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A competência municipal em matéria de proteção ao meio ambiente artificial. O confronto entre o mundo do ser e do dever ser

 

 

Elaine Maria Tavares Luz *

 

RESUMO

Os temas envolvidos pelas questões ambientais e municipais justificam o presente trabalho pelo fato de estarem eles intimamente ligados entre si e correlacionados com a vida em sociedade que leva-se atualmente e que, por consequência de atos tomados pelo homem, refletirão nas futuras gerações. A abordagem vem com o intuito de resgatar no seio social um sentimento de importância a ser atribuído às células integrantes da sociedade, de forma que se torne inconteste a influência e a força que cada uma delas possui em prol da coletividade. Vai ser ressaltado o papel do poder público como "mão forte" no guiar dos assuntos municipais que envolvem o meio ambiente artificial, ao tempo em que cabe também à sociedade a efetivação das medidas necessárias em defesa de um meio ambiente equilibrado. As competências municipais e a atuação social são peças-chave na consecução dos objetivos almejados pela legislação que tutela o meio ambiente e é nesse sentido que se mostrará o quão importante é a necessidade de uma relação harmônica entre os munícipes, o poder público e o meio ambiente.

Palavras – chave: Competências do Município. Meio Ambiente equilibrado. Tutela do Meio Ambiente. Qualidade de vida. Participação da coletividade.

 

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, deu-se início a um movimento que envolvia certa preocupação com o meio ambiente em que se vive atualmente. As questões que estão envolvidas pelo Direito Ambiental ainda carecem de discussões, esclarecimentos e debates, de forma a entranhar na sociedade civil a importância que deve ser atribuída à matéria. Dentro desse aspecto, o meio ambiente artificial se destaca, de modo que se apresenta como o berço do desenvolvimento local impulsionado por aqueles que vivem dentro de seus limites territoriais. Assim, vê-se que o Município possui competências e atribuições com a finalidade de prover um desenvolvimento local, estando de acordo com os interesses a ele inerentes e peculiares, estando também envolvidos os munícipes para que suas políticas voltadas para este fim venham a se concretizar. Para isso, tem-se desenvolvida legislação atinente às questões ambientais e municipais, processo este lento, necessitando de estudos, práticas e, principalmente, de efetivação.

Surgiu, então, a possibilidade de serem levantados questionamentos a respeito do ponto de convergência que as matérias municipal e ambiental apresentam. Se os bens tutelados são o meio ambiente equilibrado e uma boa qualidade de vida, cabe problematizar a respeito de questões como: A desordenação da habitação influi na qualidade de vida da sociedade? Uma política de crescimento desordenado da cidade, por parte do município, vem a comprometer o meio ambiente natural e artificial da localidade? A participação social nos atos municipais, no que tange à boa manutenção do meio ambiente, é importante? Leis municipais que regulamentem o meio ambiente artificial devem estar de acordo com a legislação ambiental?

O levantamento dos presentes questionamentos justifica-se por se tratarem de assuntos intimamente relacionados com a prática administrativa municipal, equilíbrio do meio ambiente onde está inserido uma sociedade e a atuação desta como exercício de garantia constitucional a ela atribuída, devendo, portanto, haver uma relação harmoniosa entre as partes envolvidas no processo de planejamento urbano.

Objetiva-se, de forma geral, trazer à discussão os aspectos inerentes ao meio ambiente artificial que estão entranhados nas competências da administração municipal, que ganha legitimidade no instante em que se verifica o exercício da participação popular para a consecução dos atos municipais. Ao pormenorizar a questão, tentar-se-á mostrar de forma específica que a qualidade de vida de uma sociedade está correlacionada com o exercício do direito a um meio ambiente saudável, estando este também relacionado com a execução de uma política urbana voltada para ao bem estar social, sem deixar de retratar a importância da sociedade civil como forma de legitimação à execução de questões de peculiar interesse local. Todos estes aspectos vêm a constituir a veia pública como ponto de convergência existente entre as matérias municipais e ambientais, condicionando-as.

Para se abordar o tema, a pesquisa utilizada baseou-se em obras de autores que trabalham o assunto dentro dos aspectos que são considerados importantes (pesquisa bibliográfica), fazendo uso também de pesquisa documental, na qual as informações foram colhidas de documentos especificamente jurídicos. Visa-se, dessa forma, trabalhar sobre uma ampliação de conhecimento sobre a área em questão, tentando trazer o máximo de possibilidades de aplicação do presente estudo no âmbito social.

Primeiramente serão definidas noções gerais sobre o meio ambiente, natural e artificial, de forma a limitar a matéria a ser tratada. A importância da delimitação da aplicação das diretrizes voltadas para um desenvolvimento urbano vem do fato de se tratar de matéria a ser aplicada numa determinada extensão territorial, não podendo ultrapassá-la, pois, caso contrário, estar-se-ia extrapolando aquilo que seria de sua competência administrativa local. Por isso o foco será direcionado ao meio ambiente artificial, por ser este alvo das atuações do município e também da coletividade.

Ao Município vão ser atribuídas competências de forma que se concretize sua função social de cidade. Caberá a ele tratar, dentro da legalidade imposta pela União e pelos Estados, de interesses peculiares de sua localidade e assim desenvolver políticas de desenvolvimento e planejamento urbano de forma que disponibilize aos munícipes as garantias constitucionais de cidadania e gestão democrática da coisa pública.

