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A
OBRIGAÇÃO DE COMUNICAR OPERAÇÕES SUSPEITAS
Abel
Fernandes Gomes
Especialista
em Direito Penal
Integrante
da Comissão do Conselho da Justiça Federal para Estudos Sobre o Crime de
Lavagem de Dinheiro
Juiz
Titular da 5ª Vara Federal Criminal – RJ
1. Introdução.
Com o advento da Lei n.
9.613, de 03 de março de 1998, surgiram no cenário legislativo nacional uma
série de obrigações, atribuídas às pessoas físicas e jurídicas que atuam em
determinadas áreas econômicas, ou que praticam determinados atos econômicos, as
quais se lhes passaram a impor sob pena de sanções administrativas.
Estas obrigações, derivam de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil,
e que agora devem ser implementados em âmbito nacional.
O que ora importa analisar, são as origens e fundamentos dessas obrigações, com
enfoque específico naquela que impõe a
Para isso, passaremos à abordagem de
alguns dos principais
2. Origem da obrigação de comunicar
operações suspeitas.
O Brasil ratificou
a Convenção das Nações Unidas de Viena Contra o Tráfico Ilícito de
Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, de 20 dezembro de 1988, por
intermédio do Decreto n. 154, de 26 de junho de 1991, por sua vez aprovado pelo
Decreto Legislativo n. 162, de 14 de junho de 1991, a qual estipula que cada
País subscritor, dentro dos limites dos princípios e regras de seu Direito
interno, adotará as providências necessárias para a tipificação das diversas
condutas que representam o crime de “lavagem de dinheiro”, assim como as
medidas para seu efetivo combate.
Desse modo, a Lei
n. 9.613, de 03 de março de 1998, representa, tal como consta expresso no item
08 da sua Exposição de Motivos, a efetivação da “execução nacional de
compromissos internacionais assumidos”.
No caso específico
do dever de
Dentre estas
recomendações, estão aquelas que são destinadas às instituições financeiras e
não financeiras, e que estão diretamente ligadas ao dever de identificar,
manter registros e comunicar às autoridades competentes nacionais, as operações
e transações suspeitas de constituírem uma das etapas da “lavagem de dinheiro”
(Recomendação n. 15).
Já na sistemática
da Lei n. 9.613/98, a obrigação de comunicar está inserida dentro daquilo que
se constituiu no regime administrativo do combate à
lavagem de dinheiro.
Este regime lança o
seu enfoque no
As ações
características deste regime consistem em procedimentos ou
Para a efetivação
destas ações, surge a idéia de ação compartilhada entre o Estado
e os particulares, estes últimos identificados nos diversos setores da
economia.
No caso na Lei n. 9.613/98, o seu art. 9º enumera as pessoas jurídicas e físicas,
cujas atividades econômicas estão, numa primeira análise, suscetíveis à
utilização para a “lavagem de dinheiro”.
Estas atividades vão desde a captação, intermediação e aplicação de recursos
financeiros, até a comercialização de objetos de arte. É um rol taxativo a
princípio, mas que pode e deve ser ampliado por meio de subseqüentes alterações
legislativas, para atualizar estas atividades de acordo com a evolução da
criminalidade específica da qual se trata.
Essas pessoas, segundo o art. 10, incisos
I e II, da Lei n. 9.613/98, estão obrigadas, inicialmente, a identificar e
cadastrar seus clientes, bem como registrar as transações realizadas em moeda
nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito,
metais, ou qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro, que
ultrapassem limites fixados pelas autoridades competentes. Esses cadastros e
registros, conforme disposto no art. 10, § 2º, da Lei n. 9.613/98, ainda
deverão ser mantidos pelo prazo mínimo de 05 anos.
Já no tocante à obrigação
de comunicar, a Lei n. 9.613/98, em seu art. 11, inciso II, prevê duas
hipóteses de
1ª) A das
transações em moeda nacional e estrangeira, títulos de crédito, metais, ou
qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar o valor
fixado pela autoridade competente.
2ª) A das propostas ou a
realização de transações que constituírem sérios indícios dos crimes de lavagem
de dinheiro ou a eles relacionados, a critério das autoridades competentes.
