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O constitucionalismo contemporâneo e a instrumentalização para a
eficácia dos direitos fundamentais
Cármen Lúcia Antunes Rocha
RESUMO O artigo trata do Direito Constitucional como um dos ramos do
Direito de maior relevância no âmbito dos direitos humanos, tendo em vista que
ele se encontra diretamente ligado às transformações do homem e do mundo.
Enfoca diversas reflexões acerca da eficácia social das normas constitucionais
de direitos fundamentais, desde o surgimento dos mesmos no Brasil até a
atualidade. São propostas medidas na área dos direitos humanos, objetivando uma
cidadania mais nova e mais comprometida com esses direitos, principalmente nos
planos educacional e jurisdicional. Há, ainda, a sugestão da criação de um "Ouvidor
de Direitos Humanos", responsável pelo recebimento de reclamações e
denúncias referentes à violação dos direitos fundamentais. Finalmente, a
aprovação do Tribunal Internacional de Direitos Humanos deveria ser uma
prioridade do governo brasileiro para a garantia dos Direitos Humanos, já que a
violação dos mesmos tem sido uma constante nos tempos atuais.
Este é
tempo de partido,
Tempo de
homens partidos.
Em vão
percorremos volumes,
Viajamos e
nos colorimos.
A hora
pressentida esmigalha-se em pó na rua,
Os homens
pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis
não bastam. Os lírios não nascem
da lei.
Meu nome é tumulto e escreve-se
na pedra.
Carlos
Drummond de Andrade
"Nosso
Tempo"
Estas notas
são dedicadas a Zuzu Angel,
Antígona
Moderna
de um Estado
destes tristes trópicos,
onde Creonte
bate a nossa porta a cada manhã
fazendo-nos
buscar, além da vida, como uma luta permanente,
a garantia da
morte abençoada.
E onde mesmo
Herodes mostra-se eterno
em cada mão
estendida com que o pivete esfomeado nos assalta
mais a consciência
que a bolsa.
INTRODUÇÃO
Não acredito no "final dos
tempos"; menos ainda no "fim da história". Mas acho que se pode
crer estar-se no "final de um tempo" na travessia deste final de ano,
final de década, final de século, final de milênio. Mais, no entanto, que no
"final de qualquer coisa" acredito firmemente no "começo de um
novo tempo", começo de um novo século, começo de um milênio novo, que
traga o novo, que se faça novo para o homem de sempre, mas que continua
querendo, desde sempre, o novo.
O Direito não se põe longe nem do
que se acaba, como modelo ultrapassado ou em fase de traspasse, nem do que
desponta como paradigmas novos que se anunciam ou, pelo menos, se prenunciam,
ainda num véu que mal deixa vislumbrar com nitidez os contornos do que se põe a
nascer.
Nenhum ramo do Direito se
ressente mais depressa das mudanças que o mundo e o homem no mundo atravessam
que o Constitucional. O Direito Constitucional é o direito do homem no seu
tempo, no tempo de sua vida, no tempo presente, em qualquer tempo que se
apresente, na hora presente, no mundo presente. Como o mundo muda, o
constitucionalismo estreita e alarga o seu caminho para se encostar nas
transformações havidas.
Não vivemos num tempo de reações,
mas, principalmente, de criações. Não vivemos num tempo apenas de revoluções,
mas de mutações.
Se for certo que a modernidade já
acabou e o pós-moderno precisa ser extraído da turbulência em que se
converteram as relações humanas nestes últimos anos do século XX, é de se
encarecer que o homem não acabou, que as necessidades humanas fundamentais, os
direitos humanos tão necessariamente fundamentais, os desejos humanos também
tidos como fundamentais não se apagaram. Sequer se transformaram em sua
essência, vez que a eterna busca de liberdade incita à realização da igualdade
jurídica e social de todos para assegurar que as desigualdades criadoras e
criativas da individualidade não sejam anuladas numa totalização do poder sobre
todos, degradador e degradante, a dispensar o homem para o outro. A busca plena
de liberdade individual e social também e ainda conduz, como antes, à dignidade
da pessoa humana, que se precisa assegurar e somente será obtida pela
juridicização eficaz do princípio político da solidariedade social.
O Direito Constitucional
contemporâneo põe-se no turbilhão das mutações, oferece-se ao destino das
transformações dos homens, desde que não se perca o seu centro e a sua razão
maior: o valor homem e os valores dos homens, leal aos quais se persiste a
buscá-los no traçado dos novos caminhos, seguindo-se as novas vertentes.
Talvez se devesse questionar se,
sendo a sociedade dinâmica — como dinâmica é a própria vida — não seria o
Direito um processo de mutação permanente. E tanto se põe à reflexão pela
circunstância de o Direito conter em si mesmo a idéia de movimento que se
traduz pelo menos na possibilidade de "ser em transformação
permanente". Assim se chegaria, então, a vislumbrar, preambularmente, o
motivo de, no momento histórico atual, estar-se a considerar a experiência
humana na sociedade — e, paralela e necessariamente, o Direito nela adotado —
como uma fase demonstrativa de uma crise. O movimento — na
política como no Direito, cujo modelo adotado é a estratificação da escolha
afeita naquela primeira instância – constrói-se conduzindo e reconduzindo
padrões sociais, formando e reformando idéias, passos e compassos históricos,
conciliando e reconciliando mudanças, cujos paradigmas essenciais, contudo,
mantêm-se íntegros e aplicados em sua fundamentalidade.
Diversamente desse movimento
permanente equilibrado — conquanto permeado de continuidades e descontinuidades
históricas — o que se põe à mostra, ainda de forma pouco definida, é uma
ruptura de modelos ou de sistemas até aqui adotados e a sua substituição
por outros, cujos paradigmas não guardam mais identidade de significado com
aqueles que informaram os figurinos jurídicos e políticos que se tinham como
certos até aqui.
A "pós-modernidade"
constitucional, expressão empregada no discurso jurídico, não se distancia
demasiado, aqui, do sentido a ela outorgado na obra de Lyotard1,
quem se referia a uma mudança dos paradigmas culturais, determinada e
determinante de uma transformação social.
É num contexto jurídico, pois,
onde o constitucionalismo contemporâneo não tem sequer uma expressão definida,
tido ora como o moderno, ora como o da pós-modernidade, mais perdido que
encontrado nas incertezas e ambigüidades do momento que se atravessa, ou que
nos atravessa, que se repensa o seu norte e o seu traço pelo menos em relação
ao que tem sido a sua alma no modelo embasado na valoração kantiana da
racionalidade, da dignidade da pessoa humana e do respeito à liberdade de cada
um e de todos no espaço político: os direitos fundamentais do homem. Convivendo
com os perigos e os riscos havidos nessa dimensão rotulada de
"pós-moderna", busca-se encarecer a função constitucional na
sociedade contemporânea e a sua contextualização nos processos de mutação
sócio-políticos observados. Essa "pós-modernidade" propagada traz em
si o germe negador (ou mesmo destruidor nos sistemas) dos valores fundamentais
e dos princípios determinantes da organização social e política voltada para o
homem, para a eficácia universal dos direitos que lhe são assegurados pelos
sistemas baseados na ética e na conjugação dos elementos retirados dela para a
legitimação do Direito e, mesmo, da política.2 Direito não é o que
se nega, mas o que se afirma. Direito Constitucional nada mais é que a
afirmação do homem no seu tempo. Um tempo de homens de todos os tempos, de
todos os mundos e para todos os homens.
I O CONSTITUCIONALISMO
CONTEMPORÂNEO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1 O constitucionalismo reflete o
profundo debate sobre todos os aspectos da vida política, social e econômica
que domina as relações na atualidade. Mais que respostas, este é um final de
século de muitas e tormentosas indagações. O Direito não foge a essa
contingência. Mas a sua função — especialmente na seara do Direito
Constitucional — impõe a oferta de alternativas, mesmo depois de experimentadas
algumas precisem ser superadas e outras aperfeiçoadas. Nada mais que o processo
histórico da experiência humana, o qual prova, comprova ou reprova, aprova ou
desaprova e recomeça com uma outra proposta. O Direito Constitucional vê-se às
voltas com a sua função de positivar sistemas os quais confiram segurança num
mundo onde a insegurança não está nos sistemas, mas no próprio homem, incerto
quanto ao que quer, e, principalmente, como quer para si cada coisa.
A Constituição muda a sua forma,
o seu conteúdo, que se adensa no curso dos últimos dois séculos em seu texto e
em seu contexto, mas segue sendo — como antes — uma Lei, que alicerça e preside
o processo de juridicização de um projeto político eleito como realizador da
idéia de Justiça prevalente em determinada sociedade estatal e dada, então, à
concretização pela organização e dinâmica estatais.
A Constituição tem alma de
Direito e forma de Lei, formulando-se como seu coração — órgão dominante e
diretor de suas ações — os direitos fundamentais do homem. Direitos
fundamentais em duplo sentido jurídico: de um lado, são eles essenciais aos
homens em sua vivência com os outros, fundando-se neles, em seu respeito e
acatamento, as relações de uns com os outros homens e com o próprio Estado; de
outro lado, eles fornecem os fundamentos da organização estatal, dando as bases
sobre as quais as ações da entidade estatal se desenvolvem, em cujos limites se
legitimam (determinantes de limites negativos) e para a concretização dos quais
se determinam comportamentos positivos do Estado (determinantes positivos).
O constitucionalismo moderno
afirma-se na garantia a que ele se entrega quanto aos direitos humanos. Daí a
dicção do art. 16, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,
segundo a qual toute societé dans laquelle la garantie des droits n’est pas
assurée, ni la séparation des pouvoirs determinée n’a point de constitution.
