A reprodução assistida e as relações de parentesco


Pormarina.cordeiro- Postado em 26 março 2012

Autores: 
ALDROVANDI, Andrea
FRANÇA, Danielle Galvão de

Introdução

A Reprodução Humana Assistida é um tema polêmico e atual, que desencadeia debates éticos e questionamentos jurídicos, visto que interfere no processo de procriação natural do homem, fazendo surgir situações até pouco tempo inimagináveis, que desafiam o direito, principalmente no que tange às relações de parentesco, fazendo com que o conceito de filiação seja repensado.

Primeiramente, cabe ressaltar que o Brasil ainda não possui legislação específica que regule a Reprodução Assistida, e os julgados que tratam sobre o tema ainda são raros em nosso país. Portanto, este trabalho utiliza a doutrina, as regras éticas estabelecidas pelo Conselho Federal da Medicina e o direito comparado como base para as considerações que serão expostas adiante.

O Novo Código Civil menciona algumas técnicas de reprodução assistida, mas não vai além, visto que a matéria deverá ser tratada futuramente por lei específica. O art. 1.597, que trata da filiação, é um exemplo, pois além das hipóteses de presunção de paternidade previstas no código vigente, com a inserção dos incisos III, VI e V, também se presumem concebidos na constância do casamento os filhos havidos de fecundação artificial homóloga, inclusive a post mortem, de fecundação in vitro (homóloga), e inseminação artificial heteróloga, com a prévia autorização do marido.

Tal dispositivo resolverá inúmeras dúvidas relativas à filiação e a reprodução assistida, contudo, deixará outras tantas sem solução. Em relação a esse problema, Silvio de Salvo Venosa [1] lembra : "O Código Civil de 2002 não autoriza e nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata a existência da problemática e procura dar solução exclusivamente ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei específica, por opção do legislador."


Conceito e técnicas de reprodução assistida

A Reprodução Humana Assistida é, basicamente, a intervenção do homem no processo de procriação natural, com o objetivo de possibilitar que pessoas com problema de infertilidade e esterilidade satisfaçam o desejo de alcançar a maternidade ou a paternidade.

Ressalta-se que a esterilidade e a infertilidade são doenças devidamente registradas na Classificação Internacional de Doenças (pela OMS) e, como tal, podem ser tratadas.

Embora a Reprodução Assistida não ataque diretamente a doença (esterilidade ou infertilidade), alguns doutrinadores defendem que ela deve ser entendida como uma terapia. Nesse sentido, afirma o autor espanhol Marciano Vidal "A esterilidade é uma doença ou conseqüência de uma doença, com seus componentes físicos, psíquicos e, inclusive, sociais. Deste ponto de vista, qualquer procedimento dirigido a remediá-la, desaparecendo ou não a causa que a origina, deve ser entendido como uma terapia." [2]

As principais técnicas de reprodução assistida são: a inseminação artificial (homóloga, post mortem ou heteróloga), a fecundação in vitro e as chamadas "mães de substituição".

Dependendo da técnica aplicada, a fecundação poderá ocorrer in vivo ou in vitro. Na inseminação artificial, a fecundação ocorre in vivo, com procedimentos que são relativamente simples, consistentes na introdução dos gametas masculinos "dentro da vagina, em volta do colo, dentro do colo, dentro do útero, ou dentro do abdômen." (Eduardo Oliveira Leite, p. 38). No caso da Fecundação in vitro, o processo é mais elaborado e a fecundação ocorre em laboratório, de forma extra-uterina.

Dependendo da origem dos gametas, a inseminação ou fecundação será homóloga ou heteróloga. Será homóloga quando a fecundação se der entre gametas provenientes de um casal que assumirá a paternidade e a maternidade da criança. Será heteróloga, quando o espermatozóide ou o óvulo utilizado na fecundação, ou até mesmo ambos, são provenientes de terceiros que não aqueles que serão os pais socioafetivos da criança gerada.


Evolução histórica

Desde tempos remotos o homem pensou na possibilidade de fecundação fora do ato sexual. A mitologia é rica em casos de mulheres que engravidam fora do ato sexual, como por exemplo: Ates – filho de Nana, filha do Rei Sangário, que teria colhido uma amêndoa e colocado em seu ventre (Grécia), Kwanyin – deusa que possibilitava a fecundidade das mulheres que lhe prestassem culto (China); Vanijiin – deusa da fertilidade, mulheres que se dirigiam sozinhas a seu templo retornavam grávidas (Japão), Maria mãe de Jesus (Bíblia); no Brasil é conhecida a lenda do boto que engravida as mulheres que lhe dirigem o olhar.

Os avanços tecnológicos permitiram que o sonho mítico viesse a se tornar realidade. As modernas técnicas de inseminação e fertilização assistida tornaram esse "milagre" praticamente um fato "normal", não fossem as dúvidas sobre o desrespeito aos ritmos naturais da vida humana e a valores éticos. [3]

Dados Históricos [4]:

- Em meados do século XVIII, Ludwig Jacobi (alemão) fez tentativas de inseminação em peixes;

- Em 1755, Lazzaro Spallanzani (biólogo italiano) obteve resultados positivos na fecundação de mamíferos;

- Em 1799, John Hunter (médico e biólogo inglês) obteve êxito na fecundação por Inseminação Assistida em seres humanos;

- Em 1884, Pancoast (médico inglês) fez a primeira inseminação heteróloga;

- Em 1910, Elie Ivanof (Russo) responsável pela descoberta da conservação do sêmen fora do organismo, por resfriamento;

- Em 1940 teriam surgido os primeiros bancos de sêmen nos EUA;

- Em 1953, os geneticistas ingleses James B. Watson e Francis H. C. Crick descobriram a estrutura em hélice de DNA, descoberta que deu origem à Genética Molecular e é considerada o marco inicial da Engenharia Genética.

