"A Responsabilidade Civil Objetiva dos Estabelecimentos Bancários baseada na Teoria do Risco Profissional"


Porgiovaniecco- Postado em 03 dezembro 2012

Autores: 
DIAS, Francisco Nazareno Brasileiro.

 

 

Sumário: Introdução 1) Noções gerais e evolução histórica da Responsabilidade Civil. 2) A Responsabilidade Civil dos Estabelecimentos Bancários e o Código de Defesa do Consumidor. 3) A Responsabilidade Civil Objetiva dos Estabelecimentos Bancários baseada na Teoria do Risco Profissional. Conclusão. Referências Bibliográficas.

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo fazer um estudo sobre a responsabilidade civil objetiva dos estabelecimentos bancários baseada na teoria do risco profissional, abordando a responsabilidade civil dos bancos em virtude do risco profissional existente na atividade bancária.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Estabelecimentos Bancários. Teoria do Risco Profissional. Responsabilidade Objetiva.


 

Introdução

Este artigo faz um estudo acerca da responsabilidade civil objetiva dos estabelecimentos bancários baseada na teoria do risco profissional. Para tanto, inicialmente, é feita uma explanação sobre os aspectos gerais e a evolução histórica da responsabilidade civil. No segundo momento é feita uma abordagem sobre a responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários contextualizada no advento do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, é feita uma análise, especificamente, sobre a responsabilidade civil objetiva dos estabelecimentos bancários baseada na teoria do risco profissional.

1 Noções gerais e evolução histórica da Responsabilidade Civil

A responsabilidade civil é uma temática jurídica muito abrangente, relevante e que passou por uma enorme evolução durante a história da civilização humana.

 A responsabilidade civil está presente na sociedade desde os primórdios da existência humana e sempre esteve associada à seguinte idéia: aquele que causa algum dano a outrem deve ser responsabilizado pelos seus atos e deve, de alguma maneira, ressarcir a vítima do dano.

Antigamente, essa reparação do dano era feita através da própria vítima, que buscava fazer justiça com as próprias mãos, através de uma vingança ao causador do seu dano, com o intuito de ocasionar a ele o mesmo infortúnio sofrido. Essa vingança e conseqüentemente reparação do dano tinha por base a Lei de Talião, da retribuição do mal pelo mal, “olho por olho, dente por dente”.

Nessa primeira fase, a responsabilidade era objetiva, existia independente de culpa.

Como ensina (Diniz, 2007), logo após esse período, em que os conflitos eram resolvidos através da Auto-Tutela, veio o período da Composição, onde a sociedade passou a observar que era mais conveniente entrar em composição com o autor do dano do que cobrar a retaliação, pois da maneira como se resolvia antes, baseada no famoso princípio da Lei de Talião, não havia reparação de dano e sim o cometimento de outro.

A composição econômica que, a princípio, era voluntária, passou a ser obrigatória, passando o Estado a intervir nos conflitos particulares regulando a composição e proibindo a vingança privada.

Na composição, o autor da ofensa reparava o dano através de quantia paga em dinheiro, a critério da autoridade pública ou do particular lesado, se o dano causado fosse, respectivamente, contra direitos relativos à respública ou contra interesses de particulares.

A composição continuou a época dos romanos e nesse período se começou a vislumbrar a diferenciação entre a pena privada e a reparação.

Nesse diapasão, assim refere-se Gonçalves (2009, p.7):

A diferenciação entre a "pena" e a "reparação", entretanto, somente começou a ser esboçada ao tempo dos romanos, com a distinção entre os delitos públicos (ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem) e os delitos privados. Nos delitos públicos, a pena econômica imposta ao réu deveria ser recolhida aos cofres públicos, e, nos delitos privados, a pena em dinheiro cabia à vítima.

Por volta do final do século III a.C., foi promulgada a Lex Aquilia. Essa lei é um divisor de águas na Responsabilidade Civil, pois trouxe em seu interior a idéia da culpa como elemento fundamental para que houvesse a responsabilização pela reparação do dano causado à vítima, diferentemente, de outrora, que bastava ser provado o dano, para que houvesse a responsabilização do seu causador.

Sobre a Lex Aquilia, assim refere-se Venosa (2007, p.16):

Lex Aquilia foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século III ou início do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. Como os escravos eram considerados coisas, a lei também se aplicava na hipótese de danos ou morte deles. Punia-se por uma conduta que viesse a ocasionar danos. A idéia de culpa é centralizadora nesse intuito de reparação.

