Uma rápida apreciação da Parte Especial do Código Penal: classificação dos crimes


PorJeison- Postado em 25 março 2013

Autores: 
MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de.

 

1. FINALIDADE

 

Este artigo se volta a atender as necessidades dos alunos de Direito Penal III do UDF – Centro Universitário, buscando ser um rápido roteiro de estudos que permita vislumbrar parte do conteúdo da matéria, sem a necessidade de adquirir livro doutrinário sobre o assunto.

 

Classificar é importantíssimo para a localização de topois (lugares comuns), o que próprio do conhecimento científico, eis que é necessário delimitar o objeto de estudo e buscar conhecer a sua essência. Porém, deve-se buscar afastar a tópica, própria das teorias do discurso, que tende à insegurança jurídica.

 

O DCrim vem sofrendo muitas transformações nos últimos anos. Não há acordo na doutrina sobre muitos aspectos. Assim, por responsabilidade, o estudo não pode apresentar uma única visão.

 

O Estudo da Parte Especial do Código Penal (PE/CP) é mais difícil. Em alguns aspectos o STJ discorda e sumula assuntos de maneira diversa daquela que o STF entende. Outrossim, em nome de um determinado ativismo judicial e até mesmo em uma valorização da tópica (esta é importantíssima para entender a imputação objetiva, que é uma teoria do crime, calcada no funcionalismo, que tem reflexos na teoria da pena), a segurança jurídica vem perdendo prestígio na jurisprudência dos tribunais.

 

A principal lei criminal brasileira é o Código Penal (Decreto-lei n. 2.848, de 7.12.40). Ele é dividido em duas partes principais, uma geral e outra especial, o qual foi instituído em 1940, com início de vigência em 1941. A Parte Geral foi completamente modificada em 1984 (Lei n. 7.209, de 11.07.84) e, há muito tempo, tenta-se aprovar uma nova Parte Especial. Não tendo sido alcançado o objetivo de mudança de todo o Código Penal, foram inseridas várias as modificações no texto da Parte Especial (PE). Por outro lado, a Parte Geral (PG) não restou ilesa, ou seja, várias leis posteriores mudaram substancialmente o seu conteúdo, mesmo depois da grande modificação de 1984.

 

A PG, como o próprio nome sugere, traz normas gerais aplicáveis aos crimes em espécie, dando a orientação sobre a aplicação da lei criminal (CP, arts. 1º-12), definindo o crime (CP, art. 13-31), disciplinando a pena e as condições para sua aplicação e execução, inclusive com incursão na suspensão condicional da pena e no livramento condicional (CP, art. 32-90), os efeitos civis da condenação (CP, arts. 91-92), a reabilitação (CP, arts. 93-95), a medida de segurança (CP, arts. 96-99) a iniciativa da ação (CP, arts. 100-106) e a extinção da punibilidade (CP, arts. 107-120).

 

A PE descreve os crimes em espécie, cominando a pena aplicável a cada um deles, e traz algumas normas gerais que incidirão a determinados delitos.

 

O estudo da PE exige a constante aplicação dos conhecimentos relativos à PG. É impossível dissociar a PE da PG, visto que é esta que oferece as orientações para hermenêutica e aplicação daquela. Destarte, serão freqüentes, nos comentários aos dispositivos da Parte Especial, as referências aos preceitos da Parte Geral. Por outro lado, apresentarei preceitos constantes da legislação penal extravagante, mormente quando houver semelhança entre o preceito CP e o da lei especial que será mencionada.

 

Pretender discutir profundamente todos os fatos relativos aos crimes e à criminalidade é impossível ao jurista. Sendo o conhecimento científico fragmentário, o jurista verificará suas limitações ao encontrar várias questões que dependerão do conhecimento de outras ciências, sendo tola a pretensão de reunir na figura do jurista todos os conhecimentos das diversas ciências que circundam o fenômeno criminal. Daí a impossibilidade teórica de se admitir certos preceitos legais (v.g., relativos à “personalidade do agente”), constantemente inseridos na legislação criminal.

