A transação penal como instrumento para resolução pacífica de conflitos: aspectos teóricos e práticos


PorJeison- Postado em 01 abril 2013

Autores: 
DANTAS, Bruno Montenegro Ribeiro.

 

Síntese dogmática: os préstimos do presente artigo são os de sobrelevar o papel que deve ter a transação penal no âmbito da resolução extrajudicial de conflitos, como constitucional medida ressocializadora e despenalizadora, sob incumbência do Ministério Público. Prelevar a constitucionalidade do instituto pacificador, ressaltando que não se trata de pena aplicada pelo Órgão Ministerial, como alguns doutrinadores almejam fazer acreditar, o que afasta o argumento da inconstitucionalidade por aplicação de pena na ausência de devido processo legal, afronta ao princípio da não-culpabilidade ou mesmo pela suposta usurpação pelo Ministério Público do jus puniendi exclusivo do Poder Judiciário. Ademais, faz-se mister, para corroborar com sua constitucionalidade, levar em consideração a tendência do Direito Penal Mínimo que está em voga atualmente, visto que as penas devem ser aplicadas apenas em casos consideráveis graves, aos quais o Direito Penal deve se ater, sendo que, caso ocorra a transação penal nos crimes de menor potencial ofensivo, sequer corpofirifica-se um processo jurisdicional, permitindo à Justiça Criminal manter o foco nos casos mais significantes. Além do que se coaduna com os princípios insertos no art. 2º da Lei dos Juizados Especiais, bem como com todo o espírito desta lei, visto ser medida despenalizadora.  Nessa tessitura, há de se considerar, ainda, seu caráter ressocializador, principal seara na qual a atuação do Ministério Público se mostra de insofismável relevância, na medida em que cabe ao representante do parquet propor medida que melhor se adeque ao cumpridor. Para tanto, deve pautar sua atuação em critérios predominantemente objetivos, rechaçando abusos e omissões ilegais.

 

Palavras-chave: Transação penal. Ministério Público. Resolução pacífica de conflitos.


I - DOS PROLEGÔMENOS EXPOSITÓRIOS

 

            Preambularmente, faz-se mister esclarecer que toda a função Judiciária hodierna vem convolando seu rumo ao almejo da tão buscada efetividade da prestação jurisdicional. Os princípios da celeridade, a eficiência e a economia processual jamais foram tão festejados na ciência jurídica como hoje.

 

            Neste passo, foi identificada a necessidade de o ordenamento jurídico penal brasileiro se renovar, de modo que o legislador passou a buscar novas fontes de inspiração antes jamais pensadas. Institutos foram trazidos ao nosso sistema legal que nunca se imaginou que pudessem aqui ser vistos, sendo, por isso, objeto de infindáveis polêmicas jurídicas. Porém, o que se há de evidenciar sempre é a potencialidade de tal ou qual meio alcançar a finalidade precípua do Estado: a pacificação social. Não se pode duvidar que o fim do Judiciário sempre foi os jurisdicionados. Buscou-se, então, na tão distante e distinta common law, institutos jurídicos facilitadores pragmáticos dos anseios sociais. É verdade que tais “importações” com frequência são feitas pelo legislador brasileiro de modo inapropriado, porém não se podem negar os aspectos positivos que cada uma destas pode revelar.

 

            Nesse vértice, o objeto de estudo aqui delineado trata exatamente de um desses polêmicos institutos: a transação penal. No entanto, é nítida a sua distinção para mecanismos como a plea-negotiation, guilty plea ou plea bargaining, verdadeiramente repudiados e inimagináveis na conjuntura jurídica brasileira.

 

            Afinal, a persecução penal não se tornou no Brasil, em vista do advento da transação penal, alvo de negociações pelo Ministério Público para com os acusados. Ver-se-á doravante que o instituto foi trazido com as mais devidas restrições e adequações para que melhor se enquadrasse ao ordenamento doméstico, de modo a poder ser utilizado como meio verdadeiramente possibilitador do atendimento às diretrizes jurisdicionais atuais. Desse modo, o processo penal se distancia de um mero jogo entre atores para alcançar o almejado fim social com instituto que traz melhoras significativas à realidade pátria.