Ainda, sobre a Lex Aquilia, assim se pronuncia Diniz (2007, p. 11):

Lex Aquilia de damno veio a cristalizar a idéia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente.

Foi no Direito Francês que se definiu o princípio geral da Responsabilidade Civil fundada na culpa, e essa definição influenciou a grande maioria das legislações em todo o mundo, inclusive a brasileira. (Diniz, 2007)

Na época da Revolução Industrial, com o progresso e o desenvolvimento crescente, multiplicaram-se também a quantidade de danos e os doutrinadores começaram a perceber que a teoria da responsabilidade civil fundada na culpa, ou seja, a teoria subjetiva, não era suficiente para alcançar a totalidade dos danos ocorridos, uma vez que em várias situações um dano ocorria independente da culpa latu sensu e nessas situações a vítima não era ressarcida do infortúnio sofrido. Diante desse quadro, foi preciso ser desenvolvida outra teoria da Responsabilidade Civil: a Teoria do Risco.

Sobre a Teoria do Risco, assim refere-se Gonçalves (2009, p.10):

Na Teoria do Risco se subsume a idéia do exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil. O exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade.

O atual ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria do risco. Essa teoria foi expressa, de maneira pioneira, no Brasil, no Código de Defesa do Consumidor, promulgado em 1990, que trouxe em seu artigo 14, transcrito in verbis, a possibilidade da responsabilização por dano causado independentemente de culpa.

Art. 14 O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Seguindo a mesma esteira do Código de Defesa do Consumidor, o novo Código Civil Brasileiro, promulgado em 2002, respaldou a teoria do risco, na medida em que trousse a previsão, no parágrafo único do artigo 927, transcrito in verbis, da existência da responsabilidade objetiva nos casos expressos em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor da lesão implicar riscos para o direito de outrem.

Parágrafo único do art. 927. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

2 A Responsabilidade Civil dos Estabelecimentos Bancários e o Código de Defesa do Consumidor

A questão relativa à responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários sofreu modificações e ganhou maior amplitude no ordenamento jurídico brasileiro, com a notória expansão, modernização e diversificação da atividade bancária no Brasil.

Até pouco tempo atrás, devido à falta de legislação específica aplicável as questões suscitadas acerca da responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários, tais questões eram resolvidas à luz da doutrina e da jurisprudência. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90), essa situação foi alterada, pois o referido código, em seu artigo 3º, parágrafo 2º, transcrito in verbis, equiparou a prestação de serviços bancários de natureza onerosa às relações de consumo.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

  § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Desse modo, com o seu advento em 11 de setembro de 1990, o Código de Defesa do Consumidor passou a regular as atividades bancárias.

Como foi explicado acima, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, adotou a teoria do risco, trazendo a possibilidade da responsabilização por dano causado independentemente de culpa. Em regra, a responsabilidade civil dos bancos é objetiva, responsabilidade que independe de culpa, devido ao dispositivo do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor e com base na teoria do risco profissional, pois o banco ao exercer a sua atividade com fins lucrativos assume o risco dos danos que der causa, ou seja, a responsabilidade deve recair sobre aquele que aufere os benefícios ou lucros da atividade que explora – Teoria do ubi emolumentum, ibi ônus.

3 A Responsabilidade Civil Objetiva dos Estabelecimentos Bancários baseada na Teoria do Risco Profissional

Diante da breve exposição da evolução histórica da responsabilidade civil e da abordagem feita acerca da responsabilidade civil dos bancos e o Código de Defesa do Consumidor, trataremos agora de expor especificamente a responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários.

Para começar a explanar detalhadamente sobre a responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários, cabe inicialmente, informar que deve ser tratada distintamente a responsabilidade do banqueiro, compreendido como banco, a pessoa jurídica, a empresa financeira que tem por fim realizar a mobilização do crédito, da dos seus administradores, pessoas físicas que exercem suas funções na instituição financeira – banco.

Com essa distinção é possível separar a responsabilidade civil objetiva fundada na teoria do risco, que normalmente rege a relação do Banco com os seus clientes, e a responsabilidade civil subjetiva, que predomina nos casos em que o dever de reparação do dano recai sobre o administrador, o indivíduo, pessoa física que trabalha na instituição financeira. Ressalte-se, porém, que essa responsabilidade subjetiva do administrador é perante o banco, pois nos casos de lesão ao cliente bancário, relacionada a ato praticado por administrador do banco, com culpa ou dolo, o banco responde objetivamente para o cliente e exerce ação regressiva contra o administrador.