- Em 25 de julho de 1978, na Inglaterra, nasceu Louise Brown, o primeiro bebê de proveta.

- Em 1980, criado o primeiro banco de embriões de seres humanas congelados, na Austrália.

- Em 7 de outubro de 1984, foi concebida Ana Paula Caldeira, primeira brasileira furto da Fertilização in vitro. [5]


Inseminação artificial homóloga e post mortem

A inseminação artificial homóloga, quanto à filiação, não gera maiores problemas, pois o material genético utilizado no procedimento é fornecido pelo próprio casal que se submete à reprodução assistida e que ficará com a criança. Portanto, haverá uma conciliação entre a filiação biológica e a afetiva.

Entretanto, no caso da inseminação artificial post mortem, surgem algumas dúvidas no que tange à filiação, visto que a esposa (ou companheira) será inseminada com os gametas de seu marido (ou companheiro) já falecido.

Pelo Código Civil vigente, não cabe a presunção do art. 338, II, para registrar a paternidade da criança gerada através desta técnica, se a criança nascer após os 300 dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte. Superado esse lapso temporal, a única maneira para o reconhecimento é a ação de investigação de paternidade. [6]

Entretanto, o Novo Código Civil, em seu artigo 1.597, inciso III, ao dispor que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo se falecido o marido, assegura a filiação à criança gerada através da realização da inseminação post mortem, independentemente de quando ocorrer o nascimento.

Importante ressaltar que a presunção do art. 1.597 do Novo Código Civil diz respeito apenas ao casamento, não abrangendo, portanto, a União Estável. Devendo, nesse caso, o reconhecimento da criança ser realizado através de qualquer das hipóteses legais para o reconhecimento de filhos, visto que o art. 1609 do Novo Código Civil dispõe expressamente que o reconhecimento pode preceder o nascimento do filho.

Contudo, mesmo resolvida a questão da filiação, surgem dúvidas no campo do direito sucessório, visto que, no caso da inseminação post mortem, a criança será concebida após o falecimento de seu pai.

Pelo atual Código Civil, a criança nascida através da inseminação post mortem não teria capacidade para suceder, conforme artigo 1.577, que assim dispõe:

"Art. 1.577: A capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão, que se regulará conforme a lei então em vigor"

Na opinião de Moreira Filho [7], pelo fato da concepção se dar após o falecimento da pessoa que forneceu o gameta, não há que se falar em direitos sucessórios à criança. Entretanto, o referido autor lembra que existem correntes doutrinárias que defendem os direitos sucessórios à criança, desde que o de cujus assim lhe assegure através de testamento.

Justamente a sucessão testamentária foi a solução encontrada pelo Novo Código Civil para garantir os direitos sucessórios da criança nascida através de inseminação post mortem, conforme previsão do artigo 1799, inciso I, que dispõe:

"Art. 1.799 - Na sucessão testamentária, podem ainda ser chamados a suceder:

I – os filhos ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;"

Portanto, pelo NCC, a criança havida por inseminação post mortem somente terá direitos sucessórios se o de cujus assim os garantir através de testamento. Tal solução, com certeza, ainda irá gerar muita polêmica, em razão do tratamento distinto que o NCC confere à criança nascida através desta técnica, visto que os filhos naturais, os adotivos, os havidos de inseminação heteróloga e até de fecundação in vitro terão direito à sucessão hereditária, enquanto que os havidos de inseminação post mortem somente terão direito à sucessão testamentária.

Pela análise que acabamos de fazer, fica evidente que o Novo Código Civil admite e protege a realização da inseminação post mortem. Pessoalmente, entendemos que a legislação deveria proibir a referida técnica, visto que a reprodução assistida deve ser utilizada com o objetivo de realização de um projeto parental, e, principalmente, deve resguardar os interesses da criança, o que não ocorre quando da utilização da inseminação post mortem, onde o interesse que prepondera é o da viúva e de seus familiares, que movidos pelo sofrimento da perda, procuram em tal técnica um meio de "ressuscitar" o de cujus.

DIREITO COMPARADO:

A inseminação post mortem é proibida em países como a Alemanha, a Suécia, a França e a Espanha, entretanto, neste último, os direitos do nascituro serão garantidos quando houver manifestação expressa do falecido nesse sentido, por escritura pública ou testamento. Já a Inglaterra permite a inseminação post mortem, mas não garante direitos sucessórios à criança, a não ser que o falecido tenha deixado documento expresso manifestando que essa seria sua vontade.


Inseminação heteróloga, o novo código civil, a presunção de filiação no casamento e o consentimento informado

A inseminação artificial heteróloga gera dúvidas no que tange à filiação, visto que a criança gerada através dessa técnica possuirá um pai biológico diverso daquele que irá lhe registrar e lhe acolher.

Em relação a essa técnica, a inclusão do inciso V do art. 1.597 do Novo Código Civil foi extremamente importante, porque reforça o entendimento de que ao dar o consentimento, o marido assume a paternidade, não podendo, após, impugnar a filiação.