O próprio constitucionalismo trazia, em si, o signo da garantia dos direitos
como identificador de sua existência. Instrumento limitador do exercício do poder
estatal, a Constituição cumpria, assim, na garantia dos princípios
assecuratórios dos direitos fundamentais e da separação de poderes o condão de
reformular o Estado: estava criado o Estado de Direito. Se a sociedade
realizava ou tinha concretizados os direitos fundamentais constitucionalmente
declarados e garantidos, isso seria objeto de outras indagações, que
conduziriam a outras fases históricas do constitucionalismo.
2 O reconhecimento e a
positivação jurídica dos direitos humanos conquistam-se, historicamente, por
movimentos circundantes projetados em épuras desdobradas, conexas e
coordenadas. As conquistas históricas dos direitos dos homens, como a conquista
cadenciada e sucessiva que o ser humano realiza em sua própria aventura de
viver, aperfeiçoam-se nas denominadas "gerações de direitos
fundamentais".
O germe de todos os direitos
assenta-se, em algumas de suas manifestações, na identidade que dignifica o
homem: a sua busca de mais e mais liberdade (ou de alguma quando ela lhe foi
retirada em sua inteireza) vem de sempre, desde o começo da vida com o outro,
quando os espaços se fizeram restringir e se soube que viver exigia conviver. A
convivência exigiu o conhecimento e a prática do sentido da liberdade. A
solidão não quer, não requer, não sabe, nem desconhece a liberdade. A liberdade
faz-se no encontro.
O reconhecimento da natureza de
direitos havidos na fundamentalidade de um processo político histórico
específico põe-se a ser em declaração contida em norma formulada sob os
auspícios das idéias iluministas, que se geraram e se fizeram aceitas no Estado
Moderno. Esse criou a Constituição escrita, impressa e democraticamente
divulgada entre os cidadãos (pela primeira vez na História, a impressão do
texto constitucional adensava-se na experiência política como fator de
democratização efetiva, pois o Direito dava-se a conhecer a todos e, nesse
sentido, fazia-se inédita a condição constitucional de norma divulgada e de
ciência do grupo, ultrapassando a reserva de poder que a detenção da informação
resguarda). Com a criação da Lei Constitucional, com o modelo adotado
universalmente ainda hoje, teve-se uma mudança de conteúdo dos direitos. O
constitucionalismo assim formulado e formalizado deu os contornos do Estado de
Direito. O homem criou o Estado de Direito. Os burgueses o fizeram liberal.
Como a esses autores liberalizantes do modelo interessava o individualismo, foi
com essa conotação que os direitos humanos se entronizaram nos sistemas
constitucionais modernos.
Essa nova concepção de Direito,
que a fórmula do constitucionalismo moderno consagrou, teve em seu polo central
a entronização dos direitos fundamentais como o grande diferencial de tudo
quanto até então se concebera e se positivara como ordem jurídica. É que os
direitos humanos (direitos da pessoa humana) concebem-se gemeamente com a dupla
marca que se mescla e se torna um novo e único signo: o homem e o direito,
diversos em si, passam a integrar uma unidade dotada de vida própria,
alterando-se os dois elementos que se tornam uma realidade a se fazer centro
não apenas da prática de idéias, mas do espírito que deve dominar todas as
práticas. O homem tem o sentido do absoluto na experiência de vida no planeta:
tudo se pensa, realiza-se e se põe a partir dele e a se voltar para ele. O
direito tem o sentido relativo que a experiência histórica lhe vota. Por isso
alguns referem-se ao sentido absoluto dos direitos humanos, afirmando a sua
condição de dado da natureza (e fazendo-se a sua ligação com o direito
natural), porque se enfatiza a condição do homem. Outros, diversamente,
preferem salientar o sentido relativo que a historicidade desses direitos
projeta e afirma nos diversos sistemas adotados nas variadas fases da
experiência humana. O significado do homem para o Direito é absoluto. O sentido
do Direito para o homem é relativo. Mas como se pensar relativo e histórico o
cabedal de direitos denominados "humanos", quando há, na Antigüidade,
a tragédia de Sófocles, na qual se põe Antígona a lutar para ter o direito
"eterno", de que se acha titular, de dar enterro digno a seu irmão
Polinice e se depara, vinte e cinco séculos depois, com uma outra mulher, Zuzu
Angel, a lutar contra o Creonte de ocasião, para dar enterro digno a seu filho
morto e sem direito ao caixão, alegando esta, tal como a primeira, que a luta
se fazia em nome de leis eternas ainda que contra aquelas postas pelo Estado?
Como se ter como relativos os direitos humanos, quando Sócrates volta a viver e
a morrer, sob o manto de uma igual e mesma tragédia, em Herzog, em Rubens de
Paiva, em milhares de homens sem o apanágio da sabedoria e sem o título daquele
sábio? Mas como não se pensar na relatividade dos direitos humanos, quando se
tem por certo ser próprio do Direito a historicidade dos elementos que o
compõem e, ainda, que os sistemas jurídicos não guardam o condão de absolutos?
3 Os direitos fundamentais
concebem-se, antes, nas idéias, nas lutas, nos movimentos sociais, nos atos
heróicos individuais, nas tensões políticas e sociais que antecedem as
mudanças, como o ar pesado que prevê a tempestade. Os direitos humanos foram,
primeiro, crimes ditos políticos pelos quais muitas cabeças rolaram. Só depois
vem o Direito. Muito depois vêm os direitos. A humanidade caminha a passos
largos. O direito a conquistá-la arrasta-se em cadência muito mais lenta.
3.1 Coube aos fautores da
Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, em 1776, a expressão
primeira dos direitos, posteriormente (já no século XX) divulgados com a
alcunha de "direitos humanos". E aos revolucionários franceses, com o
caráter cosmopolita dominante dos seus atos políticos, a proclamação desses
direitos em elenco que se divulgou e se fez fonte de sua adoção nos sistemas
jurídicos e nas organizações políticas que a partir de então se estabeleceram.
Algumas observações cabem, aqui,
quanto a essas primeiras declarações de direitos fundamentais: preliminarmente,
é de se relevar serem elas documentos de valor normativo, impositivo portanto,
mas externos às Constituições (tanto os artigos da Confederação, dos norte-americanos,
que continham as normas da organização fundamental dos Estados Unidos, quanto a
Constituição Francesa, de 1791, não incluíam aquele rol de direitos declarados
em seus textos, conquanto o considerassem de cumprimento obrigatório e,
inclusive, de valor supraconstitucional); em segundo lugar, é de se salientar
que os direitos declarados traziam a conotação (ou se divulgava com o sentido)
de "direitos naturais" dos homens, não expressando, assim, a idéia
que hoje domina e que historiciza e engaja tais direitos à realidade da
experiência política e jurídica do homem na sociedade estatal; um terceiro
ponto é que tais direitos ainda se concebiam como privilégios (tais como os
seus antecedentes, havidos, por exemplo, em documentos como a Carta Magna
adotada, na Inglaterra, em 1215, por João Sem Terra); nem tinham eles caráter
universal em sua aplicação, nem a preocupação dominante das concepções
burguesas colocava-os a salvo das investidas não apenas do poder estatal, mas
dos poderes particularistas havidos na sociedade de uns contra outros homens;
em quarto lugar, é de se atentar que os direitos declarados tisna-se pela
conotação individualista, como acima lembrado, porque o Estado então
estruturado era "Liberal de Direito", pelo que os interesses
individuais e o individualismo predominavam sobre todas as formas de
organização e o Direito não se ausentava desta natureza com que se geravam as
idéias, as instituições e as suas práticas; em quinto lugar, acentue-se que
esses direitos, referentes à vida, à liberdade individual, à segurança, à
igualdade e à propriedade são, já então no curso deste século XX, denominados
"de primeira geração".
À Constituição do Império do
Brasil de 1824 coube ser a primeira a introduzir a declaração de direitos
fundamentais individuais no corpo permanente de suas normas, como parte nuclear
do sistema nela positivado.3 Em explanações sobre o texto
constitucional imperial, lecionava Pimenta Bueno que os principais direitos
individuais são, como o art. 179, da Constituição e seus parágrafos reconhecem,
os de liberdade, igualdade, propriedade e segurança, mas não só cada um deles
se divide em diversos ramos, mas também eles se combinam entre si, e formam
outros direitos igualmente essenciais.4 Referindo-se aquele
eminente constitucionalista por exemplo à liberdade de trabalho como um dos
direitos fundamentais que se extraía do subsistema constitucional a eles
relativos, transpunha-se ele para um momento futuro, no qual a expressão que
iriam traduzir numa nova geração de direitos.
3.2 – Como o homem é um ser que
se torna, se estende e se amplia em sua dimensão pessoal, também os direitos,
uma de suas principais projeções, dota-se de igual natureza: a formalização
daqueles direitos não estancou a febre que estimula à conquista do novo e traduz
maior e melhor possibilidade de realização dos homens. A constatação de que a
dicção jurídica declaratória dos direitos fundamentais era necessária,
conquanto não suficiente, e de que o próprio elenco daqueles que se haviam
declarado ampliava-se nas novas conquistas sociais, conduziu a outros
movimentos que conduziram a novas formulações jurídicas: surgem os direitos
sociais, culturais e econômicos, havidos como os de "segunda
geração", a se acrescerem e mesmo a redimensionarem o sentido daqueles que
compunham os de "primeira geração". As declarações cresceram e
viram-se a tocar um homem antes não contemplado: encontra-se na fábrica, no
trabalho, no parque, na praça, come, dorme e sonha o mesmo sonho de todos sem
perder-se de seus próprios e únicos devaneios. Mas não apenas os direitos foram
acrescidos nas declarações que projetaram e expressaram os direitos
fundamentais ditos de "segunda geração", senão as normas que os
contemplaram traziam mensagens jurídicas novas para o Estado e para os outros
homens, de tal maneira que a sociedade estatal passou a ser concebida com um
diferente fundamento e uma forma inédita: os direitos sociais reconheceram o
homem em sua dimensão criadora de trabalhos, projetos juntamente com os outros:
a praça fez-se Direito e o Estado fez-se Social de Direito. Os direitos sociais
fecundaram a Justiça social e o bem estar fez-se nome próprio do Estado.
