Tecnologias educacionais e o direito à educação


Porwilliammoura- Postado em 24 outubro 2012

Autores: 
ARAUJO, Thiago Cássio D'Ávila

 

O uso de tecnologias educacionais liga-se à qualidade do ensino. Novas tecnologias permitem aplicabilidades pedagógicas inovadoras que podem contribuir para resultados diferenciados, bem como fortalecem a justiça social, pela democratização do acesso ao ensino e por facilitar a educação inclusiva de portadores de necessidades especiais.

1. Introdução.

 No plano do Direito Constitucional brasileiro, nota-se relevante ponto de intersecção entre educação e tecnologia. A educação é direito social fundamental, assegurado nos arts. 6º e 205 da Carta Magna. Também, o texto constitucional estipula que o Plano Nacional de Educação, de duração decenal, deve articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam, dentre outros propósitos, à promoção humanística, científica e tecnológica do País (CF, art. 214, V).  

Com efeito, a normatização de tecnologias educacionais é razoavelmente antiga no Brasil. Ao menos sob a égide da Lei nº 5.692, ainda do ano de 1971, pela qual fixaram-se as Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, como foram denominados, no passado, os atuais ensinos fundamental e médio, já fora editado o Decreto nº 70.185, em 1972, que criou o Programa Nacional de Teleducação ? PRONTEL. Em seguida, seria instaurado o Plano Nacional de Tecnologias Educativas ? PLANATE, e várias normas jurídicas se sucederam regulando tal matéria. Recentemente, o destaque foi o Decreto nº 7.750, de 8 de junho de 2012, que, tendo em vista o disposto nos arts. 15 a 23 e 54 da redação original da Medida Provisória nº 563, de 3 de abril de 2012, regulamentou o Programa Um Computador por Aluno ? PROUCA e o Regime Especial de Incentivo a Computadores para Uso Educacional ? REICOMP.

Neste artigo, pretendemos demonstrar como o Direito se relaciona com as tecnologias educacionais em duas vertentes: direito à educação de qualidade (i) e promoção de justiça social no acesso à educação (ii).


2. O direito à educação de qualidade.

A Lei nº 9.394/96, atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dispõe que o ensino será ministrado observando, dentre outros, os princípios da coexistência de instituições públicas e privadas de ensino e da garantia de padrão de qualidade (LDB, art. 3º, V e IX).

O ensino é livre à iniciativa privada, desde que atendidas às condições legais, dentre as quais figuram a autorização de funcionamento e a avaliação de qualidade pelo Poder Público (LDB, art. 7º, II).

A legislação determina que a União assegure processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino (LDB art. 9º, VI).

Outros dispositivos legais poderiam ser invocados, mas já parece claro que os estudantes possuem direito à educação de qualidade, sejam destinatários de serviços educacionais prestados pelo poder público, sejam clientes da iniciativa privada.

 O uso de tecnologias educacionais liga-se essencialmente à questão da qualidade do ensino e da aprendizagem, inclusive porque novas tecnologias permitem aplicabilidades pedagógicas inovadoras que podem contribuir para resultados positivamente diferenciados.

De fato, o uso de computadores, netbooks, notebooks, tablets e celulares em sala de aula ou fora dela, podem se transformar em excelentes instrumentos de acesso a conteúdos e vivências, permitindo que novas formas de aprendizagem se desenvolvam, através de editores de texto que fomentam a realização de oficinas de escritores, atlas interativo, lousas interativas, simuladores de experiências por meio de jogos educacionais ou simulações interativas, e assim por diante.

Por exemplo, o Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília (CDT/UnB) esteve responsável por um jogo coletivo de abordagem do empreendedorismo e do papel de lideranças políticas para viabilizar o progresso nos municípios, podendo ser jogado a partir do 6° ano escolar, caracterizando um ambiente digital interativo, que confere ao estudante as possibilidades de imersão e mobilidade, com maior sintonia entre o conteúdo, o ambiente e a interatividade entre os participantes.[1]

No entender de Ibrahim Michail Hefzallah, a alta tecnologia inclusive enfatiza a interdisciplinaridade na própria preparação do ensino pelos professores e, no que se refere aos alunos, proporciona ambientes de aprendizagem baseados em interdisciplinaridade de alta qualidade. Esse autor defende, por exemplo, que programas multimedia preparados por um time de expertos de diferentes disciplinas proporcionam a professores e estudantes recursos de aprendizagem ricos em interdisciplinaridade.[2]

Não se trata de pensar-se que existam ferramentas mágicas. A qualidade do ensino não depende apenas do uso de novas tecnologias. Contudo, se estas estiverem presentes e forem adequadamente inseridas em práticas pedagógicas, a melhoria do ensino pode surgir como consequência, efetivando-se o direito humano ao ensino de qualidade.