As autoridades competentes, a quem serão
dirigidas as comunicações, são aqueles órgãos fiscalizadores e reguladores de
atividades, tais como Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários, a
Superin
As operações suspeitas serão assim consideradas em razão das suas
características: valores, partes envolvidas, forma e instrumentos de realização
ou falta de fundamento econômico ou legal (art. 11, § 1º, da Lei 9.613/98).
Seguindo as recomendações do GAFI, a Lei 9.613/98 também determina que não seja
dada ciência desta
Em caso do descumprimento das obrigações
dispostas no regime administrativo de combate à lavagem de dinheiro, aí
incluído o dever de comunicar, objeto dessa análise, serão aplicadas sanções
às pessoas jurídicas e aos seus administradores, cumulativamente ou não, e
que consistem em: advertência; multa; inabilitação temporária até 10 anos para
administrar, e cassação de autorização para operar ou funcionar na atividade.
Desse regime administrativo, previsto na
nossa Lei nacional de combate à “lavagem de dinheiro”, surgem como objeto de
reflexão alguns pontos bastante interessantes. São eles:
3.1. Fundamento da obrigação de
comunicar, atribuída aos particulares.
O primeiro ponto que merece reflexão, é o
que diz respeito ao fundamento dessa obrigação de comunicar, atribuída aos
particulares, e inserida dentro de uma responsabilidade compartilhada com o
Poder Público no combate à ”lavagem de dinheiro”.
Como se pode perceber, a obrigação de
comunicar deriva da responsabilidade compartilhada no desempenho de ações de
combate à “lavagem de dinheiro”, mas é oriunda, normativamente, de Convenção
firmada pelo Brasil, e de recomendações do GAFI, mas tudo, como já se mencionou
acima, sempre dentro de princípios e regras de direito interno.
Onde estaria, então, o fundamento dessa
responsabilidade compartilhada e dessa obrigação de comunicar, no ordenamento
jurídico brasileiro? Existe fundamento de legitimidade para esta responsabilidade
que a Lei n. 9.613/98 criou para os particulares?
Para responder a
essas perguntas, primeiramente impõe-se delimitar o objeto jurídico da tutela
penal do crime de “lavagem de dinheiro”, para verificarmos se existe em relação
a ele, uma mínima proximidade com as atividades das pessoas que passam a ter as
obrigações de colaborar com o Estado nesse combate.
Afora as
discussões sobre as diversas posições a respeito da existência ou não de um
concreto bem jurídico tutelado nos crimes de “lavagem de dinheiro”,
compreendemos, como alguns estudiosos do tema, que a administração da
justiça é objeto jurídico dos crimes de “lavagem de dinheiro”, assim como
também entendemos que o são as ordens econômica e financeira, naquilo em
que, concretamente, visam atingir em benefício de toda a coletividade.
No segundo caso,
trata-se de objetos e tarefas concretas, de cariz constitucional, que se vêem
ameaçadas pela lesividade das condutas que constituem o crime de “lavagem de
dinheiro”.
No concernente à administração
da justiça, note-se que a “lavagem de dinheiro” atua em favor da impunidade
do crime precedente, inclusive de seu incremento, vez que o dinheiro sujo
obtido, uma vez reciclado, ainda é aplicado na acentuação da atividade ilícita,
e, ademais, quando a “lavagem de dinheiro” transforma em lícito o proveito do
crime, ainda inviabiliza a pretensão indenizatória da vítima, a restituição de
valores desviados dos cofres públicos, e a perda do produto do crime em
benefício da União, tudo isso identificado como finalidade da administração
da justiça.
No referente ao
segundo objeto jurídico, vemos que a “lavagem do dinheiro” afeta a
Nesse segundo
caso, os sistemas econômico e financeiro passam a ser utilizados em
desacordo com os princípios insertos nos artigos 170 e 192 da Constituição da
República, em episódios que desvirtuam totalmente sua função social, o que
reclama das pessoas jurídicas que dele se valem, para desempenharem suas
atividades e dele auferirem vantagens e lucro, uma postura que corresponda
àquela vertente social e de interesse comum que também se exige que componha o
seu perfil.