Superou-se o homem isolado em seu individualismo egoísta, vigiado policialesca
e timidamente pelo Estado Liberal. O homem fez-se também o outro. O Estado
fez-se a sociedade incontida, diversa, colorida espalhada na festa, no fisco,
na fé.
Faz-se mister, aqui,
encarecerem-se alguns dados de relevo imperioso, especialmente no momento atual
quanto ao constitucionalismo e aos direitos fundamentais do homem. Tem-se
afirmado ser a passagem dos direitos fundamentais de primeira para os de
segunda geração uma substituição, o que não corresponde à natureza do processo.
Os direitos ampliam-se, estendem-se, adicionam-se, adensam-se nos que se seguem
e que se põem como plus em relação ao que se tinha anteriormente. Não há
antinomia entre eles, mas uma relação de complementariedade. Assim, a igualdade
jurídica aprofundada na lista dos direitos sociais, culturais e econômicos
adquiridos no curso dos últimos anos do século XIX e no curso deste século que
se esvai, rebaliza a concepção constitucional da igualdade pensada nos albores
do Estado Moderno, sob o influxo do individualismo exacerbado. A liberdade que
antes somente se pensava no plano individual projeta-se no espaço público e a
participação política efetiva e eficaz recompõe o seu conteúdo e refaz todos os
sinais balizadores do constitucionalismo. Não há, assim, a superação de uma por
outra "geração de direitos", mas sim uma soma de liberdades conquistadas
e que se amalgamam compondo um novo subsistema constitucional de direitos
fundamentais e um novo sistema jurídico informado por eles, que lhe são o
embasamento essencial.
De outra parte, mesmo quando se
assevera que os direitos fundamentais de "primeira geração" eram
formais e que o Estado organizado sob tal base individualista não se dotava de
instrumentos suficientes para lhes dar eficácia, é de se atentar a que a dicção
jurídico-normativa não se fazia, então — como, de resto, não se faz hoje —,
desnecessária, sequer que haja contrariedade ou alternatividade entre a
retórica jurídico-normativa e a prática que se impõe para a concretização dos
direitos fundamentais. Se não houver a expressão jurídico-constitucional dos
direitos fundamentais, a sua busca, concretamente e em caso de violação, faz-se
difícil e, não poucas vezes, quase impossível. Os instrumentos jurídicos e
mesmo a instrumentalização social que lhes assegura a eficácia põem-se a partir
da expressão normativa, pelo que se não suficiente a sua elaboração normativa,
é ela imprescindível.
Se, a partir dos anos 30,
principalmente, e com as feridas abertas pelos horrores da Segunda Guerra
Mundial, os homens souberam certo definir os direitos sociais de segunda
geração em documentos jurídico-normativos, não é certo que se lhes tenham
conferido, com igual presteza e desembaraço, a normatividade, sem a qual a sua
eficácia resultava comprometida. Cunhou-se, então, a teoria da "norma
programática", espécie de limbo constitucional, no qual permaneciam as
normas contenedoras de expressões de direitos para as quais a impositividade do
cumprimento ficava a depender de providências supervenientes, sem limite
temporal para a sua adoção e sem sanção específica para o seu não-cumprimento.
Cassava-se, por aquela teoria, a palavra de ordem pela conquista de direitos
fundamentais: contemplados, tinha-se-os como conquistados, cessada, pois, a
luta; sem eficácia plena, tinha-se-os como inaplicáveis até que se adotassem as
medidas em cujos termos se conteriam a sua eficácia: estas, contudo, não
vinham. Os direitos sociais de segunda geração passam a ser instrumentalizados
constitucionalmente e tornam-se justiciáveis com as novas Constituições,
adotadas em períodos mais recentes (e quase três quartos daquelas que hoje
vigoram no mundo datam do período pós-68), fase considerada como uma etapa
complementar necessária de sua conquista efetiva.
3.3 Se a liberdade (especialmente
a individual) marcou o primeiro momento histórico moderno da conquista dos
direitos fundamentais (dominando a própria concepção dos direitos de primeira
geração) e a igualdade jurídica fecundou a segunda etapa (direitos de segunda
geração), coube ao terceiro mote da trilogia revolucionária setecentista,
refeito e rebatizado, assinalar a conquista dos direitos denominados de
"terceira geração": a solidariedade social juridicamente concebida e
exigida colore o constitucionalismo e tinge com novas tintas o princípio da
dignidade humana. Agora, não mais apenas o homem e o Estado, ou o homem e o
outro, mas, principalmente, o homem com o outro. Como direitos
fundamentais da solidariedade social constitucionalmente positivada foram
reconhecidos o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente saudável, à
informação e comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. Reivindicados sob
o influxo de uma nova ordem mundial, na qual pobres e ricos, homens ou Estados,
possam ter acesso e gozo aos direitos fundamentais que lhes assegurem a
condição mínima à qual já chegaram algumas sociedades, muitas vezes às custas
dos bens jurídicos de outras, foram aqueles direitos contemplados,
inicialmente, na Carta de Banjul, nos termos seguintes:
Art. 22.1 – 1. Todos os povos
têm direito ao desenvolvimento econômico, social e cultural, compatível com o
respeito adequado de sua liberdade e de sua identidade, assim como a uma
participação igual no patrimônio comum da humanidade.
2. Os Estados são obrigados a
garantir, individual ou coletivamente, o exercício do direito ao
desenvolvimento.
Art. 23.1 – Todos os povos têm
direito à paz nacional e internacional. As relações entre os Estados são
presididos pelos princípios da solidariedade e amizade que foram afirmados
implicitamente pela Carta da ONU.
Art. 24 – Todos os povos têm
direito a um meio ambiente que seja ao mesmo tempo satisfatório e favorável
para o seu desenvolvimento. 5
O surgimento desses direitos
fundamentais de terceira geração põe-se em geral como o fruto de uma
reivindicação social para a justiça social universal e não uma condição
jurídica privilegiadora de alguns povos e de algumas poucas sociedades e
pessoas e como uma resposta ao fenômeno da liberties pollution referida
pela teoria anglo-saxônica como a erosão e degradação que atinge os direitos
fundamentais ante determinados usos das novas tecnologias. 6
No Brasil, Paulo Bonavides faz,
hoje, a defesa da existência de uma quarta geração de direitos, que
compreenderia, segundo ele, o direito à democracia, o direito à informação e
o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do
futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo
inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.7
4 Constitucionalismo,
globalização, neoliberalismo e direitos humanos
Toma ares de verdade ou de uma
ideologia sem ideais e com poucas idéias que não a do lucro a qualquer custo
uma onda que se propaga sob o título de "globalização" e de
"neoliberalismo", a dominar comportamentos estatais e a propor
modelos de governos e de atuações governamentais e sociais muito pouco afeitas
e quase nada asseguradoras dos direitos cujas conquistas se fizeram ao longo do
último século e meio.
Nem a globalização, nem o
neoliberalismo têm algo de neo. A globalização é o mesmo imperialismo que desde
os romanos intentam as sociedades dotados de maior poder de inserção e domínio
sobre os outros, dos quais se pretendem aproveitar para o seu próprio e
exclusivo benefício. O imperialismo colonizou, matou, trucidou e cometeu
genocídio de índios nos continentes ditos "colonizados", e mata agora
com novas armas. O selvagem de ontem é o excluído social de hoje. O liberalismo
mais não pretende que retomar a fórmula velha e que se acreditava superada do laissez
faire, laissez passer... O mundo, já se viu antes, não vai por ele mesmo.
Os mais frágeis, especialmente os mais fracos economicamente, tornam-se os
neoescravos, sem direitos e sem razões que a razão do mais forte não possa
comprar segundo a percentagem de lucro que lhe aprouver.
Na base de todo esse movimento
tem-se o momento de um mundo sem ideologias que se contritam para daí fazer
nascer um consenso baseado num mínimo de alteridade e de interesses que atendam
os dois lados. O mundo hoje tem apenas um lado: o do capital, o do lucro, o do
ganho. O utilitarismo lucrativo passou a ser a única "ética" prezada
e reverenciada. De escravo a servo, de servo a súdito, de súdito a cidadão, de
cidadão a ... consumidor. Quem não consome não tem direitos, porque deixa de
ser útil a um sistema em que a utilidade voltada ao lucro, e nenhuma outra
coisa, é o critério "moral" aceitável. O não-consumidor é um
excluído. E o excluído tem direitos? Se ele está fora da sociedade — a exclusão
apelida-se "social" — e o direito é, essencialmente, um conjunto de
normas que se põe para a vida em sociedade, quem dela se ausenta do direito se
aparta? Quer-se inaugurar (ou já se iniciou) um processo de escravização branca
de populações inteiras às quais se nega mesmo o direito de existir na
sociedade, pois a esta não seria útil. As legiões que perambulam desempregadas,
famintas e envergonhadas de sua não-utilidade trazem o estigma dos que
não se respeitam porque o respeito é próprio do homem digno e a sua condição os
projeta em situação de indignidade e de carência de qualquer direito.
Minguam-se os serviços que
competiam até há pouco aos Estados exatamente para que as condições materiais
de todos os homens fossem obedecidas: fala-se em Estado Mínimo. A
desregulamentação é o slogan do momento. A desconstitucionalização dos
direitos fundamentais, um de seus consectários necessários. A desumanização das
relações sociais, uma de suas conseqüências inafastáveis. A
"desjusticialização" uma de suas mais nefastas conclusões.
