Teletrabalho à luz da Constituição Federal de 1988. Análise da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017


Portiagomodena- Postado em 20 maio 2019

Autores: 
Bárbara Andressa Ferreira Prado

1 INTRODUÇÃO

 

Conforme preceitua o artigo 75-B inserido pela Lei 13.467/17, considera-se teletrabalho qualquer atividade exercida fora das dependências do empregador e com uso das tecnologias de informação e comunicação, que não sejam consideradas trabalho externo, ou seja, qualquer trabalho cuja atividade não obriga o trabalhador a atuar dentro das dependências do empregador, podendo exercer a atividade em sua própria residência ou outro local que possa fazer uso das tecnologias de informação e comunicação para trabalhar: jornalismo, digitação, tradução, etc.

 

2 TELETRABALHO COMO TRABALHO À DISTÂNCIA

 

É de conhecimento geral que devido à evolução da tecnologia a sociedade adotou novos meios para retirar por meio deste seu sustento, logo se fez necessário adotar novas formas de proteção aos trabalhadores dessa área, com isso foi incluído pela Lei 12.551/11 o artigo 6º da CLT:

Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

 

O primeiro passo tomado foi o expresso reconhecimento legislativo do teletrabalho como modalidade de trabalho a distância (GARCIA, 2018, p.209) aceitando ainda os meios telemáticos para fim de controle e supervisão do trabalho.

Deve se ressaltar ainda que o empregado em domicílio não se confunde com o teletrabalhador à medida que o trabalho deste se baseia em atividades que exigem conhecimentos especializados e o trabalho daquele se baseia em atividades manuais (GARCIA, 2018, p.208).

 

2.1 Jornada de Trabalho do teletrabalhador

 

A duração de trabalho encontra respaldo legal no art.7º da Constituição Federal de 1988, sendo dito que a duração do trabalho será de 08 horas por dia e 44 horas semanais partindo, desse ponto, a primeira discussão em torno do tema ao passo que no art.62, III, da Consolidação das Leis Trabalhistas com redação dada pela Lei 13.467/17, é coibido ao teletrabalhador se submeter ao controle da jornada de trabalho:

 

De fato, no passado era difícil a mensuração do trabalho de um empregado em domicílio. Mas diante das novas tecnologias que permitem, em tempo real, o contato entre o empregado e o patrão, este meio de trabalho tem sido mais controlado e fiscalizado. Absurdo, por isso, o comando legal que exclui os teletrabalhadores de tantos benefícios pela mera presunção de que não são controlados. Estes também deveriam ter os mesmos direitos de todos os demais trabalhadores externos. (CASSAR, 2018, p. 121)

 

Data maxima venia, não é de se ignorar o fato de que por se tratar de modalidade de trabalho a distância, o controle e fiscalização do trabalho de forma efetiva se darão de forma dificultosa (GARCIA, 2018, p. 210), uma vez que o empregado poderá trabalhar no horário que entender mais adequado.

Ainda se torna relevante mencionar que somente o fato de o empregado exercer a atividade fora das dependências do empregador não configura a exclusão do mesmo do controle de jornada de trabalho, para tanto se faz necessário a atividade seja completamente incompatível com a fixação de horários (devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social) e ainda que não haja qualquer outra forma de controle de tal jornada, se não presentes esses requisitos não se aplicará o dispostos no artigo 62, III da CLT.

A crítica principal se faz pelo fato de que ao se excluir esses trabalhadores do capítulo que trata sobre a jornada de trabalho, a Lei os torna inaptos a receber os direitos referentes à duração de trabalho, quais sejam: jornada máxima de trabalho, horas extras, intervalos intra e interjornadas, descanso semanal remunerado, hora noturna reduzida, adicional noturno, entre outros.

Sob tal perspectiva cria-se, portanto o questionamento se tal norma seria inconstitucional:

Por isso, é possível questionar a constitucionalidade da referida exclusão, uma vez que a Constituição Federal de 1988 assegura não só o direito à duração do trabalho limitada a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais (art.7º, incisso XIII), mas também à remuneração do trabalho noturno superior à do diurno (art.7º, inciso IX) e à remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal (art.7º, inciso XVI), sem estabelecer quaisquer exceções.(GARCIA, 2018, p.797)

 

De forma comparativa, o Código de Trabalho de Portugal de 2019 em seu artigo 169, 1º trata do assunto com certa grandiosidade:

  Artigo 169.º Igualdade de tratamento de trabalhador em regime de teletrabalho1 - O trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere à formação e promoção ou carreira profissionais, limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional.