Sob o
O item 85 da
Exposição de Motivos da Lei n. 9.613/98, ainda acena com o fundamento
constitucional, contido no art. 144 da Constituição Federal, que prevê a
Podemos,
portanto, extrair desse enfoque, que a Constituição assegura às pessoas
liberdade de iniciativa no empreendimento econômico, mas, dentro de um Estado
Democrático de Direito, também impõe que esse empreendimento seja mantido
dentro de parâmetros que se destinam a atender o bem comum.
Se a atividade
econômica situa-se dentro do risco coletivo de servir à “lavagem de
dinheiro”, sendo utilizada como instrumento para tão nocivo crime aos fins do
Estado Democrático de Direito, e tendo em vista que a própria apuração
das infrações penais, como um dos
É
preciso que os agentes envolvidos na prevenção e repressão dessa criminalidade,
os operadores do Direito, as pessoas que desempenham atividade econômica com
indicação de risco coletivo para a “lavagem de dinheiro”, e a sociedade em
geral, compreendam duas coisas:
Primeira: Quando
tratamos de atos voltados para a “lavagem de dinheiro”, não estamos mais diante
daqueles exemplos tradicionais e simples que ouvimos nas aulas de Direito Penal
do curso de graduação, sempre ligados aos crimes, hoje banais, e antes
característicos daquilo que se pode apelidar de “era romântica da
criminalidade”.
Para explicar essa
mudança de paradigma, invocamos as ponderações que já escrevera NÉLSON HUNGRIA[2], em 1958, ao tratar do
crime de estelionato, mas com pertinência ao raciocínio ora desenvolvido:
“O ladrão
violento, tão comum em outras épocas, é, atualmente, um retardatário ou
fenômeno esporádico. O cangaceiro do sertão brasileiro, o brigante do sul da
Itália ou o outlaw do oeste norte-americano, são anacronismos, resíduos de
barbaria. ... O expoente da improbidade operosa é hoje o architectus
falacciarum, o scroc, o burlão, o cavalheiro de indústria. ... A mão armada
evoluiu para o conto do vigário ...”.
E,
de nossa parte, complementando o mestre, hoje poderíamos acrescentar que o
enterrar o dinheiro obtido ilicitamente, no fundo do quintal, se transformou na
refinada “lavagem de dinheiro”, que se realiza nas entranhas dos diversos
setores econômicos.
Por
outro lado, é bom que não esqueçamos, só haverá “lavagem de dinheiro” se o lucro
com a atividade criminosa antecedente for muito grande, de tamanho tal,
que seja capaz de chamar atenção, a imediata utilização dos recursos obtidos
com o crime, sem que haja a ocultação ou a dissimulação de sua origem ilícita.
Daí,
que um lucro assim tão grande, no contexto que se apresenta, está diretamente
ligado a crimes anteriores que sugerem uma relação diretamente proporcional
entre a sua gravidade concreta e a obtenção exorbitante de lucro.
Contamos,
hoje, com uma fórmula bastante letal, no que tange à sua ocorrência como
fenômeno criminoso. Ela é composta pelos seguintes ingredientes:
1º)
Crimes abstratamente graves ou praticados concretamente com gravidade (como
tráfico de entorpecentes, contrabando de armas, todo t
Observe-se
que, aqui, a gravidade concreta está ligada às circunstâncias, meios e forma da
prática do crime; aos motivos e condições sociais e pessoais do autor; e às
conseqüências de seu resultado.
2º)
Corrupção instalada ou infiltrada nos Poderes Públicos, como meio de garantir o
sucesso daquelas atividades criminosas e assegurar sua impunidade.
3º)
“Lavagem de dinheiro”, não só para assegurar também a impunidade, mas para
permitir o reinvestimento ou outros investimentos, agora lícitos, e até
beneméritos e filantrópicos, que ainda tragam ao agente a
simpatia, a legitimidade, e o
Ocorre
que o resultado da “in
De
modo que não seria exagero considerarmos que, neste Terceiro Milênio, esta
estrutura criminal que compusemos através daquela fórmula, consistirá no novo
enfoque da questão da
Segundo: É preciso
que a sociedade se conscientize de sua responsabilidade na participação
ampla nas questões de interesse coletivo.