O Estado do Bem-Estar e da
Justiça Social fez-se intervencionista na sociedade e na economia nela praticada
para que os direitos sociais e coletivos fossem universalmente assegurados. O
Estado fez-se empresário no período do pós-guerra. Nestas últimas duas décadas,
tem-se a revanche do empresário contra o Estado. Do Estado absenteísta ao
Estado empresário pretendem, muitos, agora, passar do "Estado
empresário" ao "Empresário Estado". Afinal, os governantes
dependem dele para o financiamento de suas campanhas: o resgate desta nota
promissória é paga em empregos retirados e a tecnologia não mais permitirá
retornar. Mas como o trabalho esteve na base das conquistas dos direitos
fundamentais de segunda geração e a sua ausência não atinge a categoria
daqueles que elaboram e positivam as normas jurídicas, o trabalho continua a
ser pensado como algo que voltará em outra onda, mesmo se o seu objeto se
perdeu e se sabe bem, como referido por Eric Hobsbawn, que se está a conhecer
um período de atividades que deixaram de ser trabalho dos homens e os empregos
nos quais eles eram desenvolvidos não mais voltarão. E os direitos dos
desempregados-excluídos sociais voltarão? E o Estado que se pretende
"moderno e modesto" prestará algum dia, verdadeiramente, atenção
àqueles que vivem nas sombras dos viadutos como nas sombras dos direitos? A
quem interessa, nesta perversa colocação de uma globalização de ganhos e de um
liberalismo tão velho e desumano, o retorno a sociedades dessas hordas humanas
para as quais os direitos humanos deixaram de valer, até porque rebaixados no
desnível dos que não são humanos úteis e lucrativos? E se as sombras que
escondem os vãos das pontes e os guetos das favelas não se mostram, e se de
tanto não se ver, nem se pensar estas massas desaparecerem com o amanhecer como
as próprias sombras que os contêm? E se a insensibilidade banaliza a crueldade
da situação social dessas pessoas desvestidas não apenas de roupas mas,
principalmente, de direitos, como considerar a Constituição a lei que permite a
libertação de todos pela garantia das liberdades? E como produzir um
constitucionalismo que obrigue o holofote projetado sob os pilares soturnos nos
quais não mais se recolhem ratos, mas homens? Apenas a adesão plena dos
cidadãos de todos os cantos, recantos, encantos e desencantos do mundo será
capaz de assegurar que a Constituição faça-se viva nos povos e os direitos
humanos ativos para todos os homens.
Daí porque o constitucionalismo
contribui decisivamente para a universalização dos direitos fundamentais para
tanto contando com a internacionalização do direito que contemple e garanta os
direitos humanos. A integração entre os sistemas constitucionais e o direito
internacional faz-se inexorável nessa fase, particularmente para o
aperfeiçoamento e garantia eficaz e eficiente dos direitos fundamentais. A
única universalização possível de ser pensada e posta à conquista, a única
mundialização buscada como ética e necessária no atual estágio da humanidade
não é, primeiramente, a econômica, que produz novos feudos e velhos vassalos,
novos senhores para os mesmos e velhos escravos, mas a dos direitos
fundamentais, que produz a solidariedade jurídica e faz espraiar a humanidade
sobre todos os pontos do planeta. Todos os sinos repicam por ti. Não
perguntes por quem eles dobram...
De outra parte, a
"ética" do lucro e do abandono humano não é ética, é imoralidade de
luxo; não é direito, é arbítrio emoldurado pelo discurso estéril de uma razão
sem humanidade.
Por isso, não apenas se deseja
que as conquistas se projetem no Direito Internacional para que estes
alicercem, fortaleçam e protejam os direitos humanos nos diferentes Estados,
mas, igualmente, deseja-se que as conquistas cujos povos dos diferentes Estados
realizem no espaço regional reflitam-se no cenário internacional, de tal modo
que haja uma conjugação de valores, princípios e experiências jurídicas que se
complementem e se aprofundem para a melhoria do ser humano em qualquer parte do
planeta.
II O CONSTITUCIONALISMO E OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL
O Brasil tem tão boa tradição de
textos constitucionais de qualidade elevada e de retórica avançada quanto
nenhuma tradição de práticas constitucionais coerentes com o quanto posto nas
normas jurídicas.
Primeiro Estado a inserir em seu
corpo permanente de normas uma declaração de direitos individuais, como antes
lembrado, foi um dos últimos Estados do mundo a extinguir de sua prática a
terrível experiência da escravidão. A liberdade preconizada e garantida no caput
do art. 179, da Carta de Lei de 25 de março de 1824, não era universal e nem se
baseava na natureza, a despeito do quanto sobre o dispositivo se expendia. Fosse
tanto verdade e não seria possível haver lógica na manutenção de escravos, a
sustentarem uma economia que se baseava exatamente em sua força de trabalho.
Todavia, o texto constitucional
imperial então adotado no Brasil chegava a conter normas que não eram próprias
do modelo liberal, senão que prenunciavam e mesmo antecipavam o que somente um
século depois voltaria a freqüentar os direitos fundamentais constitucionais
assegurados sob o título de direitos sociais de segunda geração, a saber, os
direitos sociais especialmente aqueles relativos à educação.8
A Constituição Republicana de
1891 estabeleceu, em título relativo aos "cidadãos brasileiros", uma
"declaração de direitos", que estendia por trinta e um incisos a
garantia da "inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à
segurança individual e à propriedade".
No tratamento oferecido à matéria
em 1891, estendem-se os direitos fundamentais quanto aos sujeitos: enquanto na
Carta Imperial a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos
cidadãos brasileiros era declarada e assegurada, na Constituição
Republicana a declaração de direitos assegurava a brasileiros e estrangeiros
residentes no país aquela mesma inviolabilidade. Mas enquanto a primeira
referia-se, no título, expressamente às garantias dos direitos civis e
políticos dos cidadãos brasileiros, esta mencionava apenas direitos.
Nesse rol de direitos, a
igualdade "perante a lei" foi contemplada e os demais direitos, mesmo
aqueles que se continham no rol da Carta Monárquica decaída com o advento da
nova forma de governo e da nova etapa constitucional, foram reelaborados, sob a
ótica com que os vislumbrava o grande Rui Barbosa. Mas foi o maior advogado
brasileiro de todos os tempos o principal esteio na luta pela sua eficácia,
pois menos de um ano após a promulgação da Lei Magna de 1891 reinstalava-se no
Brasil o autoritarismo, inimigo de todas as liberdades e desafeto de todos os
direitos, mormente aqueles rotulados de "fundamentais" e que
asseguram as expressões de divergências e de anteparo à ação arbitrária do
Poder.
Dos questionados atos do Marechal
Deodoro, ainda em novembro de 1891, à ditadura de Floriano Peixoto, da campanha
civilista de Rui, em 1910, até o quatriênio em estado de sítio determinado por
Arthur Bernardes, a primeira fase constitucional (ou muito pouco constitucional
e quase nada republicana) da nomeada República brasileira viu-se o coronelismo
florescer, as eleições se viciarem sob o cabresto dos donos dos votos
antecipados e cerceados, a corrupção prevalecer e as liberdades públicas
depauperarem.
A revolução de 30 fez-se em nome
da reconstitucionalização do Estado brasileiro. A chegada de Vargas ao poder
teve como saldo imediato quatro anos de desconstitucionalização do país, o que
prevaleceu pelo período de quatro anos.
O advento da Constituição de 1934
– após uma Revolução que teve o título de "constitucionalista" (a de
1932) — trouxe um novo fundamento e um novo desenho constitucional na matéria
dos direitos fundamentais: o título III — "Da Declaração de Direitos"
— separava o capítulo I, "Dos Direitos Políticos", do capítulo II,
"Dos Direitos e Garantias Individuais". A distinção entre
"direitos" e "garantias" que Rui Barbosa elaborara, ainda
sob a égide da Constituição que se elaborara sob a sua inspiração e com o seu
trabalho, passava, então, a titular o capítulo específico da matéria.9
O art. 113 desdobra-se em 38
incisos, acrescentando-se, assim, muitos àqueles inicialmente concebidos quando
do advento da primeira Carta Magna brasileira, a do Império Monárquico.
Naquele art. 113, da Constituição
de 1934, a igualdade jurídica sobrepunha-se, na topografia constitucional, à
definição da juridicidade, único princípio legitimador da obrigação restritiva
da liberdade.
A propriedade passa a ser um
direito garantido desde que não seja exercido contra o interesse social ou
coletivo, na forma que a lei determinar (art. 113, inciso 17).
Criam-se novas garantias
constitucionais, das quais a mais celebrada e a que melhor se converte em
instrumento dotado de confiança e, portanto, de efetividade social é a do
mandado de segurança.
Mais ainda, o art. 114 desse
documento fundamental expressa que a especificação dos direitos e garantias
expressos nesta Constituição não exclui outros, resultantes do regime dos
princípios que ela adota.
A Constituição de 1934 guarda a
condição de ter sido a primeira a cuidar de direitos sociais: os direitos dos
trabalhadores, dos servidores públicos (trabalhadores do setor público) e a sua
situação em face de uma ordem econômica definida vem traçada em termos
específicos (Título IV — "Da Ordem Econômica e social", Título V —
"Da Família, da Educação e da Cultura" e Título VII — "Dos
Funcionários Públicos").
Uma Constituição assim
democrática e protetora de direitos fundamentais não encontrou guarida nos
palácios, acostumados a escrever em papel sem pauta, como afirmou
expressamente Getúlio Vargas ao receber o primeiro exemplar das mãos de Oswaldo
Aranha, presidente da Assembléia Constituinte.