O consentimento informado é fundamental para inseminação de mulheres casadas ou vivendo em União Estável, conforme estabelece a Resolução nº 1.358/92 do CFM: "Em caso de mulheres casadas ou vivendo em União Estável, será necessária a aprovação do cônjuge ou companheiro, após processo semelhante de consentimento informado."

Quanto à forma do consentimento, a Resolução do CFM, de 1992, assim dispõe:

"O consentimento informado será obrigatório e extensivo aos pacientes inférteis e doadores. Os aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, assim como os resultados já obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico. O documento de consentimento informado será em formulário especial, e estará completo com a concordância, por escrito, da paciente ou do casal infértil."

Entretanto, por se tratarem de normas éticas, e, portanto, sem caráter cogente, não podemos descartar a hipótese da realização de inseminação heteróloga em mulher casada, sem o consentimento do marido. A partir daí surge a seguinte questão: Terá o cônjuge da mulher inseminada com sêmen de terceiro o dever de assumir a criança?

Para José Roberto Moreira Filho [8], nesse caso, se a mulher casada se submeter a uma fertilização com sêmen do doador (heteróloga) sem o consentimento do marido, a paternidade não poderá lhe ser imputada e constituirá até mesmo causa de dissolução do vínculo matrimonial e de ação negatória de paternidade cumulada com anulação do registro de nascimento, se houver sido feita enganadamente. Em tais casos, ressalta Moreira Filho, "além da falta do querer ser pai, ou seja, da filiação socioafetiva, há a presença da fraude e da deliberada intenção de levar a erro."

Para o referido autor, a mulher, ao submeter-se à inseminação heteróloga, sem o consentimento de seu marido ou companheiro, comete um ato atentatório ao casamento (injúria grave, violação dos deveres do casamento, insuportabilidade da vida em comum, violação ao dever de lealdade, etc.), restando, dessa forma, a possibilidade de o marido contestar a paternidade do filho se já o houver registrado, tendo em vista que foi levado a erro ao registrá-lo.

Ainda em relação ao art. 1.597 do Novo Código Civil, é importante ressaltar que a presunção não se aplica aos filhos havidos na União Estável, visto que o referido artigo trata especificamente do casamento. Entretanto, sobre essa questão, entendemos que o consentimento também irá gerar o reconhecimento incontestável da paternidade por parte do companheiro, pois ao consentir, o companheiro reconhece a paternidade da criança, tendo plena consciência que não será seu pai biológico. Situação semelhante a que ocorre na chamada "adoção à brasileira". Ademais, tendo em vista a proteção dos interesses do menor, seria inadmissível que o companheiro pudesse rever seu consentimento, e conseqüentemente contestar a paternidade da criança.

DIREITO COMPARADO:

Em países como a Austrália, Alemanha, muitos estados dos EUA, Espanha, França e Canadá o consentimento é fundamental e o casal, após consentir não poderá impugnar a filiação.


A

importância da filiação socioafetiva

O conceito de filiação e sua definição no mundo jurídico têm evoluído, de modo que a filiação socioafetiva tem preponderado, muitas vezes, sobre a filiação biológica. A doutrina tem entendido que, nos casos de inseminação heteróloga, para se definir o parentesco, deverão ser considerados somente o pai ou a mãe socioafetiva, desconsiderando-se a paternidade ou maternidade biológica, à semelhança do que ocorre na adoção.

Na opinião de Guilherme Calmon Nogueira Gama [9], o direito de família sofreu direta repercussão dos avanços tecnológicos na área de reprodução humana, mormente envolvendo as fontes da paternidade, maternidade e filiação, e todas essas transformações permitiram a ocorrência de um importante fenômeno, denominado "desbiologização", ou seja, a substituição do elemento carnal pelo elemento biológico ou psicológico.

Para Regina Fiuza Sauwen e Severo Hryniewcz [10], atualmente, as sociedades, em sua maioria, já não consideram a filiação somente sob o aspecto biológico, devendo esta ser compreendida também quanto ao elemento cultural.

Segundo José Roberto Moreira Filho [11], pela atual orientação doutrinária, o pai e a mãe não se definem apenas pelos laços biológicos que os unem ao menor e sim pelo querer externado de ser pai ou mãe, de então assumir independentemente do vínculo biológico, as responsabilidades e deveres em face da filiação, com a demonstração de afeto e de bem querer ao menor. Para o referido autor, partindo dessa premissa, poderemos definir a filiação do nascituro concebido por técnicas reprodutivas artificiais, tanto pelo aspecto biológico quanto pelo aspecto socioafetivo, levando-se em conta sempre o melhor interesse da criança.

Tânia da Silva Pereira [12] entende que, para a formação da família e a existência de filiação, é fundamental que haja o consentimento dos cônjuges, e assim ocorrendo, todo e qualquer filho gerado dentro do casamento, ou união estável, por meio de relações sexuais ou da utilização das técnicas de reprodução assistida, será tido como de ambos os cônjuges, independentemente de a técnica utilizada ter sido homóloga ou heteróloga.

Gustavo Tepedino [13], no mesmo sentido, entende que, uma vez estabelecida a paternidade e a maternidade do casal de quem encomendou o material genético, é indiferente a origem genética do esperma doado, para efeito de estabelecimento da filiação. Portanto a doação anônima de esperma não acarreta vínculo de parentesco ao doador.