 

            Demais disso, repita-se, assegura ao Direito Penal se manter em seu foco. A tendência de tal esfera do Direito, após séculos de um caminho árduo para se estabelecer tal entendimento, é claramente a mais elevada e profunda subsidiariedade existente no mundo jurídico. Destarte, paulatinamente viu-se o afastamento da doutrina do Direito Penal Máximo e observou-se o recrudescimento nas mentes dos operadores da dogmática do Direito Penal Mínimo, encampando ideais como os princípios da intervenção mínima e da insignificância. Tal doutrina, vale dizer, preconiza que o Direito Penal deve se ocupar precipuamente dos bens jurídicos mais relevantes em rechaço aos atos lesivos mais perniciosos à sociedade, devendo abster-se de condutas minimamente repulsivas, face ao caráter extremado dessa seara jurídica. A Ciência Jurídica Penal, deveras, é a ultima ratio da política social, o último meio a ser utilizado para repugnar condutas indesejadas. Com base nessas premissas aumentam a quantidade de medidas despenalizadoras no ordenamento, bem como se denega cada vez mais, seja na prática, seja na doutrina, importância às contravenções penais e crimes de menor potencial ofensivo, que reclamam, por –muitas- vezes, solução no campo das demais esferas de controle, ou seja, pelos outros ramos do Direito.

 

            Aí reside a constatação do importante papel que pode ter a despenalização no Direito Penal moderno. Com a devida vênia, penso que o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, bem como todo o sistema prisional brasileiro, não podem mais se debruçar arduamente nas questões penais de pequena monta, descurando-se de conferir a devida atenção às situações mais proeminentes. A faceta ressocializadora da pena, quadra dizer, deve ser ressaltada em face da punitiva ou mesmo da pedagógica.

 

II - DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

 

            Não obstante as divergências doutrinárias e jurisprudenciais potencialmente existentes sobre a sua constitucionalidade e atinentes a outros aspectos de sua natureza, merece discussão a atuação do Ministério Público no âmbito dos Juizados Especiais, fixando-se diretrizes mormente no emprego da transação penal como mecanismo efetivo capaz de dirimir litígios de menor relevância em caráter apriorístico, visando sempre à pacificação social, com obediência às disposições legais, sem ferir preceitos básicos da Ciência Penal nem ofender garantias constitucionalmente asseguradas.

 

II.I – Dos Juizados Especiais Criminais e princípios que embasam a transação penal

 

            A Constituição Federal trouxe norma que inovou em todo o Poder Judiciário pátrio ao estabelecer:

 

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

 

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

 

            A Lei Federal n.º 9.099/95 veio regulamentar o dispositivo retromencionado sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na esfera estadual. No que tange especificamente aos Juizados Especiais Criminais, estes lidam com as infrações penais de menor potencial ofensivo, que são aquelas com pena máxima em abstrato não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, nos termos do art. 61 da Lei n.º 9.099/95 e art. 2º da Lei n.º 10.259/01.

 

            A bem da verdade, a Lei de Juizados Especiais, em cumprimento ao mandamento constitucional, desburocratiza o processo penal, estatuindo um novo contexto na ordem jurídico-penal brasileira, sobretudo com a introdução da chamada Justiça Criminal Consensual, como expõe o professor Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de Alencar:

 

A justiça criminal consensual teve seu ingresso no ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição da República de 1988, seguindo tendência do mundo globalizado, com a influência preponderante dos sistemas dos países common law, para introduzir institutos que objetivam abreviar o processo penal, desburocratizando-o, através da Lei de Juizados Especiais Criminal.

 

            Como dito, o instituto da transação penal veio com um perfil diverso daquele oriundo dos países da common Law, nos quais a transação penal em muito se aproxima da cível, de uma simples negociação entre partes. No Brasil, todavia, ela jamais revelou esta feição. Basicamente, a transação penal consiste em proposta feita pelo Ministério Público e aceita voluntariamente pelo autuado, que cumprirá uma medida penal, restritiva de direitos ou multa, evitando-se a propositura da ação penal. Entre nós, o instituto caracteriza-se pela aplicação restrita tão-somente aos crimes de menor potencial ofensivo, pelos critérios objetivos no tocante ao cabimento da medida e pelo teor da proposta também com grau de limitação razoável.