É necessário que
as pessoas exercitem, efetivamente, os instrumentos colocados à sua disposição,
para atuarem concretamente na defesa de seus interesses e direitos, dentre eles
a própria
Não será mais
possível, daqui para frente, achar que o Estado, sozinho, poderá atuar
efetivamente na solução de problemas ligados à criminalidade, em Cidades que
crescem desordenadamente em conglomerados urbanos, com populações cada vez
maiores e repletas de camadas de excluídos, assim como revestidas de pessoas
cada vez mais camufladas pelas cifras dourada e azul da criminalidade.
Devemos repudiar o
esvaziamento do Estado, sobretudo em áreas cujo interesse público reclame sua
presença, como é o caso da
3.2. Elaboração de relação de operações
suspeitas pelas autoridades competentes.
Esta
questão, sobre a qual muito caberia comentar, consiste na opção legal de deixar
a critério de autoridades de regulação e controle de determinadas atividades
(como é o caso do BACEN, da CVM, da SUSEP do COAF etc.), assemelhadas em muitos
pontos às agências reguladoras, a tarefa de elaborar uma relação de operações
suspeitas, calcadas em caracteres técnicos, afim de que, em sua presença, as
pessoas jurídicas e físicas específicas, tenham a obrigação de comunicá-las às
autoridades (art. 11, inciso I e § 1º, da Lei n. 9.613/98).
Note-se que, aqui,
não se atribuiu àquelas autoridades a elaboração de normas técnicas
integradoras de normas penais em branco, mas tão somente as operações que, por
suas características, sugerem ato de “lavagem de dinheiro”, levantando suspeita
sobre a operação.
Com efeito, longe
de nós negarmos que, diante da especificidade que envolve alguns atos de
“lavagem de dinheiro”, será necessária a participação daquelas autoridades que
possuem o conhecimento técnico fundamental para a definição da situação
suspeita.
Mas, por outro
lado, teme-se que uma visão compartimentada de cada ramo das atividades
econômicas, e mesmo desprovida de uma contribuição específica de quem atua por função
no ramo da investigação, como o Ministério Público e a Polícia, acabe se
ressentindo de uma melhor escolha na elaboração desta relação de atividades.
Do mesmo modo que
nosso entendimento geral, em termos de combate à “lavagem de dinheiro”, é exatamente
sobre a necessidade do permanente trabalho conjunto, de todos os órgãos que
possam contribuir para o esclarecimento de uma situação delituosa, e que acaba
sendo multidisciplinar, e, como dispõe a Recomendação n. 02 do GAFI,
resultando em questões jurídicas, financeiras e operacionais, entendemos
que, desde a origem desse combate, quando se irá elaborar as relações de
operações que possam interessar para a formação de juízos das diversas
autoridades, se poderia trabalhar de forma conjunta e também multidisciplinar.
Sem uma visão
ampla e conjugada do fenômeno que se pretende combater, com a convergência dos
conhecimentos e experiência das diversas áreas envolvidas nos
3.3. A questão do sigilo em relação à
obrigação de comunicar operações suspeitas.
A Lei n. 9.613/98
traz uma situação bastante interessante em relação ao sigilo: é que diante dos
indícios (na verdade suspeitas) dos crimes de “lavagem de dinheiro”, quando por
ocasião da realização de alguma proposta ou transação, a cargo do cliente,
imediatamente o dever de sigilo se inverte.
Note-se que
pelo art. 11, inciso II, da Lei n. 9.613/98, o funcionário ou
administrador da pessoa jurídica onde o cliente realiza a transação, deverá
comunicá-la às autoridades competentes no prazo de 24 horas, ao mesmo tempo em
que deve, já nesse momento, guardar sigilo dessa
O art. 11, § 2º,
da Lei em exame, constitui norma de exclusão da responsabilidade administrativa
e civil dos funcionários ou administradores das pessoas jurídicas
comunicadoras, desde que a
Duas questões são
então aqui suscitadas:
Primeira: A que
diz respeito à definição dessa boa-fé: Trata-se aqui, a nosso juízo, daquilo
que se concebe como boa-fé objetiva, dentro de uma bi-partição assumida
pelo difícil instituto da boa-fé, no Direito Civil.
