Sistema de sanções aos atos processuais inválidos


PorJeison- Postado em 10 abril 2013

Autores: 
CAVALCANTI FILHO, José Guilherme Leite.

 

O objetivo desse importante trabalho é analisar o tema sob uma ótica sistemática das normas processuais civis a respeito das invalidades processuais, deixando para trás uma interpretação gramatical ultrapassada, que não atende a certos princípios constitucionais e processuais do ordenamento jurídico brasileiro vigente. Essa nova perspectiva busca ao máximo preservar a produção dos efeitos dos atos processuais, mesmo que defeituosos, quando cumprirem a sua finalidade e não prejudicarem os interesses das partes, de terceiros ou ferirem os princípios gerais do processo.

            Entretanto, antes de discorrer sobre os motivos que ensejam as nulidades, será vislumbrado o estudo dos atos processuais de forma panorâmica. Esse parênteses utilizado para conceituar os atos voltados ao processo e os princípios a ele inerentes tem por objetivo didático e instrumental desenvolver uma linha de raciocínio construtiva sobre o tema em análise.

            Os atos processuais¹ são manifestações de vontade das partes, dos interessados e de outros sujeitos que participam do processo. Esses atos, como elementos formadores do processo, proporcionam ao instrumento da jurisdição a sua dinâmica.

            Em regra, a forma do ato processual é livre. A forma determinada só é adotada quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os atos que, realizados de outro modo, cumpram a sua finalidade essencial, segundo entendimento do jurista Calmon de Passos. É nesse sentido o teor do art. 154 do CPC. A lei processual restringiu a formalidade de seus atos à existência de uma previsão legal.

Como o processo é um instrumento formal, é natural que boa parte dos atos que o compõe sejam também formais para atender a uma ordem procedimental lógica e sistemática. Essa ordem de proceder tem por objetivo trazer uma segurança jurídica para as partes dentro do processo. Este, comparado a um jogo, possui regras que os participantes devem seguir para conquistarem um resultado buscado.

            O Título V do CPC trata dos atos processuais. Convém, entretanto, não discorrermos de forma contundente sobre as formas dos atos em geral, tempo e lugar dos atos processuais, dos prazos e das comunicações dos atos. Esses institutos serão examinados dentro da temática aqui proposta de maneira acessória, e não pontual.

            Será vislumbrado, de início, o tratamento de alguns princípios que norteiam o sistema de invalidades processuais.

            I- Princípio da liberdade de formas

            O Código de Processo Civil e O Código Civil optaram pela liberdade formal de seus atos. De acordo com a primeira parte da narrativa do art. 154, do CPC, “Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir...”. Da mesma maneira, o direito civil manteve esse entendimento em seu art. 107. “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. Assim, tanto o direito instrumental como o direito substancial escolheram a liberalidade formal de seus atos com intuito de facilitar o exercício de seus atos.

            II- Princípio da instrumentalidade das formas e do não prejuízo

            Esse princípio decorre da preservação da validade do ato praticado mesmo que não atendidos os requisititos previstos na lei, desde que a manifestação de vontade dos sujeitos do processo alcance a sua finalidade. No entanto, essa admissibilidade só é aceitável quando não prejudicar a parte ou os princípios processuais. Consagrado no art. 244, que dispõe: “Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.” É complementado pelo art. 249, § 1º: “O ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte.” Em decorrência dessa interpretação, o princípio da finalidade só terá aplicabilidade quando o objetivo atingido pelo ato inválido não trouxer prejuízos.

            III- Princípio da causalidade

            Os atos processuais guardam consigo sua individualidade, ainda que pertencentes a uma unidade lógica que é o procedimento. Dessa forma, serão considerados válidos os atos que não estejam ligados por um nexo causal ao ato anulado. Depreende-se essa ideia da segunda metade do escrito, onde se afirma que a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras, que dela sejam independentes.

            IV- Princípio da consequência

            Se decretada a nulidade de um ato, também serão considerados os subsequentes que dele dependam, conforme a primeira parte do art. 248. Essa interpretação preserva a noção lógica e sistemática do procedimento.

            V- Princípio da economia processual.

            O Estado Democrático de Direito reservou às partes um processo de duração razoável. Essa prerrogativa informa que a justiça institucionalizada na figura de um ser artificial e soberano (visão hobbesiana do Estado), para ser considerada eficaz, deve ser exercida de maneira não tardia, não demorada. Do contrário, o processo, dentre outras funções que lhe são atribuídas pelo direito, perderia a razão de ser o mecanismo da jurisdição na pacificação social. A morosidade processual no sistema jurídico brasileiro decorre não só das fragilidades estruturais do poder judiciário, como também da prática contundente dos juízes e tribunais de sancionar os atos processuais inválidos com a decretação de nulidade. O magistrado tem o dever de buscar extrair a máxima eficácia dos atos imperfeitos para evitar a sua desnecessária repetição.

