Uma abordagem habermasiana sobre o problema da legitimação


Porwilliammoura- Postado em 13 junho 2012

Autores: 
BRAY, Renato Toller

Uma abordagem habermasiana sobre o problema da legitimação

RESUMO

   O presente artigo tem como meta responder a seguinte questão: o que garante a legitimidade do direito na visão crítica de Jürgen Habermas? Para responder esta pergunta dividimos o trabalho em três partes. Na primeira parte cuidamos das éticas procedimentais. Na segunda tratamos da pragmática universal habermasiana. E na terceira e última, analisamos a questão da limitação do poder tirânico das maiorias pela via dos Direitos Humanos.

   1. ÉTICAS PROCEDIMENTAIS

Há vários tipos de éticas. Habermas se enquadra nas éticas procedimentais. As éticas procedimentais não oferecem resposta ao que fazer ou simplesmente como agir, mas traz a baila a seguinte questão fundamental: de que forma decidiremos corretamente o que devemos fazer.

Portanto, as éticas procedimentais  não oferecem respostas prontas e acabadas aos membros de uma comunidade jurídica e política. Elas não são nem monológicas, nem criadas por um teórico que desenvolve suas teorias em uma escrivaninha, chegando a conclusões de ordem pessoal sobre o que é o melhor ou mais justo para a comunidade. Com efeito, elas não são extraídas a priori.

As éticas procedimentais simplesmente se abstêm de dizer o que é o mais correto para determinada comunidade ou para todas as comunidades, pois os que devem decidir seus dramas e suas pretensões de validade são os próprios membros vinculados à determinada comunidade jurídica. Logo, o observador externo e alheio à comunidade não tem competência para dizer qual é a maneira correta de agir ou o que é melhor para determinada comunidade. Só os participantes da comunidade – afetados – é que podem escolher os meios e as formas processuais que julgam ser corretos para a resolução de seus dramas.

Nesse sentido, o “eu” é substituído pelo “nós”. O “eu” que está “de fora” nada pode dizer. Só o “nós” – afetados – é que possui competência de decisão daquilo que é convencionado como justo, bom, equânime ou correto. Ocorre que o procedimento adotado pela comunidade não pode ser extraído abstratamente. É na prática do cotidiano que os parceiros do direito deverão eleger os procedimentos que eles entendem como corretos. Isto também tem a ver com a pragmática universal de Habermas.

      2. PRAGMÁTICA UNIVERSAL

De acordo com a pragmática universal é possível extrair valores válidos para todos os envolvidos de uma dada comunidade a partir das experiências de vida concretas. Logo, a validade universal[1] é obtida pelas vias da racionalidade e do entendimento não de maneira apriorística, mas pelas vias das experiências partilhadas intersubjetivamente.

É dentro desta lógica que Habermas desenvolve seu modelo procedimental de democracia e de criação de um direito legítimo.

Algo tem validade para nós todos porque decidimos pelas vias da democracia, de modo que não excluímos ninguém das reivindicações por validade.

De acordo o modelo procedimental de democracia, os parceiros do direito são ao mesmo tempo autores e destinatários do direito.

Ademais, o processo de discussão não é pronto e acabado, podendo ser retomado pela comunidade a qualquer momento.

Na visão habermasiana “somente as condições processuais da gênese democrática das leis asseguram a legitimidade do direito”. (Habermas, 1997, p. 326).

Ocorre que tais condições processuais da gênese democrática das leis devem ser institucionalizadas pelo direito.

Portanto, o direito se legitima toda vez que houver respeito às regras do jogo democrático, via processo institucionalizado, escolhido e decidido pelos “parceiros do direito” de uma determinada comunidade jurídica e política.

3. DIREITOS HUMANOS: LIMITES À TIRANIA DAS MAIORIAS

Há um consenso entre os estudiosos de teoria política quanto ao entendimento de que o povo deve ser soberano na escolha dos direitos que lhes dizem respeito. Entretanto, a soberania popular deve ser limitada pelos Direitos Humanos toda vez que as maiorias decidirem pela exclusão das minorias. É nesse aspecto que Habermas toca na obra “Direito e Democracia: entre facticidade e validade”.

