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CRIMES VIRTUAIS

 

Cecílio da Fonseca Vieira Ramalho Terceiro

 

"Alguns qualificam o espaço cibernético como um novo mundo, um mundo

virtual, mas não podemos nos equivocar. Não há dois mundos diferentes, um

real e outro virtual, mas apenas um, no qual se devem aplicar e respeitar os

mesmos valores de liberdade e dignidade da pessoa".

(Jacques Chirac)

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

 

A INTERNET teve sua origem embrionária em plena guerra fria como arma militar norte-americana de informação. A idéia consistia em interligar todos as centrais de computadores dos postos de comando estratégicos americanos, precavendo-se, pois, de uma suposta agressão russa. Sendo atacado um desses pontos estratégicos, os demais poderiam continuar funcionando autonomamente, auxiliando e fornecendo informações a outros centros bélicos.

 

Inegavelmente não podemos deixar de render homenagens à INTERNET que atualmente destaca-se como um, senão, o mais forte meio de comunicação global. Diante das constantes evoluções históricas que a nossa humanidade vêm sofrendo, onde as diversas formas de barreiras, sejam: físicas ou lingüísticas,  gradativamente se rompem, graças ao surgimento e a popularização da comunicação virtual.

 

Desta feita e diante da propagação do micro computador como um dos mais cobiçados e comuns objetos de consumo da era moderna, não é de se espantar que onde haja o uso, haja também o abuso. Estima-se que haja no Brasil cerca de 8 milhões de internautas, e este número não para de crescer dia-a-dia. Atualmente o micro computador ocupa lugar de destaque na lista dos bens de consumo da sociedade atual, segundo pesquisa do IDC, publicada na revista Veja , o volume de vendas de microcomputadores, saltara de 127 milhões de unidades vendidas em 2000, para mais de 166 milhões ate o ano de 2002.

 

Com a popularização da Internet, surgiu uma nova forma de revolução, trazendo consigo certas peculiaridades entre seus adeptos. Entre tais novidades surge a expressão hacker, esta palavra em si é alvo de discórdia, uma vez que detém vários significados entre este submundo. Genericamente é uma denominação para alguém que possui uma grande habilidade em computação. Cracker, black-hat ou script kiddie neste ambiente, denomina aqueles hackers que tem como hobby atacar computadores. Portanto a palavra hacker é gênero e o craker espécie.

 

Diante da popularização e do fácil acesso ao microcomputador, é que muitos indivíduos utilizam a INTERNET (jovens na sua maioria, entre 15 e 20 anos) como meio para praticar delitos das mais variadas espécies, causando enormes prejuízos a Bancos ou Instituições financeiras através de desvios em seu erário, divulgando material pornográfico ou de caráter discriminatório.

 

Atualmente por um estudo realizado pelo site alemão Alldas.de, o Brasil abriga o maior grupo de hackers do mundo, calcula-se que o grupo que se intitula de silver-lords atingiram a cifra de 1.172 ataques à paginas da internet, entre os feitos desta trupe, se registra invasões contra a Meca militar americana o Pentágono, a própria Microsoft e a IBM americana. Nesta mesma pesquisa destaca-se que dos 10 maiores grupos de hackers mundiais ranqueados naquela pesquisa, cinco são brasileiros.

 

O que torna o Brasil a seara, terreno fértil destes aventureiros virtuais é a facilidade de atuação e a impunidade por parte de nossas leis. Basta destacar que o Comitê Gestor de Internet no Brasil, órgão federal de fiscalização e controle deste meio de comunicação, somente em 1989 recebeu cerca de 3.107 notificações de incidentes de segurança , suspeita-se ainda, que esses números possam ser de maior monta, devido à política adotada pelas empresas de encobrir invasões devido a má publicidade advinda de uma suposta falta de segurança em seus sites.

 

É neste contexto que a sociedade reclama ao direito moderno novos meios coibitivos e sancionadores dos abusos cometidos no cyber-espaço, ou mundo virtual, que via de regra suas conseqüências no mundo fático são bem visíveis, apesar disto o Direito Penal, como todos os ramos do Direito, encontram-se desprovidos de meios para conter tais abusos virtuais.

 

Visa, portanto, este despretensioso estudo, à problemática acerca do ajustamento da norma penal em face dos crimes virtuais e sua repercussão em âmbito jurídico.