Para tanto, existem instrumentos fornecidos pelo Poder Público, sejam na forma de leis complementares, a exemplo do Estatuto da Cidade, ou como os demais institutos jurídicos existentes na referida lei, todos voltados para a efetivação de um bom planejamento urbano para o qual se faz uso de institutos jurídicos (usucapião, por exemplo), tributários (IPTU progressivo) e ambientais (Estudos de Impactos Ambientais e de Vizinhança), dentre outros.

Nesse sentido, tem-se a questão da efetivação da tutela do meio ambiente artificial. Vem o munícipe ser figura de suma importância nos processos de desenvolvimento e planejamento urbanos, pois cabe também a ele o dever de defender e preservar o meio ambiente em que vive, seja ele natural ou artificial. A capacitação política daqueles que vivem sob a mão forte do Poder Público é imprescindível para que a população tenha pleno conhecimento de suas possibilidades de atuar, usando-se da própria máquina pública, buscando concretizar as garantias constitucionais.

O presente trabalho vem, portanto, com a intenção de voltar a atenção para as questões existentes no âmbito de atuação do Município, sempre que estejam envolvidas questões ambientais que imprescindam da atuação dos munícipes, levando em consideração o abismo existente entre aquilo que está disponibilizado para efetivação de direitos e o que é realmente colocado na prática cotidiana.

 

1 O MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL E A SUA TUTELA

Pode-se tomar a humanidade como resultado do ambiente em que se desenvolveu ao longo de sua existência. As condições climáticas, históricas e sociais às quais se submeteram as sociedades têm sua participação na formação das concepções humanas, que são aplicadas na medida em que se adapta à vida em sociedade.

Daí percebe-se o quanto as atitudes sociais são reflexo de suas formações. Ao passo que se desenvolve um corpo social, vê-se a necessidade de se adaptar o ambiente às práticas sociais. Desta feita, é primordial que essas adaptações sejam feitas de forma a atender as necessidades crescentes do homem social, mas sem comprometer a sobrevivência do mesmo neste meio ambiente por ele criado.

1.1. Noções gerais sobre meio ambiente

Tem-se o meio ambiente como o âmbito de desenvolvimento da vida do homem, visto seu aglomerado formar um corpo social que precisa do convívio constante entre seus membros. Nele são desenvolvidas diversas atividades criadas e voltadas exclusivamente para atender a demanda gerada pela vida em sociedade. Atividades profissionais, culturais e lazer determinam a construção de um meio ambiente que possa proporcionar o proveito destes aspectos. O homem desenvolve um meio ambiente de forma que suas necessidades sejam prontamente atendidas. O meio ambiente em que antes predominava aquilo que determinava a natureza passou a ser alvo de mudanças em prol de um desenvolvimento social.

Para alguns autores renomados na esfera ambiental, o nome "meio ambiente" possui um caráter redundante, visto ambas as palavras terem significados semelhantes. Para José Afonso da Silva (2002, p. 20) "a expressão ‘meio ambiente’ se manifesta mais rica de sentido (como conexão de valores) do que a simples palavra ‘ambiente’. Esta exprime o conjunto de elementos; aquela expressa o resultado da interação desses elementos". A assertiva faz visualizar um composto de elementos formadores do meio ambiente, mas que não são considerados como tal pelo simples motivo de existir. É necessário que haja uma interação entre os elementos, que eles se complementem, abrangendo todos os bens dele formadores, sejam bens naturais, culturais, históricos ou sociais.

Atualmente, é visível o quanto que se está comprometendo o meio ambiente em nome de um desenvolvimento desenfreado, que nem sempre apresenta os resultados esperados. Isso acontece devido à falta de planejamento das alterações ambientais, resultando em conseqüências ambientais complexas, chegando a comprometer a própria manutenção e sustento daqueles que se fixam num determinado espaço, visando o desenvolvimento de suas atividades.

Visto isso, passou-se a notar a existência de um novo objeto a ser tutelado no âmbito jurídico da questão. O meio ambiente saudável e equilibrado gera, consequentemente, uma relativa qualidade de vida àqueles que compartilham deste espaço em que vivem. O Estado Democrático de direito no qual estamos inseridos, no seu papel de ordenador social, optou por exercer suas prerrogativas diante da matéria, cabendo, portanto ao Direito Ambiental a tutela da ordenação e boa manutenção do meio ambiente, o qual passou a ser tutelado juridicamente na medida em que foi se verificando sua devastação em nome da ampla gama das ações humanas visando os mais diversos interesses (moradia, lazer, instalação de indústrias, utilização de matéria prima, etc.). Essa função foi entregue ao Direito Ambiental, tendo por finalidade trazer uma sociedade mais justa no que tange o aproveitamento do meio ambiente como um todo para a própria subsistência humana. É sob o prisma da formação de um novo direito fundamental que José Afonso da Silva (2002, p. 58) se posiciona, voltando-se para a existência da qualidade de vida da coletividade, a qual imprescinde de um Meio Ambiente equilibrado.

De uma forma também ampla, mas mais relacionada com questões espacialmente limítrofes, temos o Direito Municipal, tratando da matéria colocada pela Constituição Federal. É fato que esta deu início ao pensamento de um direito municipal/urbanístico no momento em que considerou o município como ente federativo, dando ensejo a estudos e análises que nos levariam a um ramo do direito que tutelasse a matéria.

O art. 225 da Constituição Federal surge com um discurso amplamente protetor do meio ambiente, visando ainda o ideal de se ter proporcionado uma boa qualidade de vida aos membros sociais.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.

