Suspensão condicional do processo: aplicação da lei 9.099 nos processos sujeitos a lei maria da penha


Porwilliammoura- Postado em 16 novembro 2011

Autores: 
MACENA, Aldinei Rodrigues

Suspensão condicional do processo: aplicação da lei 9.099 nos processos sujeitos a lei maria da penha

INTRODUÇÃO

Com a edição da Lei nº 9099/1995, o legislador deu cumprimento ao Artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, essa lei inaugurou uma nova fase no sistema processual penal brasileiro, a da justiça pactuada ou consensual, mas ainda pairam incertezas sobre os aspectos e aplicação dos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, inseridos no ordenamento brasileiro, respectivamente, pelos Artigos 76 e 89 da Lei Federal nº 9099/1995, que modificaram as noções sobre a indisponibilidade da ação penal pública e refletem uma inspiração despenalizadora.

Isto porque, com a edição da Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, instaurou-se grande discussão sobre o seu Artigo 41, que aboliu qualquer chance de aplicabilidade da Lei nº 9099/1995 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.

A respeito das controvérsias sobre a aplicação dos institutos despenalizares contidos na Lei nº 9.099/1995, aos crimes previstos na Lei nº 11.340/2006, é necessário investigar se:

  • São aplicáveis os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 aos crimes abrangidos pela Lei nº 11.340/2006 quando o limite máximo da pena privativa de liberdade cominada em abstrato se confinar com os limites previstos no art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.313/2006.
  • É cabível, em tese, a suspensão condicional do processo para o crime previsto no Artigo 129, § 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/2006.
  • É cabível a audiência prévia de conciliação aos crimes abrangidos pela Lei nº 11.340/2006 quando o limite máximo de pena privativa de liberdade cominada em abstrato se confinar com os limites previstos no art. 61 da Lei nº 9.099/95, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.313/2006.
  • É cabível a audiência prévia de conciliação para o crime previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/2006.
  • A constitucionalidade do art. 41 da Lei nº 11.340/2006 ao afastar os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 para crimes que se enquadram na definição de menor potencial ofensivo, na forma do art. 98, I e 5º, I, da Constituição Federal.

Como se percebe, as principais dúvidas pairam sobre a constitucionalidade das vedações da aplicação da Lei nº 9.099/1995, aos crimes e que trata a Lei nº 11.340/2006.

Por isso, o principal problema que envolve o presente estudo é a constitucionalidade da vedação à aplicação do rito e dos institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/1995 aos crimes de que trata a Lei nº 11.340.

Além disso, merece destaque as medidas protetivas de urgência que promovem uma proteção à família vítima de violência doméstica, inclusive através da retirada do agressor de dentro do lar familiar.

Porém outras medidas protetiva parecem não ter aplicabilidade devido as limitações econômicas da polícia, como é o caso do programa de proteção às testemunhas, extensivo às vítimas de violência doméstica, quando essas se encorajam a ponto de denunciar o agressor, que por seu histórico comportamental, oferece risco à vida e integridade física do denunciante.

Destarte, o problema de a violência doméstica ser mais grave do aparenta, pois a família é a célula mater da sociedade, não obstante, os incidentes de violência doméstica têm consequências inclusive para os filhos. Dada a importância da família, a Constituição de 1988 a reconhece como núcleo principal da sociedade e oferta-lhe proteção e tratamento especial.

 

2. CONCEITOS PROCESSO E PROCEDIMENTO

Processo é a forma estabelecida pela lei e praxe para se tratarem as causas em juízo. Consiste, portanto, no conjunto de atos e procedimentos que formam o processo. Segundo:

O processo pode ser encarado sob o aspecto dos atos que lhe dão corpo e das relações entre eles e igualmente sob o aspecto das relações entre os seus sujeitos. O procedimento é, assim, apenas o meio extrínseco pelo qual se instaura, se desenvolve e termina o processo; é a manifestação extrínseca do processo... O processo não é apenas um instrumento técnico, mas sobretudo ético. E significa, ainda, que é profundamente influenciado por fatores históricos, sociológicos e políticos. Claro é que a história, a sociologia e a política hão de parar às portas da experiência processual, entendida como fenômeno jurídico. (GRINOVER, 1981, p. 277)

Procedimento é o modo, a forma pela qual os atos processuais devem ser praticados, em outras palavras, é a forma como o processo vai se desenrolar e como será processado o acusado que cometeu determinado delito. Portanto, pode o legislador, considerando a natureza da causa, por exemplo, fixar procedimentos diversos, já que o objetivo é que se forneça celeridade ao processo. Na concepção de Marília dos Santos[1]:

a) o da amplitude, pelo qual processo é o todo e o procedimento as partes; b) o da complexidade, onde procedimento é o meio imediato de dar forma ao ato e processo é o conjunto desses procedimentos coordenados; c) o do interesse, segundo o qual o procedimento busca satisfazer apenas os interesses do autor enquanto o processo busca os interesses do destinatário do ato; d) o que diz que processo é noção abstrata e o procedimento sua forma concreta; e) o da lide, que sustenta não haver lide no procedimento; f) o teleológico, pelo qual procedimento é mera coordenação de atos e o processo contém um objetivo, uma finalidade e, g) o da colaboração dos interessados, pela qual tal colaboração só existe no processo.

2.1. Procedimento Comum

A Lei nº 11.719/2008, que alterou diversos dispositivos legais contidos no Código de Processo Penal, determinou que "o procedimento será comum ou especial", conforme se percebe da leitura do Artigo 394 do citado Diploma legal. O mesmo dispositivo descreve quais serão os ritos obedecidos pelo procedimento comum, podendo ser ordinário, sumário ou sumaríssimo, conforme trataremos adiante, determina ainda que este será aplicado a todos os processos salvo quando o contrário estiver disposto no próprio Código de Processo Penal ou em leis especiais extravagantes, conforme determina o § 2º do mesmo Código.

Importante ressaltar que o procedimento será determinado considerando a pena máxima prevista para determinada infração penal, devendo ser computado inclusive o concurso de crimes, as agravantes e as qualificadoras, portanto, pouco importa se a infração penal é punida com reclusão ou detenção. Dessa forma, conforme preceitua o Artigo 394 do Código de Processo Penal, o procedimento comum poderá ser:

Art. 394. O procedimento será comum ou especial.

