A teoria da desconstituição da personalidade jurídica e seus reflexos no Direito Empresarial


Porwilliammoura- Postado em 11 junho 2012

Autores: 
MUSSI, Raphael Saydi Macedo

RESUMO

O presente trabalho apresentará de forma acadêmica o surgimento da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica e seu desenvolvimento no Brasil, bem como, os critérios que possibilitam a aplicação desta teoria, demonstrando ainda os impactos de sua aplicação no direito empresarial, especialmente no que tange ao risco dos negócios administrados por aqueles denominados empresários.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica possibilitou à sociedade empresária sua manutenção e separação patrimonial daqueles que a compõe. Incentivou o crescimento econômico, o avanço e a exploração econômica por parte daqueles que se aventuraram a desbravar atividades até então desconhecidas.

No entanto, a utilização desta Teoria se tornou um tanto banalizada, fazendo com que sua aplicação se torne corriqueira e fora de propósito.

A julgar pelo futuro promissor do desenvolvimento econômico deste país, o que se espera é a utilização racional desta medida, que se frise, excepcional, de forma a evitar a utilização desenfreada acarretando inevitáveis consequências à sociedade que depende da exploração de atividade econômica organizada para a geração de riqueza e progresso social.

*Advogado. Pós-graduando em Direito Empresarial pela Universidade Católica de Petrópolis. E-mail: raphaelmussi@yahoo.com.br

DESENVOLVIMENTO

I. Da Sociedade e sua personalidade jurídica

É impossível adentrar ao tema central deste trabalho sem antes entender como nasce a personalidade jurídica de uma sociedade empresária. Muito se tem escrito sobre o tema, e muita controvérsia há acerca do início de tal fenômeno. Mas é certo afirmar que desde os primórdios, os homens instintivamente se associavam por algum interesse, fosse a fome, a guerra ou a conquista, sempre conjugavam seus esforços para o alcance de um bem comum.

Desde o Código Civil de 1916 até o novel Código de 2002, havia a previsão da personalização da sociedade, que, no dizer do Mestre Clóvis Beviláqua, se tratava da transformação da pluralidade de pessoas em unidade jurídica para o fim de lhe dar capacidade de exercerem direitos e contrair obrigações.

A partir de então, a sociedade, hoje chamada empresária, é vista como ente apartado dos sócios pessoas físicas, tendo assim personalidade própria. Detentora de patrimônio próprio e responsável pelas suas obrigações e direitos.

I.1. Dos reflexos da personalidade jurídica

Importantíssimo destacar que os sócios não possuem, nas sociedades das quais fazem parte, um direito de propriedade. Constituído o capital social, esse passa a integrar o patrimônio da sociedade que, por sua vez, não se confunde com o patrimônio dos respectivos sócios.

Como bem asseverado pelo Prof. Carvalho de Mendonça, o sócio possui, na sociedade de que faz parte, um direito patrimonial e outro pessoal; o direito patrimonial confere-lhe um crédito consistente em perceber o quinhão de lucros e participar na partilha da massa resídua, na eventual liquidação da sociedade; o direito pessoal faculta-lhe participar da administração dos negócios.

Neste diapasão, o ínclito doutrinador Fran Martins declara que não há de se confundir a pessoa natural da jurídica que deu lugar ao seu nascimento; pelo contrário, os sócios se distanciam, adquirindo a pessoa jurídica patrimônio autônomo e exercendo direitos em nome próprio.

Dessa forma, o ordenamento jurídico reconheceu a sociedade empresária como ente autônomo com capacidade para determinar-se e agir para a defesa e consecução de seus fins; atuar com patrimônio próprio, isto é, não pertencente a nenhum dos indivíduos que a compõem; possuindo obrigações ativas e passivas, podendo ainda, fazer representar-se em juízo.