 

O DCrim, como um Direito de última instância, deve se afastar daqueles campos em que os outros ramos da ciência jurídica forem capazes de resolverem os conflitos por meio de suas próprias coercibilidades. Mais ainda, muitos problemas devem encontrar soluções pacíficas, não batalhas judiciais e sanções jurídicas, o que permite concluir pela total inviabilidade de se tentar ver o Direito Criminal como panacéia para todos os males da sociedade complexa.

 

A visão crítica, a concordância ou a discordância em relação às posições consolidadas na doutrina e nos tribunais permeará todo texto. No entanto, o farei de maneira fundamentada, haja vista que não é adequado concordar ou discordar com a afirmação de outrem sem a necessária racionalidade que possibilitará o conhecimento científico.

 

2. COMO ESTUDAR DCrim

 

Como o conhecimento científico é fragmentário, o estudo de alguma ciência deve ser feito com o subsídio de conhecimentos correlatos. Por isso, é necessário que aquele que pretende desenvolver conhecimento jurídico-criminal tenha disposição para estudar jusfilosofia, criminologia, medicina legal etc.

 

Meus alunos me perguntam sobre como fazer para estudar para determinado concurso público. Normalmente, respondo que o segredo é ler muito, ler incansavelmente. Assim, também o é com o conhecimento jurídico-criminal.

 

Integro o grupo de pessoas que não gosta de cursos preparatórios para concursos, entendendo que os métodos simplificadores de respostas, por meio de exercícios, baseados em concursos anteriores, leva à preguiça e dificulta a verdadeira compreensão da matéria. Muitos alunos são iludidos por meio de exemplos, passando a acreditar que estão bem preparados, mas quando indagados acerca da teoria em si falham nos pontos mais elementares.

 

A melhor forma de estudar DCrim, na minha visão, é representada pela leitura e pela disposição para aprender. Somente aquele que tem dúvidas pode adquirir novos conhecimentos. Assim, a leitura deve ser feita com vontade de crescer intelectualmente senão o estudo será inócuo.

 

3. DA LEGISLAÇÃO JURÍDICO-CRIMINAL

 

Há um DCrim comum e outro especial, aquele é o julgado pela justiça comum (Juízes de Direito, Juízes Federais e os respectivos tribunais) e o segundo pela justiça especializada (eleitoral e militar). De outro modo, a legislação criminal comum é a do CP e a especial constitui toda lei criminal não inserida nele.

 

O CP foi criado por meio de decreto-lei (Decreto-lei n. 2.848, de 31.12.1940), tendo sido alterado por várias leis. Ele está divido em duas partes principais: a parte geral e a parte especial.

 

Não há norma que prescinda de complementação. Destarte, o estudo da PE dependerá dos conhecimentos da PG, com isso a compreensão deste texto passará pelo conhecimento prévio da teoria do crime e da teoria da pena.

 

O prazo de vacatio legis do CP foi de 1 ano, sendo que seu art. 360 previu a entrada em vigor para 1.1.1942, como efetivamente ocorreu. A PG recebeu nova redação em 1984, por meio da Lei n. 7.209 e a PE já foi objeto de várias modificações. Alguns crimes que constavam do CP integram, hoje, a legislação especial. Daí a inserção das leis extravagantes no contexto deste artigo.

 

A divisão de um código está organizada em livros, títulos, capítulos, seções e artigos. O CP está dividido em dois livros (o primeiro versa sobre as regras gerais e o segundo sobre as especiais do CP).

 

Os crimes foram organizados segundo o objeto jurídico de cada um, sendo que a classificação encontra controvérsias, estando a jurisprudência divorciada, em muitos casos, da necessária análise ponderada que cada caso requer. É por isso que nosso estudo procurará evidenciar as críticas cabíveis à visão de que a enunciação topográfica não permite flexibilizações.