Em 1936 se anunciava a morte
dessa Constituição, que foi enterrada, formalmente, em 10 de novembro de 1937,
com o golpe de Vargas e a implantação do Estado Novo. Outorgada nessa data uma
nova Carta, a ela não se dedica qualquer palavra porque ditadura não rima com
direito, menos ainda com Constituição. Os direitos fundamentais teriam de ser
então conhecidos a partir das Memórias de Cárcere de Gracialiano Ramos,
não em livros de Teoria do Direito, porque até a teoria podia acabar em prisão
naquele período.
A Constituição de 1946 busca o
resgate do constitucionalismo perdido em 37, tentando recompor, no que concerne
aos direitos fundamentais, o modelo de subsistema acolhido na Constituição de
1934. Sob a égide desta Lei Fundamental, o Brasil viveu talvez um de seus
únicos períodos de ensaio de uma democracia. Mesmo com as turbulências sociais,
políticas e econômicas que dominaram a década de 50, a sociedade floresceu
cultural, social e juridicamente nessa fase. O golpe de estado de 1964 veio
liquidar a fase constitucional estabelecida naquela ocasião e determinar o
comprometimento gravíssimo dos direitos humanos. Os direitos fundamentais não
gozavam desta condição que os nomeia sequer no texto, pois o advento de
documentos normativos como os Atos Institucionais, fica na memória o de n. 5,
que suspende os direitos e garantias individuais e torna todos
vulneráveis à ação do Estado, o Decreto n. 477, que faz com estudantes armados
de suas idéias possam ser considerados subversivos, o processo é um luxo e a
vida um desafio diário para cada um e uma peleja sem garantia para todos, não
se há de falar em Estado de Direito, menos ainda de Democracia, muito menos de
Constituição e direitos fundamentais.
A Constituição de 1988 inaugura
nova fase do constituiconalismo brasileiro e não apenas nova como "mais
uma", mas principalmente uma fase que não encontra paralelo no quanto
anteriormente experimentado social e politicamente.
Como acentuado por Ulysses
Guimarães, diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o
homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o
homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição Cidadã. ... O
homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem casa,
portanto sem cidadania.
Os direitos e garantias
fundamentais compõem o título II da Constituição da República brasileira de
1988, subseqüente apenas ao título que traça os princípios fundamentais do
próprio Estado. Esse título divide-se em cinco capítulos, dos quais apenas o
último, a tratar dos partidos políticos, não se refere diretamente ao homem,
mas a um dos caminhos a ser por ele utilizado para o exercício de sua
cidadania.
O capítulo I daquele título
também inova o constitucionalismo brasileiro ao cuidar dos direitos e deveres
individuais e coletivos. Crescem esses direitos e deveres,
fundamento da organização social e estrutura do Estado brasileiro, e inova-se a
matéria referente às garantias constitucionais fundamentais, renovando-se o
mandado de segurança, introduzindo-se o habeas data e o mandado de
injunção, reestruturando-se a ação popular e reforçando-se o direito de petição
aos poderes públicos.
A Constituição tem um capítulo
específico sobre os "direitos sociais" definidos como a educação,
a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, tudo em forma
estabelecida pela própria Lei Fundamental (art. 6º e seguintes).
Com um documento fundamental do
Direito estabelecendo um sistema tão completo de direitos e garantias do homem
e do cidadão é de se perguntar como vão esses direitos fundamentais no Brasil.
Não vão bem. Nada a ver, contudo,
com a Constituição. Afinal, Constituição não faz milagres, já repeti antes. Lei
alguma os faz. Milagre faz o cidadão ativo e participativo a torná-la viva e
respeitada. O Brasil não carece de Constituição, mas tem enorme carência de
cidadania.
O poder no Brasil sempre se
estruturou à margem do cidadão. Na verdade, não é que o povo seja marginal ao
poder estatal brasileiro. Esse é que nunca quis "se misturar" com o
povo e faz a sua própria história à margem daquele. Planos, projetos, órgãos
estatais, nada funciona em termos de direitos fundamentais enquanto a adesão do
povo ao projeto político cidadão, respeitador e respeitante aos direitos
fundamentais dos brasileiros, de todos os brasileiros. O poder público no
Brasil tem sido, tradicional e infelizmente, muito pouco público, muito pouco
do povo. Ele é exercido não pelo povo ou em seu nome e interesse, mas por uns
poucos grupos que o dominam desde os primórdios, em seu nome e em seu próprio e
único interesse. Desde o "descobrimento" de um Brasil que não estava,
aliás, "encoberto", mas colonizado por um poder exercido no interesse
do colonizador, cujo grupo compunha o núcleo do comando que os portões dos
palácios não sabem daqueles que não tem teto. Quem joga caviar fora não pode
imaginar a fome dos que não têm sequer um naco de pão velho para se alimentar.
Quem pisa em tapetes persas custa a saber da inglória dos que lutam por um
pedaço de chão onde pisar sem medo e sem se esconder.
O fantástico descompasso entre
uma Constituição contra a qual alguns insurgem ao argumento exatamente de que
"reconhece e assegura" direitos "demais" e uma sociedade na
qual se reconhecem violações constantes e gravíssimas dos direitos humanos tem
causas diversas e uma história comum: a história de um Estado no qual o
autoritarismo dominou e continua a porejar nas mais diferentes estruturas do
poder. Do "guarda da esquina" ao ocupante do mais alto cargo político
da organização, a distância do cidadão comum e a condição de um poder sem
controle e acima de tudo – inclusive do Direito – todos os quadrantes da
organização social e política brasileira são tocados por um arbítrio que não
conhece ou faz por desconhecer os limites negativos e positivos que os direitos
fundamentais do homem impõem.
Mudam-se as leis, mas quem as
cumprem têm nas veias – de seu próprio corpo e dos corpos e órgãos de que
participam – o mesmo sangue com que se alimentavam antes do seu advento. As
estruturas autoritárias não mudam. Sem o conhecimento e a certeza de seus
direitos, as pessoas – especialmente aquelas de classes sociais mais pobres –
desconfiam mais que confiam nos seus direitos fundamentais, os quais, aliás,
consideram mais favor quando se lhes reconhecem que prerrogativas que lhes são
devidas. A lerdeza das instituições e dos institutos em assegurar ao cidadão
punição dos que ameaçam ou violam direitos torna-o perigosamente cúmplice pelo
silêncio com que prefere se haver quanto atingido.
Nos últimos dez anos, algumas
iniciativas governamentais deflagraram movimentos e adotaram medidas voltadas
para a tutela e garantia dos direitos fundamentais. As Organizações
Não-Governamentais – ONGs voltadas aos direitos humanos têm contribuído para a
tomada de consciência de direitos. No entanto, a insegurança que domina a
sociedade brasileira quanto ao que lhe é fundamental em termos de direitos faz
refletir mais e mais sobre o diagnóstico e a busca de um prognóstico para os
gravíssimos problemas que atolam os homens desta sociedade numa desigualdade de
direitos e em direitos e numa carência de dignidade que o põe abaixo da linha
dos direitos de primeira geração. Em São Paulo, nos últimos anos, há uma média
de quinze homicídios por mês praticados, em grande parte, pelo próprio aparato
policial, organizado para proteger e não para matar. O Carandiru não está
enterrado. Chico Mendes ainda não foi suficientemente velado. A Candelária –
órfã de suas crianças – reza pelo presente e pelo passado. Cumpre lutar por um
outro futuro. Quase meio milhão de crianças brasileiras (entre cinco e nove
anos de idade) são expostas ao trabalho escravo, enquanto seus pais sequer encontram
trabalho e persistam escravos de um sistema sem leis a ampará-los e sem que
aquelas que existem lhes garanta a dignidade que afirmam. A Constituição
precisa ser promulgada todos os dias em todos os pontos do país. Ela apenas
começou no dia 05 de outubro de 1988, mas compete a cada cidadão fazê-la
vigorar cada dia de cada ano para que os direitos sejam conquistados todos os
minutos. Cultivar o direito – especialmente aqueles considerados fundamentais
aos homens – é como cultivar a própria natureza: qualquer descaso ou
negligência pode ser fatal.
III A EFICÁCIA JURÍDICA DAS
NORMAS CONSTITUCIONAIS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
As normas constitucionais de
direitos fundamentais são, nos expressos termos do Direito positivo
constitucional brasileiro, de aplicação imediata. O que poderia, entretanto,
ensejar a certeza de que são eficazes em sua plenitude não pode ser tão
singelamente posto, em face dos ditames do próprio texto constitucional
brasileiro por conta da formulação em que se têm esses direitos.
Anote-se, pois, primeiramente,
que a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais, expressa no parágrafo 1º do art. 5º, da
Constituição da República do Brasil, significa que a sua exigibilidade não pode
diferir por alegações de condicionamentos a situações adotáveis apenas
mediatamente.
Todavia, a produção dos efeitos
próprios e plenos das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais
pode apresentar dificuldades em razão da dependência de esclarecimento ou integração
da mesma por norma infraconstitucional assim avocada pelo próprio constituinte
(são múltiplos os exemplos havidos nesse modelo no texto constitucional,
especialmente no que se refere aos direitos fundamentais sociais – cf. nesse
sentido o art. 7º, da Constituição).
A solução parece vir,
independentemente de qualquer indagação ou argumentação filosófica ou teórica,
no próprio texto constitucional, no qual se incluiu uma nova garantia
processual fundamental, qual seja, o mandado de injunção. Esse instrumento
processual constitucional tem como objeto a falta de norma regulamentadora
(que) torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania
(art. 5º, inciso LXXI).
A Constituição é lei e lei é
feita para se aplicar, para se respeitar, para se cumprir, imponha ela uma
abstenção ou um comportamento comissivo do Estado ou mesmo de outra pessoa.
Constituição não sugere, determina, e o que ela ordena é para se cumprir, mais
ainda no que se refere a condutas das quais dependam a viabilidade do exercício
de direitos fundamentais por ela declarados e assegurados.