Portanto, sendo a sociedade empresária titular de seu patrimônio e responsável por suas obrigações possui autonomia patrimonial e, destacando-se das figuras físicas dos respectivos sócios, possui como consequência, autonomia jurídica. Logo, apta está para o exercício de direitos e a contração de obrigações.

Inúmeras são as teorias que descrevem o nascimento da pessoa jurídica, tais como, a teoria da ficção legal, sustentada por Savigny; a teoria da pessoa jurídica como realidade objetiva, defendida por Gierke e Zitelmann; a pessoa jurídica como realidade técnica, de Planiol e Ripert; a teoria institucionalista de Hauriou, sendo estas as principais.

No entanto, o presente trabalho tem como fito o esclarecimento do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, e não o aprofundamento do tema da teoria pessoa jurídica, já que, conforme esclarece o comercialista Rubens Requião a respeito dessa teoria, longe de esclarecer o problema, só tem servido para o tornarem mais confuso.

Certo é dizer que a pessoa jurídica é uma realidade deste mundo moderno, longe de ser um ficção, e como preceitua o Prof. Whasington de Barros Monteiro, corroborando com o posicionamento de que a personalidade jurídica não é uma ficção, mas uma forma, uma investidura, um atributo que o Estado defere a certos, entes, havidos como merecedores dessa situação. A pessoa jurídica tem, assim, realidade, não a realidade física, mas a realidade jurídica.

É notório que a personalidade jurídica se afasta das personalidades dos sócios, não havendo o que se falar em confusão destes com aquela. Vale dizer que a pessoa jurídica resulta da união de esforços para fins comuns, assumindo, no âmbito do direito empresarial as formas societárias, legalmente autorizadas, e, uma vez realizado o registro no órgão competente, há a personalização do ente, ou seja, começa a existência legal da pessoa jurídica.

Por esta razão é que ecoa por toda a doutrina e jurisprudência o Princípio da Autonomia existencial da pessoa jurídica. É esta uma consequência lógica que decorre quando do surgimento do ente dotado de personalidade jurídica. Sem este princípio de separação não há que se falar em desconsideração de um atributo da pessoa jurídica se este se confunde com os criadores do ente.

Há de se diferenciar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilização dos sócios administradores da pessoa jurídica. Muito antes do art. 50 do Código Civil, trazer positivada a teoria, as legislações societária, tributária e trabalhista, que muito embora não previssem nada da disregard doctrine passaram a ser utilizadas como se fizessem.

Em verdade, as leis previam não a desconsideração da personalidade jurídica, mas sim a responsabilização direta e pessoal dos sócios e administradores.

Nesta hipótese, de responsabilização dos sócios e administradores, não há necessidade de penetrar a personalidade jurídica, mas sim punir na medida em que aquele praticou o ilícito, diretamente, pois ele não estava a ocultar-se detrás do manto da personalidade jurídica.

Insta salientar, que não há qualquer manipulação da personalidade jurídica, mas sim má condução do negócio, tomadas de decisões que são ilegais, ou seja, exorbitam a área de atuação dos administradores e vai contra a imposição do estatuto, contrato social ou da lei. Segundo o mestre Lamartine Corrêa Oliveira, em tais casos há simplesmente uma questão de imputação, já que por seu ato próprio o sócio ou administrador decidiu contrariar a lei ou o estatuto, devendo responder pela prática do ilícito.

Pode-se citar como exemplo as imposições trazidas pelos artigos 117 e 158 da Lei 6.404 de 1976 (Lei da S.A.) e o art. 135 da Lei 5.175 de 1966 (Código Tributário Nacional). Nestes casos a personalidade jurídica não foi abusada ou desvirtuada, foram as pessoas físicas que agiram de forma ilícita e por isso respondem pessoalmente.

II. Do surgimento da Teoria Desconsideração Jurídica

Historicamente, há um marco no sistema da common law tanto do direito inglês como no direito americano que sustentam a origem da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para si. O caso inglês, e mais famoso, ocorreu em 1897 e é conhecido como Salomon vs. Salomon & Co. Já o caso americano teria ocorrido em 1809, e é o Bank of Unites vs. Devaux.

