Teorias da Pena e sua Finalidade no Direito Penal Brasileiro


Porbarbara_montibeller- Postado em 20 março 2012

Autores: 
NERY, Déa Carla Pereira

Teorias da Pena e sua Finalidade no Direito Penal Brasileiro

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2.TEORIAS DA PENA. 2.1. TEORIA RETRIBUTIVA DA PENA. 2.2. TEORIA PREVENTIVA DA PENA. 2.2.1. TEORIA PREVENTIVA GERAL. 2.2.2. TEORIA PREVENTIVA ESPECIAL. 2.3. TEORIAS MISTAS OU UNIFICADORAS. 2.3.1. TEORIAS QUE REENTRÃO A IDÉIA DE RETRIBUIÇÃO. 2.3.2. TEORIAS DA PREVENÇÃO INTEGRAL. 3. CONCLUSÃO. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. INTRODUÇÃO.

"É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males da vida." (1) - (Cesare Beccaria).

A origem da pena coincide com o surgimento do Direito Penal, em virtude da constante necessidade de existência de sanções penais em todas as épocas e todas as culturas. A pena é a conseqüência jurídica principal que deriva da infração penal. Como define VON LISZT: "Derecho Penal es el conjunto de las reglas jurídicas, establecidas por el Estado, que asocian al crimen como hecho, la pena como su legítima consecuencia".(2)

Fazendo uma breve retrospectiva histórica, pode-se comentar que as penas e os castigos que o Estado impôs àqueles transgressores das normas, foram evoluindo em face de um sentido maior de humanização. A partir da obra de Beccaria, titulada "Dos delitos e das penas", as penas desumanas e degradantes do primitivo sistema punitivo, cederam seu espaço para outras, com senso mais humanitário, cuja finalidade é a recuperação do delinqüente. Desta forma, as penas corporais foram substituídas pelas penas privativas de liberdade, persistindo este objetivo de humanização das penas, ainda nos dias de hoje.

A pena não tem uma definição genérica, válida para qualquer lugar e qualquer momento. Consiste em um conceito legal de cada código penal em particular, em que se são elencadas sanções, cujas variações refletem as mudanças vividas pelo Estado.

Na concepção moderna de Estado, e mencionando a finalidade preventiva da pena, BERDURGO ensina:

"La pena es un mal – por la privación o restricción de bienes jurídicos que siempre implica; um mal, por outro lado, necesario – por que todo sistema que considera ao hombre como elemento nuclear sólo puede recurrir a la pena cuando sea necesaria para el mantenimiento de tal sistema; debe estar prevista em la ley – que actuará como garante de la seguridad jurídica, o, lo que es lo mismo, em prol del principio de legalidad; impuesta y ejecutada conforme a ella – la ley actúa como garante a lo largo del proceso y la ejecución: solo se impondrá al responsable del delito – responsabilidad penal personal; y únicamente estará dirigida hacia la prevención del delito – como ,única finalidad coherente y racional, com el ius puniendi próprio de um Estado social y democrático de Derecho.(3)

2. TEORIAS DA PENA

Através dos tempos o Direito Penal tem dado respostas diferentes a questão de como solucionar o problema da criminalidade. Essas soluções são chamadas Teorias da pena, que são opiniões científicas sobre a pena, principal forma de reação do delito. Principal, porque existem outras formas de reação social à criminalidade, que são mais eficazes do que a pena. Neste sentido, ensina o penalista Muñoz Conde:

"Existen otras formas de reacción social a la criminalidad no oficiales, pero a veces más eficaces que las oficiales propriamente dichas, de forma que, igual que sucede com el concepto de criminalidad, el concepto de reacción social frente a la misma excede, por lo menos en la Criminologia, del plano estrictamente legal para incluirse en un marco más amplio de control social, en el que lo que no se ve (o no se dice) es quizás lo que mas importa."(4)

Constituem teorias oficiais de reação à criminalidade: de um lado, as teorias absolutas, ligadas essencialmente às doutrinas da retribuição ou da expiação; e de outro lado, as teorias relativas, que se analisam em dois grupos de doutrinas (as doutrinas da prevenção geral e as doutrinas da prevenção especial ou individual). E por fim, as teorias mistas ou unificadoras.

2.1. TEORIA RETRIBUTIVA DA PENA (Teoria Absoluta).

A Teoria retributiva considera que a pena se esgota na idéia de pura retribuição, tem como fim a reação punitiva, ou seja, responde ao mal constitutivo do delito com outro mal que se impõe ao autor do delito.

