Regime disciplinar diferenciado: solução ou problema?


Portiagomodena- Postado em 29 abril 2019

Autores: 
» Isabela Maria Lacerda

Resumo: O trabalho tem como finalidade estudar o tema de Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e demonstrar sua atual aplicação dentro da legislação brasileira, bem como trazendo suas consequências e os posicionamentos acerca de sua aplicabilidade.  O artigo a ser explicitado tem como elementar a efetuação de análises profundas acerca do instituto penal tratado, bem como a importância de devidas ferramentas processuais, e tratados internacionais para o regime disciplinar diferenciado, analisando se existe um problema ou solução atualmente em nosso ordenamento jurídico brasileiro, para beneficiar ou prejudicar os réus em cumprimento de pena. O trabalho será consubstanciado em referências bibliográficas, tendo em vista a quantidade de obras a despeito do assunto a ser discutido, através da leitura, análise e interpretação de doutrinas, reportagens e documentos, inclusive por meios eletrônicos.

Palavras-chave: Execução Penal. Ressocialização da Pena. Regime Disciplinar Diferenciado. Sistema carcerário. Direito Penal.

Abstract: The purpose of this study is to study the subject of Differential Disciplinary Regime (RDD) and demonstrate its current application within Brazilian legislation, as well as bringing its consequences and the positioning about its applicability. The article to be explained has as elementary the carrying out of deep analyzes about the penal institute treated, as well as the importance of due process tools and international treaties for the differentiated disciplinary regime, analyzing if there is a problem or solution currently in our Brazilian legal system , to benefit or harm the defendants in serving sentence. The work will be based on bibliographical references, considering the number of works regardless of the subject to be discussed, through the reading, analysis and interpretation of doctrines, reports and documents, including by electronic means. 

Keywords: Penal execution. Respecting the Penalty. Differentiated Disciplinary Regime. Prison system. Criminal Law.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1. CONCEITO DE REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. 1.1 Surgimento do Regime Disciplinar Diferenciado no Brasil. 1.2 As principais características do Regime Disciplinar Diferenciado. 1.3 As principais características do Regime Disciplinar Diferenciado. 2. REQUISITOS E CABIMENTO DE ACORDO COM A LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEP). 3. PROCEDIMENTOS PARA A INCLUSÃO DO PRESO NO RDD. 4. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


 

 

INTRODUÇÃO

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) foi instituído pela Lei Federal nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, e constitui uma medida disciplinar carcerária especial, que possui como principal característica um grau de isolamento maior do preso, impondo a ele regras mais rígidas de contato com o mundo exterior. Este regime tem sido criticado, em razão da possibilidade de seus procedimentos afrontarem aos direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição Federal e pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Está previsto na Lei de Execução Penal em seu artigo 52, e é uma forma especial de cumprimento da pena no regime fechado, que se resume na permanência do presidiário em cela individual, com restrições ao direito de saída da cela e ao direito de receber visitas.

Este tipo de regime tem como peculiaridade a aplicação de medidas mais severas a alguns presos que se enquadram em alto grau de periculosidade e que são indisciplinados, colocando por essas razões a segurança da conivência carcerária em risco.

Pode ser realizado de duas formas, a primeira esta prevista no artigo 52, caput, como uma sanção disciplinar, e a segunda está prevista no artigo 52, §1 e §2 como medida cautelar.

A medida cautelar será imposta quando o condenado apresentar alto risco para ordem e segurança da casa prisional, assim como para a sociedade, além de quando existirem suspeitas e indícios que recaiam sobre uma possível participação em associação ou organização criminosa. Sanção disciplinar é determinada quando o condenado pratica fato definido como crime doloso que provoque a indisciplina e a desordem no presídio.

A duração máxima do Regime Disciplinar Diferenciado é de trezentos e sessenta dias, podendo ser aplicada novamente esta sanção por novo cometimento de falta grave de mesma espécie, limitando-se até um sexto da pena que lhe foi aplicada. No caso de preso provisório, será considerada a pena mínima cominada para o crime imputado como base de cálculo para tal limite. Durante a aplicação do regime, o preso é colocado em cela individual, com direito a receber por semana a visita de apenas duas pessoas, exceto as crianças, as visitas têm duração de duas horas e os presos possuem ainda o direito de diariamente sair da cela por duas horas para banho de sol.