O Código Civil Brasileiro trouxe a responsabilidade civil objetiva do empregador pelos atos de seus empregados, independentemente de culpa, no disposto no artigo 932, inciso III, combinado com o artigo 933, transcritos in verbis logo abaixo:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

Em relação à responsabilidade civil do banco no relacionamento com seus clientes, a doutrina majoritária tem se posicionado no sentido de que a responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários é objetiva, devendo eles suportarem os riscos profissionais inerentes à sua atividade financeira; dessa forma, deverá o banqueiro responder pelos danos que causar, em razão de risco assumido profissionalmente, só se isentando dessa responsabilidade se restar provado culpa grave do cliente, caso fortuito ou força maior.

Para corroborar esse entendimento trazemos a súmula 28 do Supremo Tribunal Federal, transcrita in verbis:

Súmula 28 STF. O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista.                                               

Os Bancos ao praticarem a sua atividade financeira devem suportar os riscos profissionais inerentes a mesma e por isso a responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários é objetiva e fundada na teoria do risco, prevista no artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor e no artigo 927, parágrafo único, segunda parte, do Código Civil Brasileiro de 2002 que prevê que quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, deverá o autor do dano responder independente de culpa.

Em relação aos riscos da atividade bancária assim se pronuncia Alves (2005, p.88):

Implica riscos para os direitos alheios não apenas a atividade perigosa, mas toda e qualquer atividade que, em sendo exercida, possa gerar situação fática de dano potencial àquele exposto à sua prática, como se as operações bancárias que se efetivem, ou os serviços bancários que se prestem, o sejam defeituosamente, de modo lesivo ao interesse alheio.

Os estabelecimentos bancários, ao dedicarem-se a atividades financeiras em seu funcionamento, hão de responder civilmente pelos eventos danosos que no exercício de tais atividades gerarem para clientes e não clientes, independentemente de serem eles irradiados de conduta positiva ou negativa culposa, ou não, de seus agentes.

Como ensina (Alves, 2005), os bancos entre as diversas instituições financeiras do país, praticam suas atividades, como mencionado no artigo 927, parágrafo único do Código Civil, de forma habitual e orientada para a obtenção de fins econômicos, e dizer que na atuação bancária não há risco de dano efetivo àqueles em cujo interesse ela se desenvolve e se presta é desconsiderar o gigantismo das operações e dos serviços bancários, que pelo vulto qualitativo e, sobretudo, quantitativo de que se revestem, implicam por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Conclusão

No decorrer do presente trabalho fizemos um breve estudo sistematizado da responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários, sendo na primeira parte abordado o tema referente a noções gerais e evolução histórica da responsabilidade civil; partindo desde a época em que as resoluções dos conflitos eram feitas através da auto-tutela, até os dias atuais, passando pela definição das teorias objetiva e subjetiva da responsabilidade civil e da teoria do risco.

Verificamos que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, adotou a teoria do risco, trazendo a possibilidade da responsabilização por dano causado independentemente de culpa, e que o artigo 3º, parágrafo 2º, do CDCequiparou a prestação de serviços bancários de natureza onerosa às relações de consumo. Observamos também que, com o seu advento em 11 de setembro de 1990, o Código de Defesa do Consumidor passou a regular as atividades bancárias.

Concluímos que a responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários é objetiva e fundada na teoria do risco profissional, ou seja, o banco responde independentemente de culpa, pois a responsabilidade deve recair sobre aquele que aufere os benefícios ou lucros da atividade que explora. Deste modo, o banco ao exercer a sua atividade com fins lucrativos assume o risco dos danos que der causa.

Referências Bibliográficas

ALVES, Vilson Rodrigues. A Responsabilidade Civil dos Estabelecimentos Bancários. 3. ed. Campinas: Servanda, 2005.

BARROSO, Felipe dos Reis. Manual de Formatação de Monografia Jurídica. Fortaleza: Book , 2006.

BRASIL, Código Civil. 2. ed.  São Paulo: Saraiva, 2002.

BRASIL, CDC (1990). Código de Defesa do Consumidor. Brasília: DF, Senado, 1990.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF, Senado, 1988.

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 12. ed. São Paulo: Perspectiva, 1995.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

 

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