Esta teoria somente pretende que o ato injusto cometido pelo sujeito culpável deste, seja retribuído através do mal que constitui a pena. Ensina HASSEMER e MUÑOZ CONDE que existe uma variante subjetiva da Teoria retributiva que considera que a pena deve ser também para o autor do delito uma forma de "expiación", ou seja, uma espécie de penitência que o condenado deve cumprir para purgar (expiar) seu ato injusto e sua culpabilidade pelo mesmo.

A teoria retribucionista (teoria absoluta) considera que a exigência de pena deriva da idéia de justiça. Neste diapasão, KANT exemplificava:

"Si una sociedad tuviera que disolverse y sus miembros debieran espacirse por el mundo, antes de llevar a cabo dicha decisión el último asesino que se encontrara en prisión debería ser ejecutado (téngase en cuenta que Kant no cuestinaba la pena de muerte), para que así todo el mundo supiera el valor que merecían sus hechos y se hiciera justicia, por más que obviamente si una sociedad está a punto de perecer carezca de utilidad el hecho de que todavia se ejecute al último asesino que quedara en sus carceles".(5)

Menciona MUÑOZ CONDE:

"Pocas veces se há hecho valer en la historia del pensamiento la idea contenida en la frase latina "fiat justicia, pereat mandamus" (hágase la justicia, aunque perezca el mundo) de forma tan gráfica y contundente como en este ejemplo Kantiano de la isla."(6)

Enfim, a pena retributiva esgota o seu sentido no mal que se faz sofrer ao delinqüente como compensação ou expiação do mal do crime; nesta medida é uma doutrina puramente social-negativa que acaba por se revelar estranha e inimiga de qualquer tentativa de socialização do delinqüente e de restauração da paz jurídica da comunidade afetada pelo crime. Em suma, inimiga de qualquer atuação preventiva e, assim, da pretensão de controle e domínio do fenômeno da criminalidade.

2.2. TEORIAS PREVENTIVAS DA PENA (Teorias Relativas).

As teorias preventivas da pena são aquelas teorias que atribuem à pena a capacidade e a missão de evitar que no futuro se cometam delitos. Podem subdividir-se em teoria preventiva especial e teoria preventiva geral.

As teorias preventivas também reconhecem que, segundo sua essência, a pena se traduz num mal para quem a sofre. Mas, como instrumento político-criminal destinado a atuar no mundo, não pode a pena bastar-se com essa característica, em si mesma destituída de sentido social-positivo. Para como tal se justificar, a pena tem de usar desse mal para alcançar a finalidade precípua de toda a política criminal, precisamente, a prevenção ou a profilaxia criminal.

A crítica geral proveniente dos adeptos das teorias absolutas, que ao longo dos tempos mas se tem feito ouvir às teorias relativas é a de que, aplicando-se as penas a seres humanos em nome de fins utilitários ou pragmáticos que pretendem alcançar no contexto social, elas transformariam a pessoa humana em objeto, dela se serviriam para a realização de finalidades heterônimas e, nesta medida, violariam a sua eminente dignidade. Neste sentido, segundo KANT: "O homem não pode nunca ser utilizado meramente como meio para os propósitos de outro e ser confundido com os objetos do direito das coisas, contra o que o protege a sua personalidade inata." (7)

Também são criticadas em virtude de justificarem a necessidade da pena para que ocorra a redução da violência e a prática de novos crimes. Deste modo, não existiria limites ao poder do Estado, com uma certa tendência ao "Direito penal do terror". Ou seja, quem pretendesse intimidar mediante a pena, tenderia a reforçar este efeito, castigando tão duramente quanto possível.(8)

2.2.1. TEORIA PREVENTIVA GERAL

A teoria preventiva geral está direcionada à generalidade dos cidadãos, esperando que a ameaça de uma pena, e sua imposição e execução, por um lado, sirva para intimidar aos delinqüentes potenciais (concepção estrita o negativa da prevenção geral), e, por outro lado, sirva para robustecer a consciência jurídica dos cidadãos e sua confiança e fé no Direito (concepção ampla ou positiva da prevenção geral).

Deste modo, por uma parte, a pena pode ser concebida como forma acolhida de intimidação das outras pessoas através do sofrimento que com ela se inflige ao delinqüente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem fatos criminais (prevenção geral negativa ou de intimidação).

Por outra parte, a pena pode ser ser concebida, como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, apesar de todas as violações que tenham tido lugar (prevenção geral positiva ou de integração).

