Supremo Tribunal Federal, diante da importância da matéria a ser discutida, tem relativizado a sua necessidade. É o que se percebe no julgamento do AI n.º 375011, em que a Min. Ellen Gracie flexibilizou tal exigência, ressaltando que nos processos cujo tema de fundo foi definido pela composição plenária da Suprema Corte, com o fim de impedir a adoção de soluções diferentes em relação à decisão colegiada. É preciso valorizar a última palavra – em questão de direito- proferida (DIDIER JR., 2007, p. 225). Tal

 

As hipóteses de cabimento do extraordinário estão previstas no art. 102, inciso III, da CF/88, que estatui caber ao STF o julgamento das causas decididas em única ou última instância quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

 

Com o advento da EC n. 45 foi introduzido mais um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, qual seja, a necessidade de comprovação da repercussão geral das questões constitucionais decididas no caso, sendo tal aferição feita pelo pleno do STF[4].

 

O requisito da repercussão geral evidencia ainda mais o caráter objetivo do recurso extraordinário, já que não mais se submetem a apreciação do STF causas que repercutam apenas interesses particulares, sendo necessário comprovar que a matéria impugnada vai além da lide concreta, envolvendo toda uma coletividade, dito interesse geral. 

 

A nova imagem do recurso extraordinário no constitucionalismo moderno é que o instrumento em exame não se trata de mero recurso de partes inconformismo, mas verdadeiro instrumento de controle de constitucionalidade e como tal deve ser entendido como porta voz dos entendimentos do guardião e intérprete da Magna Carta.

 

Segundo essa corrente de pensamento, a decisão em sede de recurso extraordinário deve ser compreendida como exercício de jurisdição constitucional, em que se aprecia a validade da lei ou ato de efeitos gerais e abstratos perante Constituição. Neste sentido, autores modernos defendem que, em razão do recurso extraordinário ter por objeto comando geral e abstrato, sua decisão deveria ser dotada, também, de natureza geral e abstrata.

 

Ocorre que tais efeitos não foram concebidos, inicialmente, no manejo do recurso extraordinário[5], pretendendo o STF acrescentar tais efeitos a partir da substituição da leitura do texto concebido pelo poder constituinte originário por uma nova interpretação do texto editada pelo próprio STF. Trata-se de mutação constitucional exercida pelo poder constituinte derivado judicial.

 

Portanto, o recurso extraordinário para doutrina moderna deve ser compreendido como recurso de caráter objetivo, em que não se tutelam meros interesses subjetivos, mas questões relacionadas aos preceitos constitucionais, à força normativa da constituição, e em razão deste objeto é que deve ser dotado tal recurso de abstratividade geral imperativa[6].

 

Com base nesse entendimento, reconhecer o caráter objetivo do recurso extraordinário é adequá-lo ao se papel de instrumento de controle de constitucionalidade, que independente de ser exercido via difusa ou concentrada, tem por fim adequação de lei ou ato à Magna Carta, devendo, para tanto, apresentar os mesmos efeitos conferidos às decisões em sede de controle abstrato.

 

Para Teori Albino Zavascki, as decisões do STF devem ser dotadas da importância que decorrem as normas constitucionais, sendo a supremacia dos julgados do Supremo conseqüência da supremacia do texto constitucional. Neste sentido, preleciona o autor que ora julgando situações concretas, ora apreciando a legitimidade em abstrato das normas jurídicas, ostentam a força da autoridade que detém, por vontade do constituinte, a palavra definitiva em matéria de interpretação e aplicação das normas constitucionais. (ZAVASCKI, 2001, p. 16).

 

Assim, de acordo com esse pensamento, delimitar a eficácia de uma decisão do STF, em sede de recurso extraordinário, é enfraquecer a força normativa da Constituição, na medida em que a interpretação dada no caso concreto acerca da constitucionalidade de lei/ato deve ser acatada por todos os demais órgãos do Poder Judiciário e valer para os casos idênticos, pois se trata de exercício de jurisdição constitucional.

 

A jurisdição constitucional, portanto, não visaria à solução de litígios inter partes, mas conforme as palavras de Celso de Albuquerque Silva, objetiva exercer função normativa de enriquecimento e desenvolvimento do ordenamento jurídico que se dirige à coletividade como um todo. (SILVA, 2005, p.XXI).