O Regime Disciplinar Diferenciado será aplicado somente ao preso que praticar fato tipificado em lei como crime doloso desde que o fato gere subversão da ordem ou indisciplina interna; ao preso condenado ou provisório quando existirem  suspeitas fundadas de envolvimento ou participação, de qualquer tipo, em organizações criminosas, bando ou quadrilha, e ao preso que apresentar alto risco para sociedade ou à segurança e ordem do estabelecimento penal.

Existem algumas controvérsias em relação a aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado, pois de acordo com alguns doutrinadores essa medida se faz necessária, porque, de certa forma ela contribui para o enfraquecimento das forças dos prisioneiros que são ameaças para o regime prisional e/ou para a sociedade, não que seja uma solução para este problemas, mas é uma forma que tem contribuído bastante no sentido de apresentar uma função educadora da pena. Os que criticam essas ações, utilizam-se de argumentos como “sofrimento desnecessário e inócuo”, tendem a ir mais para o lado emocional do que o racional e acabam esquecendo-se do quanto as organizações criminosas são fortes, mesmo estando isolado de tudo e de todos.

Neste artigo será realizada uma análise sobre o regime disciplinar diferenciado, suas características e seu cabimento, além de verificar se o mesmo pode ser considerado benéfico ou não ao preso.

1. CONCEITO DE REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

É necessário conceituar o termo Regime Disciplinar Diferenciado – com abreviação de RDD, antes de começar a analisar os casos e suas características.

O RDD constitui um novo regime de disciplina carcerária especial, tendo como características um maior grau de isolamento do preso e de suas restrições de contato com o mundo exterior, ou seja, esta modalidade de regime não estabelece um regime de cumprimento de pena em acréscimo aos regimes fechado, semiaberto e aberto, ou uma nova modalidade de prisão provisória.

Assim, pode-se entender que o RDD se apresenta como um conjunto de regras rígidas, que serve para auxiliar na ordem e segurança no estabelecimento penal quando há suspeita de envolvimento dos detentos em quadrilha, bando ou organizações criminosas que direciona de forma diferenciada o cumprimento da pena privativa de liberdade. Ademais, essa sanção disciplinar também pode abarcar os presos que tenham praticado crime doloso com subversão na ordem ou da disciplina interna e que indique alto risco para a unidade prisional ou para a sociedade.

Os motivos para a decretação do RDD são: prática de falta grave, conforme disposto nos artigos 50I a VI, da Lei 7.210/84, desde que comprovada em procedimento próprio, com observância do principio da ampla defesa, na existência de fundado risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade ou, ainda, na fundada suspeita de envolvimento ou participação do custodiado, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando, sendo que essas duas últimas hipóteses encontram-se previstas nos parágrafos do artigo 52 da Lei 7.210/84. (MAGALHÃES, 2007).

Nesse sentido, o RDD é necessário nas situações citados no artigo 52 da Lei 7.210/84, uma vez que esse método serve para assegurar a ordem do sistema penal. Esse Regime assume duas modalidades diferentes – a cautelar e a punitiva: “A medida cautelar tem o propósito de impedir a quebra da ordem ou da disciplina na unidade prisional, preservando a segurança, ou possibilitar a correta apuração dos fatos, que pode ser obstada com a permanência do preso em regime normal. Nesses casos, o interesse coletivo prevalece sobre o individual.” Já a punitiva “por força de sua própria natureza, depende de procedimento disciplinar que assegure o direito de defesa (art. 59), de requerimento circunstanciado da autoridade competente (art. 54, § 1º), de manifestação do Ministério Público e da defesa (art. 54, § 2º), e, por fim, de decisão fundamentada do juiz competente (art. 54, caput).” Enquanto que a punitiva, como o próprio nome sugere, pretende punir. A cautelar é preventiva e está ligada ao poder especial de cautela.

O Código Penal estabelece as formas de cumprimento de pena em seu artigo 33, caput, porém, não menciona sobre o RDD, dispondo apenas os regimes fechado, aberto e semi-aberto.

1.1  Surgimento do Regime Disciplinar Diferenciado no Brasil

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) teve início no Estado de São Paulo, mediante a criação da Resolução 26/2001 elaborada pela Secretaria de Administração Penitenciária, com a justificativa de ser esta medida necessária para acabar com o crime organizado, possibilitando o isolamento do preso por até 360 dias e aplicava-se apenas aos presos que tinham comportamentos inadequados ou aos líderes de facções criminosas.