 

O genocídio não está inserto no CP. Ele consta da Lei n. 2.889, de 1.10.1956. Tal lei não o classifica em nenhum lugar, mas ele surgiu na legislação criminal internacional como sendo crime “contra a ordem internacional”. No CP de 1969 ele foi classificado como crime contra a pessoa. No Estatuto de Roma, está previsto separadamente (art. 6º), não constituindo crime contra humanidade (art. 7°), nem crime de guerra (art. 8º). Isso evidencia que a política criminal é oscilante, sendo que a colocação de um artigo no código depende da escolha feita pelo legislador. Nosso CP não está organizado segundo um estudo sério, sendo notória a escolha aleatória que norteou sua elaboração.

 

Leio uma nova lei e já passo a dizer seu alcance, expondo sua classificação doutrinária. Sinto-me à vontade para criticar tribunais e viver uma vida tendente à evolução do Direito Criminal, o que não pode ser feito por meros “operadores do Direito”, uma vez que estes tendem a ter uma visão exageradamente simplista e/ou reducionista do fenômeno jurídico-criminal.

 

4. CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES

 

4.1 Legal

 

A lei classifica os crimes, em face do objeto jurídico. Nos crimes contra a pessoa, tem-se em vista a tutela da pessoa humana. No entanto, essa classificação é extremamente ampla, uma vez que toda lei visa a proteger pessoas humanas, mesmo que mediatamente. Daí, o título estar dividido em capítulo, mantendo-se a distinção por objetos jurídicos.

 

Os crimes contra as pessoas (Título I da Parte Especial do CP), por exemplo, estão divididos em:

 

a)      crimes contra a vida, em que a tutela é feita a vida intra-ulterina e extra-ulterina da pessoa humana;

 

b)      lesões corporais: nesta, tutela-se a integridade física e a saúde humana;

 

c)      periclitação da vida e da saúde: são crimes de perigo individual. A lei protege a vida e a saúde de tal maneira que a ameaça de danos a elas, por si mesma, constitui crime autônomo;

 

d)      rixa: esta constitui a confusão generalizada que, normalmente, gera lesões corporais e pode causar até mesmo a morte e, em face das influências psicológicas do tumulto, que o agente não provocou, é tratada como delito autônomo;

 

e)      crimes contra a honra: tutela-se a honra objetiva, que é a reputação que a pessoa tem em seu meio, e a subjetiva, que é aquela que se relaciona com os valores que a pessoa tem ante si mesma;

 

f)       crimes contra a liberdade individual: o Cap. VI do Tít. I do CP está dividido em seções. A primeira seção é denominada “Dos Crimes contra a Liberdade Pessoal”, que contempla o constrangimento ilegal, a ameaça, o seqüestro e o cárcere privado, a ameaça e a redução à condição análoga à de escravo. A segunda seção, denomina-se “Dos crimes contra a Inviolabilidade do Domicílio”, em que a lei presume que a simples violação do domicílio representa violação à liberdade individual. “Dos crimes contra a Inviolabilidade de Correspondência”, é o título da Seção III, onde se tutela a intimidade individual. Ainda tutelando a intimidade, emerge Seção IV, com o título “Dos Crimes contra a Inviolabilidade dos Segredos”.

 

A classificação legal é feita segundo o objeto jurídico-preponderante, isso sob a perspectiva (ou elemento volitivo) do agente no momento do fato. O crime de injúria real (CP, art. 140, § 2º), por exemplo, é classificado como crime contra a honra, embora a integridade física se apresente como objeto jurídico mais relevante que a honra. De qualquer modo, leva-se em consideração a vontade do agente. Porém, a lei não isenta de pena a violação à integridade física, eis que o CP pune cumulativamente a ofensa à honra e a ofensa à integridade física, dispondo no art. 140, § 2º: “Pena – detenção, de 3 meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência”.

 

4.2 JUDICIAL

 

A classificação que a jurisprudência faz é meio complicada, nem sempre é compreensível. Ela remete ao Juiz singular o latrocínio (CP, art. 157, § 3º, in fine), considerando como prevalente a classificação legal, ou seja, tratando-se de crime contra o patrimônio, não deve ser levado ao júri. Contraditoriamente, entende que o latrocínio se consuma com a morte, ainda que não ocorra a subtração do patrimônio.