Como a sua aplicação é imediata,
inexistente lei infraconstitucional pela qual aguarde o titular do direito
garantido constitucionalmente sem que ela seja elaborada e trace os termos
integradores do direito assegurado, impõe-se o uso do instrumento
constitucional criado exatamente para que os direitos e liberdades
constitucionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania não fiquem baldos de certeza e viabilidade. Assim, a solução para
que os direitos e liberdades constitucionais e as prerrogativas arroladas acima
tenham eficácia plena é oferecida pela própria Constituição. Não se quer, por
certo, que o juiz competente para conhecer e julgar o mandado de injunção
substitua o legislador. O que se quer, à evidência, é que o cidadão não tenha
frustrado o seu direito por ardil institucional havido na inércia de órgãos
públicos competentes para agir e que, não o fazendo, falseiam e agridem a
Constituição. O legislador não terá, por força de mandado de injunção impetrado
e concedido, minguada ou comprometida a sua competência, que se mantém íntegra
e de exercício obrigatório. Mas nem por isso se elimina o direito
constitucionalmente assegurado a seu titular, enquanto o dever que nela se
contém não é atendido a contento para a produção dos efeitos próprios e plenos
da norma constitucional.
Nem se poderia pensar de outra
forma, especialmente se o objetivo do Direito é resolver as questões que nascem
na sociedade, mormente em razão de sua aplicação. Teorias não garantem por si
só os direitos. Teorias que induzem a não-aplicação da Constituição (ou de
qualquer norma jurídica), mais atrapalham que ajudam o alcance dos fins que
nele se hospedam. O constituinte brasileiro deu a solução justa e equilibrada
para a questão da eficácia jurídica dos direitos fundamentais. Aos poderes
constituídos incumbe cumpri-la e, se for o caso, propor o seu aperfeiçoamento.
Julgar a norma constitucional ou indispor de vontade política para fazê-lo é
adversar a própria Constituição, pelo que se deve singelamente responsabilizar
quem o fizer.
Note-se que sendo o Estado um dos
maiores agressores aos direitos fundamentais, haveria uma antinomia em deixar
que apenas ele definisse quando e como cumprir as normas constitucionais nas
quais eles são declarados e segundo as quais têm de ser assegurados.
Vem, então, a pêlo cuidar-se de
um dos pontos proeminentes da eficácia jurídica das normas constitucionais de
direitos fundamentais: o papel que desempenha nesse tema o Poder Judiciário
como "guarda da Constituição".
Os sistemas constitucionais deste
final de século encarecem o papel do Poder Judiciário como aquele que se dota
de melhores condições para assegurar a eficácia jurídica dos direitos
fundamentais, especialmente quando se apresentar quadro de ameaça ou violação
dos mesmos.
A jurisdição é, em si, um direito
fundamental expresso tanto no plano internacional (art. 10, da Declaração dos
Direitos do Homem, da ONU, de 1948) quanto no plano interno dos diferentes
Estados (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República do
Brasil).
Se não houver jurisdição
constitucional eficiente e mesmo, e cada vez mais, jurisdição internacional
efetiva, todos os outros direitos fundamentais tornam-se vulneráveis e,
grandemente, dependentes das eventuais condições das sociedades, dos governos e
dos governantes. Então não se terão direitos fundamentais garantidos, mas
eventuais situações políticas experimentadas.
O Poder Judiciário passou a
desempenhar um papel relevantíssimo na garantia efetiva e eficiente dos
direitos fundamentais, pois esses — diversamente de outros que são havidos nos
diferentes sistemas aos particulares — não se põe a ressarcimento posterior ou
reparação, mas são indisponíveis e inadiáveis em seu exercício: garante-se o
direito à vida ou nada haverá, um dia vindouro, a se garantir; garante-se a
liberdade, porque se tal segurança não se impuser de pronto estará ela perdida
naquele momento e não se lhe poderá repor; garante-se a segurança ou a
insegurança já se terá instalado no futuro e reparação não é reposição de
direitos fundamentais.
Ao Poder Judiciário cabe, no
constitucionalismo contemporâneo, a tarefa mais elevada de impedir afrontas e
desfazer, com eficácia e eficiência imprescindíveis, os desmandos que acometem,
ameaçam e agridem os direitos fundamentais.
Por isso compete a ele fazer-se
pronto na dimensão dessa competência, sem o exercício da qual os direitos
fundamentais são atingidos irremediavelmente e as agressões lesam todo o
sistema jurídico, colocando abaixo a própria jurisdição como um direito. No
exercício dessa competência, ademais, compete ao Poder Judiciário fazer-se
alerta para interpretar os direitos fundamentais considerando o texto e o
contexto constitucional, a sede e a afluência dos direitos sobre os quais se
questionam, estender-se tão amplamente quanto seja necessário e possível para
que ele realize uma tarefa de Justiça social e não de injustiças menores. Ao
Judiciário cabe a tarefa de oferecer respostas concretas e engajadas às
questões que lhe são postas em condições históricas definidas e experimentadas.
Não há de prender-se mais às elaborações filosóficas e retóricas que às
situações determinadas e determinantes ocorridas num contexto social específico
e apurável pelos juízes que vivem o seu tempo de Direito com o Direito do seu
tempo.
IV A INSTRUMENTALIZAÇÃO PARA A
EFICÁCIA JURÍDICA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
A Constituição inclui em seu
sistema instrumentos garantidores das instituições que conduzem ao
aperfeiçoamento dos direitos que são por ela declarados, constituídos e cuja
inviolabilidade ela assegura.
As normas garantidoras de uma
Constituição estendem-se por todo o sistema normativo e nem sempre assim se
rotulam, porque, muitas vezes, elas se contêm na própria base da organização e
em seus princípios que se expressam ou ficam implícitos no ordenamento.
As garantias constitucionais dos
direitos fundamentais estão, pois, a) no conjunto de instituições concebidas no
sistema para realizar as condições sócio-econômicas e políticas aptas ao
exercício daqueles direitos; b) no conjunto de instituições que ordenam o poder
e definem o seu limite a fim de que eles sejam resguardados de desbordamentos
praticados pelos detentores dos cargos que o compõe; ou c) no conjunto de
procedimentos e institutos concebidos para que, em casos específicos, violações
por abstenção ou por cometimento ocorridas contra aqueles direitos tenham os
seus titulares vias próprias, constitucionalmente estabelecidas, para a pronta
restauração do seu respeito.10
a) As garantias
constitucionais dos direitos fundamentais contidas nas instituições que
conformam a organização sócio-econômica, política e cultural são postas quer
nos princípios formulados constitucionalmente (arts. 1º, 3º,
4º, 170, dentre outros, da Constituição da República Brasileira),
quer nos princípios que organizam o próprio poder e assim conformam uma
sociedade democrática e o modelo de democracia social.
b) As garantias
constitucionais dos direitos fundamentais que ordenam o poder e definem os
limites do seu exercício para a realização dos princípios democráticos são as
que se contêm, no sistema positivo brasileiro, por exemplo, no parágrafo único
do art. 1º, no art. 2º, no art. 37, nos arts. 85, 93 e
segs., dentre outros.
c) As garantias
constitucionais contidas em procedimentos específicos e institutos concebidos
para assegurar, em casos concretos e quando houver ameaça ou lesão aos direitos
fundamentais, que se restabeleçam, plena e eficazmente, os direitos
comprometidos. São dessa natureza o princípio da juridicidade que informa,
limita e legitima todos os atos do Estado; o da jurisdição, ele mesmo um dos
direitos fundamentais por excelência, pelo exercício garantido do qual se
manifestam outros como o princípio da segurança jurídica e de cuja eficiência
depende, grandemente, o da garantia das liberdades, os que processualizam
institutos voltados à garantia específica dos direitos fundamentais, tais como,
o habeas corpus, o mandado de segurança e o mandado de injunção, o habeas
data e a ação popular e o direito de petição. Essas garantias são postas
como instrumentos específicos, típicos do sistema constitucional brasileiro,
assecuratórios do que é apregoado como direito fundamental mesmo no plano
universal (o acesso à jurisdição imparcial e eficiente tem, no princípio do
devido processo legal e nos institutos dos mandados e dos demais instrumentos
processuais constitucionais a sua especificação no Direito positivo brasileiro,
por exemplo).
Essas garantias instrumentais ou
processuais específicas de cada sistema jurídico têm sido reelaboradas para se
adensarem no conteúdo permissivo de prevenção mais que ao mero restabelecimento
ou restauração dos direitos violados.
É que, diversamente do que ocorre
com outros direitos ou, principalmente, com outras agressões que ao Direito
impende resolver, os direitos fundamentais, pela sua própria natureza, não
podem esperar para um deslinde que somente sobrevenha quando o bem jurídico é a
vida, a liberdade ou a segurança, por exemplo, seja em suas manifestações
diretas, seja em suas apresentações mediatas (o trabalhador que não receba o
seu salário e fique sem condições de se alimentar é lesado no próprio direito à
vida digna). Assim, as Constituições, como as normas de Direito Internacional
relativas aos direitos fundamentais, enfatizam, na atualidade, a necessidade de
se terem resguardados tais direitos no plano mesmo da ameaça. A prevenção é o melhor
cuidado a se tomar, juridicamente, em caso de direitos fundamentais. Quanto
mais eficientes forem os sistemas em dotarem os indivíduos e as instituições de
instrumentos acautelatórios a fim de que ameaças sejam sustadas ou desfeitas
antes mesmo da prática prejudicial aos direitos, tanto melhor atendidos estarão
os objetivos dos ordenamentos jurídicos. A Constituição da República brasileira
aperfeiçoou a qualidade dos instrumentos garantidores daqueles direitos ao
estabelecer, no art. 5º, inciso XXXV, que a lei não poderá
excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direitos.