§ 1o O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo:

I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;

II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade;

III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei.

§ 2o Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial.

2.2. Procedimento Ordinário

Percebe-se que o procedimento ordinário é o procedimento padrão, pois "aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário" (art. 394, § 5º).

A instrução criminal, no procedimento ordinário, se inicia com o oferecimento de denúncia (pelo Ministério Público, nas ações penais públicas e nas públicas condicionadas à representação) ou queixa (pelo querelante nas ações penais privadas). A peça acusatória poderá ser rejeitada se (art. 395 do CPP)[2]:

a) Manifestamente inepta, ou seja, se faltar requisitos essenciais à inicial, que são: a exposição do fato criminoso e das suas circunstâncias; a qualificação do acusado; a classificação do crime e o rol de testemunhas;

b) Faltar pressuposto processual, a saber, demanda judicial, a jurisdição, capacidade processual e de ser parte, a ausência de litispendência ou coisa julgada;

c) Faltar condição da ação penal, que são: tipicidade da conduta; a legitimidade ativa e passiva; e o interesse de agir;

d) Faltar justa causa para o exercício da ação penal, que consiste na existência de lastro probatório mínimo capaz de tornar idônea a acusação.

Se após analisar a denúncia o juiz a receber, ordenará a citação do acusado, para apresentar resposta à acusação em 10 dias, se a citação se der por edital, este prazo somente será contado após o comparecimento pessoal do acusado ou de defensor constituído.

O acusado, portanto tem a oportunidade de arguir preliminares de defesa, tais como nulidades, excludentes de ilicitude, entre outras; além disso, pode alegar tudo que for interessante a sua defesa, apresentar documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, etc.

Se for confirmado pelo juiz o recebimento da denúncia ou queixa, o magistrado designará data e hora para a audiência, ordenando a notificação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente (art. 399 do CPP):

Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.

§ 1o O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação.

§ 2o O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.

Essa audiência será de instrução e julgamento, na qual todas as provas serão produzidas, e prolação da sentença; consagrando assim os princípios da oralidade e da concentração dos atos processuais; dessa forma, nesta audiência deverão ocorrer, respectivamente os seguintes atos (art. 400 do CPP)[3]:

a) tomada de declarações do ofendido;

b) inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem;

c) esclarecimentos dos peritos;

d) acareações;

e) reconhecimento de pessoas e coisas;

f) interrogatório do acusado;

g) requerimento de diligências pelo Ministério Público, querelante, assistente e, a seguir, acusado, (art. 402), que se forem ordenadas, a audiência será concluída sem as alegações finais (art. 404). Realizadas as diligências, será aberta vista dos autos pelo prazo sucessivo de 5 dias, devendo, logo após, serem apresentados os memoriais e por último, o juiz proferirá a sentença em até 10 dias (art. 403, § 3º);

h) superada a fase de requerimentos de diligências, seguem-se alegações finais por 20 minutos para a acusação e 20 minutos para a defesa, prorrogáveis por mais 10 minutos (art. 403), sendo que, havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual;

i) segue-se a prolação da sentença;

j) lavra-se termo de audiência assinado pelo juiz e pelas partes, com breve resumo dos fatos relevantes ali ocorridos (art. 405).

Se o réu tiver direito à suspensão condicional do processo, de acordo com os critérios do art. 89 da Lei n. 9.099/95, esta poderá ser proposta:

a) Na própria audiência, após a oitiva de ofendidos, testemunhas e peritos, e antes de se realizar o interrogatório;

b) Na audiência, antes da oitiva de ofendidos, testemunhas e peritos, e antes ainda do interrogatório;

c) Antes da audiência está prevista na lei para colheita da prova oral, designa-se audiência extraordinária, que parece ser a melhor solução, pois, se aceita a suspenção pelo acusado, não haverá instrução criminal.

2.3. Procedimento Sumário

As regras do procedimento ordinário contidas nos Artigos 395 a 398 do Código de Processo Penal também se aplicam ao procedimento sumário. Conforme Artigos 531 e 532 do Código de Processo Penal, respectivamente:

Art. 531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate.

Art. 532. Na instrução, poderão ser inquiridas até 5 (cinco) testemunhas arroladas pela acusação e 5 (cinco) pela defesa.

Assim, as diferenças em relação ao procedimento ordinário ficam por conta:

a) Prazo máximo de 30 dias para realização da audiência;

b) Número máximo de testemunhas (5 para cada parte); e

c) Ausência da oportunidade de requerimento de diligências complementares pelas partes.

Ainda sobre o procedimento sumário, o Artigo 535 do Código de Processo Penal determina "Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer".

2.4. Procedimento Sumaríssimo

Este procedimento é regulado pela Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995, que definiu as chamadas infrações de menor potencial ofensivo – como aquelas que forem punidas com pena máxima de até um ano de detenção, conceito revisto e alterado pela Lei nº 10.259/01 – e estabeleceu o respectivo procedimento, de competência dos chamados Juizados Especiais Criminais que seguem o seguinte rito procedimental:

I. Elaboração do termo circunstanciado, que substitui o inquérito policial, que é comum nos procedimentos ordinários e sumários;

II. Em seguida, o Termo Circunstanciado deverá ser enviado ao Juizado Especial Criminal, se presentes autor e vítima na Secretaria do Juizado, será realizada a audiência preliminar, com escopo de conciliar as partes, cível e penalmente, na presença do Ministério Público e do Juiz; o procedimento sumaríssimo é composto das seguintes fases:

a.) Composição dos danos, para reparar os danos sofridos pela vítima, sejam materiais ou morais, caso não ocorra tal acordo entre as partes, será oferecida representação ou queixa no momento da audiência ou no prazo legal (seis meses para ação pública condicionada ou privada).

b.) Após a composição dos danos, se esta restar infrutífera, ocorrerá a transação penal entre o promotor e o autor do fato, essa transação é uma faculdade do parquet de dispor da ação penal e de não promovê-la sob certas condições.

c.) Caso não ocorra a composição dos danos, a transação penal ou arquivamento do termo circunstanciado poderá ser oferecida a denúncia.