 

Contrapondo-se à fidelidade a classificação legal, a jurisprudência entende ser possível a difamação (CP, art. 139) contra pessoa jurídica. Data venia, adotando o mesmo raciocínio consolidado, acerca do latrocínio, deveria prevalecer a classificação legal. O latrocínio não vai ao júri, embora a jurisprudência entenda que o bem jurídico preponderante é a vida. Destarte, a única pessoa passível de ser vítima de crime contra a honra seria a pessoa física.

 

4.3 DOUTRINÁRIA

 

4.3.1 Breve introdução

 

A classificação doutrinária, procura obedecer às perspectivas diversas. Parte da classificação legal, ora a aceitando e ora a repudiando. O mesmo se dá em relação à jurisprudência.

 

Volto a lembrar que a classificação parte da perspectiva do cientista, podendo existir quem pretenda criticar toda e qualquer classificação, o que será possível, uma vez que basta se ter perspectiva diversa, mais ou menos ampla, para se chegar a outra conclusão. Aqui, sem completa fidelidade ao que há de predominante, procurarei apresentar as classificações mais correntes, as quais têm grande utilidade para o conhecimento dos crimes em espécie.

 

4.3.2 Quanto à espécie de agente

 

Diz-se o crime comum se pode ser praticado por qualquer pessoa, v.g., homicídio. Próprio será é delito que só poderá ser praticada agente especial ou qualificado, ou seja, só por determinada classe de pessoas, v.g., infanticídio (CP, art. 123), exposição ou abandono de recém-nascido (CP, art. 134) etc.

 

Personalíssimoseria aquele que não admitiria o concurso de pessoas. Trata-se de construção doutrinária para evitar que aquele que concorrer para o infanticídio responda também por tal delito (Exposição de Motivos da PE, n. 40). Essa espécie é, hoje, refutada pela doutrina.

 

O crime de mão própria, por sua vez, será o crime próprio (exigindo, portanto, agente especial), mas que só poderá ser praticado mediante a presença física do agente, v.g., falsa perícia ou falso testemunho (CP, art. 342), só se podendo responsabilizar pessoas que não praticarem a conduta típica nas hipóteses de concurso de pessoas.

 

4.3.3 Quanto ao número de agentes

 

Diz-se unissubjetivo (monossubjetivo) aquele crime, que pode ser praticado por uma única pessoa, v.g., homicídio. Plurissubjetivo (de concurso necessário) é que só pode ser praticado por uma pluralidade de pessoas (mais de uma pessoa), v.g, quadrilha ou bando (CP, art. 288). Finalmente, diz-se multitudinário o delito que é praticado por influência de multidão, v.g., linchamento.

 

4.3.4 Quanto à conduta

 

Quanto à conduta, o delito pode ser unissubsistente, que é aquele a ação se perfaz em um único ato, não podendo ser fracionada. Portanto, não admite tentativa, v.g., injúria verbal. De outro modo, plurisubsistente é o crime em que a ação se completa pela prática de diferentes atos, podendo ser fracionada e, portanto, admite tentativa, v.g., injúria escrita (o crime de injúria está previsto no art. 140 do CP).

 

Ainda sobre a conduta, o delito pode ser positivo (comissivo), que é o crime que exige uma ação para sua concretização, v.g., homicídio (CP, art. 121). De outro modo, será negativo (omissivo) se o tipo exigir uma omissão para sua realização, v.g., omissão de socorro (CP, art. 135).

 

Será misto (comissivo por omissão ou omissivo impróprio), o crime praticado pelo garante (pessoa prevista no art. 13, § 2º, do CP), em que a omissão representará uma ação contra a lei, v.g., o pai deixar seu filho pequeno se afogar, sem nada fazer para socorrê-lo. O pai não responderá por omissão de socorro, mas por homicídio.