 

 

I - O PROBLEMA NA TIPIFICAÇÃO DOS CRIMES VIRTUAIS

 

 

O Direito é uma ciência de natureza social, portanto é lógico concluir que sofre inúmeras mudanças de acordo com o avanço da sociedade a que esteja ligado. O ser humano é um ser eminentemente social, devido a esta necessidade organizacional do homem em sociedade, é que surge a figura do estado. Após a organização do Estado, como único ente capaz de substituir a vingança particular, ultrapassando, desta feita, a fase da autotutela primitiva humana, depende o homem do direito para não só respaldar suas transações privadas, mas como confia e outorga ao Estado o direito da devida sanção aos indivíduos que transgridem à ordem estabelecida, seja em âmbito cível ou a criminal.

 

Diante deste pequeno esboço histórico podemos observar que o direito relaciona-se intrinsecamente com a sociedade evoluindo ao lado da mesma. Seria pretensão nossa afirmar que o direito avança em conjunto com a sociedade, o que de fato não o é, pois este estará sempre a um passo atrás da mesma, estando sempre em mora nesta relação. Isto depreende-se não só ao modelo legislativo arcaico que possuímos, onde leis e demais normas legais sofrem com um árduo e demorado processo legislativo que por muitas vezes promulgam-se normas que já afloram ultrapassadas, necessitando muitas vezes de várias arestas na sua forma para uma aplicabilidade eficaz.

 

Some-se a isto o espantoso nível que a sociedade atual se encontra evoluindo devido a crescente onda de descobertas nos mais variados ramos da ciência moderna, entre essas destaca-se a informática como epicentro dos novos avanços.

 

Portanto nem sempre o Direito acompanha a evolução da sociedade e a medida que esta evolui reclama por parte deste, novas formas de procedimentos e novos tipos legais que ampare e, resguarde os frutos oriundos desta evolução.

 

Tais mudanças por parte da sociedade resvalem por seu turno na forma de aplicação e interpretação do direito. O que torna ineficaz a tutela jurídica pleiteado ao estado por faltar instrumentos legais que não só deixa de compor os litígios como é carente de meios legais que coíba as infrações oriundas desta nova realidade.

 

Atualmente um dos temas mais palpitantes pelos operadores do direito penal diz respeito aos crimes praticados no ciber espaço ou atráves da Internet. Dentre as  inúmeras dúvidas suscitadas uma das quais, se refere acerca da tipificação e da imputação penal aos praticantes de delitos que utilizam a web (world wide web, em uma tradução despretensiosa seria algo como "cadeia mundial de computadores") com intenções delitivas.

 

Repousa aqui um dos melhores exemplos de como o direito apesar de esforça-se para acompanhar a evolução da sociedade carece de meios que ilida condutas atentatórias contra as normas penais constantes do nosso modelo legal atual. Resta patente, pois, que se encontra desprovido de meios reguladores de tal conjuntura, uma vez que atualmente a sociedade caminha sob o pálio de um mundo globalizado, sem fronteiras físicas, um mundo onde do conforto da nossa sala podemos "visitar" museus mundo afora, fazer compras, efetuar pagamentos, transferir fundos e etc. E é diante de tal realidade que assistimos passivos a inoficiosidade do nosso ordenamento penal diante de tal situação.

 

O cerne da questão se prende ao fato que como sabemos é princípio penal básico que nullum crime sine preavia lege  ou seja não há crime sem lei anterior que assim o defina. Por este principio, denominado também como principio da reserva legal, qualquer indivíduo só pratica uma conduta tida como crime, se a mesma assim estiver expressamente tipificada como tal, em nosso ordenamento penal vigente. Diante disto denota-se que para a sua caracterização, o crime necessita de; a) conduta expressa como crime por lei e, b) que sendo expressa como tal, esteja válida ou apta a surtir efeitos perante todos (erga omnes).