 

Negar o exercício da jurisdição constitucional pelo STF e o comando abstrato em sede de recurso extraordinário é, para doutrina moderna, vincular-se à idéia de estado liberal absenteísta, em que a atuação judicial se restringe a de legislador negativo. Como lembra o professor Celso de Albuquerque Silva:

 

A doutrina moderna constitucional superou de há muito essa visão conservadora estruturada no paradigma liberal individualista onde o direito é visto como mero ordenador de condutas, para reconhecer à justiça a posição de um verdadeiropoder político. Ao juiz moderno, atuando na nova concepção de um direito promovedor-transformador típico do Estado Democrático de Direito, é reconhecida a importância capital para a efetiva concretização e realização dos valores principais acolhidos na Constituição. Verifica-se, assim, a superação da função judicial negativista clássica, que cede passo a uma função ativa e intervencionista do Poder Judiciário. (SILVA, 2005, p. 91-92)

 

Ao adotar tal posicionamento, Gilmar Ferreira Mendes levantou como questão ordem, na Reclamação Constitucional nº 4335-AC, a viabilidade e a conveniência de se estender a eficácia erga omnes e vinculante às decisões de inconstitucionalidade proferidas pelo Supremo no modelo difuso de controle de normas.

 

Filiando-se ao pensamento do Min. Gilmar Ferreira Mendes o Min. Celso de Mello confere a essa nova possibilidade de ampliação dos efeitos da decisão em controle difuso pelo STF o status de mutação constitucional, em que se modifica o sentido do texto constitucional e das normas processuais acerca do tema não por processo comum de reforma, as chamadas emendas constitucionais no exercício do poder constituinte derivado, mas por interpretação exercida pelo próprio STF.

 

A distinção entre mutação constitucional e reforma é traçada por Anna Cândida da Cunha Ferraz citada por Glauco Salomão Leite:

 

(...) a distinção que a doutrina convencionou registrar entre reforma constitucional e mutação constitucional; a primeira consiste nas modificações constitucionais reguladas no próprio texto da Constituição (acréscimos, supressões, emendas) pelos processos por ela estabelecidos para sua reforma; a segunda consiste na alteração, não da letra ou do texto expresso, mas do significado, do sentido e do alcance das disposições constitucionais, através ora da interpretação judicial, ora dos costumes, ora das leis, alterações essas que, em geral, se processam lentamente, e só se tornam claramente perceptíveis quando se compara o entendimento atribuído às cláusulas constitucionais em momentos diferentes, cronologicamente afastados um do outro, ou em épocas distintas e diante de circunstâncias diversas. (LEITE, 2008, p. 3)

 

É a partir da releitura dos dispositivos constitucionais e processuais que se pretende ampliar os efeitos do recurso extraordinário, considerando a ampliação do papel do STF.

 

Referências Bibliográficas

 

DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 3ª ed.Bahia: Juspodivm, 2007.

 

LEITE, Glauco Salomão. Constituição e efetividade constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008.

 

SILVA, Celso Albuquerque. Do efeito vinculante: sua legitimação e aplicação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

 

STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. A Nova Perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o Controle Difuso: Mutação constitucional e Limites da Legitimidade da Jurisdição Constitucional. In: http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40. Acessado em 23/09/2009. Criado em 11/09/2007.

 

ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: RT, 2001.

 

Notas:

[1] Enunciado n. 281 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.”

[2] Enunciados 279 do STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.

[3] Acerca da forma de prequestionamento tem-se três possibilidades admitidas na jurisprudência:a) a primeira explícita-“Tem-se como configurado o prequestionamento da matéria veiculado no recurso quando consta, do acórdão, impugnado, a adoção de entendimento explícito a respeito”(STF, RE n. 104.899-9-RS, 2ªT., j. 30.06.1992, rel. Min. Marco Aurélio); b) a segunda, implícita- “Em tema de prequestionamento, o que deve ser exigido é apenas que a questão haja sido posta na instância ordinária. Se isto ocorreu, tem-se a figura do prequestionamento implícito, que é o quanto basta” (STJ, REsp 2.336-MG, 2ª T., j. 09.05.1990, rel. Min. Carlos Velloso); c) a terceira, eclática – “A configuração jurídica do prequestionamento decorre de sua oportuna formulação em momento procedimental adequado. Não basta, no entanto, só argüir previamente o tema de direito federal para legitimar o uso da via do recurso extraordinário. Mais do que a satisfação dessa exigência, impõe-se que a matéria questionada tenha sido efetivamente ventilada na decisão recorrida. Sem o cumulativo atendimento desses pressupostos, além de outros igualmente imprescindíveis, não se viabiliza o acesso à via recursal extraordinário” (STF, AgRgAI n. 134175-1, 1ªT., j. 02.04.1991, rel. Min. Celso de Mello. (DIDIER JR., CUNHA, 2007, pp. 222-223).

[4] Para André Luiz Santa Cruz Ramos cabe ao recorrente, como ônus processual, provar a repercussão geral, em tópico específico de suas razões recursais, sob pena de não ser admitido o extraordinário. (RAMOS, 2005, p. 16)

[5] Como já retratado na parte inicial do trabalho: a não adoção do stare decisis.

[6] Expressão utilizada por Daniel Bijos Faidiga. (FAIDIGA, 2008, p. 94).

 

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