A ameaça — anteriormente tratamento de nível infraconstitucional e que se
incluía apenas no cuidado legal de alguns institutos — passou a compor, no
sistema de Direito positivo brasileiro, o direito à jurisdição, que somente
pode ser considerada eficiente quando, acionado o Poder Judiciário, não
permitir a concretização da lesão de cuja ameaça teve notícia e buscou evitar.
Nessa matéria deve-se atentar a
uma eficiência maior a ser procurada no âmbito das instituições internacionais,
as quais, até mesmo de maneira justificada, somente podem ser acionadas a
posteriori, ou seja, quando as lesões aos direitos fundamentais individuais
ou coletivos já se concretizaram. Ocorre que, para os lesados, a atuação
posterior à prática agressiva já não tem como ser desfeita, mas apenas
reparada, o que não é o objetivo das garantias aos direitos fundamentais.
De outra parte, a universalização
dos direitos fundamentais deve conduzir a uma conjugação melhor das garantias
que se adotam nos planos nacionais e internacionais, projetando-se o avanço de
umas sobre as demais ordens, numa reciprocidade de influências que deve
conduzir a um permanente aperfeiçoamento em benefício de todos os sistemas.
Importante é salientar, contudo,
que os sistemas de Direito Constitucional positivo não se podem despojar de
garantias constitucionais instrumentalizadoras da atuação jurídica dos
indivíduos. Os direitos fundamentais põem-se no dia a dia das pessoas e delas
não podem, então, estar distantes aqueles meios pelo uso dos quais adversam e
questionam as ameaças e lesões.
V A INSTRUMENTALIZAÇÃO PARA A
EFICÁCIA SOCIAL DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
A efetividade ou a produção de
efeitos sociais das normas jurídicas depende, fundamentalmente, da atuação dos
cidadãos.
Já não há como cuidar de cada
geração de direitos fundamentais isoladamente, porque a certeza e eficácia de
uns depende da eficácia dos demais. De uma maneira muito particular, a eficácia
social desses direitos depende da atuação dos cidadãos.
A cidadania foi erigida como
princípio ao lado da dignidade da pessoa humana (art. 1o, II e III,
da Constituição da República brasileira). Mas a cidadania que se irrompe nestes
últimos suspiros de século XX não tem o mesmo sentido que ostentou
anteriormente. Ela, agora, reporta-se ao princípio da solidariedade e passa a
se constituir num direito-dever do homem para si mesmo e para o outro.
Sem o conhecimento dos direitos
fundamentais pelos cidadãos e o seu exercício por eles, a zelar pelo seu
patrimônio jurídico e pelo patrimônio de todos, não há como se dotar de
eficácia social aquele elenco de direitos. Leciona Luño que sólo
cuando los derechos humanos se hallan inscritos en la consciencia cívica de los
hombres y de los pueblos actuán como instancias para la conducta a las que se
puede recurir. Las normas, las instituciones y los jueces son condiciones
necesarias, pero no suficientes, para el efectivo disfrute de las libertades. Esa
necesidad de adhesión social es también del todo predicable respecto al
constitucionalismo.11
Mais que a "adesão
social", incumbe ao cidadão o papel de agente promotor da eficácia social
dos direitos fundamentais, a fim de que todos possam contar, efetivamente, com
eles.
Para tanto, não apenas cada
cidadão isoladamente, mas a organização dos cidadãos na sociedade podem
formular propostas novas para o exercício do princípio da solidariedade social.
A fé na "comunhão dos
santos", que ainda me domina, leva-me a acreditar que duas condições se
impõem para que a cidadania se exerça não egoisticamente, mas solidariamente
por e para todos: a partilha política do conhecimento dos direitos
fundamentais, nessa mesma condição essencial e de faculdade que é assegurada a
cada um e a todos. Ao cidadão deve-se toda a educação, especialmente aquela que
concerne ao seu cabedal de bens jurídicos que o dignifica e o faz livre;
educado na matéria dos direitos fundamentais a ele compete repartir a sua
certeza dos direitos e a sua esperança no outro com todos; a organização social
dos cidadãos domina todas as realizações efetivas e legítimas, uma vez que
daquela organização podem nascer as grandes transformações políticas, se ela
fizer da participação política efetiva um dever consigo mesma e com os outros.
Quanto à educação, não é nova a
crença de que esse é um direito sem cujo exercício todos os demais remanescerão
como se fossem meras concessões ou exercícios acanhados numa sociedade política
a que aportamos como se fora por favor, e nela nos mantemos como estrangeiros
da própria terra. A Victor Hugo coube o brado de que todos os crimes do
homem começam na vagabundagem da criança. ... O garoto de Paris atual, como
antigamente, é o povo criança, tendo na frente a ruga do Velho Mundo. É uma
graça para a nação e, ao mesmo tempo, uma doença; doença que é preciso curar.
Como? Por meio da luz. A luz dá saúde. Todas as irradiações sociais se projetam
da ciência, das letras, das artes e do ensino. Fazei homens, fazei homens! Iluminai-os
para que eles vos aqueçam. Mais cedo ou mais tarde, estabelecer-se-á , com a
irresistível autoridade da verdade absoluta, a esplêndida questão da instrução
universal. Todas as conquistas sublimes são mais ou menos prêmios da ousadia.
Para que a Revolução se efetue, não basta que Montesquieu a pressinta, que
Diderot a pregue, que Beaumarchais a anuncie, que Condorcet a calcule, que
Arouet a prepare, e que Rousseau a premedite; é necessário que Danton a
insufle. ... Repitamos o grito: luz! Mas repitamo-lo obstinadamente! Luz! Luz!
Não são as revoluções transfigurações? Caminhai, filósofos, ensinai,
esclarecei, iluminai, pensai alto, falai alto, correi alegres para o sol,
confraternizai nas praças públicas, anunciai as boas novas, prodigalizai o alfabetismo,
proclamai os direitos, cantais as ‘Marselhesas’. Fazei das idéias um turbilhão.
Essa multidão pode ser sublime. Esses pés descalços, esses braços nus, esses
farrapos, essas ignorância, essas abjeções e essas trevas podem ser empregados
na conquista do ideal. Lançai-a na fornalha, essa vil areia que calcais aos
pés, deixai-a fundir a ferver e tornar-se-á cristal esplêndido: é graças a ela
que Galileu e Newton descobriram os astros.12
No Brasil, um único cidadão,
modelo maior de um santo cívico, traduziu a sua fé no homem numa ação cidadã e
fez do seu gesto de amor ao próximo uma revelação de cidadania a tornar todos e
cada um muito mais unido a todos. Betinho deixou de começar o seu dia com o
"Padre Nosso" para começar com o "pão nosso de cada dia": a
sua fome de justiça social alimentou milhões de bocas famintas.
Até quando nós, profissionais do
Direito, permitiremos que a esperança nos direitos e a sua eficácia dependa de
leis que não são conhecidas, de discursos que não são ouvidos, especialmente pelos
mais necessitados?
Até quando deixaremos de ser
cidadãos mais comprometidos e devedores sociais que os demais já que dispomos,
numa sociedade carente de informações, de mais dados que os outros?
Até quando conviveremos conosco
sem nos perguntarmos se a nossa dignidade não se casa com a dos outros para ser
plena e que, como se descobriu quanto à liberdade, somente no encontro com o
outro ela se realiza e cada qual se torna mais cidadão no enlace das mãos? Como
a liberdade, que em sua dimensão individual fez-se menos, também a dignidade,
em sua dimensão particularizada, apequena-se por se esconder do outro,
despojado dos outros. Não há cidadania sem solidariedade. Mas não há direito da
solidão e do isolamento. A multiplicação das agressões contra os homens
deflagra a mesma multiplicação das reações. A multiplicação das dores é também
a multiplicação dos sonhos e das esperanças, como lembrado por Paulo Mendes
Campos.
CONCLUSÃO
Considerando-se a imperiosidade
de se adotarem novas medidas para a eficácia dos direitos fundamentais e,
ainda, que todas elas devem objetivar uma nova e mais comprometida cidadania,
apresento como sugestões para o debate das idéias sobre o tema, as seguintes
providências:
1 No plano educacional:
a) básico: a criação de
estágios de Direito na área específica de Direitos Humanos, subsidiada pela
Ordem dos Advogados do Brasil, pelas suas secções e subsecções. Tais estágios
seriam desenvolvidos pela participação dos estagiários em serviços preventivos
(informativos) da comunidade, criando-se centros de serviços jurídicos de
direitos humanos, de atendimento da comunidade, a fim de que essa possa receber
o conhecimento sobre os seus direitos para reivindicá-los, quando necessário,
bem como a orientação sobre medidas, instrumentos e inclusive formas de se
obter, administrativa ou judicialmente, a prestação desses serviços.
b) graduado: a
inclusão da disciplina "Direitos Humanos" nos currículos dos Cursos
de Direito, em todas as Faculdades de Direito do Brasil, a ser ministrada como
disciplina básica e pré-requisito para o desenvolvimento das disciplinas de
formação específica.
c) pós-graduado: a
criação da especialização "Direitos Humanos" nos cursos de
pós-graduação (mestrado e doutorado), repensando-se a pós-graduação como estudo
interdisciplinar, vez que esse tema comporta uma múltipla e necessária
abordagem.
d) educação assistemática:
a criação de programas na mídia (telecurso etc.), a ser obrigatoriamente
prestada por todos os canais de rádio e televisão, em período diário
minimamente estabelecido pelo Poder Público concedente, de caráter informativo
sobre direitos humanos.
e) elaboração de cartilhas:
a elaboração de documentos informativos sobre os direitos fundamentais, os
órgãos responsáveis pela sua promoção e garantia, as formas de acesso a esses
órgãos e mediante quais instrumentos, tanto para a distribuição à população
(especialmente a mais carente), quanto, num outro nível mais aprofundado, até
mesmo para os estudantes de Direito e de cursos afins.
f) Voz do Brasil: no
Brasil, o programa produzido pela Radiobrás, "Voz do Brasil", não se
faz do povo brasileiro, mas do governo do Brasil. Sem embargo da importância
que atribuo à programação (até porque tem caráter informativo), penso ser
possível incluir-se, no período de duração do mesmo, uma parte dele dedicada à
voz do povo e para o povo brasileiro, no sentido de dotá-lo não apenas de
informações sobre o que tem feito ou vem fazendo ou proclamando aqueles que
exercem o poder, mas que se tenha naquela palavra a função educativa sobre o
fundamental ao povo: a educação de sua cidadania pelo conhecimento de seus
direitos.