III. A citação: deverá ser sempre pessoal

Na audiência de instrução e julgamento será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, devendo rebater as alegações do promotor, pelo Princípio da Eventualidade, o juiz poderá, ou não receber a denúncia ou queixa, caso a receba, a audiência terá seguimento na seguinte ordem: oitava da vítima; das testemunhas de acusação; das testemunhas de defesa; interrogatório do acusado; Debates orais por 20 minutos cada parte (prorrogáveis por mais 10 minutos); Sentença.

  1. 3. A CRIAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS NO BRASIL

O Artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, que previu a criação, no âmbito do Poder Judiciário dos juizados especiais, conforme o excerto:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

A Lei nº 9099/95, busca dar cumprimento ao art. 98, inciso I, da Constituição Federal, inaugurando uma nova fase no sistema processual penal brasileiro, com aplicação da justiça pactuada ou consensual, conforme os Artigos 76 e 89 da Lei Federal nº 9099/95, que modificaram as noções sobre a indisponibilidade da ação penal pública e refletem uma inspiração despenalizadora:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

3.1. Crimes de Menor Potencial Ofensivo

Os crimes de menor potencial ofensivo são definidos pela Lei nº 9.099/1995 em seu artigo 61 segundo o qual "Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa".

Vale lembrar que inicialmente a Lei nº 9.099/1995 previa como crimes de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena privativa de liberdade não ultrapassasse 1 (um) ano. Porém, com o advento da Lei nº 10.259/2001, que instituía os Juizados Especiais Federais, em seu Artigo 2º considerava como crimes de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena privativa de liberdade não ultrapassasse a 2 (dois) anos, de forma que a lei posterior derrogou a parte da anterior que lhe era contrária, estendendo o rol dos chamados crimes de menor potencial ofensivo; neste sentido:

... forçoso é concluir que a única solução possível para este impasse, compatível com as garantias fundamentais previstas no texto constitucional, é considerar que o parágrafo único do art. 2° da Lei 10.259/01 derrogou o art. 61 da Lei 9.6099/95 no que tange à definição das infrações de menor potencial ofensivo. Desse modo, passarão a tramitar no Juizado Especial Criminal todas as infrações a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, sejam de competência do juízo federal, sejam de competência do juízo estadual. (PODVAL, 2002, p. 1830)

Neste mesmo sentido:

Desse modo, temos que os delitos apreciados por ambas as justiças tutelam o mesmo bem jurídico, divergindo a competência para o julgamento tão-somente em virtude de um aspecto específico da causa petendi. E em se tratando de normas penais que protegem exatamente o mesmo bem jurídico, dúvidas não há de que merecem tratamento jurídico idêntico. (PODVAL, 2002, p. 1830)

Assim os processos relativos aos crimes cuja pena privativa de liberdade não ultrapasse a 2 anos obedecem ao procedimento sumaríssimo, caracterizado pela informalidade, consensualidade e oralidade, cuja incidência foi estabelecida em Artigo 60 da Lei 9.099/2005, segundo o qual:

Art. 60 - O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Dessa forma, são abrangidas como crimes de menor potencial ofensivo, independentemente da competência material para julgá-los, os seguintes:

a.) Crimes a que a lei comine pena máxima de reclusão ou detenção (seja isolada, cumulativa ou alternativamente com pena pecuniária) não superior a dois anos;

b.) Todas as contravenções penais, independentemente de terem ou não previsão de procedimento especial.

3.2. Medidas Despenalizadoras

A Lei nº 9.099/1995 introduz meios para o Estado atuar na repressão da infração de menor potencial ofensivo, sem fazer uso da pena restritiva de liberdade, deixando-a como medida de reserva quando e apenas para os casos nos quais houver necessidade; portanto, fica claro que se busca obedecer o princípio da moderação das penas que "estabelece, para cada caso, a medida necessária do castigo, de modo a dar eficácia ao sistema punitivo" (Porto, 2007: p. 12). Neste mesmo sentido, vale a lição deixada por Cesare Beccaria:

É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcional ao delito e determinada pela lei. (BECCARIA, 1997, p. 13)

Destarte, as legislações que tratam dos crimes de menor potencial ofensivo, coadunam com o principio da proporcionalidade, constituidor de um Estado Democrático de Direito, que por regra, obedece a uma Constituição. Assim é necessário que exista uma relação de proporcionalidade entre o delito e a pena, conforme lição do grande filósofo iluminista:

O interesse de todos não é somente que se cometam poucos crimes, mais ainda que os delitos mais funestos à sociedade sejam os mais raros. Os meios que a legislação emprega para impedir os crimes devem, pois, ser mais fortes à medida que o delito é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais comum. Deve. pois, haver uma proporção entre os delitos e as penas. (BECCARIA, 1997, p. 30)

Os meios trazidos pela Lei n° 9.099/95 são:

a) composição civil (viabiliza a extinção da punibilidade) – Arts. 72 e 74, parágrafo único;

b) transação penal – Arts. 76 e 84;

c) suspensão condicional do processo – Art. 89.

Destarte, estas medidas em processo penal representam um grade avanço, pois possibilita a celeridade processual e reduz o número de processos amontoados, aguardando decisão. Neste sentido, Luiz Flávio Gomes:

As vantagens do sistema de resolução dos pequenos delitos pelo ‘consenso'(...) são perceptíveis e, até aqui, irrefutáveis. Por mais que deixe aturdidos e estupefactos os que gostariam de conservar in totum o moroso, custoso e complicado modelo tradicional de Justiça Criminal (fundado na ‘verdade material' – que, no fundo, não passa de uma verdade processual), essa forma desburocratizada de prestação de justiça, autorizada pelo legislador constituinte (CF, art. 98, I), tornou-se irreversivelmente imperativa. (GOMES, 1997: p. 177).