O processo que viabiliza o jogo democrático deve ser institucionalizado mediante o uso freqüente e gradual da política deliberativa. É a política deliberativa que vai edificar processualmente a formação das vontades e das opiniões públicas, seja no plano institucional, seja informalmente, isto é, nas ruas.

A sociedade civil deve manter íntima conexão com a sociedade política, pois o divórcio entre estas duas instâncias é pernicioso para o tecido social.

Uma autêntica democracia só se viabiliza se os atores da sociedade civil, de forma organizada e responsável, atuarem livremente na esfera pública. E a liberdade de atuação depende do nível de conscientização dos atores afetados no processo deliberativo; daí a necessidade do Poder Público investir seriamente na Educação. Da mesma forma, a liberdade de exercício depende de uma arena pública isenta da interferência do abuso do poder econômico.

No processo democrático não pode haver exclusão. Com efeito, o nível das discussões deve estar situado num plano simétrico. A universalidade é o que define tanto os Direitos Humanos como a própria democracia. Assim, todos devem ter direito à voz. Todos devem ser incluídos no processo de discussão. Logo, a inclusão do outro – do diferente – se faz necessária num sistema democrático, o que implica em garantir a todo cidadão mecanismos institucionais e jurídicos eficazes no combate à discriminação.

A dignidade humana é o valor mais sublime da criatura humana, sendo que sua tutela constitui a espinha dorsal dos Direitos Humanos.

As minorias, por exemplo, através de seus órgãos representativos, ocupam um papel importante no jogo democrático quando reivindicam direitos.

Na realidade, o que está por detrás da política deliberativa são os argumentos. Ao lado do poder econômico há uma outra espécie de poder: o poder comunicativo. As minorias devem convencer as maiorias de que elas precisam da tutela de certos direitos. Neste jogo comunicativo, onde aparece a linguagem como a principal protagonista, o entendimento e o consenso são obtidos pela via argumentativa. Por outro lado, a comunidade negra, as mulheres, os deficientes físicos, entre outros segmentos discriminados, não terão espaço, nem voz, se o Estado e as maiorias afastarem os mesmos da arena deliberativa. É por isso que os Direitos Humanos ocupam um papel primordial nas democracias. São os Direitos Humanos que afirmam os direitos das minorias, ao mesmo tempo em que condenam a tirania das maiorias.

Portanto, no jogo processual jurídico e comunicativo das democracias o princípio da soberania do povo deve ser limitado pelos Direitos Humanos toda vez que as maiorias excluírem as minorias das práticas de participação e de edificação das leis.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do exposto, o presente estudo revela que Habermas trata-se de um pensador otimista em relação ao direito, pois acredita na sua capacidade de emancipação, bem como na sua função de integração social.

Nesse sentido, o direito legítimo – entenda-se como direito edificado pelas vias democráticas – pode resolver os conflitos existentes em dada comunidade política e jurídica. A margem de violação de um direito legítimo é muito menor se comparado a um direito ilegítimo. Logo, as expectativas de comportamento são estabilizadas num sistema jurídico edificado legitimamente.

Os membros de uma autêntica democracia se contentam com a crença de que o direito deve ser obedecido e respeitado porque todos são, sem exceção, ao mesmo tempo autores e destinatários das normas construídas a partir do discurso. Com isso, o direito ganha maior efetividade e força cogente.

Ademais, Habermas aposta nas redes de negociação e no poder comunicativo como ferramentas indispensáveis de uma sociedade civil que deve lutar pela sua autonomia em relação ao aparelho burocrático e orgânico do Estado (sistema administrativo e político) e ao sistema econômico, sistemas que podem “colonizar” o mundo-da-vida devido a força (facticidade) que possuem.

Conclusão: quem é excluído do processo de edificação de uma lei, menos importância a ela dará, vindo à baila a seguinte questão pelo grupo excluído: por que a norma vigente deve ser obedecida se não fomos consultados no seu processo de construção?

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

HABERMAS, Jügen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio B. Siebenrichler. Vol. I e II. Rio de Janeiro: Tempo Universitário, 1997.