Como ressalta
FLÁVIO ALVES MARTINS[3],
numa excelente monografia sobre o tema, a boa-fé objetiva é aquela em
que, além da confiança que terceiros tenham depositado no agente, ainda se
completa com elementos externos ao agente, ligados a um dever de agir de acordo
com normas de conduta, expressas num comportamento leal para com o
outro.
Trata-se de uma
boa-fé princípio, que supera o mero agir inocente de quem desconhece a
ilicitude de seu ato, e que reclama do sujeito um atuar de acordo com regras de
conduta.
No caso, por
princípio, o caráter de privacidade que envolve as transações econômicas e
financeiras, sobretudo aquelas que estão protegidas pelo sigilo bancário,
impedem o funcionário da pessoa jurídica de comunicá-las a esmo a quem quer que
seja.
Ainda
por normas de conduta ligadas a essa área, tais transações poderão ser
comunicadas às autoridades competentes, quando requisitadas ou solicitadas,
conforme o caso, como se depreende da disciplina contida na Lei Complementar n.
105, de 10 de janeiro de 2001.
No que tange ao
disposto no art. 11, § 2º, da Lei n. 9.613/98, deverão ser comunicadas as
operações econômico-financeiras, voluntariamente, pelo funcionário da
instituição financeira ou empresa econômica, quando apresentarem o perfil que
enseja a suspeita da prática de ato de “lavagem de dinheiro”.
Será na constatação
dessa situação suspeita, que residirá a boa-fé excludente das
responsabilidades civil e administrativa, recomendando-se que haja uma
fundamentação dessa
Segunda: Esta
A revelação de
segredo profissional, crime previsto no art. 154 do Código Penal, exige
que a conduta ocorra sem justa causa, considerando a doutrina que esta
justa causa, que torna atípica a conduta, seja aquela que tenha fundamento,
direta ou indiretamente, na lei[4].
No
caso, a
3.4. Sanções penais para a violação da
obrigação de
O art.14.3, do
Regulamento Modelo sobre Crimes de “Lavagem de Dinheiro”, da Comissão
Interamericana para Controle do Abuso de Drogas (CICAD), da OEA, prevê:
“Comete delito penal a instituição
financeira, seus empregados, funcionários, diretores, proprietários ou outros
representantes autorizados, que, atuando como tal, deliberadamente não cumpram
as obrigações estabelecidas nos artigos 10 a 13 do presente Regulamento, ou que
falseiem ou adulterem os registros ou informações aludidos nos mencionados
artigos”.
Trata-se
de uma punição expressa para o descumprimento das obrigações derivadas do
regime administrativo de controle da “lavagem de dinheiro”, e que não encontra
correspondente no nosso Direito.
Não
havendo em nosso Direito t
A
questão da omissão em Direito Penal, como se sabe, é tema que encerra alguma
complexidade, sobretudo no que diz respeito aos crimes omissivos impróprios.
Todavia,
apesar da exiguidade do tempo e dos limites desse estudo, é interessante
levantar esta reflexão sobre o tema.
Recordando,
a estrutura típica de um crime comissivo por omissão inclui: a) a ocorrência do
resultado típico; b) a omissão da ação devida e a possibilidade de agir; c) a
causalidade h
Esta
posição do garantidor, no nosso Código Penal, é definida por
critérios formais, ligados a deveres oriundos da lei, do contrato ou da criação
do risco de ocorrência do resultado, mas que também devem ser confirmados por
critérios materiais sobre o conteúdo do dever de agir do garantidor,
segundo a doutrina[6].
No
presente caso, vimos que os artigos 10 e 11 da Lei n. 9.613/98, criaram uma
responsabilidade para os funcionários e administradores das pessoas jurídicas
relacionadas no art. 9º, compartilhada com a do Estado, no combate à “lavagem
de dinheiro”, e que ensejaria, a princípio, um dever de agir para impedir o
resultado típico dos crimes do art. 1º.
Observe-se
que, se considerarmos o requisito do resultado típico como
a lesão ou perigo de lesão para o bem jurídico tutelado, tudo descrito e
contido no t
O problema surge,
com mais intensidade, entretanto, quando se busca um conteúdo material para
fundamentar a posição de garantidor, que se pretende atribuir, por lei, aos
funcionários e administradores das pessoas jurídicas.