A Resolução 26/2001 do Estado de São Paulo surgiu como solução à megarrebelião que aconteceu no início do ano de 2001, quando houve simultaneamente a rebelião de 29 unidades prisionais, por ordem de chefes de facções criminosas advindas do interior dos próprios presídios.

Na cidade do Rio de Janeiro, em 2002, foi estabelecido um regime semelhante ao regime paulista, resultado da rebelião ocorrida no Presídio Bangu I, organizada pelo líder da organização criminosa Comando Vermelho, Fernandinho Beira-Mar, chamado de Regime Disciplinar Especial de Segurança. 

Após uma grande pressão da mídia e da população, motivada pelo pânico causado depois do assassinato de dois juízes responsáveis pela Vara de execução criminal da comarca de Vitória e da comarca de São Paulo, supostamente determinada por Fernandinho Beira-Mar, foi editada e criada a Lei 10.792 em 2003, que introduziu a legislação brasileira o Regime Disciplinar Diferenciado, acrescentando-o na Lei de Execução Penal (LEP), alterando o artigo 52 da LEP, prevendo sobre os requisitos e as hipóteses em que o RDD poderia ser admitido.

O regime disciplinar criado pela Lei n°. 10.792/ 2003 não sofre nenhum vício formal; pois, antes de ser instituído, passou por um amplo debate parlamentar, além de várias audiências públicas que foram promovidas pela Constituição da Comissão de Justiça.

Ao ser estabelecido o regime disciplinar diferenciado na LEP, ampliou-se o espectro do novel à esfera nacional, ou seja, a rígida medida disciplinar que já vinha sendo adotada pelas Secretarias de Administração Penitenciária dos estados de Rio de Janeiro e São Paulo, passou a ser aplicada em âmbito federal.

1.2  As principais características do Regime Disciplinar Diferenciado

O Regime Disciplinar Diferenciado constitui uma sanção mais rigorosa, a qual é aplicada apenas a determinados presos que tenham praticado fato tipificado como crime. 

No artigo 52, I a IV da Lei nº. 7.210, Lei de Execução Penal (LEP) estão descritas taxativamente as hipóteses de cabimento e as características para aplicação de penas mais severas em comparação ao regime comum.

“Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:                       

I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;                       

II - recolhimento em cela individual;                

III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;                       

IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.                       

§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.                    

§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.”    

Após o surgimento do Regime Disciplinar Diferenciado suas naturezas conceituais e jurídicas foram sendo discutidas e reconstruídas pelos órgãos estatais e doutrinadores em geral.

O RDD é um regime extremamente rigoroso para que são chefes das quadrilhas/quadrilheiros e para aqueles criminosos que são fisicamente perigosos. Neste regime, as visitas, são realizadas somente uma vez por semana, desde que estejam previamente agendadas. No decorrer da visita, que tem duração de duas horas o preso fica na parte de trás de uma grande grade feita de ferro e protegida ainda por uma tela, para evitar qualquer tipo de contato físico direto com os visitantes.

O Superior Tribunal Federal no que se refere a duração máxima da pena no RDD, que equivale ao período de 360 dias, e que poderá ser prolongado até 1/6 da pena aplicada, se posicionou esclarecendo o limite de um sexto deverá ser calculado apenas em cima das penas impostas ao caso concreto e não com base nos trinta anos, que atualmente é o máximo de pena a ser cumprida no Brasil, conforme disposto no artigo 75 do Código Penal Brasileiro.

Abaixo segue o teor da Súmula 715 do STF:

Súmula 715 do STF: A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art.75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável à execução.

O Regime disciplinar diferenciado é apenas uma espécie de punição com o isolamento do detento que coloco em risco a ordem interna do estabelecimento prisional. Dessa forma, pode-se dizer que o RDD não é um tipo de regime de cumprimento de pena, mas sim, uma sanção disciplinar punitiva.

2. REQUISITOS E CABIMENTO DE ACORDO COM A LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEP)

Tem sido cada vez mais intensa a discussão acerca da aplicabilidade do RDD no Brasil. Alguns doutrinadores defendem a probabilidade de coexistência harmônica entre o referido instituto e o princípio da dignidade da pessoa humana, mas também existem aqueles que acreditam que o regime e os princípios não podem fazer parte de um mesmo ordenamento jurídico.  