3.2.1. Composição Civil

O advento da composição civil trouxe uma importante mudança, na medida em que a vítima passou a ganhar relevância, pois pode ser indenizada, ou ver cessar o mau injusto que lhe aflige, sem contudo, sofrer com os ritos processuais, neste sentido, Ada Pellegrini pontifica que:

a vítima, finalmente começa a ser redescoberta, porque o novo sistema se preocupou precipuamente com a reparação do dano. Em se tratando de infrações penais de competência dos Juizados Criminais, de ação privada ou pública condicionada, a composição civil chega ao extremo de extinguir a punibilidade (art. 74, parágrafo único). (GRINOVER, 2005, p. 50)

Por outro lado, se o crime é de menor potencial ofensivo para a sociedade, lógico que o interesse maior a prevalecer é o da vítima, que tendo o dano que sofreu sido reparado, logicamente perde o interesse nno prosseguimento da ação, pois o maior interesse no direito penal, não é o da vítima, mas sim o da sociedade, pois busca manter a paz social através da coação aos infratores da lei penal; isso implica que, sendo reparado o dano, extingue-se a punibilidade, aliás, em sede de direito peal, extingue-se também a Culpabilidade, permanecendo o agente como primário, neste sentido:

A aceitação implica a assunção de responsabilidade em relação ao compromisso firmado e não em relação ao fato imputado. A assunção é livre, consciente e respeita formalidades, dentre elas a restrição a determinados tipos penais. Contudo, em momento algum há a admissão da culpabilidade penal, continuando o autor (e agora sujeito desta relação de direito) a ser considerado como inocente. (GRINOVER, 1999, p. 298).

3.2.2. Transação Penal

O instituto da Transação penal está previsto no Artigo 76 da Lei nº 9099/95, segundo o qual:

Artigo 76 - havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal publica incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Publico poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

Portanto, não havendo composição civil dos danos causados à vítima, deverá o parquet propor uma transação, sendo que, o agente confessa o crime mediante a oferta de uma pena restritiva de direitos no lugar de penas corporais. É uma hipótese de não aplicabilidade do Princípio da Indisponibilidade penal, ao qual se submete as autoridades policiais, o Ministério público e os Juízes e Tribunais. Dessa forma transação penal é:

...o ato jurídico através do qual o Ministério Publico e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática do fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada. (SOBRANE, 2001).

Não se trata de pena sem processo, como discutem alguns, mas sim de dar efetividade aos princípios da celeridade e economia processual, assim caso o agente que cometeu o delito, não cumpra as medidas transacionadas o correto é que o Ministério Público ofereça a denúncia.

No entanto, caso o autor do delito não cumpra a medida objeto da transação há quem defenda que a medida transacionada deve ser convertida em restrição à liberdade; porém, isso ofenderia preceitos constitucionais sensíveis, como o Princípio do devido processo legal, consagrado pela Constituição Federal no art. 5º., LIV e LV, estabelecendo que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e a qualquer acusado em processo judicial são garantidos o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Sobre o assunto vale a lição sobre a natureza jurídica da transação:

... possui natureza de negócio jurídico civil, firmado entre o Ministério Público e o autor do fato, e que as ‘penas' de multa e restritivas de direitos, estabelecidas por força desse negócio jurídico nada mais são do que as prestações assumidas pelo autor do fato. Quanto à sentença estabelecida pelo parágrafo 4o do artigo 76 da Lei no 9.099/95, não é condenatória, não impõe pena, mas somente homologa o acordo firmado entre as partes e forma o título executivo judicial da obrigação assumida pelo autor do fato, tendo por conseqüência a exclusão do processo-crime e a declaração da extinção da punibilidade, pela decadência do direito de propor a ação penal. (PAIVA, 1999: p. 49).

Em simples análise da finalidade da transação penal, percebe-se que o autor do fato aceita a proposta do Ministério Público para não ser processado, portanto não houve processo. De forma que ele aceitou uma medida, uma condição, mas não uma pena, pois ainda vigora o princípio "nulla poena sine judicio". Não houve acusação, não houve processo, não pode haver pena. Portanto, ´é descabido o entendimento aqui guerreado de que descumpridos os termos da transação peal, o próximo passo seria a execução penal, tendo em vista que nem mesmo existiu um processo com sentença condenatória, houve sim uma sentença homologatória.

3.2.3. Suspensão Condicional do Processo

A Suspensão Condicional do Processo representa uma exceção ao princípio da obrigatoriedade do processo penal, segundo o qual o Ministério Público está vinculado a oferecer a denúncia, o sursis processual como é conhecido este instituto tem sua previsão legal o artigo 89 da Lei 9.099/1995:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

Nota-se que o sursis processual não se aplica apenas a essa lei, seus benefícios são estendidos a todo o ordenamento penal pátrio; portanto, há a possibilidade de aplicação deste instituto aos crimes cuja pena máxima não exceda a um ano, neste sentido:

As infrações penais de menor potencial ofensivo serão processadas perante os Juizados Especiais Criminais e submetidas às regras do modelo conciliatório estabelecido pela Lei n. 9.099/95; as de médio potencial ofensivo, embora não abrangidas por essa lei no que se refere à competência jurisdicional, poderão incidir em alguns benefícios nela instituídos, como o da suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 do mesmo diploma legal; aquelas consideradas de grande potencial ofensivo serão submetidas aos critérios tradicionais do processo penal clássico, em que imperam o antagonismo entre as partes, a contrariedade nos atos processuais e o respeito estrito aos direitos e garantias fundamentais relativos à ampla defesa, à verdade material, à presunção de inocência e outros mais. (FERREIRA, Ivete Senise apud PITOMBO, 1997, p. 13).

Devido à extensão deste benefício, Luiz F. Gomes chega a afirmar que "a suspensão condicional do processo, representa, a maior revolução no processo penal nos últimos cinquenta anos". (GOMES, 1997, p. 421). Isso porque comtempla a economia e celeridade processual e deixa de contribuir para outro problema absurdo que é a superlotação carcerária, tendo em vista que nas prisões ocorrem todas formas de abusos e quem não é criminoso acaba por se tornar mais um matriculado na ‘universidade do crime'

... não há nas prisões condições de vida adequadas para ninguém, especialmente para quem nunca foi criminoso ou para quem é dependente de droga, ou seja, o encarceramento provoca o pernicioso contato destes consumidores/e ou dependentes não criminosos com delinqüentes perigosos, ladrões, homicidas, estupradores, criminosos organizados, etc. (GOMES, p.110).