Tratou-se, no caso americano, de um leading case, já que em sentença o juiz Marshall conheceu do pedido e considerou as Cortes Federais competentes para julgar sobre sociedades, apesar da limitação imposta pela Constituição Americana, que determinava ser aquele tribunal competente apenas para litígios entre cidadão de diferentes estados.

Com a decisão daquele magistrado de considerar não as Corporations, mas sim as pessoas enquanto sócias individuais levantou-se então o véu da personalidade jurídica de forma pioneira marcando assim como o caso mais antigo já registrado pela doutrina.

Já do lado inglês, o caso Salomon vs. Salomon & Co. ocorreu quando o Sr. Aron Salomon, um rico empresário inglês, transformou sua companhia em uma limited stock company, pois assim aumentaria seu negócio e proveria sua família. Distribuiu então uma ação para cada um dos seis membros de sua família, ficando com 20.000 ações para si.

Aron constitui para si um crédito privilegiado no valor de dez mil libras esterlinas, tornando posteriormente insolvente a companhia, como ele era o credor privilegiado, nada restou aos outros credores.

A justiça inglesa ao julgar o caso, em primeira instância, considerou que o acordo celebrado em 1892 e a emissão de debêntures que tornara o Sr. Salomon principal credor da sociedade, havia sido uma fraude para possibilitar a ele continuar com os negócios em nome da companhia com responsabilidade limitada, contrariando assim a lei, pois obteve direito de preferência sobre os outros credores de forma ilícita.

Dessa maneira, por meio desta decisão, optou-se por desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade fundada, sob o pálio de que teria o Sr. Salomon agido com fraude, logo, poder-se-ia atingir seu patrimônio pessoal para satisfação dos outros credores.

Ocorre que, o entendimento sobre a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica foi derrubado pela apelação remetida a House of Lords. Lá se entendeu que, uma vez legalmente incorporada a sociedade deve ser tratada como um ente diferente, com seus direitos e obrigações e que os motivos daqueles que a constituíram são absolutamente irrelevantes na discussão dos direitos e obrigações.

Assim, o principal caso que discutira a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não a desconsiderou, mas sim, manteve a separação entre os entes de direito, a pessoa física e a pessoa jurídica, alicerce legal do ordenamento jurídico, servindo inclusive como verdadeiro impeditivo ao manejo de ações que discutissem tal matéria.

II.1. A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito Comparado

É fato que a pedra fundamental foi o julgamento do caso Salomon vs. Salomon & Co. na Inglaterra conforme explanado em tópico anterior, cuja polêmica decisão oportunizou o desenvolvimento da doutrina conhecida como disregard of legal entity, ou, simplesmente, disregard doctrine.

A difusão definitiva ocorreu por obra do direito norte-americano, onde também a Teoria é referenciada como lifiting the corporate veil, lá o conceito de corporate entity passaria a ser revisto quando a atuação dos administradores ou dos sócios levar a pessoa jurídica a desviar-se de seu objeto (ultra vires theory), fugir ao cumprimento da lei ou quando ocorrer abuso de direito.

Na Espanha utiliza-se a expressão desestimación de la personalidade jurídica, na Alemanha, a jurisprudência utiliza o termo ‘penetração da personalidade jurídica’ (durchgriff); na Itália, ‘superação da personalidade jurídica’ (superamento della personalità giuridica) e na França ‘afastamento da personalidade jurídica’ (mise a l’écart de la personalité morale).

III. A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica no Brasil

A revelia do que muitos doutrinadores citam e aplaudem, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica no Brasil, foi normatizada em 1943 ao ser promulgado o Decreto-Lei 5.452, conhecido como a Consolidação das Leis Trabalhistas, que em seu art. 2º, §2º consagra a prevalência da realidade social sobre o formalismo normativo, abstraindo a autonomia jurídica das sociedades do grupo e a noção da personalidade jurídica.