3. Justiça social.

As tecnologias instrucionais podem ser instrumentos de justiça social, já que o acesso à educação contribui para mitigar desigualdades formais e materiais.

Se pensarmos, por exemplo, em cursos superiores, além das pessoas que simplesmente preferem a educação na modalidade a distância em contraposição ao estudo presencial, existem muitas outras para quem a educação a distância é a mais viável ou até mesmo a única possibilidade de obter conhecimentos e evolução pessoal e profissional em nível de graduação ou pós-graduação, por questões espaciais, de mobilidade ou mesmo de tempo, que dificultariam ou inviabilizariam a frequência em sala de aula.

Na educação a distância, prevista no art. 80 da LDB, as tecnologias educacionais são instrumentos democratizantes, fortalecedores da promoção de justiça social, permitindo que o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, dê-se realmente segundo a capacidade de cada um, conforme preceito do inciso V do art. 208 da Carta Política.

Vale lembrar que a justiça social é tanto princípio constitucional regente da ordem econômica brasileira (CF, art. 170, caput), como também objetivo da ordem social (CF, art. 193).

Ainda, as tecnologias educacionais contribuem para o acesso à educação por pessoas portadoras de necessidades especiais, enquanto educação inclusiva, por exemplo, através das Salas de Recursos Multifuncionais.

 Destaque-se, apenas como um dentre vários exemplos normativos possíveis, que o Decreto nº 6.949/2009, que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, estipulou o comprometimento dos Estados Partes de realizarem ou promoverem a pesquisa e o desenvolvimento, bem como a disponibilidade e o emprego de novas tecnologias, inclusive as tecnologias da informação e comunicação, ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias assistivas, adequados a pessoas com deficiência, dando prioridade a tecnologias de custo acessível. Nesse campo, podem ser englobados o uso de áudio ou legendas com possibilidade de aumento de fonte, para deficientes visuais, tecnologias para aprendizado de libras, dentre inúmeras outras possibilidades, que valorizam a equalização de oportunidades, para efetivação do princípio constitucional da igualdade, em atenção à dignidade da pessoa humana.

Vale salientar, também, que ao aparelharem professores e alunos com tecnologias educacionais, as instituições de ensino, públicas e privadas, favorecem a própria inclusão digital daqueles.

 A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) compreende que a “brecha digital” (digital divide) refere-se à lacuna (gap) entre indivíduos, famílias, negócios e áreas geográficas em diferentes níveis sócio-econômicos com atenção tanto a suas oportunidades de acessarem tecnologias de comunicação e informação quanto a seu uso da internet para uma ampla variedade de atividades.[3]

Todavia, a inclusão digital por si só não gera justiça social, se a mesma ocorrer para cumprimento de tarefas repetitivas, pouco criativas, por vezes desumanizantes, naquilo que Edilson Cazeloto chamou de “inclusão subalterna”.[4]

Por isso mesmo, a inclusão digital através de tecnologias educacionais, dependendo de como seja a abordagem e condução das atividades de ensino e aprendizagem, pode e deve significar libertação e equalização social, de maneira que, sob tal enfoque, as tecnologias educacionais contribuam fortemente para que se cumpram os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, insculpidos no art. 3º da Carta Magna, dentre os quais destaco a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais.


4. Conclusões.

O presente artigo teve como por propósito afirmar a existência de profundas relações entre Direito e tecnologias educacionais, que se manifestam duplamente, seja pelo enfoque jurídico no direito à qualidade da educação, hipótese em que as tecnologias educacionais se entrelaçam com efeitos inovadores e positivamente diferenciados nas técnicas pedagógicas de qualquer nível de ensino, desde o ensino infantil até o nível superior, seja pela promoção de justiça social, que ocorre por diversas maneiras, tendo sido citados alguns exemplos, como inclusão digital, educação inclusiva de pessoas portadoras de necessidades especiais, assim como facilitação do acesso à educação, pela modalidade a distância, por pessoas que vivenciam dificuldades de tempo ou espaciais para atenderem adequadamente aos rígidos controles de frequência presencial em sala de aula.


Notas

[1] BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Guia de tecnologias educacionais 2009. Organização: ANDRÉ, Cláudio Fernando. Brasília: 2009, p. 84.

[2] Hefzallah, Ibrahim Michail. The new educational technologies and learning: empowering teachers to teach and students to learn in the Information Age. United States: Charles C. Thomas Publisher, 2ª ed., 2004. Nossa livre tradução.

[3] OECD - Organisation for Economic Co-Operation and Development. Understanding the digital divide. 2001. Disponível em: <http://www.oecd.org>. Acesso em 15 jul 2012. Nossa livre tradução.

[4] CAZELOTO, Edilson. A inclusão digital e a reprodução do capitalismo contemporâneo. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007, p. 104.




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