Inseminação de mulheres solteiras, viúvas ou divorciadas

Quanto à inseminação de mulheres solteiras, viúvas ou divorciadas, ainda não existe disposição expressa na legislação brasileira. Tudo indica que será permitida, pois a Resolução nº 1.358/92 do CFM, que é utilizada como base para os projetos de lei que estão em tramitação, permite tal procedimento ao estabelecer:

"Quanto aos usuários das técnicas de RA ficou estabelecido que toda mulher capaz, nos termos da lei, pode ser receptora das técnicas de RA, desde que tenha concordado de maneira livre e consciente em documento de consentimento informado."

Sobre o tema, defende Guilherme Calmon Nogueira Gama [14] que não existe razão para se proibir tal procedimento, visto que a própria Constituição Federal reconhece em seu art. 226, parágrafo 4º a família monoparental. Utiliza ainda, como argumento, o fato de a lei brasileira permitir a adoção de crianças por apenas um adotante (um pai ou uma mãe), devendo, por analogia, ser estendido esse direito às mulheres que pretendem submeterem-se a inseminação artificial com a finalidade de formar uma família monoparental.

Opinião contrária possui Eduardo de Oliveira Leite [15], por entender que a inseminação deve atender a um projeto parental e não impessoal. Alega o autor, que nesses casos, a criança seria órfã de pai desde o início do projeto, e isso contraria o direito fundamental da criança ao biparentesco, como vocação natural e legítima de ter um pai e uma mãe, e de ser educada por ambos.

Sendo admitida a inseminação de mulheres solteiras, separadas ou viúvas, como fica a situação da criança gerada, quanto à filiação? Nesses casos não é possível, segundo Moreira Filho [16], atribuir-se ao doador qualquer vínculo de filiação. Sustenta ainda, o referido autor, que deve ser usada analogia ao instituto da adoção, devendo a criança ser registrada somente em nome da mãe, mas podendo no futuro requerer o reconhecimento de seu vínculo genético de filiação biológica. Ressalta, ao final que: "Isto, porém, não acarretará ao doador quaisquer obrigações ou direitos relativos à criança, uma vez que, ao doar seu sêmen ele abdica voluntariamente de sua paternidade, da mesma forma que o faz quem entrega uma criança para adoção ou quem perde o poder-familiar."

DIREITO COMPARADO:

Na França, Suécia e Alemanha, a reprodução assistida é permitida somente a casais, enquanto que na Espanha, a possibilidade de inseminação artificial está aberta àqueles que não se encontram unidos pelo vínculo matrimonial, sem prejuízo de eventual ação de reconhecimento de paternidade.

Direito à identidade genética x direito ao anonimato do doador

A questão que envolve o direito do filho conhecer sua identidade genética é muito delicada, pois mesmo possuindo um pai socioafetivo, muitas vezes a pessoa possui o desejo, ou até mesmo necessidade de conhecer suas origens, e assim poder buscar nos pais biológicos explicações para as mais variadas dúvidas e questionamentos.

Para José Roberto Moreira Filho [17], "o direito ao reconhecimento da origem genética é direito personalíssimo da criança, não sendo passível de obstaculização, renúncia ou disponibilidade por parte da mãe ou do pai."

Defendendo o direito à identidade genética, leciona Tycho Brahe Fernandes [18]: "... ao se negar a possibilidade do aforamento de ação investigatória por criança concebida por meio de uma das técnicas de reprodução assistida, em inaceitável discriminação se estará negando a ela o direito que é reconhecido a outra criança, nascida de relações sexuais.

No mesmo sentido posiciona-se Álvaro Villaça de Azevedo [19], ao defender que o filho gerado através de uma das técnicas de reprodução assistida poderá, a qualquer tempo, investigar a sua paternidade, devendo os responsáveis pelos dados do doador, fornecê-los, em segredo de justiça.

Eduardo de Oliveira Leite [20] defende o anonimato do doador, afirmando: "A pretendida alegação de que a criança tem "direito" a conhecer sua origem genética realça expressivamente a paternidade biológica (matéria já ultrapassada no direito de filiação mais moderno) quando é sabido que, atualmente, a paternidade afetiva vem se impondo de maneira indiscutível." Além do referido argumento, outros são citados pelo autor, na defesa do sigilo do doador:

* Pode haver maior respeito à dignidade humana no não conhecimento da origem genética de alguém, do que neste conhecimento.

* Defender o direito à ação de investigação de paternidade contra o doador do sêmen seria defender que todas as crianças adotadas tenham direito à buscar sua origem genética.

* O caos se instauraria, pois tendo um pai registral e conhecendo o pai biológico, de quem a criança herdaria? Poderia demandar alimentos contra qual dos pais? Adotaria o nome do pai biológico ou do afetivo?

* O anonimato evita que, tanto o doador como a criança, procurem estabelecer relações com vistas a obtenção de meras vantagens pecuniárias.

Na opinião de Silmara Juny de Abreu Chinaleto e Almeida [21]: "O direito à identidade genética" não significa a desconstituição da paternidade dos pais sócio afetivos. Hoje, enfatiza-se a importância da paternidade socioafetiva e a denominada "desbiologização’ da paternidade. E o filho só conheceria os pais biológicos se quisesse. O que não se pode é negar o direito de personalidade à identidade e fazê-lo crescer sob uma mentira, como alertam os psicólogos. Um simples exame do tipo sanguíneo pode destruir toda a fantasia de que a criança é filha biológica de um casal."

Sobre o tema, assim dispõe a Resolução do CFM de 1992:

"Sobre doação de gametas ou pré-embriões ficou estabelecido:

(...)