            Nulidade dos atos processuais inválidos

            O ato processual para produzir seus efeitos deve observar os requisitos de validade exigidos na lei durante a sua constituição. Sendo assim, aquele que não atender a certos requisitos de validade próprios de sua natureza ou tipificados em lei é chamado de ato inválido, podendo ter comprometida a produção de seus efeitos. 

            Observa-se, entretanto, que a simples imperfeição dos atos processuais não é suficiente para que esses sejam considerados nulos. A nulidade não é presumida, mas sim decretada pelo juízo competente. O ato defeituoso produz seus efeitos até que estes sejam eliminados pela imposição de nulidade. Esta, como sinônimo de sanção, não deverá ser decretada quando o ato defeituoso cumprir a sua finalidade e não trouxer prejuízos às partes do processo, a terceiros e aos princípios gerais do processo. Atende-se assim, aos princípios da instrumentalidade das formas, da economia processual, entre outros.

            A tentativa da doutrina em querer criar uma teoria das nulidades, de aplicação genérica aos atos inválidos, é por demais infrutífera. O caso concreto analisado é que informará se a nulidade deve ou não ser aplicada.

            Em matéria de citação, quando esta for realizada de maneira imperfeita, a sua nulidade poderá ser declarada pelo órgão jurisdicional. O objetivo desse ato é dar ciência à parte acionada da existência de um processo em que o mesmo é reclamado, para possibilitar-lhe o direito de defesa. Assim, o ato praticado de forma defeituosa, mas cumpridor de sua finalidade, de acordo com o art. 214,§1º do CPC pode ser convalidado, uma vez que o comparecimento do citando para defender-se sana até mesmo a falta da citação. De outro lado, se a citação irregular trouxer algum prejuízo de defesa ao citando, esse ato será decretado nulo mediante provocação da parte prejudicada ou atuação de ofício do juiz. Esse vício não viola apenas os interesses da parte prejudicada, como também transgride o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório. A imperfeição é tamanha que o ato poderá ser combatido mesmo após o trânsito em julgado da sentença ou até mesmo passado o prazo de dois anos para o ajuizamento de ação rescisória, mediante ação transrecisória.

            Além desse ato, a manifestação de vontade viciada praticada por juiz absolutamente incompetente ou impedido poderá ser anulada de ofício ou por provocação até o prazo estipulado para a rescisória. Essas irregularidades ofendem, respectivamente, os princípios inerentes às regras de competência e da imparcialidade dos juízes. Poderá não haver prejuízo para as partes ou terceiros, no entanto terá para a distribuição da justiça.

            Ainda, quando o ato processual for prejudicial apenas às partes, e a sua nulidade estiver prevista em lei, mesmo que atinja seus objetivos, mas prejudique uma das partes, sua nulidade pode ser decretada pelo juiz, de ofício ou mediante requerimento do prejudicado. Essa conclusão a que se chega decorre do enunciado do art. 236, § 1º que impõe ao juiz que este determine o refazimento da intimação sempre que ciente de algum vício do ato. Todavia, pode a parte dar-se por intimada superando o vício. Esse tipo de ato defeituoso será passível de nulidade até a sentença. Entretanto, caberá à parte prejudicada requerer a nulidade do ato na primeira oportunidade de falar nos autos sob pena de preclusão. Se o interesse em agir é da parte, e se ela em momento oportuno não alega a irregularidade do ato, perderá o direito de praticar esse ato.

            Nas hipóteses em que a manifestação de vontade viciada prejudicar os interesses meramente de um dos litigantes, e a lei não prever a atuação do juiz de ofício, apenas as partes poderão requerer a retificação do vício. Essa provocação tem de ocorrer em momento devido, sob pena de preclusão.

            Os atos processuais defeituosos que não têm em si o poder de prejudicar terceiros, os princípios acima discorridos, as partes e jurisdição são chamados de irregularidades. Estas não poderão ensejar a nulidade dos atos em face de sua insignificância.

            A aplicabilidade das sanções aos atos viciados deve observar os princípios processuais e constitucionais que os informam, além de ter como regra a aplicabilidade da nulidade apenas quando for verificado um prejuízo para a parte, aos princípios gerais do processo ou a terceiros. O processo, como o conjunto de atos sucessórios, ganha corpo com o seu desenvolvimento regular. A nulidade de seus atos, de maneira caprichosa e burocrática, impede seu progresso e retarda o seu fim, que é possibilitar a aplicação do direito material no caso concreto.

REFERÊNCIAS:

OLIVEIRA, Caroline Mottecy de. Das nulidades dos atos processuais e seus efeitos. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=784&p=1. Acesso em 28/04/2008.

BIBLIOGRAFIA:

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SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 10 ed.São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1.

 

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