 

 

  1. 4. LEI MARIA DA PENHA

A violência doméstica causa muitos prejuízos ao relacionamento entre os conviventes, alcançando a autoestima das vítimas que passam a sentir-se como seres inferiores e que são obrigadas a submeterem-se aos abusos e obstinações dos companheiros.

O Estado Brasileiro sempre foi brando ou negligente em relação à violência doméstica, pois por anos o ordenamento jurídico brasileiro esteve defasado em relação ao papel da mulher na sociedade, pois no Código Civil de 1916, o tratamento dispensado à mulher, quando não era semelhante ao tratamento dado às ‘res' (como se fosse patrimônio do homem) era rotulando-a como relativamente capaz, uma vez que até para trabalhar fora precisava de autorização por escrito do marido ou do pai.

Este cenário fazia com que a mulher vivesse à margem da dignidade, fomentava o machismo e a ignorância, com o advento da Constituição de 1988, a mulher alcançou a igualdade em relação ao homem, porém na prática continuou sendo vítima de injustiças e de violência doméstica. Sobre a violência contra a mulher:

... dentre todos os tipos de violência contra a mulher, existentes no mundo, aquela praticada no ambiente familiar é uma das mais cruéis e perversas. O lar, identificado como o local acolhedor e de conforto passa a ser, nesses casos, um ambiente de perigo contínuo que resulta num estado de medo e ansiedade permanentes. Envolta no emaranhado de emoções e relações afetivas, a violência doméstica contra a mulher se mantém, até hoje, como uma sombra em nossa sociedade. (Senado Federal. Subsecretaria de Pesquisa e Opinião Pública. Violência Doméstica contra Mulher)[4]. (ANEXO I).

Várias foram as vítimas da violência doméstica, algumas com fim trágico, resultando em dor e morte. Um caso emblemático foi o da mulher que deu nome à lei Maria da Penha, conforme o seguinte relato:

A Lei nº 11.340/06, conhecida com Lei Maria da Penha, ganhou este nome em homenagem à Maria da Penha Maia Fernandes, que por vinte anos lutou para ver seu agressor preso.

Maria da Penha é biofarmacêutica cearense, e foi casada com o professor universitário Marco Antonio Herredia Viveros. Em 1983 ela sofreu a primeira tentativa de assassinato, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia. Viveros foi encontrado na cozinha, grtitando por socorro, alegando que tinham sido atacados por assaltantes. Desta primeira tentativa, Maria da Penha saiu paraplégica A segunda tentativa de homicídio aconteceu meses depois, quando Viveros empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou eletrocuta-la no chuveiro.

Apesar da investigação ter começado em junho do mesmo ano, a denúncia só foi apresentada ao Ministério Público Estadual em setembro do ano seguinte e o primeiro julgamento só aconteceu 8 anos após os crimes. Em 1991, os advogados de Viveros conseguiram anular o julgamento. Já em 1996, Viveros foi julgado culpado e condenado há dez anos de reclusão mas conseguiu recorrer.

Mesmo após 15 anos de luta e pressões internacionais, a justiça brasileira ainda não havia dado decisão ao caso, nem justificativa para a demora. Com a ajuda de ONGs, Maria da Penha conseguiu enviar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Viveiro só foi preso em 2002, para cumprir apenas dois anos de prisão.

O processo da OEA também condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendações para que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência. E esta foi a sementinha para a criação da lei. Um conjunto de entidades então reuniu-se para definir um anti-projeto de lei definindo formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres e estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir este tipo de violência, como também prestar assistência às vítimas.

Em setembro de 2006 a lei 11.340/06 finalmente entra em vigor, fazendo com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada com um crime de menos potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas, além de englobar, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio moral[5].

 

4.1. Tipos de Violência Contra a Mulher

Segundo a Cartilha Lei Maria da Penha, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, as violências mais comuns contra a mulher são:

  1. Violência Física – entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da mulher. A infração penal que configuram essa forma de violência é a lesão corporal e as vias de fato. A ação penal é pública incondicionada.
  2. Violência Psicológica – entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. Infrações penais: Perturbação da tranquilidade, Injúria, Constrangimento ilegal, Cárcere Privado, Ameaça, Vias de fato e Abandono material. A Ação Penal é pública incondicionada. Obs: o crime de ameaça (Art. 147, CP) é condicionado a representação.
  3. Violência Sexual – entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force a matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. Infrações penais são estupro e atentado violento ao pudor. A ação penal pode ser pública ou privada.
  4. Violência Patrimonial – entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Infrações Penais: Roubo, Furto, Extorsão, Estelionato etc. Quanto à Ação Penal, se for cônjuge separado(a), deverá haver a representação criminal por parte da ofendida para iniciar o procedimento policial (Art. 182, I, CP). Se houver violência ou grave ameaça, a ação será pública incondicionada.
  5. Violência Moral – entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. As infrações penais são injúria, calúnia e difamação. A ação penal é privada.

4.2. Objetivos e Incongruências

Foi sancionada em de agosto de 2006 a Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, conforme previa o parágrafo 8º do Artigo 226 da Constituição Federal, essa lei tem o objetivo primordial de proteger a mulher vítima de violência no âmbito doméstico e familiar. Dentre as inovações da Lei, destaca-se[6]:

  • tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher;
  • estabelece as formas da violência doméstica contra a mulher como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral;
  • determina que a mulher somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz;
  • determina que a violência doméstica contra a mulher independe de sua orientação sexual;
  • ficam proibidas as penas pecuniárias (pagamento de multas ou cestas básicas);
  • é vedada a entrega da intimação pela mulher ao agressor;
  • a mulher vítima de violência doméstica será notificada dos atos processuais, em especial quando do ingresso e saída da prisão do agressor;
  • a mulher deverá estar acompanhada de seu advogado(a) ou defensor(a) em todos os atos processuais;
  • retira dos juizados especiais criminais a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher;
  • altera a Lei de Execuções Penais para permitir que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação;
  • determina a criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher com competência cível e criminal para abranger questões as questões de família decorrentes da violência;
  • altera o Código de Processo Penal para possibilitar ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher;
  • caso a violência doméstica seja cometida contra mulher com deficiência, a pena será aumentada em 1/3.
  • O juiz poderá conceder, no prazo de 48 horas, medidas protetivas de urgência (suspensão do porte de armas do agressor, afastamento do agressor do lar, distanciamento da vítima, dentre outras), dependendo da situação, a requerimento do Ministério Público ou da ofendida.
  • Modifica a ação penal no crime de lesão corporal leve, que passa a ser pública incondicionada.
  • Aumenta a pena de lesão corporal no caso dela ser praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade.
  • Permite a autoridade policial prender o agressor em flagrante sempre que houver qualquer das formas de violência contra a mulher
  • Proíbe a aplicação da lei dos juizados especiais criminais (Lei 9.099/1995) aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.

Essa lei representa um grande avanço na proteção das vítimas de violência familiar conforme quadro comparativo da situação anterior a edição da lei e após a edição da lei:

ANTES DA LEI MARIA DA PENHA

DEPOIS DA LEI MARIA DA PENHA

Não existia lei específica sobre a violência doméstica

Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelece as suas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Não tratava das relações entre pessoas do mesmo sexo.

Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual.

Nos casos de violência, aplica-se a lei 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais, onde só se julgam crimes de "menor potencial ofensivo" (pena máxima de 2 anos).

Retira desses Juizados a competência para julgar os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Esses juizados só tratavam do crime. Para a mulher resolver o resto do caso, as questões cíveis (separação, pensão, guarda de filhos) tinha que abrir outro processo na vara de família.

Serão criados Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, abrangendo todas as questões.

Permite a aplicação de penas pecuniárias, como cestas básicas e multas.

Proíbe a aplicação dessas penas.

A autoridade policial fazia um resumo dos fatos e registrava num termo padrão (igual para todos os casos de atendidos).

Tem um capítulo específico prevendo procedimentos da autoridade policial, no que se refere às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

A mulher podia desistir da denúncia na delegacia.

A mulher só pode renunciar perante o Juiz.

Era a mulher quem, muitas vezes, entregava a intimação para o agressor comparecer às audiências.

Proíbe que a mulher entregue a intimação ao agressor.

A mulher vítima de violência doméstica e familiar nem sempre era informada quanto ao andamento do seu processo e, muitas vezes, ia às audiências sem advogado ou defensor público.

A mulher será notificada dos atos processuais, especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão do agressor, e terá que ser acompanhada por advogado, ou defensor, em todos os atos processuais.

A violência doméstica e familiar contra a mulher não era considerada agravante de pena. (art. 61 do Código Penal).

Esse tipo de violência passa a ser prevista, no Código Penal, como agravante de pena.

A pena para esse tipo de violência doméstica e familiar era de 6 meses a 1 ano.

A pena mínima é reduzida para 3 meses e a máxima aumentada para 3 anos, acrescentando-se mais 1/3 no caso de portadoras de deficiência.

Não era previsto o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação (Lei de Execuções Penais).

Permite ao Juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.

O agressor podia continuar frequentando os mesmos lugares que a vítima frequentava. Tampouco era proibido de manter qualquer forma de contato com a agredida.

O Juiz pode fixar o limite mínimo de distância entre o agressor e a vítima, seus familiares e testemunhas. Pode também proibir qualquer tipo de contato com a agredida, seus familiares e testemunhas.

Disponível em: . Acesso

em: 25.out.2010

Assim restam impressos na lei muitos direitos humanos que antes eram ignorados ou negligenciados quando o seu destinatário fosse mulher.

Porém, a partir de sua edição grandes são as dúvidas e posicionamentos a respeito da natureza da ação penal nos casos de ação penal movida contra crimes de lesão corporais leves ou culposas contra a mulher vítima de violência doméstica ou familiar, ou seja, deve se processar como ação penal pública incondicionada ou condicionada à representação da vítima.

Além disso, o Artigo 41 da referida Lei, independente da pena prevista, afastou a possibilidade de aplicação da Lei nº 9.099/1995 (Juizado Especial Criminal) aos casos pertinentes a Lei Maria da Penha.

Ressalta-se que o Artigo 88 da Lei nº 9.099/1995 estabelece que "além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas".

Afastando-se expressamente a aplicação da Lei dos Juizados Especiais, conforme dispõe o Artigo 41 da Lei Maria da Penha, retira-se, indubitavelmente, a condição da necessidade do oferecimento da representação por parte da vítima nos crimes de lesão corporal leve e culposa contra a mulher no âmbito doméstico e familiar.

Prevê, ainda, no Artigo 44 da Lei Maria da Penha, outra hipótese que afasta a aplicação do procedimento dos Juizados Especiais Criminais, por estipular pena de 03 meses a 03 anos de detenção, ao crime de lesão corporal qualificada, ou seja, previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, deixando, portanto, de ser infração penal de menor potencial ofensivo.

Ocorre que, até 1995 por falta de expressa disposição legal em contrário, na apuração do crime de lesão corporal leve, nos termos do Artigo 100, § 1º, do Código Penal, procedia-se mediante ação penal pública incondicionada.

Assim, diante da exacerbação da pena prevista no crime de lesão corporal qualificada e da expressa vedação de aplicação da Lei dos Juizados Especiais, volta-se a processar o referido crime mediante ação penal pública incondicionada.

A presente derrogação ostenta divergências, considerando, entretanto, o disposto no Artigo 16 da Lei 11.340/2006, que admite representação, bem como, sua renúncia perante o juiz em audiência especialmente designada para esse fim, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Esta disposição é interpretada, por alguns juízes, como prerrogativa passível que autoriza a retratação da representação por parte da vítima também nos crimes de lesão corporal, mantendo-se como ação pública condicionada.

Com a expressa menção à inaplicabilidade da Lei nº 9.099/1995 há um retrocesso da norma penal, no que tange ao crime de lesões corporais leves ou culposa contra mulheres vítimas de violência doméstica.