No que refere à aplicação do RDD, o artigo 52, I a IV, o mesmo dispõe que todos os presos, desde que sejam maiores de dezoito anos, nacionais ou estrangeiros, e que estejam cumprindo pena em regime fechado, de forma provisória ou definitiva, estão sujeitos a aplicação do RDD, exceto apenas aqueles que estejam encarcerados em razão de medida de segurança.

Só será possível a inclusão neste regime, como sanção disciplinar (artigo 53, inciso V) nas hipóteses de cometimento de falta grave conforme prevê o caput do artigo 52, ou seja, nas hipóteses de cometimento de crimes que sejam dolosos e que gerem a subversão da ordem ou da disciplina do estabelecimento penal. Os fatos que configurarem apenas como crime doloso, mas não provocarem a subversão da ordem ou da disciplina e para os fatos que não configurem crime doloso, mas que ocasionem essa subversão será aplicado às sanções previstas nos incisos III e IV do artigo 53, quais sejam a suspensão ou a restrição de direitos e isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo. (MIRABETE, 2004).

No artigo 52 da Lei de Execução Penal (LEP), estão descritos todos os elementos autorizadores e todas as hipóteses de cabimento para ingresso do preso ao Regime Disciplinar Diferenciado.   

Guilherme de Souza Nucci ensina que aqueles presos que praticarem um crime tipificado como crime doloso ou um fato considerado como falta grave, também serão submetidos ao regime disciplinar diferenciado. (NUCCI, 2012).

Não se exige que o preso tenha praticado crime doloso durante o período de permanência no estabelecimento prisional para a inclusão no RDD, conforme dispõe o §1°, do artigo 52 da LEP, é necessário apenas que o preso apresente alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento prisional ou da sociedade.

Conforme ensina Marcão (2012) é necessário especificar o que se deve considerar como de alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade em cada caso concreto, não sendo demais lembrar que o fato de o preso ou condenado, podendo ser nacional ou estrangeiro, pertencer à quadrilha ou bando ou ter envolvimento com organizações criminosas constitui fundamento distinto.

A hipótese descrita no artigo 52, §2° da LEP, deverá ser utilizada quando existirem sobre o preso condenado ou provisório, suspeitas fundadas de envolvimento ou participação, em organização/associação criminosa, quadrilha ou bando. Isto quer dizer que, o preso não precisa necessariamente ter envolvimento ou participação em associações criminosas, quadrilha ou bando, basta apenas haver fundada suspeita que ele esteja envolvido ou teria participado. Nestas três hipóteses a Lei de Execução Penal autoriza a inclusão no RDD tanto dos presos provisórios quanto dos definitivos, porém somente na hipótese do preso indicar alto risco para a ordem e a segurança da sociedade ou do estabelecimento, a lei permite ainda o abrigo de estrangeiros conforme disposto no § 1º do artigo 52. 

Apesar do isolamento do preso e do maior grau de restrições, deve sempre ser observado o disposto no artigo 45 da LEP, sendo vedado, por exemplo, celas escuras e ambientes insalubres.

3. PROCEDIMENTOS PARA A INCLUSÃO DO PRESO NO RDD

A Resolução 26 continha em seu artigo 1º que o RDD seria aplicável, somente aos presos cujo comportamento exigisse tratamento contencioso e nas unidades penitenciárias designadas aos líderes e integrantes de facções criminosas. Anteriormente o tempo de permanência máxima no RDD era de apenas 180 dias, mas que poderia ser aumentado para um período de 360 dias. Era responsabilidade do Diretor Técnico das Unidades, por meio de petição devidamente fundamentada solicitar a transferência do preso ao RDD diretamente ao Coordenador Regional das Unidades Prisionais. Se o Coordenador Geral estivesse de acordo, o pedido seria encaminhado ao Secretário de Administração Penitenciária Adjunto, que autorizaria ou não o ingresso do apenado no regime de exceção.

No mês de julho de 2002 foi editada a Resolução 49, dando continuidade ao processo de normatização de restrições aos direitos dos presos por atos administrativos estaduais, com o objetivo de restringir as entrevistas dos presos em RDD com seus advogados e o direito de visita. A resolução limitava o número de visitantes por dia de visita, e estabelecia que as entrevistas com advogados deveriam ser previamente agendadas, mediante requerimento escrito ou oral à Direção do estabelecimento, que designaria data e horário para atendimento reservado nos próximos 10 dias.