O dispositivo traz em seu corpo de texto uma abrangência de ações voltadas à preservação de um meio ambiente equilibrado dando a completa dependência entre este equilíbrio e a qualidade de vida daqueles que sobrevivem por meio dele.

Nesta amplitude ambiental, vê-se a atribuição de obrigações para a boa manutenção do meio ambiente, colocada pela Constituição Federal tanto ao poder público como à coletividade a manutenção de um bem de uso comum de todos. O meio ambiente possui caráter sociológico, fazendo parte e gerando reflexos na vida de todos os integrantes do corpo social. Visualiza-se, portanto, a existência de um ciclo onde os atos tomados pelo homem causam conseqüências, positivas ou negativas, ao meio ambiente e este, na medida que se desequilibra, ou se preserva, responde causando impacto na qualidade de vida do grupo social.

Devidos a esses aspectos impactuais existentes entre o homem e o meio ambiente foi que surgiu a necessidade de regulamentação de matéria ambiental, colocada pelo art. 225 de forma não taxativa, pois, principiologicamente, cabe ao poder público tomar medidas e ações nele não descritas, mas que possuam as mesmas cargas axiológica e teleológica.

1.2. Tipos

Pode-se classificar o meio ambiente como sendo o meio ambiente natural (físico) e meio ambiente artificial.

O meio ambiente natural ou físico é aquele que sua existência não é determinada pelo homem e sim pelas características naturais de cada região, sendo eles a água, o ar atmosférico, o solo, e todos os demais elementos vivos que nele se desenvolvam, formando a fauna e flora como um todo. É o que demonstra o art. 3° da Lei 6.938, de 31.08.1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente.

Já o meio ambiente artificial é aquele determinado pela intervenção do homem, que adapta o seu âmbito de convivência para melhor satisfazer suas necessidades, gerando, portanto, um espaço urbanizado, com suas construções (prédios, residências) e conjunto de equipamentos públicos (áreas verdes, praças, ruas) que, de acordo com José Afonso da Silva (2002, p. 21), classificam-se como espaço urbano fechado e espaço urbano aberto respectivamente.

O mesmo autor ainda ressalta a existência de um meio ambiente cultural, composto pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico, aos quais é reservado o direito constitucional de preservação, de acordo com o art. 30, inciso IV, da Carta Suprema. É fácil verificar que os mesmos possuem características de componentes do meio ambiente artificial, realizados que são pelo homem, apenas com o diferencial de que estes possuem um valor específico devido à sua possibilidade de ser usado como um marco histórico ou cultural que seja.

1.3. O meio ambiente artificial

Demonstrou-se anteriormente o conceito de meio ambiente artificial. Ele deve ser entendido, portanto, como o meio ambiente em que vive o ser social, sendo por ele utilizado e modificado na medida em que suas necessidades sociais e urbanas devem ser atendidas.

Os aspectos do meio ambiente, fechado e aberto, devem se complementar, existindo edificações com a finalidade de acomodar residências, indústrias, edifícios comerciais de forma bem distribuídas com as ruas, praças, espaços livres e áreas verdes disponíveis no perímetro urbano. É nesse espaço urbano, composto por todos estes elementos, que iremos nos ater no decorrer do trabalho, visto sua boa disposição ser primordial à qualidade de vida de seus membros.

Para que se tenha um meio ambiente saudável é necessário que seus elementos se complementem e interajam de forma harmônica. Um determinado espaço para ser bem aproveitado não precisa necessariamente ser utilizado na totalidade de seus recursos disponíveis. Ao se fazer valer do meio ambiente como um mero instrumento de desenvolvimento configura-se tal prática em desproporcionalidade, pois o esgotamento de seus recursos, principalmente os naturais, pode colocar em risco o desenvolvimento social de determinada localização.

É nessa desproporcionalidade que se verifica a existência de um caos urbano, apontado por Hermes Ferraz (1997) ao tratar da existência de uma filosofia urbana a ser pensada. Para o autor deve haver uma convergência dos pensamentos daqueles que organizam o espaço urbano, voltados para a realização e manutenção do bem estar comum. De modo contrário, temos o caos urbano, ou seja, o surgimento de problemáticas como conseqüência de um planejamento mal efetivado, sem estudos prévios de prováveis impactos ambientais. Essa é a atual contradição existente no âmbito do meio ambiente artificial: melhora-se esteticamente, mas os problemas permanecem.

É aqui que se vê o meio ambiente artificial na forma de município, visto este ser ente federativo com autonomia bastante para abranger a questão, como se tratará mais profundamente adiante.

Um dos instrumentos utilizados para viabilizar o planejamento urbano é o Plano Diretor, instituído pela Lei 10.257 de 10/07/2001. Mas ainda seguindo o ponto de vista da "filosofia urbana" de Hermes Ferraz, o Plano diretor não deve se resumir somente num mero ordenamento urbano, tendo nele incutido os aspectos que ele denomina de dimensão social, dimensão ecológica e dimensão urbana. O mesmo ponto de vista é compartilhado pelo ambientalista/municipalista Toshio Mukai (2002) em seu artigo sobre planejamento municipal.