2 – Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice- versa.

3 – Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador."

Está em tramitação um Projeto de Lei do Senado nº 90/99, que dispõe sobre esse tema e que segue fielmente o texto da Resolução do CFM acima referido.

DIREITO COMPARADO:

Segundo Guilherme Calmon Nogueira Gama, a maior parte dos textos legislativos em vigor, há a regra do anonimato, entretanto, em alguns países há previsão acerca de algumas exceções ao anonimato, ora para prevenir ou curar doenças genéticas, ora para reconhecer o interesse da pessoa gerada através da reprodução assistida em conhecer sua identidade biológica, mas sem qualquer atribuição de benefícios ou vantagens econômicas. [22]


A fecundação in vitro

As novas tecnologias reprodutivas criam para o direito inúmeros problemas, na medida em que proclamam a busca de respostas novas. As transformações biológicas moveram um dos pilares do direito: A Família.

O antigo modelo de família patriarcal e hierarquizada, centrada no casamento, evoluiu para uma família moderna, onde a liberdade de escolha fica evidente, já que lhes é permitido o planejamento familiar. Muitas vezes este projeto não pode ser realizado, pois o filho tão esperado não vem, restando a busca a uma forma alternativa de procriação, a artificial.

Uma técnica pioneira na reprodução assistida, por ser simples e barata é a fecundação in vitro, indicada para mulheres com obstrução irreversível ou ausência tubária bilateral. Consiste na fecundação do óvulo in vitro, ou seja, os gametas masculino e feminino são previamente recolhidos e colocados em contato in vitro para que sejam fecundados. O embrião resultante é transferido para o útero ou para as trompas. Pode-se utilizar óvulos e espermatozóides doados, neste caso a fecundação será heteróloga, ou do próprio casal interessado, sendo a fecundação homóloga.

Fecundação in vitro Homóloga

Na fecundação in vitro homóloga os problemas praticamente inexistem, já que a filiação corresponde a verdade biológica, além da socioafetiva, pois o filho será fruto dos gametas do casal.

No direito vigente o problema se processa de acordo com as regras relativas a filiação natural, porém não se aplicam as presunções legais do art. 338, porque na prática estas exigem a coabitação, e a fecundação artificial resulta exatamente da impossibilidade de coabitação. Assim, sejam os pais casados ou vivendo em união estável, aplicam-se as regras próprias da filiação natural, ou seja, reconhecimento voluntário ou judicial baseado na filiação biológica e afetiva.

No Novo Código Civil foram inseridos três dispositivos no art. 1.597 que trata da presunção de paternidade de filhos nascidos por reprodução assistida. Dispõe este artigo que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos:

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga.

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

O código tentou resolver a questão da paternidade frente a uma forma de procriação que não exige relação causal com a cópula, pois, em princípio, no nosso direito, provada a relação sexual presume-se a fecundação. Em suma: com o Novo Código Civil da fecundação feita em laboratório com os gametas do casal casado, presume-se a filiação. Agora se concentram a filiação jurídica, biológica e sócio-afetiva.

Quanto aos casais que vivem em união estável, como a filiação corresponde a verdade biológica, além da sócio-afetiva, o reconhecimento será voluntário ou judicial.

Fecundação in vitro Heteróloga

As situações conflitantes brotam da fecundação in vitro na sua forma heteróloga, visto que a filiação não corresponderá à verdade biológica.

Duas situações podem ocorrer em relação a esta técnica:

- Doação de óvulos – a criança nasce após a fecundação in vitro pelo esperma do marido em um óvulo doado, e implantado no útero da mulher.

- Doação de embrião – a criança nasce de uma fecundação in vitro de óvulos e espermatozóides doados ao casal, e o embrião resultante é colocado no útero, que só fica vinculado ao casal pela gestação e afetividade.

No primeiro caso não tem problema a paternidade, pois a filiação corresponderá à verdade biológica, além da afetiva.

O que se questiona neste caso é a maternidade. O princípio mater semper certa est ficou abalado com os avanços tecnológicos, já que hoje é possível a maternidade sob três aspectos: biológico, gestacional e afetivo.

A legislação vigente no Brasil consagra a maternidade pela gestação e parto, considerando que a mulher que dá a luz é necessariamente aquela que forneceu o óvulo. Este pressuposto não é mais verdadeiro, pois a mulher pode da a luz a um filho que biologicamente não é seu. Portanto, a gestação, e principalmente a afetividade serão as determinantes da maternidade. Como nos diz Eduardo de Oliveira Leite [23]: "no direito atual, como é desejo do casal a quem foi feita a doação, e de acordo com a vontade da doadora do óvulo, a mãe é aquela que gera a criança, porque é ela que tem o parto, é ela que dá a luz. Nascida a criança, o registro de nascimento prova a filiação legítima".

Mas, afinal pode o parto na fecundação heteróloga determinar a maternidade? Mas, e se a mãe biológica reivindica a maternidade?

A doadora de óvulo não poderá reivindicar a maternidade em decorrência do sigilo exigido pelos laboratórios, e porque, no momento da doação, renunciou a maternidade voluntariamente, da mesma forma como quem entrega uma criança para adoção, que renuncia ao direito de filiação. Na ausência de legislação que regule a questão, é assim que deverão resolver os tribunais, em analogia com a adoção, e ainda com uma atenuante: ao contrário da fecundação, na adoção não há o parto, o que é mais um ponto para determinar a filiação. Mas, acima de tudo: a filiação, aqui, é determinada pela afetividade, já que a filiação deixou de ser exclusivamente biológica.