 

Finalmente, o crime de ação múltipla ou conteúdo variado é aquele em que o tipo penal descreve várias formas de realização do crime, podendo o agente optar por qualquer delas, eis que o tipo será de núcleo composto alternativo (CP, art. 122).

 

4.3.4 Quanto ao elemento subjetivo ou normativo da conduta

 

Considera-se doloso o crime em que o agente pretende o resultado (dolo direto) ou é aquele em que o agente assume o risco de produzir o resultado (dolo eventual), conforme art. 18, inciso I, do CP; negligente, que aquele em o agente produz o resultado sem pretendê-lo, mas sem agir com o devido dever de cuidado (CP, art. 18, inciso II).

 

Ressalte-se que o delito que denomino de negligente é referido como culposo no CP, mas não vejo razão para falar em modalidades de culpa (por considerar a distinção vazia de conteúdo) e os neófitos em direito tendem a confundir a “culpa” (elemento da conduta) com a “culpabilidade” (o elo subjetivo do delito que vincula o autor ao fato).

 

Deve-se observar que somente a negligência consciente (aquela em que o agente pensará sobre a possibilidade do resultado, mas o negará) será subjetiva. A negligência em sentido estrito será objetiva, a qual se caracterizará como é aquela em que o agente sequer pensará sobre a possibilidade do resultado, mas este será previsível ao homem médio.

 

Ressalte-se que os tipos de delitos negligentes serão normativos porque a lei não descreverá as diversas formas de conduta em que os delitos poderão se concretizar, bem como remeterá o interprete ao tipo do crime doloso (v.g., Lei n. 9.503, de 23.9.1997, art. 302, caput).

 

O crime de ímpetoserá espécie de crime doloso, mas será aquele em que um momento impulsivo do agente, sem premeditação, o levará a agir, v.g., um Juiz de Direito indo ao trabalho, um pouco atrasado para importante audiência, percebe que lhe jogaram um saco plástico cheio de urina e que o mesmo estourou sujando todo terno e interior do carro, então saca da arma e mata quem o agrediu. 

 

Diz-se preterdoloso (preterintencional) o delito em que o agente produz resultado mais grave do que aquele inicialmente desejado. O agente terá dolo para um resultado “x”, mas atinge resultado “y” mais grave negligentemente, daí dizer-se que há dolo no antecedente e negligência na consequência, v.g., lesão corporal seguida de morte (CP, art. 123, § 3º).

 

De outro modo, considera-se qualificado pelo resultado aquele delito em que não interessa o elemento subjetivo do agente quanto ao resultado mais grave, em sendo o resultado mais grave produzido a título de dolo ou negligência, o agente responderá pelo mesmo crime, v.g., lesão corporal gravíssima, latrocínio etc. O crime preterdoloso não admite tentativa, mas o qualificado pelo resultado sim.

 

crime de tipo congruente, que não exige qualquer requisito subjetivo especial ou transcendental do agente (além do dolo). Por outro lado, o art. 158 do CP (extorsão) exige, além do dolo, uma intenção especial, um requisito transcendental, eis que a “vantagem econômica” não é essencial à extorsão, tornando o tipo em incongruente.

 

Nasce o momento para dizer que delito de intenção é aquele em que o agente quer e persegue um resultado que não necessita ser alcançado de fato para a consumação do crime. É o caso de delito de tipo incongruente, em que – sendo formal – a consumação é precipitada, v.g., art. 159 do CP. De outro modo, delito mutilado de dois atos é aquele que o agente deseja um benefício posterior, mas o fim visado não integra a figura típica, v.g., crime falsificação de documento público (CP, art. 297).

 

4.3.5 Quanto ao caminho do crime (iter criminis)

 

Diz-se o crime tentado se, iniciada a execução, o agente não atinge a consumação por circunstância alheia à sua vontade (CP, art. 14, inciso II). Consumado será o crime que reunir todos os elementos do tipo (CP, art. 14, inciso I). E, exaurido será aquele em que o agente retirar proveito do crime. Ressalte-se que o exaurimento, em regra, constituirá post factum impunível.