Dentro de uma dimensão social, a distribuição do espaço urbano deve atender a finalidade das ações humanas como resultado da interação das mesmas, ou seja, as relações sociais existentes numa determinada localidade devem ser levadas em consideração no momento de se planejar a organização desse espaço urbano. Por exemplo, no instante em que se planeja a implantação de um projeto educacional num bairro periférico, devem ser verificadas as relações existentes naquele determinado nicho de convivência, de forma que as necessidades desse grupo sejam atendidas da maneira mais promissora possível.

No que diz respeito à dimensão ecológica, esta é o ambiente onde se está desenvolvendo uma determinada sociedade, praticando alterações a esse meio ambiente de forma a enquadrá-lo perfeitamente no que chamamos de meio ambiente artificial. Nesse aspecto deve-se levar em conta o ecossistema presente na localidade a ser alterada. Aquele admite alterações em sua dinâmica de funcionamento, devendo-se verificar o limite de intervenções admissíveis, devido ao risco existente de comprometê-lo de forma irreversível.

Um bom fato para exemplificar a questão é a verificação de construções potentosas em áreas de mangue no município de Fortaleza. É fato que tais intervenções modificam todo um ecossistema já existente, o qual passa a ficar comprometido em sua manutenção, pois a legislação em vigor não alcançou nível de eficácia suficiente de forma a proteger o bem que deveria ser tutelado.

E em se tratando da dimensão econômica da questão, é indiscutível que esta se mostra como instrumento necessário à dinâmica social, visto que esta está repleta de relações consumeristas, onde existem ofertas e demandas resultadas de um sistema liberal capitalista. Este aspecto determina algumas regiões como pólos econômicos, tornando-os pólos geradores de riquezas, atraindo, consequentemente, maiores índices populacionais. Um pólo econômico em destaque deve desenvolver, mais do que outras regiões, ações no sentido de sustentar aqueles que se encontram nos seus limites espaciais, pois tendem a ser localidades com altas densidades demográficas, necessitando, assim, de planejamentos mais bem elaborados.

1.4. Formas de proteção do meio ambiente

1.4.1.Institutos de proteção ao meio ambiente

Até meados do século XX, o meio ambiente não era visto como um bem comum de todos e justamente por isso não era alvo de interesses que viessem a protegê-lo. Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Helli Alves de Oliveira (apud SILVA, 2002, p. 35) compartilham do ponto de vista de que as questões anteriormente ligadas ao direito de propriedade em si colocaram barreiras significantes diante da evolução de um direito ambiental por parte dos poderes públicos. A partir do momento em que se tutelasse o meio ambiente estaria se limitando o exercício do direito à propriedade, já que este era praticado de forma descontrolada sobre a exploração de recursos ambientais, de forma que atendesse exclusivamente os interesses de atividades privadas sobreviventes desta exploração.

Como forma de tutela ao meio ambiente com um todo, existem algumas leis voltadas a esta proteção. Como direito difuso que é, torna-se alvo de políticas de planejamentos e de normas com o objetivo de preservá-lo e torná-lo perene, podendo assim sobreviver às nossas gerações.

Antes de tratar das especificidades das leis à tutela direcionadas, têm-se as formas constitucionais de tutela. A Constituição de 1988 trouxe dispositivos claros e incontestes sobre a necessidade de proteção ao meio ambiente.

Assim, verificam-se duas formas de proteção constitucional: uma mediata e outra imediata.

De forma mediata, citamos o já comentado art. 225 da Carta Magna. O mesmo traz a ordenação da tutela do Meio Ambiente, determinando-o como bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida do cidadão. Devido a essas características, foi colocada a cargo do Poder Público e da coletividade a sua preservação. É aqui que está focado seu caráter de direito difuso, por ser voltado a uma coletividade sem possibilidades de ser determinada, ou seja, voltada para todos aqueles que ocupam e vivem nas delimitações territoriais.

Trata-se de tutela mediata pelo fato de somente traçar, de forma principiológica e ampla, a proteção do Meio Ambiente. Ele não determina os meios de controle e efetivação dessa proteção.

Este contexto nos leva a falar da tutela constitucional imediata, da qual falaremos mais adiante oportunamente.

Seguindo no rol das leis especificamente voltadas à tutela ambiental, temos o Código Florestal, Lei nº. 4.771 de 1965 que começou a traçar critérios de proteção ambiental. Esta veio a ter alguns de seus dispositivos modificados pela Lei nº. 7.803 de 1989.

Desde então, verificou-se um lento processo de desenvolvimento de idéias voltadas à proteção do meio ambiente, através de leis esparsas e criteriosas, não havendo, portanto, uma legislação específica para reger a matéria, e sim várias normas que abrangem aspectos diferenciados de como se pode proteger o bem a ser tutelado.

Atualmente, em termos de tutela ambiental, recorre-se a quatro leis direcionadas a esse objetivo.

A Lei nº. 6.938, de 31 de outubro de 1981 vem traçar o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, fazendo menção à Política Nacional do Meio Ambiente. Procurando respaldo em princípios preservacionistas, busca tutelar o Meio Ambiente como direito difuso que é. Mostra a necessidade de normas e planos em todos os níveis de governo para a execução desta Política Nacional, de forma que todo o país se comprometa em proteger o meio ambiente ao tempo em que atende as especificidades locais, visto tratar-se de um amplo território, com características bem diversas.

A Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985 veio instituir instrumento de suma importância para a apuração e responsabilização por danos causados ao Meio Ambiente. Ela rege a ação civil pública que tem por finalidade verificar os danos causados como também a responsabilização daqueles que os provocaram. Desta feita, fica marcada a tutela de bens de caráter difuso, dentre estes, o meio ambiente. Através desse instrumento, o meio ambiente está tutelado de duas formas: uma voltada para a cessação da causa de prejuízos, fazendo com que os causadores de danos sejam responsabilizados por aqueles já causados, vindo ainda a deter os atos que possam provocar novos prejuízos; e a outra contra a omissão de entidades que deveriam atuar em prol da defesa de um bem que merece ser tutelado e que por algum motivo não o fazem. Nesta última, pode-se fazer uso da Ação Civil Pública para coagir o poder público a adotar políticas necessárias para a proteção de um determinado aspecto do direito voltado para a coletividade, como direito difuso.

Outra lei que deve ser considerada é a Lei nº 9.605, de 13 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre sanções aplicadas a condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Diante do fato de existirem pessoas físicas e jurídicas que, em nome de progresso e desenvolvimento, causavam danos e prejuízos ao meio ambiente, surgiu a necessidade de se atribuir responsabilidades administrativas, civis e penais a estes entes. A lei prevê práticas consideradas criminosas, tutelando a fauna e a flora como um todo e tratando também de entes poluidores. Atribui a cada um destes crimes sua respectiva penalidade, colocando em pauta a questionada despersonalização da pessoa jurídica, quando esta vier sobrepor obstáculo ao ressarcimento ou recuperação de dano causado.

A Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 vem com a finalidade de regulamentar os incisos I, II, III e VII do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, visto serem ações cabíveis ao poder público em defesa de bens como os processos ecológicos, patrimônio genético, espaços territoriais a serem protegidos, fauna e flora. Estes bens estão enquadrados na lei, que vem com o intuito de instituir o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.

Existem ainda resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente que vêm regulamentar as especificidades ligadas ao cumprimento da Política Nacional do Meio Ambiente, na forma de instrumentos a serem utilizados, como a Resolução nº 001, de 23 de janeiro de 1986, que estabelece definições, responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais para o uso e a implementação de Avaliação de Impacto ambiental e a Resolução nº 237, de 19 de dezembro de 1997, que trata do licenciamento ambiental para o exercício de determinadas atividades econômicas.

1.4.2.A proteção ao meio ambiente artificial

Sobre as formas de tutela do meio ambiente artificial, tem-se o que vem a ser a tutela constitucional imediata.

Depois de cuidar, no item anterior, sobre a maneira ampla e principiológica que a tutela ambiental é tratada na Constituição Federal brasileira, vê-se o caráter imediatista desta tutela, ou seja, as formas pelas quais a política urbana pode ser executada.

Nesse sentido, a tutela imediata é verificada no art. 182 da mesma Carta, no capítulo que cuida da política urbana. Seu imediatismo vem de pronto no instante em que a Lei Maior determina o Município como o executor da política de desenvolvimento urbano. Esta atribuição deve ser executada de acordo com as diretrizes gerais determinadas pelo Estatuto da Cidade, com o objetivo de desenvolver as funções sociais de um determinado espaço urbano, garantindo o bem estar de seus munícipes.

O instrumento utilizado para a viabilização dos objetivos impostos pelo Estatuto da Cidade é o Plano Diretor, pois é nele que estão depositados os requisitos necessários ao cumprimento das determinações constitucionais. Dentre estas, temos que atender um princípio de real importância no que tange à dinâmica municipal: a Carta de 1988 determina a garantia ao direito de propriedade, ao tempo em que esta cumpra sua devida função social.

O espaço urbano edificado é a visualização do exercício do direito de propriedade constitucionalmente garantido no inciso XXII, art. 5º, da Constituição Federal. Já foi citado anteriormente como a questão ambiental era vista no começo do século passado, devida à exacerbada importância à pratica de atividades de iniciativa privada, as quais comprometiam em demasia o meio ambiente de uma forma geral, pois a sobrevivência das mesmas se dava em decorrência da exploração dos recursos naturais existentes.

A partir do momento em que se vincula o direito à propriedade ao cumprimento da função social desta (inciso XXIII, art. 5º, da Constituição Federal) há de fato um condicionamento no exercício daquele. Mas há de se verificar a utilização do meio ambiente, seja natural ou artificial, de forma a atender interesse de um grupo de pessoas, de munícipes. Sua exploração e utilização não devem prejudicar o bem estar social e muito menos comprometer a qualidade de vida objetivada pela população e nem tão pouco esgotar os recursos naturais. É nesse sentido que o art. 225 da constituição Federal deve ser tomado.

No entender de Clóvis Beviláqua (apud, MUKAI, 2002, p. 61), à propriedade deve ser atribuído caráter econômico, pois sua extensão deve consequentemente corresponder a sua utilidade, sendo explorada e utilizada de acordo com os conceitos de liberdade e autonomia da vontade, mas da forma a melhor atender a sua função social, almejando a justiça e o bem estar social, sem causar prejuízos à coletividade, passando a ser, dessa forma, como um fenômeno social. Sob esta ótica, vê-se claramente o condicionamento do exercício do direito de propriedade à sua devida função social.

 

2.A TUTELA DO MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL

O meio ambiente artificial vai coincidir, contudo, com os limites territoriais impostos pelo Município, de forma que a atuação deste esteja restrita à sua área territorial, cumprindo assim suas atribuições constitucionais.

É nesse aspecto que ao Município vão caber competências legislativas e administrativas de forma a organizar o meio ambiente artificial da maneira mais satisfatória, voltando-se às necessidades dos munícipes que vivem sob sua égide.