Dessa forma, nada impediria que houvesse limitação do período do trabalho do teletrabalhador, mesmo que tal forma de labor não seja exercida dentro das dependências do empregador.

Tal dispositivo ainda se contraria com o próprio artigo 6º, §único da CLT por impedir que o empregado desfrute dos direitos referentes à duração de trabalho com a justificativa de que não há o efetivo controle das horas trabalhadas pelo empregado, quando na verdade os meios telemáticos se assemelham aos meios pessoais e diretos para controle e fiscalização do trabalho e subordinação.

 

3 REGIME DE TRABALHO

 

De acordo com a Reforma Trabalhista o empregado tem duas possibilidades: o trabalhador presencial (exerce atividade na própria empresa) pode passar a ser teletrabalhador e o teletrabalhador poderá se tornar trabalhador presencial, porém as regras não se aplicam de forma semelhante nos dois casos.

Para o trabalhador presencial que queira alterar seu regime de trabalho para home office, será aplicado o disposto no artigo 75-C, §1º da CLT sendo permitida tal alteração desde que haja previsão contratual escrita e mútuo consentimento.

É perceptível, no entanto, que tal dispositivo poderá se tornar letra morta pelo fato de muito provavelmente, em virtude das vantagens relacionadas ao não pagamento dos direitos referentes à duração de trabalho, o empregador poderá coagir o empregado a concordar com a alteração, caso contrário será dispensado.

No que tange a alteração contratual do teletrabalho para trabalho presencial, o §2º do artigo 75-C da CLT preceitua que deverá haver não somente a vontade do empregado, mas também a determinação do empregador:

 

A norma legal, como se pode notar, não autoriza que a modificação para o regime presencial ocorra em razão apenas da vontade do empregado, mas por determinação do empregador, no exercício do seu poder de direção e de organização. (GARCIA, 2018, p.211)

 

Contrariamente a tal interpretação, se ressalta a confusão na qual o legislador se coloca ao permitir a alteração do contrato de forma unilateral por determinação do empregador, mas também exigir termo aditivo ao contrato, tornando tal exigência inofensiva em relação à alteração (CASSAR, 2018, p.121).

Novamente o legislador se equivoca ao inserir tal dispositivo que se encontra em discordância com o previsto no artigo 468 da CLT:

Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita à alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

Nesse ponto se faz presente o princípio da proteção ao trabalhador (in dubio pro operario) que demonstra que qualquer norma que apresente dúvida quanto ao seu real alcance, deverá ser interpretada a favor do empregado, não podendo, portanto o empregador se utilizar da norma do artigo 75-C, §2º para obrigar o empregado a alterar seu regime de trabalho se isso não lhe for trazer benefício.

4 RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR: Atividade e Empreendimento

No que se refere à responsabilidade pela aquisição manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária a atividade exercida no teletrabalho, o artigo 75-D da CLT preceitua o seguinte:

Art. 75-D: As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.                   

Parágrafo único.  As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado. 

 

Nota-se, portanto obscuridade na norma, pelo fato de a lei não dispor com clareza a quem essa responsabilidade será aferida, uma vez que diz que esta será prevista em contrato escrito. No entanto o entendimento que defende é o de que tal responsabilidade cairá sobre o empregador, pois a “empresa corre os riscos do empreendimento e da atividade desenvolvida” (GARCIA, 2018, p.211).

No entanto, vale se questionar até que ponto a responsabilidade seria do empregador e se esta se daria de forma limitada ou não, visto que por permitir o exercício da atividade na própria residência do empregado; o gasto referente ao consumo de energia , internet e equipamento para o trabalho (computador/notebook, por exemplo), muito provavelmente já existia antes mesmo do início do teletrabalho.