O projeto de lei nº 5.073/2001, aprovado pelo Congresso Nacional, alterava artigos da LEP e do Código de processo penal em relação ao tempo de permanência do preso no RDD e ao pedido, passando a dispor da seguinte forma: o pedido de inclusão do preso no Regime Disciplinar Diferenciado só poderá ser elaborado pelo diretor do presídio ou outra autoridade administrativa, tais como o Secretário de Segurança Pública e o Secretário da Administração Prisional, por intermédio de requerimento devidamente fundamentado, nos termos do § 1º, artigo 54.

O Ministério Público não tem legitimidade para postular a inclusão no RDD, malgrado opiniões contrárias que o enquadram como autoridade administrativa. (BARROS, 2011).

Com a verificação da necessidade em submeter o encarcerado ao RDD, inicia-se o procedimento descrito no artigo 54, §1º da LEP. De acordo com Renato Marcão (2012) a decisão sobre a inclusão é jurisdicional, inserindo-se na alçada do Juiz da execução penal. Não pode o magistrado decretar a inclusão ex officio. O pedido é direcionado ao juiz da Vara de execução criminal, que dá vistas ao Ministério Público e à defesa, sucessivamente no prazo máximo de 15 dias para cada um. Em seguida o juiz decidirá, podendo sua decisão ser impugnada por agravo de execução. (BARROS, 2011).

O artigo 60 da LEP prevê a possibilidade de inclusão preventiva do preso ao RDD, para averiguação do fato e controle da disciplina, por um prazo de até 10 dias, dependendo tal medida de decisão judicial. O tempo em que o preso estiver isolado preventivamente será computado no período de cumprimento da sanção disciplinar. (SOUSA, 2007).

Conforme dispõe o artigo 197 da LEP, da decisão do juiz de execução que aplicar sanção durante o cumprimento de pena privativa de liberdade cabe o recurso de agravo. Contudo, a Lei é omissa com relação à possível recurso contra decisão de outro juiz que imponha sanção disciplinar. Nessa situação, é possível impetração de Habeas Corpus, estando a decisão em desrespeito com as normas legais. (MIRABETE, 2004).

A União Federal, o Distrito Federal, os Estados, e os Territórios poderão construir penitenciárias exclusivas aos presos condenados e provisórios que estejam sujeitos ao regime disciplinar diferenciado.

4. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME

Sucessivamente após a promulgação da lei, um intenso debate iniciou-se na doutrina. De um lado, buscou-se afirmar com base na ofensa aos princípios constitucionais da legalidade, presunção de inocência, e da dignidade da pessoa humana, a incompatibilidade do regime com o sistema de garantias moderno; em contrapartida, diante do anunciado avanço da criminalidade organizada e da necessidade em manter a ordem dentro dos estabelecimentos prisionais, demonstrou-se a necessidade da aplicação de um castigo.

Dispõe o artigo 5°, LVII, que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Assim, ninguém pode ser punido arbitrariamente, deve-se haver uma sentença terminativa com contraditório e ampla defesa. É necessário que haja uma comprovação sobre o fato determinante da inclusão.

No artigo 52, caput e §§ 1º e 2º, da LEP, há uma especificação dos apenados que serão submetidos ao RDD, impondo tratamento igualitário entre presos provisórios e condenados.

Com relação à presciência de fato previsto como crime doloso, Guilherme de Souza Nucci aduz:

note-se bem: fato previsto como crime e não crime, pois se esta fosse a previsão dever-se-ia aguardar o julgamento definitivo do Poder Judiciário, em razão da presunção de inocência, o que inviabilizaria a rapidez e a segurança que o regime exige. (Nucci, 2008. p. 392).

Segundo André Ramos Tavares, a presunção da inocência:

Trata-se de um princípio penal, de que ninguém pode ser tido por culpado pela prática de qualquer ilícito senão após ter sido como tal julgado pelo juiz natural, com ampla oportunidade de defesa. (TAVARES, 2002, p. 475).

O Estado, ao suspeitar da prática de crimes ou contravenções deverá proceder a sua acusação formal do preso, e no curso do devido processo, provar a autoria de crime pelo agente, submetendo-o à autuação jurisdicional.