 

            Convém ressaltar que esse instrumento se mostrou extremamente pertinente dentro da sobredita lei, visto que se coaduna com os princípios nela insertos. O art. 2º desta norma enumera princípios como o da informalidade, da celeridade e da economia, bem como aduz ser sempre o fim dos Juizados a tentativa de conciliação e, na mesma linha, de transação.

 

            Ora, ressoa evidente que o nó górdio da questão é conseguir o deslocamento da resolução de problemas da esfera judicial para local diverso, mesmo que para isso deva haver auxílio estatal, e também a solução que ataque não apenas a lide processual, que é apenas formal, mas a lide social que está por trás e a qual a processual comumente a traveste. Resolver a lide social é a verdadeira resolução da celeuma, pois soluciona o problema trazido ao juízo em sua plenitude, não apenas com letras escritas.

 

            Assim deve ser vista a transação penal, como meio de auferir o término cabal do problema, com vistas ao cunho social que pode ser fortemente objetivado. Inúmeras são as vantagens que se mostram presentes com a solução obtida extrajudicialmente, tanto para o Estado, quanto para o jurisdicionado, dentre as quais se tem: amortização da superpopulação carcerária e redução da sobrecarga de demandas nos órgãos judicantes, ensejando maior atenção aos crimes mais relevantes, e que, na lição de Damásio de Jesus, fornece resposta penal imediata, evita um processo moroso, desvencilha rapidamente o delinquente das malhas do processo, além de diminuir os custos do delito.

 

            Ressalte-se que, com a transação penal, nem a sociedade, tampouco o Estado, são prejudicados, visto que uma vez que fosse instaurada a ação penal, a pena imposta pelo magistrado frequentemente corresponderia à medida proposta pelo Ministério Público, já que é assaz rara a aplicação de pena privativa de liberdade para crimes cuja pena máxima em abstrato não supere 2 (dois) anos. Utilizar-se-ia um meio mais árduo e oneroso para se chegar a um fim similar.

 

II.II – Da quebra do paradigma acusatório ministerial

 

             Há tempos vêm amadurecendo os membros do Ministério Público de modo a fazer cumprir sua real função. Durante anos imperou o paradoxo terminológico-pragmático dentro da instituição de modo que não se via o membro como um “promotor de justiça”, mas como, em verdade, um “promotor de acusação”. Este, então, realmente acreditava que, como em um processo civil, deveria revestir-se da condição de parte, exigindo o máximo que pudesse obter para seu cliente.

 

            Entretanto, se tratando de processo penal, a visão deve ser um tanto diversa. O membro do parquet se presta à defesa dos interesses coletivos latu sensu e, em se tratando do cometimento de crimes, geralmente a sociedade é a maior perdedora, tanto no momento da consumação, como no do processo e conseguinte penalização do apenado. Muito lucra a população em não ver crimes sendo cometidos e pouco lucra em ter que demandar ação penal, percorrer processo judicial acusatório e, finalmente, penalizar uma pessoa que foi criada em seu miserável seio.

 

            Assim sendo, e com a instituição da transação penal no Brasil, o promotor de justiça, como já fazia em tantas outras áreas como na de direito à educação, saúde e do consumidor, viu a alternativa de, pela primeira vez, atuar de modo preventivo em sede de processos criminais. É salutar repisar que na fase em que é proposta a transação penal não se tem um processo propriamente dito, cuidando-se de fase pré-processual, bem como consensual, em que se busca a resolução da lide social em detrimento da sequer formação da lide processual. Trata-se, destarte, de oportunidade incomensurável do Ministério Público em mostrar o lado social da vida ao autuado.

 

            Demais disso, como vinha se dizendo, crimes de menor potencial ofensivo podem ser tratados de maneira alternativa pelo Direito Penal. Cabe ao Ministério Público, como defensor da ordem democrática e da obediência ao sistema constitucional, buscar as brechas existentes na má atuação legislativa para alcançar o fim da pacificação social. Aqui reside e ecoa o importante papel da transação no Direito Penal Brasileiro. O grande potencial do instituto é exatamente ensejar que o subsidiário ramo do Direito se atenha aos delitos mais gravosos, como ensina Guilherme de Souza Nucci:

 

 

 

o direito penal deve ser visto, no campo dos atos ilícitos, como fragmentário, ou seja, deve ocupar-se das condutas mais graves, verdadeiramente lesivas à vida em sociedade, passíveis de causar distúrbios de monta à segurança pública e à liberdade individual. O mais, deve ser resolvido pelos demais ramos do direito, através de indenizações civis e punições administrativas.