2.1. O Município

O município é ente que compõe a República Federativa do Brasil, estando de acordo com o art. 1º da Constituição Federal de 1988. E seguindo o mesmo instituto, vai-se até o art. 18, que imprime caráter autônomo ao município.

Esta característica é da natureza do ente federativo desde as constituições mais antigas, da monarquia até a constituição atual. Acontece que tal natureza se limitava à letra da lei, não chegando à sua efetivação. No decorrer das edições constitucionais que vigoraram no país, somente a partir de 1946 é que se pôde sentir alguma aplicação de sua tão pregada autonomia. Foi daí que começaram a viger as Cartas Estaduais e as leis orgânicas municipais, regulamentando o exercício dessa autonomia. Antes disso, as tentativas de tornar o município num ente independente no que tange as suas competências foi meramente figurativa, pois o caráter descentralizador não era bem vindo nas conjunturas políticas e sociais que vigoravam nas épocas passadas.

Para Hely Lopes Meireles (2003, p. 74) não cabe atualmente ao município papel de entidade meramente administrativa. Suas atribuições políticas são tão vastas, principalmente no que diz respeito ao seu autogoverno, que adquiriu status de entidade político-administrativa de terceiro grau.

Desta forma a autonomia municipal é trazida pela Constituição Federal nos arts. 29 e 30, de modo a retratar o que ao Município foi atribuído: sua auto-organização, seu autogoverno e sua auto-administração.

Em se tratando de autogoverno municipal, coloca-se que o mesmo se dá no instante em que o próprio município rege e elege seus governantes, sejam prefeitos, vice-prefeitos ou vereadores, na forma de pleito eleitoral realizado concomitantemente em todo o país. Essa atribuição política se mostrou importante devido ao fato de que dessa forma os próprios munícipes fazem parte do processo eleitoral, divergindo assim das antigas formas de governos locais, os quais eram determinados de forma centralizadora, não dando, portanto, a chance das localidades exercerem suas atribuições com o objetivo de atender os interesses puramente locais.

A auto-organização municipal vai ser implantada através da Lei Orgânica do Município, resultando de ato legislativo municipal. É ela quem vai dar as diretrizes de como deve agir o município no que tange aos aspectos organizacionais. É nela que vai estar determinada a forma que o município vai executar sua política urbana, sua distribuição e limitações territoriais, como também determinar diretrizes de caráter administrativo.

Por fim, das atribuições municipais, a auto-administração é a mais ampla. É através dela que o Município cuida de seus interesses locais. Institui e arrecada os impostos necessários como forma de custeio de seus serviços; promove a prestação dos serviços públicos, educação e saúde; cria, organiza e suprime distritos, cuidando do adequado ordenamento territorial, através de planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano; como também tutelando o patrimônio histórico e cultural local. Tais aspectos são diretamente tratados pelo art. 30 da Constituição Federal, e é com base nele que são criadas leis como forma de regulamentação de dadas ações.

É na atribuição de autonomia que tem respaldo a atuação do Município. Seus interesses não poderão ser objetos de ação de ente estatal nem federal, nos quais está inserido. A autonomia vem no sentido de preservar o atendimento dos interesses peculiares da determinada localidade, não podendo, portanto, o Estado e nem a União intervirem na forma que o Município atua no seu espaço territorial, até porque os atos tomados pelo Município refletirão interesses que também fazem parte das atribuições estaduais e federais.

A questão é tratada no art. 35 da Constituição Federal, onde estão elencados os quatro incisos que cuidam, excepcionalmente, dos casos em que a intervenção é permitida. Entenda-se, portanto, que a não-intervenção é regra geral, caindo o ato de intervir no campo da excepcionalidade, a qual é esgotada no dispositivo legal mencionado.

2.2. Competências da União, dos Estados e do Município na tutela do meio ambiente

O meio ambiente vem a ser tutelado em todas as esferas de governo. Desta feita, têm-se atribuições que cabem à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

A princípio, cabe à União competência para "elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social" (art. 21, IX) e "instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos" (art. 21, XX).

A Constituição Federal traz em seu art. 23 as competências comuns de todos os entes federativos. Já o art. 24 determina no seu § 1º que a União possui competência legislativa na edição de leis gerais sobre os assuntos enumerados nas competências comuns entre estes entes (art. 23 e seus incisos), reservando aos Estados competência legislativa, também em termos gerais, de caráter suplementar (Art. 24, I, § 2º).

Seguindo o raciocínio colocado por José Afonso da Silva (2000, p. 62), nos quesitos onde o Município possui competência comum com os outros entes federativos, vai restar a ele a suplementação de legislação federal e estadual no que couber (art. 30, inciso II). Ou seja, a competência do município em suplementar as leis federais e estaduais vai surgir no momento em que se fizer necessária legislação de ordem específica, voltadas para a execução da política de desenvolvimento urbano trazida no art. 182 da Constituição brasileira.

Tem-se, então, quando se tratar de normas que visem a "proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos" (inciso III, art. 23, CF); "impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural" (inciso IV, art. 23, CF); "proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas" (inciso VI, art. 23, CF); "preservar as florestas, a fauna e a flora" (inciso VII, art. 23, CF); "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico" (inciso IX, art. 23, CF) e "combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos" (inciso X, art. 23, CF); caberá ao município as atribuições a ele concedidas pelo art. 30, inciso II, podendo o ente suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, dentro das especificidades que a localidade demanda.