Contudo, no âmbito de abrangência da Lei nº 11.340/2006, outros delitos continuam dependendo de representação, tais como a ameaça, os crimes contra a honra, na hipótese do Artigo 145, parágrafo único, do Código Penal, e os crimes contra os costumes, quando aplicável o Artigo 225, § 2, do mesmo diploma legal.

Portanto, apenas para esses outros delitos condicionados à representação, com previsão expressa no Código Penal, amoldam-se ao disposto no Artigo 12, inciso I, da Lei Maria da Penha, para que a autoridade policial tome a representação a termo e, ao Artigo 16, para que a renúncia seja feita perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade.

É no critério da proporcionalidade que se pautam aqueles que defendem a aplicação da Lei nº 9.099/1995 aos crimes tratados pela Lei Maria da Penha, ainda defendem que ao Direito Penal somente é permitido atuar em campos não satisfatoriamente tutelados pelos demais ramos do Direito e a Lei nº 11.340/06 não é restrita à matéria criminal.

Pois concilia os diversos segmentos, apresentando diretrizes suficientes à proteção da mulher, como, por exemplo, medidas protetivas de urgência (natureza mista), restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores (inerente ao Direito de Família) e a suspensão da posse ou restrição do porte de armas de fogo (Direito Administrativo), o que torna desproporcional a atuação do Direito Penal manifestada no Artigo 41 da referida Lei.

Alegam ainda que a atenção e o cuidado especiais à mulher acabam sendo proporcionado pelas medidas protetivas de urgência, que por si só, garantem o equilíbrio entre os gêneros masculino e feminino pretendido pelo legislador.

No entanto, a vedação de que trata o Artigo 41, que proíbe a aplicação da Lei nº 9.099/1995 aos crimes de que trata a Lei Maria da Penha, rompe a isonomia outrora conferida, extrapolando os limites da sensatez jurídica no trato da mulher vítima de violência doméstica e familiar. Por isso, o artigo ora combatido, é considerado inconstitucional, conforme entendimento de Rômulo de Andrade Moreira[7]:

Entendemos tratar-se de artigo inconstitucional. Valem as mesmas observações expendidas quando da análise do art. 17. São igualmente feridos princípios constitucionais (igualdade e proporcionalidade). Assim, para nós, se a infração penal praticada for um crime de menor potencial ofensivo (o art. 41 não se refere às contravenções penais) devem ser aplicadas todas as medidas despenalizadoras previstas na Lei nº. 9.099/95 (composição civil dos danos, transação penal e suspensão condicional do processo), além da medida "descarcerizadora" do art. 69 (Termo Circunstanciado e não lavratura do auto de prisão em flagrante, caso o autor do fato comprometa-se a comparecer ao Juizado Especial Criminal).

Seguindo o mesmo raciocínio, em relação às lesões corporais leves e culposas, a ação penal continua a ser pública condicionada à representação, aplicando-se o art. 88 da Lei nº. 9.099/95.

Portanto, para estes, é inconstitucional o Artigo 41 da Lei nº 11.340/06, devido a desproporcionalidade entre a efetividade garantida pelas medidas protetivas de urgência, no tratamento jurídico da violência doméstica e familiar contra a mulher, e a proibição de aplicação da Lei nº 9.099/95, principalmente no que se refere às medidas despenalizadoras, desrespeitando, portanto, os limites do Princípio da Isonomia previsto no Artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal. Estes são alguns dos motivos que levam aos defensores da aplicação da Lei nº 9.099/1995 à lei Maria da Penha, pois, para eles, tais argumentos levam ao reconhecimento da aplicabilidade dos institutos despenalizares nos episódios acobertados pela Lei Maria da Penha.

Entretanto, a vedação aqui tratada é defendida parte majoritária da doutrina e da jurisprudência, conforme o pronunciamento do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás[8]:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI 11.340/06.

INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CARACTERIZADA.

COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. INOCORRÊNCIA. Nosso Egrégio Tribunal de Justiça vem proclamando a constitucionalidade dos dispositivos questionados (artigos 33 e 41 da Lei n. 11.340/06). O primeiro apenas definiu como competente a vara criminal para julgamento das causas decorrentes da pratica de violência doméstica e familiar contra a mulher, enquanto não estruturados os juizados especializados. O segundo, embora rigoroso, vale-se do principio da isonomia, e não da igualdade literal, ou seja, preconiza que se deve tratar desigualmente os desiguais. Referida Lei, na realidade, confere tratamento diferenciado a indivíduos que se encontram em situação de desigualdade, na exata conformidade dos princípios da igualdade e da proporcionalidade. Conflito julgado procedente. (TJ/GO; Seção Criminal; Conflito Negativo de Competência 656-7/194; Proc. 200802216174, Relª. Drª. Camila Nina Erbetta Nascimento e Moura, DJ 199 de 17/10/2008).

 

Contudo, apesar das ponderações apresentadas, a jurisprudência tem se orientado por duas posições. A primeira, o crime de lesão corporal praticado com violência doméstica contra a mulher, com a vigência da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), tornou-se de ação penal pública incondicionada, prescindindo, portanto, de direito de representação.

Já a segunda corrente, entende que trata-se de ação condicionada à representação, porque o Artigo 41 da Lei nº 11.340/06 deve ser interpretado em consonância com o Artigo 16 da citada Lei, ou seja, nos crimes de lesão corporal culposa ou dolosa simples que atinge a mulher no âmbito familiar, tratados pela Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), a ação penal é pública condicionada à representação, podendo haver a retratação da ofendida.

 

5. lei maria da penha frente a Constituição

Considerando a proteção especial que a Constituição de 1988 oferece à família e a mulher e com fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, pelo qual se tem a máxima de que é necessário tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, pode-se afirmar que a Lei Maria da Penha não é inconstitucional por tratar de forma desigual homens e mulheres, conforme o Ministério Público do distrito Federal e Territórios[9]:

Não há inconstitucionalidade da proteção específica às mulheres vítimas de violência conferida pela "Lei Maria da Penha", pois o Poder Público, em todas as suas esferas, estará pondo em prática o princípio constitucional da igualdade substancial que impõe sejam tratados desigualmente os desiguais, buscando-se não apenas a igualdade perante a lei, mas a igualdade real e efetiva entre grupos de indivíduos que sofrem discriminação e violência de maneira desigual.