Assim, proponho que se estabeleça
um tempo no programa "Voz do Brasil" para a informação do cidadão
sobre os seus direitos fundamentais, sendo esse despojado de qualquer
propaganda ou promoção, mas tão-somente de passagem de dados para o pleno
conhecimento daqueles direitos por todos.
2 Especialização da jurisdição:
a) Considerando-se a natureza dos
Direitos Humanos e as conseqüências gravíssimas do seu não-atendimento
tempestivo pela jurisdição buscada, sugiro a especialização dos órgãos do Poder
Judiciário com vistas ao conhecimento e julgamento das ações, nas quais o
objeto precípuo seja a alegação de ameaça ou violação dos direitos
constitucionais fundamentais. Assim como há órgãos de julgamento da Fazenda
Pública, haveria de se ter Varas e Turmas (ou Câmaras) nos tribunais
brasileiros, cuja competência ficaria adstrita à apreciação das causas nas
quais se tivesse como objeto de questionamento os direitos fundamentais.
b) Ainda nessa matéria
relativa à jurisdição, proponho se inclua nos Regimentos dos Tribunais a
preferencialidade da apreciação dos julgamentos das ações nas quais o
questionamento seja sobre direitos fundamentais ameaçados ou violados. É que,
nesse caso, o que se busca é o pronto restabelecimento do estado de equilíbrio
jurídico rompido com a ameaça ou lesão, não havendo qualquer busca de reparação
posterior, que é apenas o atestado de que a jurisdição terá falhado e que os
direitos terão se comprometido irremediavelmente; afinal, a fome não espera, a
falta de saúde não engana a morte, a falta de liberdade não se põe em sala de
espera.
3 Ouvidor de Direitos Humanos
Conquanto já se tenha introduzido
em uma ou outra legislação nacional ou local o modelo do ombudsman, é
certo que o seu desempenho ainda fica aquém da demanda social, vez que os temas
são múltiplos e as respostas às indagações são poucas.
Daí porque se cogita de criar, no
plano nacional, estadual e municipal, a figura do Ouvidor de Direitos Humanos,
com competência específica para a matéria de Direitos Humanos e recebimento das
reclamações e denúncias referentes à sua violação ou ameaça.
Tal figura deveria ser criada
como órgão autônomo, vinculado (administrativa, mas não funcionalmente) ao
Poder Judiciário, pois qualquer medida repressiva demandaria (como normalmente
ocorre) a atuação desse Poder.
Entretanto, a escolha do titular
desse órgão (o Ouvidor-geral) teria de ser feita pelo Poder Legislativo,
ouvidas as entidades consideradas, pela lei que cuidasse do tema,
representativas da sociedade civil e, da lista por elas apresentada, saíria,
então, aquele que seria nomeado pelo titular desse Poder, para um mandato certo
(definido legalmente) e não renovável.
Como se cuida de órgão,
necessário seria que a titularidade dele fosse unipessoal, sem embargo de se
cogitar de um Conselho que atuasse no direcionamento das providências e
condutas a serem observadas no desempenho pleno das atribuições a ele
conferidas legalmente. Tal Conselho atuaria, sem qualquer ônus financeiro, mas
como um munus público, por cidadãos escolhidos pelo Poder Legislativo, e
atuaria como auxiliar do Ouvidor de Direitos Humanos.
4 Tribunal Internacional de
Direitos Humanos
Finalmente, reitero, na esteira
de tantos quantos o fizeram antes, a imprescindibilidade de o Estado brasileiro
aprovar e participar, efetivamente, do Tribunal Internacional de Direitos
Humanos, a fim de que se tenha a eficácia jurídica das garantias desses
direitos, para o que se requer o empenho do governo brasileiro.
Mais que tudo, e a maior
sugestão, é que cada um dos mais de cento e cinqüenta milhões de brasileiros
sejam titulares efetivos dos direitos fundamentais e seja titular comprometido
dos deveres fundamentais com os outros. Afinal, não se tem uma primavera para
uma única flor. Se o estio vier será para todos.
NOTAS
1. LYOTARD, Jean François. La condition postmoderno. Paris:Minuit,
1972.
2. Nesse sentido é a lição de Antonio-Enrique Pérez Luño, segundo o
qual la posmodernidad constituye un marco convencional de referencia a la
irrupción de un conjunto de signos que entrañan una ruptura respecto a los
valores culturales de la modernidad. En el ámbito jurídico, moral y político se
repiten com asiduidad las tesis de quienes propugnan abolir los grandes valores
ilustrados: racionalidad, universalidad, cosmopolitismo, igualdad, que
consideran caducos, y propugnar reemplazarlos por una exaltación – muchas vezes
simplificadora y acrítica – de la diferencia, la diseminación, la
deconstrución, así como la vuela a un nacionalismo tribal y excludente. Las
normas jurídicas generales y abstractas, corolario de exigencias éticas
universales, están siendo hoy cuestionadas en nombre de las preferencias
particularistas fragmentarias; la propia legitimación ética del Derecho y de la
Política, basada en principios consensuales universalizables, se considera un
ideal vacío y sospechoso. ... Esamos asistiendo, en definitiva, a un nuveno
asalto a la teoría postuladora de la integración de la Moral, la Política y el
Derecho, en la medida en que dicha teoría formaba parte del aparato legitimador
de los Estados de Derecho. (Derechos Humanos y Constitucionalismo en el
tercer milenio. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 1996.
p. 13)
3. Não obstante haja referência
em algumas obras de Direito Constitucional quanto a ter sido a Constituição
suíça a primeira a integrar-se por normas declaratórias de direitos
fundamentais em seu texto, essa data de 1835, enquanto o texto constitucional
do Império do Brasil é de 1824.
4. BUENO, José Antônio Pimenta. Direito
Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro:
Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1958. p. 381.
5. Coube a Karel Vasak, diretor
do departamento jurídico da UNESCO para a defesa dos direitos do homem e da
paz, a reflexão sobre esses novos princípios, contribuindo para a reflexão
sobre essa terceira geração de direitos.
6. LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. Op. cit. p. 14.
7. BONAVIDES, Paulo. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 525. Segundo o
mestre brasileiro, os direitos da Quarta geração não somente culminam a
objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes, como absorvem – sem,
todavia, removê-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os
direitos da primeira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas
sobrevivem, senão que ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e
axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com a mais subida eficácia
normativa a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico. (Idem,
ibidem).
8. Consta do
inciso 32, do art. 179 da Carta Imperial, que a instrução primária é
gratuita a todos os cidadãos. Somente a Constituição Brasileira de 1988
voltaria a contemplar esse direito social fundamental e a obrigar o Estado com
esse dever que lhe é conferido pela norma magna (art. 205 da Constituição da
República de 1988). Em escólios sobre o tema explanava o grande
constitucionalista do Império, José Antônio Pimenta Bueno, que a instrução
primária é uma necessidade, não desta ou daquela classe, sim de todas, ou de
todos os indivíduos; o operário, o artífice mais humilde, o pobre que precisa
saber ler, escrever, e pelo menos as primeiras operações aritméticas, aliás ele
depende de outro, que o acaso lhe ministre, e não oferece a si mesmo a garantia
mais indispensável. A par dessa necessidade é também essencial que o povo tenha
pelo menos as noções fundamentais da moral, e da crença religiosa, para que
cada indivíduo possua germes de virtude, e idéias dos seus deveres como homem e
como cidadão. É pois uma necessidade geral, e conseqüentemente uma dívida da
sociedade, pois que para as necessidades gerais é que se criam e recebem as
contribuições públicas; acresce ainda que a satisfação dessa obrigação reverte
em proveito da própria associação, que por esse meio conseguem lhe tornar mais
úteis e moralizados os seus membros em geral. (Op. cit. p. 430)
9. Para Rui Barbosa, as normas
contenedoras de direitos são meramente declaratórias, enquanto aquelas
referentes às garantias são assecuratórias. Estas instrumentalizam a
justicialidade quando houver violação de direitos. Cf. BARBOSA, Rui. República:
teoria e prática. Petrópolis:Vozes, 1978. 343 p. p. 124.
10. José Afonso da Silva
classifica em dois grupos as garantias dos direitos fundamentais: as garantias
gerais destinadas a assegurar a existência e a efetividade (eficácia social)
daqueles direitos, as quais se referem à organização da comunidade política e
que poderíamos chamar condições econômico-sociais, culturais e políticas que
favorecem o exercício dos direitos fundamentais e as garantias
constitucionais, que consistem nas instituições, determinações e
procedimentos mediante os quais a própria Constituição tutela a observância, em
caso de inobservância, a reintegração dos direitos fundamentais. (Curso
de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 1997. p. 185)
11. LUÑO, Antonio-Enrique Pérez.
Op. cit. p. 45.
12. HUGO, Victor. Os
Miseráveis. Tradução de José Maria Machado. São Paulo: Hemus, 1979. p. 249.
* Advogada e Professora da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais.
Disponível em:
< http://daleth.cjf.gov.br/revista/numero3/artigo10.htm
>. Acesso em 31 mai. 05.