2.2.1 Da competência urbanística

Em se tratando de competência urbanística, esta é atribuída aos entes federados da mesma forma como já descrito anteriormente.

Caberá à União legislar de forma geral sobre direito urbanístico, que no entender de Hely Lopes Meireles (apud, SILVA, 2000, p. 37) possui duas formas de ser tratado: uma delas de maneira objetiva, quando se tratar especificamente de dispositivos legais que regulamentem as questões de ordenação das cidades, e outra sistêmica, onde essas normas devem ser analisadas de forma conexa, havendo uma interação interpretativa entre elas.

Nesse sentido, a União vem legislar naquilo que for tido como interesse geral em termos de cooperação entre os entes federativos.

Daí vem a se cuidar das competências suplementares e complementares. Daniela Campos Libório Di Sarnos (2002, p. 64) escalona as omissões da União nesse aspecto. Em não havendo normas gerais que poderiam ter sido editadas pela União, podem vir os estados-membros e o Distrito Federal editar normas sobre determinada matéria necessária de regulamentação, mas ainda não tratada, de forma suplementar, até que a União se manifeste sobre a questão, dando aos estados e ao Distrito Federal a possibilidade de complementá-las.

Os preceitos urbanísticos estão estreitamente ligados às questões de interesse especificamente local por cuidarem justamente daquilo que mais afetará diretamente no âmbito municipal, seja no planejamento ou na execução dos planos urbanísticos. E é nesse aspecto que o art. 30, no seu inciso II, da Constituição Federal cuida da competência suplementar do município, pois este poderá suprir a ausência da União e do estado em dada matéria, desde que esteja se tratando de questão de específico e peculiar interesse local, obedecendo aos preceitos já estabelecidos pela Lei Federal nº 10.257/01 – Estatuto da Cidade.

2.3. A Competência Municipal

É dentro da auto-organização e da auto-administração que estão as questões de competências municipais. O Município vai se utilizar de características concedidas pela Constituição Federal Brasileira para exercer suas prerrogativas, que adquirem traços de competências do ente municipal.

A princípio, o Município não pode ser criado por ele mesmo. No entender de Hely Lopes Meireles (2003, p. 66), a Constituição dá ao ente federativo estadual a competência legislativa para a criação de seus municípios. É seguindo os preceitos do § 4º do art. 18 da Constituição que se chega a exigência do cumprimento de certos requisitos para que se viabilize a criação de um ente municipal. É o plebiscito um dos critérios para a sua criação. Este será determinado em seguida à publicação, conforme a lei, dos Estudos de Viabilidade Municipal.

Criado este, pode-se então falar em competências municipais. A primeira delas seria justamente a edição de sua Lei Orgânica Municipal, determinada pelo art. 29 da Constituição. Sob uma ótica municipalista, a Lei Orgânica Municipal é tida como uma espécie de Constituição Municipal, visto sua forma de criação. O procedimento especial utilizado para sua feitura é equivalente ao utilizado para confecção de uma Constituição Federal.

Portanto, é na L.O.M. que se concretizam as autonomias política, administrativa e financeira, pois é nela que estão as formas de organização dos poderes; a estrutura dos órgãos voltados para a sua administração, regendo seus servidores e tratando de seus orçamentos e tributações; e ainda a abordagem dada à política urbana dentro da ordem econômica e social, abrangendo vários aspectos como habitação, sistema coletivo de transportes e plano diretor, dentre outros.

2.4. A Competência Municipal na tutela do meio ambiente artificial

O Município, como ente federativo, é detentor do poder de salvaguardar o meio ambiente no qual seus munícipes interagem. Como já foi visto anteriormente, este é tido como meio ambiente artificial, ou seja, no qual existe a intervenção do homem de forma a satisfazer suas necessidades dentro do perímetro urbano.

A competência especifica de atuar e legislar em favor do meio ambiente artificial seguirá o colocado no item anterior, onde ao município caberá atuar de acordo com o que determina os artigos 182, no qual existe uma política de desenvolvimento urbano a ser seguida; 225, cuidando do meio ambiente como um todo sendo o município mero detentor do Poder Público local e os incisos do art. 23, sendo todos estes dispositivos da Constituição Federal.

Aqui que vai ser tratada a questão do peculiar interesse local, ou seja, medidas que venham a satisfazer aqueles que estão sob os cuidados dos poderes municipais. Hely Lopes Meireles (2003, p. 109) faz questão de ressaltar a diferença entre o que seria interesse exclusivo (ou privativo) do município e peculiar interesse local. No argumento do municipalista, não há que se falar de interesses privativos do município, visto estes serem igualmente interesses tanto do estado como também da União nos quais está colocado; sabendo-se ainda que os interesses destes encontram-se refletidos na administração municipal. O que há de ser verificar são os fatores ligados a uma determinada localidade, dela característicos, para daí serem levados em consideração no momento de se planejar e ordenar o espaço territorial urbano disponível.

Sob esta visão, a Lei Orgânica do Município traz em seu art. 7º rol de atos municipais voltados para o bem estar daqueles que estão sob sua égide. Nele existem ordenações voltadas para a satisfação dos interesses de determinada localidade. Há aqui um limite territorial a ser respeitado e devido a esse freio, nota-se a existência de interesses voltados particularmente à faixa territorial delimitada.

Art. 7º. Compete ao Município:

[...]

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação federal e estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

[...]