Da mesma forma entende Tycho Brahe Fernandes [24]: "ante a possibilidade de um conflito de maternidade, é fundamental estabelecer juridicamente que a maternidade deverá cair sempre naquela que será a mãe socioafetiva, até porque o projeto de maternidade partiu dela ao escrever o seu direito constitucional do planejamento familiar".

A medicina já provou que o útero não é apenas um lugar para alojar o bebê. Além de fornecer alimentos, proporciona a troca de sangue que ativa os genes do embrião e determina o momento exato de formar os órgãos e os genes e funciona como um antídoto para as aberrações que a genética pode produzir. [25]

Quanto a segunda hipótese (doação de embriões), o embrião é geneticamente do casal doadores de gametas. A gestação completa e o parto, além da afetividade, como ocorre em relação à doação de óvulos, determinam a maternidade.

Já a paternidade recairá sobre o pai que consentiu fazer a fecundação, que efetivamente deseja o filho, ou seja, o pai socioafetivo. Como entende, com propriedade, Maria Helena Diniz "o filho deverá ser, portanto, daqueles que decidiram e quiseram o seu nascimento, por serem deles a vontade "procriacional" [26]. A supremacia da afetividade coloca em xeque a toda poderosa paternidade biológica, mostrando a sua absoluta relatividade.

O Novo Código Civil ao mencionar a inseminação artificial heteróloga, no seu inciso V do art. 1.597, leva à presunção de que o legislador teve a intenção de referir-se também à fecundação in vitro heteróloga, causando uma certa confusão, pois se tratam de técnicas diferentes, e, dessa forma, tal redação pode levar ao entendimento de que esta técnica não foi englobada nos casos do referido artigo. Indaga-se: Houve falha do legislador? Caso se entenda desta forma poderia ser aplicado analogicamente o inciso V, do art. 1.597 do NCC, que trata da inseminação heteróloga, à fecundação heteróloga, já que são casos análogos. Neste caso, o marido consentindo com a fecundação, determinada fica a filiação jurídica e afetiva, mesmo não sendo pai biológico.

Mas, se a omissão foi intencional como ficaria a determinação da filiação frente a nossa legislação? Mediante um conflito positivo de paternidade os tribunais deverão resolver a questão por analogia com a adoção, dando prevalência à paternidade socioafetiva, se houve consentimento. Desta forma entende Zeno Veloso [27]: "a adoção viabiliza e concretiza o parentesco por assimilação, um parentesco eletivo. Consagra a paternidade socioafetiva, baseando-se não num fator biológico, mas num fator sociológico(...) a filiação adotiva e a filiação resultante da procriação medicamente assistida se definem por dois traços comuns: nenhuma delas provêm de relação sexual".

Na prática, os possíveis conflitos entre os pais biológicos (doadores do embrião) e os pais socioafetivo (que fizeram a fertilização heteróloga) inexistem, tendo em vista que o embrião implantado será um dos 20.000 congelados no Brasil, sobras de outras fertilizações, que provavelmente seriam descartados ou utilizados em experiências.

Escolha do sexo ou qualquer outra característica biológica

A Resolução nº 1.358/92 proíbe que as técnicas de RA sejam aplicadas com a intenção de selecionar sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.

Citada resolução não é respeitada em muitos pontos, tendo em vista não possuir força de lei, e somente vincular médicos e clínicas. Assim, apesar de proibir o uso das técnicas para escolha de sexo, casos têm acontecido no Brasil, que revelam o profundo egoísmo dos casais, que apenas visam a atender interesses pessoais, que nada tem haver com infertilidade ou esterilidade.

Um exemplo desta situação foi citado na Revista Veja [28], em que um casal diz ter escolhido o sexo da criança, para realizar o sonho do pai, o deputado federal Ricardo Rique, de ter uma filha, já que só conseguiu ter filhos homens. Piora a sua situação quando afirma não ter problemas de infertilidade, e o seu único objetivo era escolher o sexo da criança. Penso que não tem noção este casal de que alguns embriões foram sacrificados para atender um capricho pessoal.

Um outro caso citado na mesma revista veja [29] revela o oposto.Uma mãe, que nunca poderia engravidar, sob a pena de ter um menino portador da síndrome do X- frágil (provoca em meninos retardamento e morte precoce), buscou a RA como forma de escolher o sexo da criança, o que é permitido pela Resolução (penso que não justifica, pois alguns embriões sobraram e provavelmente serão descartados).

Os embriões excedentes

A Resolução do CFM autoriza as clínicas, centros ou serviços a criopreservar os embriões excedentes. O número total de embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco. No momento da criopreservação, os conjugues ou companheiros devem expressar a sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos e quando desejam doá-los. Não pode o casal optar pelo descarte ou destruição, nem cede-lo a pesquisas ou experimentações, mas apenas doá-los para satisfação do projeto parental de outro casal estéril ou utiliza-los novamente para outros filhos futuros, já que o NCC assegura a filiação.

O Novo Código Civil, em seu art. 1597, IV, dispõe que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes da concepção artificial homóloga. Com esta disposição fica assegurado a filiação aos embriões excedentes criopreservados, resultante da fecundação homóloga, nascidos a qualquer momento por desejo do casal solicitante da fecundação.