Para o baluarte do direito do trabalho, Délio Maranhão, o empregado que, na verdade, trabalha para um grupo, seria apenas empregado da sociedade que o contratasse. Com avançada visão a personalidade jurídica para o direito do trabalho se tornaria um mero subterfúgio para a plena aplicação das normas de proteção ao trabalho.

Mais tarde viriam os estudos de Rubens Requião e Fábio Konder Comparato, justificando a aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica e afastando dela qualquer subjetividade permitindo assim, sua aplicação imediata. Além de sedimentar o entendimento de que apenas nos casos de fraude e abuso de direito o juiz deveria decidir se iria consagrar estes ilícitos em detrimento do perecimento da personalidade jurídica ou penetrá-la de modo a alcançar pessoas e bens que se escondem para cometer ilicitudes.

Tão logo a doutrina ganhou ouvidos foi de imediato conhecida pelos Tribunais deste país criando assim, julgados que reconheciam a possibilidade da aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, se comprovada a utilização de fraude ou abuso direito.

Em resposta ao caminhar do direito surge então a positivação da Teoria, primeiro pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990), depois a Lei Antitruste (art. 18, Lei nº 8.884 de 11 de junho de 1994) e ainda, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998) e, por último o art. 50 do Novo Código Civil Brasil (Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002).

Não cabe a este singelo trabalho maiores digressões acerca de tais dispositivos, porém é correta sua menção haja vista a importância de tais previsões no ordenamento jurídico pátrio.

Vale dizer que embora o art. 50 do Código Civil não tenha citado o nome da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, não há como negar sua previsão expressa, permitindo que a lei traduzisse o que há anos a doutrina apregoava, e mais, possibilitou ainda, o desenvolvimento das atividades econômicas respeitando o instituto da pessoa jurídica, admitindo sua superação apenas nos casos de repressão à fraude e a coibição do mau uso da pessoa jurídica.

III.1. Da aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica

O Código Civil adotou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica nos casos de desvio de finalidade ou confusão patrimonial baseando-se na separação patrimonial, destacando os fundamentos da desconsideração conforme negócios interna corporis ou externa corporis da pessoa jurídica.

É certo que se desconsidera a personalidade jurídica com o fim precípuo de transferir a responsabilidade daquela aos que dela se utilizaram indevidamente. Não há anulação da figura da pessoa jurídica, mas apenas uma medida de proteção ao abuso, a fim de preservar a própria sociedade e proteger o terceiro que com ela tenha negociado.

Nunca é demais lembrar que a doutrina em uníssono lembra que a medida de se desconsiderar a personalidade jurídica é excepcional haja vista que não por um defeito na estrutura da sociedade e, sim, por um defeito quanto à sua utilização. Só pode ser assim, porque a justificativa para a desconsideração reside justamente em ocorrer um descompasso entre a função abstratamente prevista para a pessoa jurídica e a função que ela concretamente realiza.

IV. A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica e seus reflexos no Direito Empresarial

Com o advento do art. 50 do Código Civil e toda a nova sistemática adotada pelo Codex em relação ao Direito Empresarial recaíram sobre aquele que pratica atos de empresa, ou seja, atividade organizada para a circulação de bens e serviços, toda a administração do risco do negócio.

Sobre todos os tipos de empresários recaem a responsabilidade, via de regra objetiva, já que o art. 927 parágrafo único do Código Civil, imputa a todo aquele que desenvolver atividade que apresente risco para os direitos de outrem, independentemente de culpa responderá pela extensão do dano causado, bastando a comprovação deste e do nexo causal.

A figura do empresário hoje tem de administrar não só todos os riscos do negócio, mas também deve ter expertise para se prevenir de possíveis imputações legais em função da atividade por ele desenvolvida.