Estariam, de fato,
aquelas pessoas, em uma tal relação próxima com os sujeitos passivos dos crimes
de “lavagem de dinheiro”, que sugerisse uma função de confiança,
própria do dever jurídico de garantidor? Esta hipótese nos parece de todo
afastada.
Mas se poderia
dizer que aquelas pessoas guardam um tal nexo com uma fonte de perigo (as
atividades econômicas suscetíveis à prática de atos de “lavagem de dinheiro”),
capaz de ameaçar vários titulares de bens jurídicos, cabendo-lhes, portanto,
uma função de vigilância para interferir na configuração desse
perigo?
Ou será que
a transferência de vigilância, quanto aos atos que representam
ameaça para o bem jurídico ora tutelado, para os funcionários e administradores
das pessoas jurídicas, transformando-os em garantidores, e, por isso, passíveis
de sanção penal, não estaria representando a punição pela mera desobediência,
desprovida, portanto, de conteúdo material?
Afinal, se por um
lado há uma responsabilidade administrativa de colaborar com o Poder Público
nas suas funções de controle e regulação administrativa da utilização lícita
dos sistemas econômicos, por parte das pessoas que atuam nessa área, por outro,
talvez devamos estar sensíveis para a possibilidade, indesejável, de que a
atribuição da posição de garantidor esteja a criar aquele risco penal,
do qual nos fala FRANCESCO PALAZZO[7],
para tais atividades, derivado de uma artificial ligação dessas pessoas com o
bem jurídico visado.
Nesse caso, a
sanção pelo não cumprimento da obrigação de comunicar, derivada do art. 11 da
Lei n. 9.613/98, encontraria suporte apenas administrativo, e estaria excluída
do âmbito penal, em atenção aos princípios da legalidade, da lesividade e da
subsidiariedade.
Todavia, não é o
objetivo deste estudo esgotar esta questão específica, sobretudo neste seu
4. Conclusão.
Como visto, a obrigação
de comunicar operações suspeitas, inserida dentro do regime
administrativo do combate à “lavagem de dinheiro”, por força dos artigos 9º, 10
e 11, da Lei n. 9.613/98, acarreta aquilo que se denomina transferência das
cargas de vigilância sobre os atos que possam constituir prática de ilícito
penal.
Trata-se de um
instrumento preventivo e repressivo das atividades criminosas, especificamente
do crime de “lavagem de dinheiro”, que surge como uma alternativa condizente
com a modificação no cenário criminal e criminológico, estabelecido com o
advento de outros fenômenos que, se não se pode afirmar novos, pelo menos se
pode considerar intensificados com a modernidade.
A finalidade do
presente estudo, entretanto, não é esgotar a discussão em torno do surgimento
de atividades de risco em nossa sociedade, muito menos de exaurir argumentos no
sentido de que o crime de “lavagem de dinheiro” constitui uma dessas
atividades, diretamente voltada para a vertente do risco direcionado à
derrocada da economia mundial, como prenuncia ANTHONY GIDDENS[8], tema que deixaremos
para outra oportunidade.
Contudo, não se
pode olvidar a existência deste novo instrumento no Direito pátrio, o qual,
como se procurou enfatizar acima, encontra suporte constitucional e, portanto,
legitimidade, no ordenamento jurídico nacional, para ser observado e atendido
por seus destinatários, mediante sanção, ao menos na esfera administrativa.
A par disto, a
obrigação de comunicar atividades suspeitas ainda se inclui na nova
disciplina do sigilo sobre operações econômico-financeiras, reunindo em seu
bojo questões como a inversão do dever de sigilo frente ao próprio cliente
interessado, e a boa-fé na transferência voluntária do sigilo, como excludente
de toda responsabilidade do empregado, funcionário ou agente da pessoa jurídica
comunicante.
Enfim, o
instrumento, ora analisado, ainda reafirma a necessidade de um trabalho
permanentemente conjunto entre todas as autoridades encarregadas do combate ao
crime de “lavagem de dinheiro”, desde a elaboração de normas mais eficazes na
delimitação e controle de atividades suspeitas, até a aplicação de medidas
investigatórias para melhor reunir elementos de convicção.
Retirado de: www.lazaro.tk/obcomun.htm