O princípio da legalidade é um dos princípios fundamentais que serve de alicerce a legislação brasileira. Nessa trilha, o principio dispõe que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

Encontra-se disposto no artigo  do Código Penal, e sua base constitucional está firmada no artigo , inciso XXXIX, da Constituição Federal.

De acordo com Luiz Regis Prado, o princípio da legalidade:

Tem sentido amplo: não há crime (infração penal), nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei (stricto sensu). Isso vale dizer: a criação dos tipos incriminadores e de suas respectivas consequências jurídicas está submetida à lei formal anterior (garantia formal). Compreende, ainda, a garantia substancial ou material que implica uma verdadeira predeterminação normativa (lex scripta lex praevia e et lex certa). (PRADO, 2002, p. 111)

Outros princípios decorrem do princípio da legalidade, tais como, a garantia da reserva legal, ou seja, somente por meio de lei pode-se tipificar um fato como delito e também por meio desta, se fixará a pena correspondente; Individualização da pena, “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (art. 5º, XLVIII, CF); Dignidade humana, “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (art. 5º, XLIX, CF).

O princípio da legalidade atua em diversos segmentos do direito, no sentido de proteger a dignidade e a humanidade que devem transpor o Direito Penal, impedindo que haja arbitrariedade sobre a execução da pena.

Uma das vertentes do princípio da legalidade é princípio da taxatividade, conhecido também como princípio da determinação, este diz respeito à técnica de elaboração da lei penal, que deve ser suficientemente clara e precisa na formulação do conteúdo do tipo legal e no estabelecimento da sanção para que exista real segurança jurídica. (PRADO, 2002).

A aplicação das sanções possui críticas referentes à sua real constitucionalidade. Os doutrinadores que defendem essa vertente alegam que o Regime Disciplinar Diferenciado afronta o princípio da Dignidade da Pessoa Humana (CRFB/88, art. 1º, III), ao tratamento desumano (CRFB/88, art. 5º, III) e também desrespeita o princípio da humanidade das penas (CRFB/88, art. 5º, XLVII).

O Regime Disciplinar Diferenciado acaba transformando-se simplesmente em uma pena de natureza cruel, pois representa o tratamento desumano ou degradante do preso submetido ao seu cumprimento, colocando em risco a integridade física e moral dos submetidos a este regime, desrespeitando assim, o valor supremo: a dignidade da pessoa humana. (CAMPOS, 2013).

Portanto, a Constituição proíbe a aplicação de sanções que acarretem castigos físicos, isolamento em celas escuras, inabitáveis ou insalubres.  Igualmente é vedada a punição coletiva, tendo em vista o princípio de que a pena não passará da pessoa do condenado.

Pena cruel é aquela que provoca sofrimento intenso e humilhação ao preso, trazendo consigo uma acentuada ofensa à integridade humana. Não existe legislação complementar que forneça o conceito preciso de tratamento desumano, cruel ou degradante. 

Porém, a jurisprudência é pacifica quanto à constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado, uma vez que as medidas trazidas pelo RDD não se tratam de medidas vexatórias, mas sim de legítimas medidas disciplinadoras, com a finalidade de garantir a ordem do sistema prisional.

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DEGRAVAÇÃO DE ESCUTA AMBIENTAL. 1. As "fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando", como causa de inserção do condenado ou do preso provisório no regime disciplinar diferenciado, nos termos do § 2º do art. 52 da Lei nº 7.210/1984, com a redação da Lei nº 10.792/2003, devem ter relação com atos por ele praticados no estabelecimento prisional, cuja ordem e segurança esse regime prisional tem por finalidade resguardar. 2. Hipótese em que a ordem de inserção do paciente no Regime Disciplinar Diferenciado - RDD, em Presídio Federal, se deu mediante contraditório e fundamentação, à vista do seu comportamento carcerário irregular, captado em escutas ambientais autorizadas. 3. Ordem de habeas corpus denegada.

(TRF-1 - HC: 336918320134010000 RO 0033691-83.2013.4.01.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, Data de Julgamento: 30/07/2013, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.787 de 06/08/2013)

Observa-se que tal medida é balizada na proporcionalidade, uma vez que faz o tratamento diferenciado individualizar o cumprimento da pena.

Dessa forma, é possível aplicar a sanção somente àquele apenado que realmente violar as normas.

A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XLVI determina que a lei regulará a individualização das penas, portanto foi consagrado o princípio da individualização das penas, ou seja,  o princípio determina que as penas impostas aos detentos devem ser personalizadas e particularizadas de acordo com a natureza do delito e com as características do condenado.