 

Crime falhoé o mesmo que a tentativa perfeita ou acabada. Neste o agente esgota a atividade executória, sem alcançar a consumação, v.g., uma pessoa dispara 6 vezes contra a vítima, mas, sendo ruim de tiro, erra todos os disparos.

 

4.3.6 Quanto ao resultado

 

Duas espécies básicas de resultado são conhecidas: (a) naturalístico, que é aquele que exige uma transformação na natureza, v.g., homicídio, exige a extinção da vida; (b) normativo-jurídico, pela qual reunir os elementos do tipo representará o resultado.

 

O CP adotou a teoria normativo-jurídica (art. 14, inc. I), a qual informa que todo crime terá resultado. Caso tivesse adotado a teoria naturalística, existiriam crimes sem resultado. Porém, entendemos que todo crime tem resultado normativo-jurídico e que alguns são de resultado naturalístico.

 

4.3.7 Quanto ao momento consumativo

 

Crime permanenteé aquele em que a consumação se protrai (para) no tempo, v.g., cárcere privado. Diferencia-se do crime instantâneo porque este pode se consumar no momento da conduta. Não se olvide, no entanto, que o crime instantâneo pode ter efeito passageiro (como a lesão corporal de natureza leve) ou permanente (v.g., o homicídio).

 

De outro modo, há o crime habitual, que exige a reiteração da conduta para a sua consumação (como é o caso do exercício ilegal da profissão de médico – CP, art. 282). Outrossim, diz-se profissional o crime habitual praticado com fim de lucro.

 

Não se confunda crime habitual com habitualidade delitiva porque o crime habitual constituirá um único crime, enquanto a habitualidade delitiva se referirá ao agente que terá o hábito de praticar crimes. Também, não se deve confundir habitualidade delitiva com o crime continuado. Este é uma ficção do direito em que vários crimes são tratados como um único, sendo o concurso de crimes que por uma conexão legal (dada pela lei) atendem aos requisitos do art. 71 do CP.

 

4.3.8 Quanto à ofensa ao objeto jurídico

 

Duas espécies básicas são conhecidas:

 

a)      de dano– é o crime que só se consuma com a ofensa ao objeto jurídico, v.g., homicídio;

 

b)      de perigo– é o delito que se consuma com a simples ameaça ao objeto jurídico, dividindo-se em duas subespécies: a) formal, que é o crime em que a lei prevê a ofensa ao objeto jurídico, mas se conduta com a ameaça a ele, bastando a conduta que potencialmente pode causar o resultado. Daí ser chamado de crime de consumação antecipada ou precipitada, v.g., extorsão (CP, art. 158); b) de mera conduta – a lei se contenta com a conduta, não fazendo qualquer referência à ofensa ao objeto jurídico. A conduta que potencialmente pode atingi-lo, por si só, representa o resultado, v.g., art. 150 do CP. Ressalte-se que poucos mantém a distinção entre crime formal e crime de mera conduta, eis que este último não deixa de ser formal.

 

A classificação exposta é também denominada de crimes de atividade, os formais e os de mera conduta, enquanto os de resultado são os materiais ou de dano.

 

A lei distingue o crime de perigo individual, que é aquele em que há um número de vítimas determinado ou determinável pelo agente (CP, art. 130-136), do crime de perigo comum, em que a quantidade de vítimas é indeterminável pelo agente no momento do fato (CP, art. 250-259).

 

4.3.9 Quanto ao objeto jurídico

 

A classificação quanto ao objeto jurídico tende à classificação legal. Assim, os crimes contra a pessoa se dividem, por exemplo, em crimes contra a vida, contra a integridade física e a saúde, contra a liberdade individual etc.

 

O latrocínio, que legalmente é classificado como crime contra o patrimônio, tem classificação doutrinária controvertida. Alguns, dentre eles eu, entendem que se trata de crime contra a vida, mas predomina o entendimento de que se trata de crime contra o patrimônio. De qualquer modo, não resta dúvida de que alguns crimes guardam em si a violação a dois ou mais objetos jurídicos, v.g., extorsão mediante sequestro com resultado morte em que o resgate será pago com o dinheiro da própria vítima, que tem três objetos jurídicos: vida, liberdade e patrimônio.