Insta salientar que o instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica serve como inibidor do mau uso da pessoa jurídica, no entanto não pode ser utilizado a qualquer modo já que se trata de medida excepcional, pois serve para a preservação da própria empresa, e conservação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica e das pessoas físicas, que como sócios as compõe.

Porém, a lei jamais abrigará condutas fraudulentas ou que abuse o direito para amparar condutas ilícitas, como golpes contra credores, apenas para conservar a personalidade jurídica. A Teoria da desconsideração da Personalidade Jurídica será admitida sempre que forem constatados tais requisitos.

Há muito os Tribunais tem entendido pela Desconsideração da Personalidade Jurídica como medida excepcional que só pode ser decretada após o devido processo legal, o que torna a sua ocorrência em sede liminar, mesmo de forma implícita, passível de anulação.

No entanto, algumas cautelas são imprescindíveis, já que atualmente não há mais discussão sobre a possibilidade da aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, e sim quando aplicá-la, uma vez que se deve garantir o devido processo legal e o contraditório.

Em nome de alguns princípios como a economia, celeridade e instrumentalidade têm-se visto verdadeiras aberrações, especialmente na seara trabalhista, onde impera o dever de se fazer justiça a qualquer custo. Não se está aqui defendendo a atividade do empresário irresponsável e que utiliza a Pessoa Jurídica para ofender e lesar os direitos trabalhistas, mas é inadmissível que em nome dessa pseudo-justiça social o Estado-Juiz ofenda garantias constitucionais que amparam todo e qualquer cidadão.

Vale frisar que o comportamento negligente na aplicação da Disregard Doctrine tem encontrado adeptos já na seara civil, por exemplo, o julgado do Tribunal de Justiça do Paraná, que julgou um Agravo de Instrumento no qual se votou pela desnecessidade de aguardar o esgotamento de todos os meios de levantamento dos bens da sociedade. E mais, o juiz de 1º grau havia incluído na execução todos os sócios daquela sociedade, mesmo aqueles que já haviam transferido suas cotas e não poderiam mais ser responsabilizados.

O emprego da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica depende da aplicação justa e prudente do Juiz face a análise do caso concreto. O que se pretende com a norma do art. 50 do Código Civil e todas as outras que se encontram no ordenamento jurídico brasileiro é a utilização excepcional, considerando-se sempre o princípio da boa-fé objetiva, norteadora de todos os negócios jurídicos celebrados.

A pessoa jurídica é inquestionavelmente uma criatura da lei, não se constituindo senão num instrumento para a satisfação das necessidades humanas no âmbito de determinada sociedade. Dirigida pelos respectivos sócios, há de estar vinculada aos interesses sociais que por sua vez não podem se afastar do interesse coletivo.

Assim, sempre que a pessoa jurídica seja utilizada para fins diversos ao objeto para o qual foi criada, há de ser desconsiderada sua personalidade com a consequente responsabilidade pessoal dos respectivos integrantes, por eventuais prejuízos causados a terceiros.

É muito importante deixar claro que a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica está intimamente ligada ao Princípio da Autonomia Patrimonial, já que aquela não é contra esta, mas sim serve como instrumento de preservação do instituto, diante da possibilidade do desvirtuamento que possa vir a comprometer a pessoa jurídica.

Os pressupostos da desconsideração são a pertinência, a validade e importância das regras que limitam, ao montante investido, a responsabilidade dos sócios por eventuais perdas nos insucessos da empresa, regras que, derivadas do princípio da autonomia patrimonial, servem de estimuladoras da exploração de atividade econômica, com o cálculo do risco.

É certo que a má utilização da Desconsideração da Personalidade Jurídica poderia desestimular os empreendedores a se lançar a novos negócios já que se estaria pondo a risco todo o patrimônio pessoal caso o negócio não prosperasse. Em outras palavras, a limitação das perdas torna-se uma motivação jurídica e é fator essencial para a disciplina da atividade econômica capitalista.