É importante frisar que, conforme disposto no caput do artigo 52 da LEP, o Regime Disciplinar Diferenciado é exclusivamente aplicado quando existir “prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas”, isto é, se não houver prejuízos à normalidade da instituição prisional, mesmo que o crime seja doloso, não será aplicado o Regime Disciplinar Diferenciado, mas será aplicado o artigo 53, III e IV da referida lei, conforme disposto abaixo.

Art. 53. Constituem sanções disciplinares:

I - advertência verbal;

II - repreensão;

III - suspensão ou restrição de direitos (artigo 41, parágrafo único);

IV - isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo, observado o disposto no artigo 88 desta Lei.

V - inclusão no regime disciplinar diferenciado. 

O condenado não precisa cometer crime doloso tipificado no Código Penal, basta apenas que o apenado evidencie alto risco à segurança da sociedade ou da casa prisional. Dessa forma, observa-se a natureza cautelar da medida imposta.

É importante lembrar que a inclusão preventiva deverá ser descontada ao final da medida.

CONCLUSÃO

O Regime Disciplinar Diferenciado trata-se de um regime que tem como peculiaridade a aplicação de medidas mais severas a alguns presos que se enquadram em alto grau de periculosidade e que são indisciplinados, e que por essas razões colocam em risco a segurança da convivência carcerária, podendo atingir inclusive a sociedade. 

Diante do atual cenário vivido no qual, os presos que mesmo distantes da sociedade conseguiram de dentro dos presídios organizar ataques a população e planejar crimes através da emissão de ordens, o legislador optou por criar uma norma mais gravosa para controle dos presos e para manter a sociedade longe de outros possíveis ataques.

Conforme exposto em todo o artigo, as circunstâncias históricas que incentivaram e levaram a criação e edição das disciplinas administrativas e, seguidamente, a promulgação da Lei nº 10.792/2003, aliada aos traços de inconstitucionalidade demonstrados, tornaram-se um instituto ineficaz em relação ao cumprimento de sua proposta. Além disso, ao agir desta forma, propagou-se, apenas, a prática governamental de atingir os efeitos e não as causas efetivas do problema, o que termina por realçar a incapacidade da gestão do poder executivo.

Porém, percebe-se que o alto grau de organização, poder e influência da criminalidade organizada tem possibilitado a prática de inúmeros crimes dentro e inclusive fora dos presídios, de modo que o direito penal precisou aprimorar-se para evitar a ocorrência desses crimes. Nesse sentido, a criação do Regime Disciplinar Diferenciado foi uma tentativa de diminuir o crime organizado, uma vez que o isolamento de presos que participam de organizações criminosas faz com que as organizações perdessem sua força.

Verifica-se um viés inconstitucional no presente instituto  do RDD, não sendo  um mal necessário, tendo em vista  que, existem vários outros pontos em que pode ser observada sua inconstitucionalidade. Visto que não se pode considerar  que atualmente a sociedade tem uma  proteção maior  do que os presos, porque se isso ocorresse, estariam tratando o preso no chamado direito penal do inimigo, prática que não é permitida no Brasil, e a pena  imposta não estaria  cumprindo sua função principal, que  é a reintegração do preso na sociedade e sua reeducação.

O RDD ao tentar  solucionar o problema da execução penal impõe objetivos que em muito se afastam da essência do Direito Penal, razão  pela qual, ao ser-lhe  imputada a responsabilidade pela pacificação dos problemas da execução só poderia levar às desastrosas consequências experimentadas. (SANTOS, 2011)

O direito penal  tem, historicamente, o intuito de  limitar o poder punitivo, não de expandi-lo.  Dessa maneira, o manejo da questão  deve partir  do enfrentamento de aspectos conjunturais, tais como o desemprego, déficit educacional, distribuição irregular de renda, juntamente com uma mudança do jurídico,  com a finalidade do Judiciário ser efetivo em fiscalizar  os preceitos normativos garantidores dos direitos fundamentais inerentes a todo cidadão, sob pena de se continuar confundindo o Direito Penal com arbitrariedade. 

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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LACERDA, Isabela Maria. Regime disciplinar diferenciado: solução ou problema?. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 abr. 2019. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.591869&seo=1>. Acesso em: 29 abr. 2019.