 

Portanto pela exegese deste principio penal, os crimes praticados atualmente pelos hackers, ou seja, indivíduos que possuem conhecimentos específicos e aprimorados no setor informático, cuja essência de vida deste indivíduo é haraganear pela internet "invadindo" computadores alheios. Assim como o direito a nossa língua sofre uma influência natural das transformações atuais tanto o é que consta no Dicionário Aurélio a definição do que seja hackers dispondo que é o "Indivíduo hábil em enganar os mecanismos de segurança de sistemas de computação e conseguir acesso não autorizado aos recursos destes, ger. a partir de uma conexão remota em uma rede de computadores; violador de um sistema de computação" , urge salientar que a pouco expomos ser esta uma definição genérica, sendo o cracker o indivíduo agressor de computadores.

 

Tal distinção de nomenclatura é realizada por aqueles nativos do ambiente virtual, que se organizam em grupos. Entre estes grupos os mais conhecidos devido a sua voracidade em ataques a sites são; silver lords, brazil hackers sabotage, prime suspectz, tty0, demonios, estes cinco grupos brasileiros foram ranqueados pelo site alemão Alldas.de, como os mais ativos mundialmente em termos de ataques virtuais a grandes empresas e a altos órgãos governamentais dos mais diversos países.

 

Dentre os delitos perpetrados por estes, podemos citar as constantes investidas as contas bancárias alheias, desviando seus valores para contas fantasmas de amigos ou próprias e, nessa mesma linha de delitos um dos mais usuais delitos dessa natureza que é a "invasão" de computadores particulares com o intuito de ler os chamados e-mails.

 

Portanto carecem, estes indivíduos, da devida sanção penal por absoluta falta de tipificação legal de tal delito, bem como na falta de legislação especifica que as regule. Mesmo que passível de censura moral padecem da sanção penal pelos motivos expostos.

 

II - CRIMES VIRTUAIS, NOVOS TIPOS PENAIS ?

 

Expomos à pouco a problemática na conceituação e tipificação penal dos crimes praticados no cyber-espaço tendo como centro o princípio constitucional da reserva legal, o qual se encontra no nosso ordenamento legal infra constitucional no art. 1º do Código Penal.

 

È diante deste principio que só há uma conduta considerada como criminosa para efeito penal, se a mesma vier expressamente definida neste sentido. Não se pode aplicar a norma penal por analogia, devendo este principio ser observado friamente sob pena de se praticar uma coação ou constrangimento ilegal.

 

Há no Congresso Nacional vários projetos de lei no sentido de discriminar as condutas consideradas criminosas por meio da INTERNET, bem como a sua correta utilização, entre esses destaca-se o Projeto de Lei n.º 64/99 de autoria do Deputado Federal Luiz Piauhylino cujo trabalho fora herdada de seu antecessor o Deputado Federal da bancada paraibana Cássio Cunha Lima pioneiro nesta preocupação, tal PL dispõe sobre a "cyber-criminalidade", ou seja, os crimes praticados na área da informática, disciplinando, discriminando e atribuindo penalidades a tais condutas.

 

È nesta nova realidade que assistimos o surgimento de um novo tipo penal, no qual o delinqüente utiliza o computador doméstico ou não, como meio de praticar delitos.

 

Os Tribunais de todos os modos tentam conter os chamados "crimes virtuais" cada qual observando o caso em concreto aplica a sua solução na medida que a lei com a medida são assim denominados devido à ausência física de seus autores e seus asseclas.

 

 

III - O OBJETO DE PROTEÇÃO PENAL NOS CRIMES VIRTUAIS

 

 

A dogmática penal tem como escopo principal proteger um determinado objeto de uma agressão ilícita,  portanto o objeto de proteção por parte do mesmo há de ser específico e determinado. O crime em uma visão lato é uma agressão a um bem tutelado pelo Estado e prevista em lei como tal.

 

Portanto no que tange aos crimes virtuais há de se especificar quais são os objetos a serem tutelados pela norma penal. Se observamos, por exemplo, que a conduta do indivíduo primou em "invadir" um computador alheio apenas com o condão de visualizar suas correspondências (e-mails) aponta-se como

objeto de tutela pelo estado da intimidade do indivíduo atacado, intimidade esta, indevidamente afrontada.

 

Também deve ser registrado a crescente onda de usuários que utilizam a INTERNET com o intuito de divulgar e adquirir fotos de menores e adolescentes, o fim lascivo desta pretensão pode ser denominado de pedofilia e, como objeto a ser resguardado pela norma penal encontra-se os costumes.