2.2.2. TEORIA PREVENTIVA ESPECIAL

A teoria preventiva especial está direcionada ao delinqüente concreto castigado com uma pena. Têm por denominador comum a idéia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do delinqüente, com o fim de evitar que, no futuro ele cometa novos crimes. Deste modo, deve-se falar de uma finalidade de prevenção da reincidência.

Essa teoria não busca retribuir o fato passado, senão justificar a pena com o fim de prevenir novos delitos do autor. Portanto, diferencia-se, basicamente, da prevenção geral, em virtude de que o fato não se dirige a coletividade. Ou seja, o fato se dirige a uma pessoa determinada que é o sujeito delinqüente. Deste modo, a pretensão desta teoria é evitar que aquele que delinqüiu volte a delinqüir.

A doutrina da prevenção especial, segundo FERRAJOLI, segue tendências, dentre elas, a "doutrina teleológica de la diferenciación de la pena" que FRANZ VON LISZT expõe em seu célebre Programa de Marburgo (1882). Segundo esta visão, a função da pena e a do Direito Penal é proteger bens jurídicos, incidindo na personalidade do delinqüente através da pena, e com a finalidade de que não volte a delinqüir.

Nesta tendência, a prevenção especial pode subdividir-se em duas grandes possibilidades, cuja diferenciação está baseada nas distintas formas de atuar, segundo o tipo de delinqüente. Deste modo, podem ser: prevenção positiva (ou ressocializadora) e prevenção negativa (ou inocuizadora).

A prevenção positiva persegue a ressocialização do delinqüente, através , da sua correção. Ela advoga por uma pena dirigida ao tratamento do próprio delinqüente, com o propósito de incidir em sua personalidade, com efeito de evitar sua reincidência. A finalidade da pena-tratamento é a ressocialização.

Por outro lado, a prevenção negativa, busca tanto a intimidação ou inocuização através da intimidação – do que ainda é intimidável - , como a inocuização mediante a privação da liberdade – dos que não são corrigíveis nem intimidáveis. Ou seja, a prevenção especial negativa tem como fim neutralizar a possível nova ação delitiva, daquele que delinqüiu em momento anterior, através de sua "inocuização" ou "intimidação". Busca evitar a reincidência através de técnicas, ao mesmo tempo, eficazes e discutíveis, tais como, a pena de morte, o isolamento etc.

2.3. TEORIAS MISTAS OU UNIFICADORAS.

As teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Essa corrente tenta recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas. Deste modo, afirma MIR PUIG: "Entende-se que a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são distintos aspectos de um mesmo complexo fenômeno que é a pena".(9)

As teorias unificadoras partem da crítica às soluções monistas (teorias absolutas e teorias relativas) . Sustentam que essa unidimensionalidade, em um ou outro sentido, mostra-se formalista e incapaz de abranger a complexidade dos fenômenos sociais que interessam ao Direito Penal, com conseqüências graves para a segurança e os direitos fundamentais do homem.(10) Esse é um dos argumentos básicos que ressaltam a necessidade de adotar uma teoria que abranja a pluralidade funcional da pena.

2.3.1. TEORIAS QUE REENTRAM A IDÉIA DE RETRIBUIÇÃO.

Esta teoria define a pena retributiva no seio da qual procura dar-se realização a pontos de vista de prevenção, geral e especial; ou diferentemente no que toca a hierarquização das perspectivas integrantes, para todavia se exprimir no fundo a mesma idéia, como o de uma pena preventiva através de justa retribuição. Numa e noutra formulação estará presente a concepção da pena, segundo a sua essência – e nesta acepção primariamente – como retribuição da culpa, e subsidiariamente, como instrumento de intimidação da generalidade e, na medida possível, de ressocialização do agente.

Deste modo, no momento da sua ameaça abstrata a pena seria antes de tudo, instrumento de prevenção geral; no momento da sua aplicação ela surgiria basicamente na sua veste retributiva; na sua execução efetiva, por fim, ela visaria predominantemente fins de prevenção especial.

2.3.2. TEORIAS DA PREVENÇÃO INTEGRAL

O ponto de partida destas teorias é o de que a combinação ou unificação das finalidades da pena ocorre exclusivamente a nível da prevenção, geral e especial, com total exclusão, por conseguinte, de qualquer ressonância retributiva, expiatória ou compensatória. Deste ponto de vista se tentou lograr a concordância prática possível das idéias de prevenção geral e de prevenção especial, a sua otimização à custa de mútua compreensão, de modo a atribuir a cada uma a máxima incidência na prossecução de um ideal de prevenção integral.