Na prática a maioria dos casais desiste de ter mais, e, desta forma, um grande numero de embriões congelados ficam abandonados nas clínicas de fertilização, para serem adotados ou utilizados em pesquisas e experimentos. O médico inglês Peter Brinsden, que participou da equipe que fez o primeiro bebê de proveta, diz que um dos dilemas tão forte quanto a clonagem é o descarte de embriões, tendo em vista que são milhares em todo o mundo, e a queima será inevitável. Relava que as técnicas de RA exprimem o egoísmo dos casais, que querem satisfazer os seus desejos de filiação, mas não sabem o que fazer com os embriões excedentes.

Ação Negatória de Paternidade

Quanto à negatória de paternidade na fecundação heteróloga a lei civil brasileira não se manifestou sobre a possibilidade, levando-se a supor que a qualquer momento poderá o pai socioafetivo contesta-la.Mas, seria justo sujeitar o filho as indecisões paternas? Por isso a importância dos tribunais aplicarem soluções semelhantes ao da adoção, e estabelecer um status jurídico para os filhos, para que tenham direitos e deveres, inclusive os sucessórios.

Em suma: O consentimento é irretratável, e determina a filiação. O marido ou companheiro que consente na inseminação heteróloga não poderá negar a paternidade da criança, pois como diz Eduardo de Oliveira Leite [30]: "A anuência do mesmo é prova irrefutável de que deseja o filho, e, portanto, não mais milita em seu favor tal recurso".

O doador também não poderá recorrer a ação investigatória de paternidade já que, assim como na adoção, no momento da doação renunciou a qualquer vinculo de filiação, devendo prevalecer o sigilo.

Mães de substituição ou mães de aluguel

Esta técnica é indicada para as mulheres impossibilitadas de carregarem o embrião, isto é de ter uma gestação normal. Consiste em uma terceira pessoa emprestar o seu útero, assegurando a gestação, quando o estado do útero materno não permite o desenvolvimento normal do ovo fecundado ou quando a gravidez apresenta um risco para a mãe genética.

No Brasil esta forma de procriação esta prevista na Seção VII da Resolução nº 1358/92, que estabelece que a sua utilização só poderá ocorrer desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética; que a doadora temporária do útero deve ser parente até segundo grau da doadora genética; e que a substituição não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

Não existe norma legal que ampare a sub-rogação do útero, nem que a proíba, a não ser a citada resolução que vincula os médicos e as clínicas, mas não "as mães". Por isso a prática vem cercada de dúvidas e questionamentos que geram profunda perplexidade no meio social e grande cautela entre os juristas.

Desde logo é bom frisar que a regra no Brasil é que o "aluguel do útero" não poderá ter caráter lucrativo ou comercial, e que a idéia de contrato da mãe de substituição deve ser rejeitada, pois pessoas não podem se objeto de contrato. Como afirma Heloisa Barbosa [31]: "Estando em jogo o estado de filiação, a natureza do direito envolvido não admite qualquer negociação, mormente remunerada".

O empréstimo do útero comporta duas situações diferentes:

- A mãe portadora – é aquela que apenas empresta seu útero. Trata-se de uma mulher fértil no útero da qual reimplanta-se um ou vários embriões obtidos por fecundação in vitro, a partir dos óvulos e espermatozóides do casal solicitante.

- A mãe de substituição – além de emprestar o seu útero, dá igualmente os seus óvulos. Trata-se de uma mulher fértil que será inseminada com o esperma do marido da mulher que não pode conceber.

Não existindo legislação que proíba esta técnica se a referida resolução for desrespeitada muitos problemas poderão surgir na determinação da maternidade. Afinal, a mãe será a genética ou a gestacional? Se os pais contratantes desistirem da criança, a quem caberia a sua guarda?E no caso de transferência de embriões para a mãe ou irmã da doadora como ficariam as relações de parentesco?

Pelo direito vigente a mãe sub-rogada será considerada mãe (mesmo que não tenha nenhum vínculo genético com a criança), pois a gestação e o parto determinam a maternidade. Contudo, já se sabe que esta premissa não mais totalmente verdadeira, pois considera que quem dá a luz necessariamente é aquela que deu o óvulo.

Parte da doutrina [32] acredita que no caso da mãe portadora a maternidade deverá ser estabelecida pelo vínculo biológico e socioafetivo, e não o gestacional, vedado qualquer direito de filiação a mãe sub-rogada.

Bastante difícil aos Tribunais será resolver a questão quando a mãe for de substituição, pois doadora do óvulo, sendo mãe biológica e gestacional. Apesar de não ter legislação que regule a questão caberá aos tribunais resolver um possível conflito, podendo:

- Determinar a inexistência de qualquer vínculo de filiação da mãe sub-rogada e o estabelecimento da maternidade socioafetiva. Neste caso, a mãe será aquela que fez o planejamento parental, que desejou a criança como seu filho, para trata-lo com amor, carinho e dedicação, mesmo não tendo nenhum vínculo biológico ou gestacional com ela.

- Determinar a maternidade à mãe sub-rogada, que é a mãe biológica e gestacional, por razões de ordem legal (a mãe que produz o óvulo, que gera e da luz a criança é que deve ser considerada; pessoas presentes e futuras não podem ser objeto de contrato); e psicológicas (traumas sofridos pelo rompimento da criança com a mãe gestacional e biológica).