 

Devido ao caráter subjetivo exposto no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os crimes de pedofilia vem tendo assento neste dispositivo penal com grande sucesso, frise-se, graças ao caráter subjetivo constante no mesmo, que impõe: "Fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente", estabelecendo para tal, reclusão de um a quatro anos, mesmo assim, para imputar-lhes a pratica desta ação é preciso comprovar a sua participação neste odioso delito, o que vem se tornando um grande desafio as autoridades policiais.

 

Noutro norte, se a conduta do agente tem o fito de "invadir" o sistema operacional de um Banco ou outra Instituição Financeira para desviar valores, mesmo sem subtrair fisicamente uma coisa móvel para si, houve no caso, como resultado final, uma alteração ilícita do dominius daqueles valores em favor do subtraens , o que constitui uma violação atentatória contra a propriedade do dominus. Portanto como via de conseqüência o objeto a ser tutelado é o direito à propriedade.

 

A problemática reside da leitura da norma tipificadora do furto e o que venha a ser considerado furto virtual. Tomemos por exemplo um furto de um arquivo ou um programa constante em um banco de dados privado, onde o agente ativo o acessa clandestinamente e secretamente o copia ou, outros arquivos quaisquer que sejam do seu interesse. O  art. 155 que tipifica o furto, assim o expõe; "Subtrair, para si ou para outrém, coisa alheia móvel".

 

Como exposto anteriormente, apesar de não haver uma diminuição no patrimônio do sujeito passivo, pois permanece em seu banco de dados os arquivos furtados e, ou copiados clandestinamente, houve tecnicamente uma subtração de um bem imóvel e um acréscimo, uma vantagem ilícita para o autor, em detrimento daquele, sem que ao menos cometesse o crime estampado no art. 155 do Código Penal.

 

Neste ponto ouso frisar que nos denominados crimes virtuais é perfeitamente plausível a figura do crime tentado. Vejamos a guisa de exemplo o caso já analisado acima, no que tange a conduta do indivíduo que prima em "invadir" um computador alheio apenas com o condão de visualizar seus e-mails, vasculhando a intimidade alheia, caso o agente chegue a acessar a caixa postal do titular daquela conta, mas sendo frustada a sua tentativa de lê-los por parte daquele, que em tempo hábil frusta sua investida, não se consumou o núcleo caracterizador do tipo, ou seja, ler a correspondência, portanto se apresenta como crime tentado.

 

 

 IV - CONCLUSÃO

 

 

Como conclusão lógica devido a ausência de tipificação legal das condutas dos agentes que utilizam a INTERNET como instrumento na prática de delitos, se conclui que tal vácuo legal encoraja o surgimento de novos delitos com este meio tecnológico.

 

Enquanto houver por parte da legislação penal tal omissão,  quanto a tipificação legal destas condutas, não as considerando crimes, como de fato as são, os seus agentes sempre serão agraciados com o beneficio da impunidade, pois para ao direito penal não se pode atribuir uma pena, ou impor uma sanção a algo que o ordenamento penal não a considere expressamente como criminosa.

 

De fato estamos presenciando o surgimento de um novo tipo legal, um tipo que dado a sua singularidade surpreendeu os operadores do direito em geral, em todos os ramos legais, não só em relação à norma penal.

 

Enquanto não houver uma preocupação por parte dos nossos legisladores, materializando tal ato na formulação de leis que qualifiquem e descriminem e tipifiquem as ações destes agentes como criminosas, os delitos praticados pela INTERNET, serão na sua esmagadora maioria carecedores de uma reprimenda legal.

 

Urge por parte dos legisladores pátrios uma reformulação na ótica deste novel meio comunicativo global, deve ser apreciado com esmero, nunca relegada a um plano de insignificância dado aos valores que engloba sejam monetários ou, até mesmo, referentes à intimidade e à honra de seus usuários.

 

De certo é que a matéria suscita várias discussões e acirrados debates sobre o tema. Ainda não há um consenso, seja da doutrina ou, da jurisprudência, o que é perfeitamente justificável pela total ausência de lei especifica sobre a matéria em comento.

 

Cecílio da Fonseca Vieira Ramalho Terceiro é advogado e aluno da Escola Superior da Magistratura Des. Almir Fonseca - Paraíba.(ESMAF-Pb) 

 

 

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