Júri: democracia em ação.
Autor: Vladimir Aras. Promotor de Justiça em Feira de
Santana(BA). Professor da disciplina Direito Processual Penal na UEFS e
mestrando em Direito Público pela UEFS/UFPE.
A instituição do júri é extremamente importante em qualquer
sociedade. Sua origem perde-se na história da civilização ocidental, estando
todavia ligada ao desenvolvimento da democracia e ao incremento da
participação popular nas questões públicas. Forte sobretudo na tradição
inglesa desde o século XIII e preservado após as conquistas revolucionárias
da França e dos Estados Unidos do século XVIII, o tribunal do júri tem
feições próprias no sistema da common law e no sistema romano-germânico.
Nos países filiados ao primeiro regime, especialmente a
Inglaterra e os Estados Unidos, o júri tem sido utilizado para o julgamento
de questões civis e criminais, por meio dele se realizando o direito
individual dos cidadãos ao julgamento por seus pares.
Na tradição latina, por sua vez, o júri tem maior vocação
criminal, sendo composto de variadas formas, mistas, com participação de
juízes leigos e togados, ou puras.
Diferentemente dos tribunais populares norte-americanos,
onde são doze os jurados e os julgamentos criminais são estabelecidos, em
regra, por unanimidade, no Brasil os júris são compostos por sete cidadãos,
que votam por maioria simples. Incomunicáveis, os jurados brasileiros,
sorteados entre pessoas do povo de todas as classes sociais e profissões,
devem votar de acordo com suas consciências e a prova dos autos.
Ouvem os jurados os argumentos do Ministério Público,
pela voz do promotor de Justiça, representando a sociedade, e os comparam às
contra-alegações da defesa, onde se postam os advogados dos réus.
Seu veredicto é reconhecido como soberano, pelo artigo
5º, inciso 38, da Constituição Federal, o que impede a substituição do
julgamento popular por decisões de órgãos judiciários de segundo grau.
No entanto, o preceito não se equipara à regra do double
jeopardy do direito dos EUA, que obsta mais de um julgamento pelo mérito, a
fim de evitar decisões contraditórias.
O tribunal popular, embora muito criticado, inclusive por
mestres da Ciência Jurídica, como o ministro do STF, Nelson Hungria, foi e é
idolatrado por outros luminares do Direito, como Roberto Lyra, conhecido como
o "princípe dos Promotores do Brasil", e por advogados de renome e
valorosa história, da estirpe de Evandro Lins e Silva e Evaristo de Moraes.
Sua maior virtude, cremos, é favorecer a participação popular nos negócios da
Justiça.
Se estamos inseridos numa democracia representativa, em
que parlamentares e governantes são eleitos pelo povo para atuar em seu nome
(artigo 2º da Constituição), no tribunal do júri é o próprio povo que, por
si, decide as questões criminais sem intermediários, não podendo o juiz de
Direito contradizer ou afastar suas conclusões.
O tríplice pilar da Justiça (advogados, juízes e
promotores) curva-se à soberania e à sabedoria popular.
Presta-se também a instituição do tribunal do júri a
oxigenar o Direito, permitindo aos leigos e aos não versados na matéria
jurídica definir o julgamento de crimes que atentem contra a vida, como o
homicídio, o aborto, o infanticídio e o auxílio ou a instigação ao suicídio, quando
intencionais ou dolosos.
Ao ser criado o júri, pretendeu-se privilegiar a
igualdade, liberar o julgador de tecnicismos inúteis e permitir a inserção
dos sentimentos coletivos e dos valores populares na apreciação de causas
criminais.
Malgrado os eventuais paroxismos de certos
"atores" jurídicos, o tribunal popular não é um teatro. Mas não
deixa de ser um palco onde são representados ou relembrados os dramas e as
misérias da vida real. O jurado analisa o litígio de acordo com os valores
médios da sociedade, o que enseja a realização de uma justiça melhor do que
aquela fundada apenas e tão-somente na lei.
É bom que se diga: o Direito não se encerra na lei, e a
promoção da Justiça em alguns casos, por mais paradoxal que pareça, impõe a
desconsideração da fria letra da norma legal. "A letra mata, o espírito
vivifica", diziam os antigos templários.
Para que esses benefícios se espraiem para outros campos,
é fundamental que o rol de crimes hoje submetidos ao tribunal popular seja
aumentado, a fim de que graves figuras delitivas, como os crimes contra a
Administração Pública, o latrocínio, o seqüestro, os crimes sexuais, os
delitos ambientais, os crimes de imprensa, os crimes contra a economia
popular e as relações de consumo e outras infrações (como os atos de
improbidade administrativa) sejam julgadas perante os juízes populares.
Democracia não se faz com alheamento ou alienação; e o
júri popular é participação, é uma das mais vívidas formas de democracia em
ação.
Vladimir Aras é promotor de Justiça na Bahia, professor
de processo penal na Uefs e de Instituições de Direito Público e Privado na
Faculdade de Tecnologia e Ciências, especialista em Direito da Internet e
mestrando em Direito pela Ufpe. Texto elaborado em 20.07.2002.
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