Ipso facto, muita atenção deve ser dada na confecção do contrato para que os direitos do trabalhador não sejam “atropelados” por a lei permitir dupla interpretação:

Um empreendimento, para ter sucesso, depende de muitos fatores além de sorte, e quem corre o risco do negócio é sempre o empregador. Este é um critério diferenciador, já que todos os outros requisitos podem estar presentes, muitas vezes em maior ou menor intensidade, mas se o trabalhador correr o risco do empreendimento, empregado não será. O caput do art. 2º da CLT é claro nesse sentido. [...]

b) o teletrabalhador, dependendo do ajuste, pode arcar com os custos da aquisição, manutenção dos equipamentos tecnológicos e infraestrutura do trabalho (art. 75-D da CLT). (CASSAR, 2018, p.34)

 

É de extrema importância que tal norma seja aplicada (inclusive na confecção do contrato) sempre observando o in dubio pro operario, para resguardar o empregado de exercer atividade que não corresponda à sua função, ficando ele incumbido de arcar com os riscos referentes à sua própria saúde e com o material utilizado no trabalho, trazendo prejuízos para o mesmo.

Ainda é relevante mencionar que tais equipamentos serão unicamente usados para o exercício do trabalho, conforme disposto na parte final do §único do art.75-D; não sendo utilizados como contraprestação/remuneração do trabalho feito pelo empregado.

5 SAÚDE E SEGURANÇA DO TELETRABALHADOR

Neste aspecto, a Reforma agiu de modo demasiadamente perfunctório em relação às medidas de saúde e segurança do teletrabalhador, ao ponto em que no art.75 – E da CLT é preceituado, de forma sucinta, que o empregador só terá como ônus orientar sobre medidas preventivas das doenças e acidentes do trabalho e que o trabalhador deve assinar um termo de responsabilidade, se comprometendo em seguir as orientações dadas pelo empregador.

Ocorre que alguns doutrinadores se opõem a essa norma por entender que mesmo que o risco seja pouco, o empregador deveria ser responsabilizado pelos riscos da atividade exercida em razão da previsão contida no art.7º, XXII, CF/88 que garante o direito social do trabalhador a efetiva redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, sob o tema em questão “se o empregado adquirir uma doença profissional (tenossinovite, por exemplo), o empregador estará isento de qualquer responsabilidade subjetiva pelo acidente de trabalho” (CASSAR, 2018, p.121).

Em consequência disso, se faz necessário questionar a possibilidade de mesmo se respeitadas às orientações dadas pelo empregador, o empregado vier a ter sua saúde debilitada em virtude do uso excessivo do computador, por exemplo, como se dará a proteção a este trabalhador no caso concreto.

Dado o exposto, a interpretação de tal norma no caso concreto não deverá se limitar somente à mera orientação do empregador como também providenciar meios que possibilitem a real proteção à saúde do empregador, novamente, devendo se observar o in dubio pro operario.

 

 

6 CONCLUSÃO

 

Levando-se em consideração esses aspectos pode se afirmar que o tema não fora esgotado ainda, sendo que diversos problemas ainda poderão surgir desse vínculo empregatício que deverão ser analisados somente no caso concreto e com a observação do princípio de proteção que regula o direito do trabalho.

A modalidade do teletrabalho adveio dos avanços tecnológicos e por meio destes também poderia ser feito o controle da jornada de trabalho dos empregados, logo não haveria motivo para a exclusão dos mesmos de tal benefício.

O empregado que se submeter a tal modalidade de emprego deve efetivamente ser cientificado de todos os benefícios que lhe serão negados ao assinar o contrato, porém é evidente que como em todos os outros campos do Direito, o empregado não conhece seus próprios direitos diante de um conflito, o que impossibilitaria o mesmo de reconhecer diante do caso concreto se está sendo lesado ou não.

Pela observação dos aspectos analisados é possível concluir que a legislação é obscura e possivelmente inconstitucional em alguns aspectos, portanto ao interpretar a norma deverá o intérprete se munir do princípio de proteção para resguardar a totalidade dos direitos os quais são devidos ao trabalhador.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Consolidação das Leis Trabalhistas.

Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jul. 2017.

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13467.htm#a....

Acesso em: 19 maio 2019.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.

Acesso em: 19 maio 2019.

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Consolidação das Leis Trabalhistas. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, RJ, 1º maio. 1943.

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>.

Acesso em: 19 maio 2019.

CASSAR, Vólia Bomfim. Resumo de Direito do Trabalho. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de Direito do Trabalho. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2018.