 

4.3.10 Quanto à quantidade de objetos jurídicos

 

Doutrinariamente, fala-se em crime monoofensivo (aquele que ofende um único objeto jurídico, v.g., homicídio, em que o objeto jurídico é somente a vida) e pluriofensivo (ofende mais de um objeto jurídico, v.g., latrocínio, pois este tem a vida e o patrimônio como objetos de proteção).

 

O crime complexo é definido no art. 101 do CP, sendo aquele que reúne em si fatos que, por si mesmo, constituem crimes (v.g., art. 157 do CP). No Brasil, só existe crime complexo em sentido estrito, em que há continência explícita de crimes (um crime contém em si dois ou mais crimes). Todavia, há quem – para justificar a prejudicada (pela Lei n. 12.015, de 7.8.2009) Súmula n. 608 do STF – fale em crime complexo em sentido amplo, que seria aquele em que a lei associa em um novo tipo a conduta de outra definição legal e uma lícita, v.g., estupro (CP, art. 213).

 

O crime progressivo, por sua vez, é aquele em que a continência dos objetos jurídicos é implícita, em que se percebe que para alcançar o crime é necessário ofender outro objeto jurídico, v.g., sempre que se praticar homicídio será necessário incorrer em lesão corporal.

 

Não se confunda o delito progressivo com a progressão criminosa porque naquele o dolo é dirigido a uma conduta que exigirá passar por crime menos grave, enquanto na progressão criminosa o agente terá o dolo de praticar um crime menos grave e, no contexto, decide passar para outro mais grave, v.g., o agente resolve, por vingança lesionar um rival e no momento do crime decide matá-lo.

 

4.3.11 Quanto à política criminal

 

Considera-se desistência voluntária o início da execução, mas que o agente não prossegue voluntariamente na conduta, não atingindo o resultado normativo-jurídico (CP, art. 15, 1ª parte); arrependimento eficaz, aquele em que o agente, atingida a fase de consumação, impede a produção do resultado, ou seja, deixando a situação fática prosseguir normalmente, ela resultará no resultado normativo jurídico, mas alguém intervém o impedindo, por exemplo, Tício atira em Caio letalmente, mas sendo Tício excelente cirurgião, intervém e impede o resultado morte; arrependimento posterior, que se dá na fase de exaurimento, pelo qual a reparação do dano, nos crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa, gera a diminuição da pena (CP, art. 16); crime impossível, previsto no art. 17 do CP, prevê a inocorrência de crime se a tentativa sempre seria frustrada por absoluta ineficácia do meio, ou absoluta impropriedade do resultado.

 

Importante é perceber o denominado crime de atentado ou de empreendimento, em que a lei trata de igual modo a tentativa à modalidade consumada, v.g., art. 309 do Código Eleitoral.

 

4.3.12 Quanto à gravidade

 

A primeira distinção é legal. A lei distingue o crime da contravenção. Contravenção é o crime anão, ou seja, o crime menor. De outro modo, o crime é mais grave. Desse modo, adotamos, no Brasil, a classificação bipartida dos delitos.

 

Na França, as infrações criminais são divididas em três categorias, a saber: contravenção (a menos grave), delito (mais grave, vai ao júri) e o crime (é a infração intermediária). O problema é que, na França, desclassificam de delito para crime a fim de evitar o rotineiro beneplácito do júri, mais humano (normalmente) que o Juiz singular.

 

Na nossa visão, delito é gênero, que comporta duas espécies de infrações criminais: o crime e a contravenção. Reconheço que muitos autores dizem que o delito é sinônimo de crime e a contravenção é menor. Ora, assim como há delitos civil e administrativo, existe delito criminal menor: a contravenção. Mesmo os autores que procuram dizer que o delito é sinônimo de crime e a contravenção é infração criminal diversa, não são fiéis a tal entendimento. Por isso, opto por denominar toda infração ao sistema jurídico de delito, sendo que a infração ao sistema jurídico-criminal importará em delito criminal.