 

            Portanto, embora não se possa olvidar da resistência que porventura encontre esse entendimento, é oportuno frisar que o legislador ordinário ao elaborar a Lei de Juizados Especiais objetivou abolir a pena de prisão para os delitos de menor potencial ofensivo. Logo, com a adoção de medidas despenalizadoras principia o Direito Penal brasileiro a enveredar pelas tendências mundiais contemporâneas, que ampliam o rol de penas e medidas alternativas, tratando a liberdade como regra, enquadrando a aplicação da prisão como última hipótese.

 

            Comungando com esse entendimento, Damásio de Jesus preleciona que “não existe qualquer prejuízo para a sociedade, pois, conforme já salientado, nas infrações de menor potencial ofensivo a possibilidade de imposição de pena privativa de liberdade é pequena”.

 

            Deste modo, os protagonistas da transação penal, com base no acerto de vontades,buscam “evitar o processo”. De um lado, o Ministério Público abre mão da persecução penal, relativizando o outrora absoluto princípio da obrigatoriedade da ação penal. Por seu turno, o autuado poupa-se de responder um processo, optando por sujeitar-se a uma medida penal que, se cumprida, acarreta a extinção da punibilidade.

 

II.III – Da função pacificadora do Ministério Público na proposta de transação penal

 

            Vista a relevância da transação penal como meio hábil para breve solução de litígios, e consequente alcance da pacificação social, destina-se o enfoque para a atuação do órgão ministerial no sucesso do instituto ora sob análise.

 

            Procura-se, então, delinear parâmetros para cingir o objeto da proposta oferecida ao autuado, de forma que o parquet amolde a medida penal às peculiaridades do caso concreto, bem como observe as características individuais de cada autuado. Espera-se abrandar a subjetividade na conduta ministerial quando da formulação da proposta, não ampliando, nem limitando o leque de possibilidades, mas estabelecendo objetivamente a aferição da que melhor se adeque a cada indivíduo.

 

  Considere-se que “a proposta de transação penal não é alternativa ao pedido de arquivamento, mas algo que pode ocorrer somente nas hipóteses em que o Ministério Público entenda deva o processo penal ser instaurado”. Dessa forma, quando o parquet observar que não é caso de arquivamento, deverá iniciar uma análise sobre os incisos do § 2º do artigo 76 da Lei Federal n.º 9.099/95, verificando se é admissível a proposta de transação penal ou se deverá ofertar denúncia. A própria possibilidade de arquivamento por parte do membro do Ministério Público constitui uma das mudanças de paradigma acerca do modelo da obrigatoriedade da ação penal pública sobre as abordou o item anterior, aliada à criação da ação penal privada e condicionada à representação. Nessa linha de raciocínio, avança o legislador ao criar a possibilidade da transação penal.

 

            O § 2º, III, do mesmo artigo dispõe não ser admitida a proposta se “não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida”. Ora, é de clareza solar o dever que tem o Ministério Público de examinar minuciosamente os elementos subjetivos e objetivos do delito de maneira que se permita aferir ser caso de transação penal ou não.

 

            Doravante, entende-se por oportuno apontar que esse examerealizado pelo Ministério Público, no que tange o inciso III, do § 2, do citado dispositivo, deve servir como parâmetro norteador da possível proposta a ser realizada, de forma que sejam consideradas todas as características pertinentes, respeitando-se a ideia extraída analogicamente, e apenas analogicamente, do princípio da individualização da pena, configurando senão uma obrigatoriedade em individualização da proposta de transação penal. Atuando desta forma entende-se que o Ministério Público estará seguindo sua função constitucional, buscando aproveitar da medida o que ela tem de melhor. Cabe ao órgão aferir qual a medida que mais “surtirá efeito” no âmago da personalidade do seu cumpridor, tentando despertar o cunho participativo na sociedade, mostrando-lhe o mundo com outros olhos.

 

            Meros pagamentos de cestas básicas não causam no cumpridor a mudança de visão que a transação tem a potencialidade de fornecer. Existem diversas outras medidas que podem ser propostas pelo órgão ministerial com fim de provocar essa mudança de perspectiva do cumpridor, o que, porém, se dedicará mais linhas a seguir.