3. CONCLUSÃO.

Abordados os conceitos e críticas acerca das teorias da pena, observa-se que na doutrina brasileira adotou-se a teoria mista ou unificadora. Seguindo a classificação de Claus Roxin(11), os doutrinadores observam que a interpretação do art. 59 do CP(12) é padronizada no sentido da adoção de uma teoria mista aditiva, em que não existe a prevalência de um determinado fator. Ou seja, não existe prevalência da retribuição, nem da prevenção, porque tais fatores coexistem, somando-se, sem que exista uma hierarquia.

Percebe-se que as leis brasileiras apresentam finalidades diferentes. Deste modo, a Lei dos Crimes Hediondos tem como valor preponderante a prevenção geral negativa, enquanto na Lei de Execução Penal prepondera a ressocialização (finalidade preventiva especial positiva). Por sua vez, a Lei dos juizados Especiais Criminais teria finalidade de reparação do dano (finalidade retributiva).

E qual a finalidade da pena? Na verdade, a pena deve perseguir um fim condizente com a democracia e os ditames constitucionais. O mais importante é perceber que o Estado só deverá recorrer a pena quando a conservação da ordem jurídica não se possa obter com outros meios de reação, isto é, com os meios próprios do direito civil (ou de outro ramos do direito que não o penal). Enfim, como afirma Muñoz Conde, existem outras formas de reação social à criminalidade, que podem ser muito mais eficazes. Aliás, pensando melhor, a pena prevista no D. Penal, seria a "superfície visível do iceberg", onde o que mais se vê, realmente, não é o que mais importa.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas . Trad. De Flório de angelis. Bauru, Edipro, 1997.

FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Temas Básicos da Doutrina Penal. Coimbra, Ed. Coimbra, 2001.

LARDIZABAL Y URIBE, Manuel De. Discurso sobre las penas . Granada, Ed. Comares, 1997.

MIR PUIG, Santiago. El derecho penal en el Estado social y democrático . Barcelona, Ariel Derecho, 1994.

MUÑOZ CONDE, Francisco. Derecho Penal y Controle social . Jerez, Ed. Tirant lo blanch, 1985.

MUÑOZ CONDE/ HASSEMER. Introducción a la Criminologia . Valencia, Ed. Tirant lo Blanch, 2001.

ROXIN, Claus . Derecho Penal. Parte General . Tradução para o espanhol de Diego Manuel Luzón Pena. Madri, Civitas, 1999.

Notas:

1. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, p. 27.

2. HASSEMER, Winfried y MUÑOZ CONDE, Francisco. Introdución a la Criminologia, pág. 226.

3. HASSEMER, Winfried y MUÑOZ CONDE, Francisco. Op. cit., p. 120 e ss.

4. HASSEMER, Winfried y MUÑOZ CONDE, Francisco. Op. cit., p. 226.

5. HASSEMER, Winfried y MUÑOZ CONDE, Francisco. Op. Cit., pág. 230.

6. HASSEMER, Winfried y MUÑOZ CONDE, Francisco. Op. cit., pág. 231.

7. HASSEMER, Winfried y MUÑOZ CONDE, Francisco. Op. cit., pág. 128.

8. Conforme Claus Roxin.

9. MIR PUIG, Santiago. El derecho penal en el Estado social y democrático, pág. 56.

10. Conforme MIR PUIG.

11. ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General, pág. 229.

12. Optou-se pela teoria mista aditiva, ex vi do art. 59 do CP, tendo em vista que determina ao juiz, com base nas circunstâncias narradas no dispositivo, "[...] estabelecer, conforme seja suficiente e necessário para a reprovação e prevenção do crime."
 

Texto confeccionado por
(1)Déa Carla Pereira Nery

Atuações e qualificações
(1)Professora de Direito Penal. Mestranda em Direito Penal pela PUC/SP. Doutoranda em Direito Penal e Criminologia pela UPO de Sevilla - ES. Delegada de Polícia - SSP/BA.

Bibliografia:

NERY, Déa Carla Pereira. Teorias da Pena e sua Finalidade no Direito Penal Brasileiro. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 20 de jun. de 2005.
Disponivel em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/2146/teorias_da_pena_e_sua_finalidade_no_direito_penal_brasileiro >. Acesso em: 20 de mar. de 2012.