A experiência mostra como os acordos de aluguel causam graves danos psicológicos e sociais à mãe de aluguel, e o discurso de uma mulher submetida ao procedimento de mãe de substituição para um casal infértil, revela bem [33]: "Tudo que se faz é transferir a dor de uma mulher para outra, de uma mulher que esta sofrendo com a sua infertilidade a uma que tem de desistir do seu bebê".

Por este motivo concordamos com Eduardo de Oliveira Leite [34] ao afirmar que múltiplas são as razões que levam um casal a procura de outras formas de reprodução, na busca do desejo de ter um filho. Mas, no caso das mães de substituição é difícil aceitar tais razões, pois a técnica pretendida se reveste de uma excessividade não encontrável nos outros recursos. É este excesso que precisa ser podado pela futura legislação, seguindo a linha da Resolução nº 1358/92 do Conselho Federal de Medicina.

DIREITO COMPARADO:

AUSTRÁLIA – todos os relatórios rejeitam a possibilidade da maternidade de substituição, seja ela praticada de forma lucrativa ou não.

FRANÇA – o Comitê Consultor Nacional de Ética da França considerou o recurso a esta prática como ilícito. A verdade é que o direito não está posicionado sobre a matéria e a jurisprudência parece hesitar.

ALEMANHA – nega qualquer possibilidade a maternidade de substituição, invocando a dignidade humana e o rompimento do vinculo biológico e psíquico entre a mãe gestante e o filho concebido.

ESPANHA – conta com lei própria para regulamentar a matéria, negando a maternidade por substituição, declarando nulo o contrato e reafirmando a noção clássica de que a maternidade é determinada pelo parto.


Normas a respeito da matéria no Brasil

* Resolução nº 1.358/92 do CFM – Regras éticas estabelecidas pelo Conselho Federal da Medicina sobre a aplicação das técnicas de Reprodução Assistida

* Lei nº 8.974/95 (Lei da Biotecnologia).

* Lei nº 9.263/96, que visa regulamentar o parágrafo 7º do artigo 226 da CF, que trata do planejamento familiar.

* Novo Código Civil – Lei nº 10.406/2002.


Referências bibliográficas

:

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VENOSA, Silvio de Salvo. "A reprodução assistida e seus aspectos legais.", www.valoronline.com.br, 23/3/2002 ano 3 nº 474.


Notas

1. VENOSA, Silvio de Salvo. "A reprodução assistida e seus aspectos legais." www.valoronline.com.br, em 23/3/2002, ano 3 nº 474.

2. FERNANDES, Tycho Brahe. A Reprodução Assistida em face da Bioética e do Biodireito. Ed. Diploma Legal, Florianópolis, SC, 2000, p. 53;

3. SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ, Severo. "O direito in vitro: Da bioética ao biodireito.", 2ª ed., Editora Lúmen Juris: RJ, 2000, p. 89;

4. NAKAMURA, Milton. Inseminação Artificial Humana, SP: Rocca, 1984 apud SAUWEN, Regina Fiúza, op. cit., p. 90;

5. FERNANDES, Tycho Brahe. Op. cit., p. 5

6. RIZZARDO, Arnaldo. Fecundação Artificial. Revista Ajuris nº 52, RS, 1991.

7. MOREIRA FILHO, José Roberto. "Conflitos Jurídicos da reprodução humana assistida. Bioética e Biodireito" jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2588, em 9/05/2002;

8. op. cit., p. 5;

9. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. "Filiação e Reprodução Assistida: Introdução ao tema sob a perspectiva do direito comparado." Revista Brasileira de Direito de Família nº 5, abril/maio/junho/2000.

10. op. cit., p.

11. op. cit.

12. apud FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit, p. 72.

13. TEPEDINO, Gustavo. Direito de Família Contemporâneo. Belo Horizonte, Ed. Del Rey, 1997, p. 537 apud LEITE, Gisele. Clonagem e demais manipulações modernas em face do direito, www.jus.com.br em 9/5/2002.

14. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. "Filiação e Reprodução Assistida: Introdução ao tema sob a perspectiva do direito comparado." Revista Brasileira de Direito de Família, abril/maio/junho/2000, p.22/23;

15. op. cit.,

16. op. cit., p. 7;

17. MOREIRA FILHO, José Roberto. Direito à identidade genética. jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp, em 30/4/2002, p. 2;

18. op. cit., p. 86;

19. apud FERNANDES, Tycho Brahe.op. cit., p. 85;

20. op. cit., p.339;

21. apud MOREIRA FILHO, José Roberto. Op. cit. p.3;

22. op. cit.

23. LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: Aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995.

24. Op. Cit., p.113 e 114.

25. Revista Veja, 09/05/01, p. 112.

26. DINIZ, Maria Helena. A ectogênese e seus problemas jurídicos citados por FERNANDES, Tycho Brahe. A Reprodução Assistida em face da Bioética e do Biodireito, p. 76.

27. VELOSO, Veno.Direito Brasileiro da filiação e Paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997, p.36.

28. 09/05/01, p. 111.

29. 09/05/01, p. 112.

30. LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: Aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 371.

31. BARBOZA, H.H. O Estabelecimento da Filiação, p. 88 citada por LEITE, Eduardo de Oliveira, op. cit, p. 403 e 404.

32. SEMIÃO, Sergio Abdalla. Os Direitos do Nascituro, p. 187-188. MENEZES, Thereza Chistina Basto de.

33. KANTROWITZ, B. citado por LEITE, Eduardo de Oliveira, op. cit, p. 416.

34. Op.cit, p. 69.