Ademais, há um outro aspecto sobre o ponto de vista do custo da atividade, uma vez que se não fosse garantida a limitação aos bens integralizados para a constituição do negócio, certamente ver-se-ia um efeito tão nefasto quanto o citado acima, qual seja, o risco empresarial decorrente da maculação dos princípios da separação patrimonial e da limitação de responsabilidade acabaria repassado para os preços, atingindo diretamente o consumidor.

Em virtude disso, dada a importância do princípio da personalização das sociedades empresárias, para a economia capitalista, e a limitação da responsabilidade patrimonial dos sócios, é que a desconsideração da personalidade jurídica tem natureza excepcional, episódica, e não pode servir ao questionamento da subjetividade própria da sociedade. Não se justifica o afastamento da autonomia da pessoa jurídica pela não satisfação do crédito é preciso que tenha havido indevida utilização do instituto da pessoa jurídica.

Vale observar por fim que apesar de útil e necessária a Teoria da Desconsideração deve ser aplicada com parcimônia e cautela, já que, uma economia que está se solidificando dia-a-dia e que baseia a maior parte de sua força produtiva em micro e pequenas empresas deve sempre incentivar e não pesadamente responsabilizá-las por eventuais insucessos de seus titulares.

Apenas como amostra, segundo o Anuário do Trabalho na Micro e Pequena Empresa, com números de 2008 e 2009, estas empresas correspondem a mais de 99% dos 5,8 milhões de negócios formais existentes no Brasil e empregam 52,3% dos 24,9 milhões de trabalhadores com carteira assinada.

Dessa maneira, o que se pretende demonstrar é que o advento da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica será benéfico para a economia deste país na medida em que seja utilizada da forma como fora idealizada, para que não se corra o risco de ser desenvolvida nova teoria para coibição de abusos, agora contra a sua aplicação.

CONCLUSÃO

É notória a importância da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica para o Direito Empresarial. Sem ela não seria possível coibir os abusos da má utilização da pessoa jurídica. Evitar lesões a direitos não só dos que se dispõe a obedecer a comandos dessa pessoa, mas também daqueles que usufruem seus bens e serviços.

No entanto, a pessoa jurídica jamais poderá servir de escudo para violação de direito e a fraude, salvaguardando aqueles que cometem o ilícito e manipulam a pessoa jurídica para causar danos de difícil reparação àqueles que com ela se relacionam. Embora a Disregard Doctrine sirva para punir deve servir precipuamente para asseverar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a pessoa física que a compõe ou dirige.

Tanto assim o é, que cabe aqui relembrar a importância de incentivar o empresariado, citando a recentíssima Lei 12.441. de 11 de julho de 2011, já sancionada, que constitui a empresa individual de responsabilidade limitada possibilitando a formalidade daquele que de alguma forma pratica atos de empresa e faz circular bens ou presta serviços.

Vale dizer ainda, que a referida Lei mesmo com o veto do seu §4º, reafirmou a importância da previsão da Desconsideração da Personalidade Jurídica, já que será respeitada, independentemente de previsão expressa, a separação de patrimônio não se confundindo com o patrimônio da pessoa natural que a constitui.

Assim, vê-se a necessidade da manutenção do Princípio da Autonomia Patrimonial da Pessoa Jurídica, para o apoio e a prática da atividade empresarial e sobrevivência da economia capitalista. Mas de outra banda, é necessária a presença da Desconsideração da Personalidade Jurídica para garantir o bom uso desta faculdade concedida pelo Estado.

E, quando houver mau uso da pessoa jurídica, que seja então punido aquele que se utilizou de fraude ou abuso de direito para manipulá-la a seu bel prazer causando prejuízos a terceiros. O que não se pode admitir, nem por hipótese, é o mau uso deste remédio que surgiu para equilibrar e evitar abusos que desestabilizam toda a sociedade economicamente organizada.

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Data de elaboração: julho/2011