De outra parte, com a edição da lei, o Estado busca alcançar o previsto no artigo 226, §8º, da Constituição da República, e cumpre seus compromissos assumidos no cenário internacional de protelção dos direitos humanos, notadamente com a ratificação da Convenção para a Erradicação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

 

5.1. Medidas Protetivas

Nos casos de a mulher ter sido ofendida fisicamente (ou até moralmente) no lar, ela deve denunciar; porém em muitos casos as agressões acabam ficando entre as quatro paredes do lar, pois a mulher violentada tende a se sujeitar ao tratamento desumano por medo de represálias. Dessa feita, para assegurar que as vítimas de violência doméstica possam se sentir protegidas o suficiente para denunciar, foram previstas na Lei Maria da Penha algumas medidas protetivas de urgência, segundo o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios[10]:

A ofendida poderá pedir à Justiça as providências necessárias para a sua proteção por meio da Autoridade Policial. No prazo de 48 horas deverá ser encaminhado pelo, Delegado de Polícia, o expediente referente ao pedido, juntamente com os documentos necessários à prova, para que este seja conhecido e decido pelo juiz. De acordo com a Lei 11.340, em seus artigos 22, 23 e 24, as MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA podem ser:

I - Suspensão da posse ou restrição do porte de armas do agressor, com comunicação ao órgão competente nos termos da Lei 10.826 de 22 de dezembro de 2003;

II - Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência do agressor com a ofendida;

III - Proibição de determinadas condutas do agressor, entre as quais:

  1. aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
  2. contato com a ofendida, seus familiares e das testemunhas por qualquer meio de comunicação;
  3. frequentar determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida

IV - Restrição ou suspensão de visitas do agressor aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - Prestação de alimentos provisionais ou provisórios;

VI - Encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

VII - Determinar a recondução da ofendida e de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

VIII - Determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IX - Determinar a separação de corpos;

X - Restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

XI. Proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra e venda e locação da propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

XII - Suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

XIII - Prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

As medidas protetivas de urgência, para proteger as mulheres vítimas de violência doméstica tem amparo constitucional no Artigo 226, § 8º. Portanto, tais medidas são cautelares e constitucionais.

5.2. Vedação á lei 9.099

O ordenamento jurídico Brasileiro obedece a princípios constitucionais, o mesmo ocorre em relação ao Direito penal e Processual Penal. Em relação às penas, no direito pátrio, é marcante a presença do Princípio da Humanização das Penas. O Princípio da humanização das penas implica em duas consequências previstas na constituição a primeira é a adoção de penas alternativas á privação de liberdade e a possibilidade do legislador criar novas formas de sanção, a garantia à integridade física e moral do preso e o direito da presidiária amamentar seus filhos, dos incisos XLVI, XLVIII, XLIX e L do Artigo 5º da Constituição:

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;

Outra importante implicação é a vedação constitucional às penas cruéis de banimento e a vedação parcial à pena demorte, permitida somente em caso de guerra declarada, conforme leitura do inciso XLVII do Artigo 5º da Constituição:

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;

Destarte, o legislador tem inovado na edição de leis penais, ao adotar ritos e penas mais simples para crimes de menor potencial ofensivo, portanto, não privilégio apenas da lei 9.099 prever o abrandamento de sanções penais, exemplo mais recente temos a lei 11.343/2006 que em seu artigo 28 criou novos tipos de pena como advertência verbal, por exemplo, para punir e reeducar os usuários de droga, "in verbis":

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Assim, a humanização e abrandamento das penas é uma tendência que está se prolongando para outros subsistemas do direito penal, pois, a pena deve atender a um fim social, e que ganha a sociedade com penas severa?, para responder esse questionamento melhor é considerar o magistério de Michel Foucault:

Essa necessidade de um castigo sem suplício é formulada primeiro como um grito do coração ou da natureza indignada: no pior dos assassinos, uma coisa pelo menos deve ser respeitada quando punimos: sua ‘humanidade'. Chegará o dia, no século XIX, em que esse ‘homem', descoberto no criminoso, se tornará o alvo da intervenção penal, o objeto que ela pretende corrigir e transformar, o domínio de uma série de ciências e práticas estranhas – ‘penitenciárias', ‘criminológicas'. Mas, nessa época das Luzes, não é como tema de um saber positivo que o homem é posto como objeção contra a barbárie dos suplícios, mas como limite de direito, como fronteira legítima do poder de punir. (FOUCAULT, 1987, p. 63-64).

Nesta mesma linha de raciocínio, continua o festejado mestre:

Para ser útil, o castigo deve ter como objetivo as conseqüências do crime, entendidas como a série de desordem que este é capaz de abrir. [...] calcular uma pena em função do crime, mas de sua possível repetição. Visar não à ofensa passada, mas a desordem futura. Fazer de tal modo que o malfeitor não possa ter vontade de recomeçar, nem possibilidade de ter imitadores. (FOUCAULT, 1987, p. 78).

O modelo adotado pelos juizados especiais priorizam a aplicação das leis, penal ou civil (no caso das Composições), como forma de se garantir a efetividade do Sistema e do Ordenamento Jurídico, como forma de coibir novas transgressões, pois é melhor ter alguma punição que nenhuma, e também a prisão não recupera ninguém, neste sentido:

Diferente do modelo clássico de prevenção do delito que polariza a suposta eficácia preventiva do crime em torno da pena e do seu rigor ou severidade, o modelo neoclássico, base para o sistema consensual despenalizador, confia mais no funcionamento do sistema legal, tal como ele é percebido pelo infrator potencial do que na severidade abstrata da pena. Neste, há um deslocamento do centro de atenção da lei para o sistema legal como um todo, ou seja, transfere-se o foco das penas classicamente contempladas à efetividade do ordenamento. (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, GOMES, p. 403).