 

            Neste diapasão, a transação penal não pode se tornar uma forma imperiosa de constranger o autuado a aceitar a proposta somente para evitar os embaraços do processo judicial. Observando-se, nestes casos, verdadeira chantagem da autoridade ministerial no exercício de sua função, em submetendo o autuado à situação de desconforto e insegurança jurídica. O papel do Ministério Público é essencial principalmente no momento da definição da medida a ser proposta, devendo defini-la cuidadosamente, sob pena de descredibilizar o instituto, que deve consistir em benefício tanto para o Estado, como para o autuado, que goza, quando preenche os requisitos para tanto, de um meio alternativo de evitar o sempre doloroso e famigerado processo penal.

 

            Assim, a subjetividade é assaz reduzida utilizando o parâmetro do inciso III, § 2º, da Lei, dando-se tratamento mais coerente e sólido à matéria, afinal, não se cogita que o Ministério Público atue meramente numa busca cega de acordo objetivando agilidade a qualquer custo. Note-se que o Ministério Público deve focar-se na perspectiva da pacificação social para propor a transação, observando o que de bom a sociedade irá obter com o cumprimento dessa medida penal pelo indivíduo. Porém, ressalte-se que não há falar, como pretendem alguns juristas e vem sendo utilizado na prática, o emprego do art. 59 do Código Penal para esse fim. O princípio da especialidade deve preponderar nessa perspectiva, sendo que se poderia com isso confundir o cerne do instituto fazendo acreditar que se trata de aplicação de pena, o que será combatido adiante. Assim, a lição ora sustentada não é construção sistemática meramente acadêmica, mas tem direta repercussão prática, na aceitação da transação penal, no que tange sua natureza jurídica que se passa a analisar.

 

II.IV – Da natureza jurídica da transação penal

 

            De fato, com o surgimento da Lei n. 9.099/95, os juristas se encontraram diante de instituto anômalo no que concerne o Direito Penal Pátrio. Para piorar a situação, o legislador se utilizou da pior terminologia possível para confundir acerca da própria natureza jurídica da medida.

 

            Conquanto as mais ferrenhas críticas, a transação penal não é pena. Trata-se da maior crítica a ela desferida, sem dúvida. Porém não merece prosperar. A transação penal brasileira tem natureza jurídica de medida penal, e com isso não se pretende dizer que seja uma “pena aceita”. O instituto não pode ser pena, visto que convive num sistema penal que se baseia no princípio da não-culpabilidade. Pensar de modo diverso, seria ferir de morte o devido processo legal, sem contar que estaria o parquet a usurpar o jus puniendi exclusivo do Poder Judiciário.

 

            Ou seja, não se pode vilipendiar de tal maneira instrumento de tão relevante potencial pacificador. A perspectiva em que deve ser vista a transação penal é exatamente a oposta, pois se configura em uma medida despenalizadora, apesar dos termos usados inadequadamente pelo próprio legislador. Não pode ser pena por que não se observa todos os vieses desta. Dentre as facetas ressocializadora, punitiva e pedagógica da pena, apenas a primeira realmente se encontra na transação penal. O caráter ressocializador, por si só, não é capaz de tornar nenhuma medida, qualquer que seja, em pena, visto que vários institutos no ordenamento pátrio o possuem, como a remição, sursis, progressão de regime, todos fulcrados no princípio da individualização da pena. Em última análise, vale trazer à lume a consolidada posição doutrinária e jurisprudencial, que considera a transação penal inexoravelmente consubstanciada em um autêntico direito público subjetivo, quando existentes os requisitos correspondentes.

 

III - CONCLUSÃO OBJETIVA

 

Conseguintemente, infere-se que ganha relevância na tendência do Direito Penal hodierno o papel da transação penal no Brasil como pacificadora de conflitos na sociedade e, concomitantemente a isso, sobreleva-se a função do Ministério Público em atuar de maneira a propiciar a resolução pacífica de conflitos e propor medidas cujos benefícios se estendam para além das fronteiras das entidades públicas, de forma a corroborar, com a quebra do antigo paradigma, sob o qual, por muito tempo, pairou a figura do promotor de justiça, surgindo uma nova, de mentalidade distinta, com ênfase proeminentemente social.

 

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Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42694&seo=1>