 

A lei brasileira criou os crimes hediondos e assemelhados. São hediondos os crimes enumerados na Lei n. 8.072, de 25.7.1990, enquanto são equiparados a eles a tortura, o terrorismo e o tráfico de drogas (CF, art. 5º, inciso LXIII). São crimes mais graves, sujeitos a muitos rigores impostos pela Lei n. 8.072/1990, salvo a tortura, que tem lei própria (Lei n. 9.455, de 7.4.1997).

 

Infração criminal de menor potencial ofensivo, que são aqueles previstos na Lei n. 10.259, de 12.7.2001, incluindo todas as contravenções e crimes com pena de prisão máxima, isolada ou cumulada com multa, cominada em até 2 anos. Com tal espécie de infração criminal, perde o sentido permanecer inalterado o conceito de contravenção. De qualquer modo, as modificações pontuais da lei mantém a distinção entre crime e contravenção segundo as espécies de pena cominadas (o crime é punível com reclusão ou detenção e a contravenção com prisão simples). Em face da Lei n. 9.099, de 26.9.1995 e depois a Lei n. 10.259/2001, a distinção deveria residir no quantum da pena, não na espécie.

 

4.3.10 Quanto aos vestígios do crime

 

O delito de fato permanente (delicta facti permanentis) é aquele que deixa vestígios, v.g., homicídio, enquanto o delito de fato transeunte (delicta facti transeuntis) é aquele que não deixa vestígios, tais quais: a injúria verbal e os demais delitos que podem ser praticados verbalmente.

 

4.3.11 Quanto ao lugar do crime

 

Crime à distância, de espaço máximo ou de trânsitoé aquele que a execução de um crime se dá em um país e a consumação em outro, v.g., carta injuriosa escrita no Brasil e enviada à vítima residente na Alemanha. De outro modo, o crime plurilocal é aquele em que os lugares da execução e consumação são diferentes, mas dentro do mesmo país.

 

4.3.12 Quanto ao sujeito passivo

 

Diz vago (multivitimário ou de vítimas difusas) o crime que não detém sujeito passivo personificado. Há quem afirme que ele não terá sujeito passivo, mas entendemos que estee existirá. Na violação de sepultura (CP, art. 210), existirão vítimas, que serão as pessoas que terão sentimento religioso em relação ao morto.[1]

 

Dizer que um direito é difuso não significa que ele não tem titular, mas que o direito pertence a todos de uma determinada coletividade. Assim é em relação aos crimes vagos, em que se esvazia a personalidade jurídica do detentor do direito, mas se traz uma pluralidade de pessoas como vítimas. Daí se dizer que é multivitimário.

 

Diz-se consensuais os delitos que há acordo entre os envolvidos, tais quais: tentativa de suicídio, autolesão etc. Tratam-se fatos que não devem ser tipificados, ficando sujeitos tão somente à reprovação social.

 

Por fim, o crime de dupla subjetividade passiva será aquele que terá necessariamente mais de uma vítima, v.g., CP, art. 151.

 

4.3.13 Outras espécies

 

Diz-se condicionado o crime que depende da realização de uma condição para configuração, v.g. art. 122 do CP, que exige, no mínimo, o resultado lesão grave para concretização do crime. Assim, não admitem tentativa.

 

Subsidiárioé o crime em que para se chegar ao mais grave será necessário passar por ele, v.g., art. 132 do CP (perigo para a vida ou a saúde de outrem) . Algumas vezes, como no crime mencionado, a subsidiariedade é expressa, eis que o referido art. determina a absorção da pena por a de outro mais grave.

 

Finalmente, crimes remetidos são aqueles que fazem remissão expressa a outros, v.g. art. 304 do CP, que remete o intérprete aos crimes dos arts. 297-302 do CP.

 

Nota:

[1] Em sentido contrário, aduzindo que é “evidente que o crime vago é o crime sem vítima”: NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

 

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