VII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, ou parcelamento e da ocupação do solo urbano;

[...]

IX – ordenar as atividades urbanas, fixando condições e horário para funcionamento de estabelecimentos industriais, comerciais, empresas prestadoras de serviços e similares;

X – promover a proteção do patrimônio histórico cultural local, observada a legislação e ação fiscalizadora federal e estadual;

[...]

XVIII – sinalizar as vias públicas urbanas e rurais, regulamentando e fiscalizando a utilização de vias e logradouros públicos;

[...]

XX – efetuar a drenagem e a pavimentação de todas as vias de Fortaleza;

É dentro destas diretrizes, a princípio, que o Município deverá pautar suas ações, voltando-se para a melhor ordenação dos fatores existentes na vida da localidade.

Um pouco mais adiante, a Lei Orgânica do Município de Fortaleza trata a questão da Política Urbana dentro do título que diz respeito à Ordem Econômica e Social. Isto porque não há como não enquadrar o bom desenvolvimento local num contexto que reflete as necessidades sociais como também as práticas econômicas que se movimentam como resultado das relações entre os munícipes. É neste capítulo que vão ser desenvolvidas as questões ligadas a execução do ordenamento e planejamento urbanos. São competências de caráter específico que o município deve seguir para a consecução das atribuições constitucionais a ele concedidas.

A política de desenvolvimento urbano deve levar em conta fatores que resguardem as condições tanto daqueles que já estão fixados na localidade como também das características físicas apresentadas pelo local. Para melhor entender, exemplificando: comunidades que vivem em área de risco só podem ser remanejadas para outra localidade se realmente for verificado que não há condições de adaptação local às suas necessidades. Caso contrário, a comunidade deve ser reassentada no mesmo bairro em que se desenvolveu, respeitando assim ao máximo suas características locais, inclusive o fluxo econômico já criado para a subsistência da comunidade (inciso I, art. 149, Lei Orgânica Municipal). Um outro inciso do mesmo artigo 149 da L.O.M. garante que "a utilização racional do território e dos recursos naturais, mediante a implantação e o funcionamento de atividades industriais, comerciais, residenciais e viárias" (inciso VII). Ou seja, é possível notar que as características peculiares de cada localidade abrangida pela Lei no espaço devem ser atendidas para assim resultar uma melhor interação entre os fatores que compõem o Município.

Segue-se com dispositivos que tratam da executoriedade do Plano Diretor, de obras de saneamento, de habitação e de serviços de transportes coletivos. E é no capítulo reservado aos cuidados com o meio ambiente que a L.O.M. (capítulo II, do Título V) que veremos reiterados os princípios colocados pela Constituição Federal em seu art. 225.

 

3 INSTRUMENTOS TUTELADORES DO MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL

A importância da participação popular não seria possível de ser retratada se não fossem os instrumentos utilizados para sua viabilização. Os ditos instrumentos são todos de ordem legal, exigindo que suas devidas formalidades sejam cumpridas para que a legitimidade necessária para sua validação seja visível. São eles as formas de se efetivar a prática dos preceitos constitucionais que determinam a participação popular como exercício de um estado democrático de direito dentro do seu sistema republicano de governo.

As questões que envolvem os instrumentos a serem utilizados pela sociedade civil estão voltadas para aquilo que foi determinado anteriormente como peculiar interesse local. O fato não exclui a importância de caráter geral que a implementação desses objetos, em prol de um meio ambiente artificial equilibrado, detém. Todos os aspectos inerentes ao desenvolvimento urbano, a serem desenvolvidos num raio territorial limitado, surtirão efeitos em maior escala, gerando influências tanto no âmbito das práticas estaduais como também das federais.

3.1 O Estatuto da Cidade e suas diretrizes de implementação da tutela ambiental em se tratando de meio ambiente artificial

A Lei Complementar nº 10.257, de julho de 2001 (Estatuto da Cidade) traz questão de grande significância a ser tratada quando faz menção à função social da cidade e da propriedade urbana.

A cidade cumpre sua função social no momento em que ela oferece àquele que vive em suas limitações territoriais as condições necessárias para sua sobrevivência. Se existem preceitos constitucionais que garantam ao indivíduo a dignidade humana, a saúde, a educação, a cultura e o lazer, é no ambiente urbano construído para a satisfação dessas necessidades que elas devem ser efetivadas. Cabe à cidade, portanto, acomodar todos os aspectos necessários para a consecução destas garantias.

Vem então o Estatuto da Cidade tratar de diretrizes de uma política de desenvolvimento e planejamento urbanos voltados a proporcionar um meio ambiente artificial devidamente equilibrado, permitindo aos munícipes a realização de suas garantias fundamentais postadas pela Constituição Federal. Ele traz instrumentos para a realização das políticas urbanas, garantindo o controle social por parte das comunidades e demais segmentos da sociedade civil, além dos controles institucionais necessários, quando da aplicação destes instrumentos envolva gastos financeiros (§ 3º, do art. 4º do EC), nada mais sendo senão mera colocação de matéria constitucional ao determinar a existência de um estado democrático de direito (art. 1º, CF).

Assim, tome-se o Estatuto da Cidade como um importante instrumento viabilizador da tutela ambiental, no que tange ao meio ambiente artificial, pois mesmo que seu caráter de Lei Complementar lhe dê um ar de generalidade, por sua aplicação se dar de maneira uniforme em todo o território nacional, sabe-se se tratar de matéria especificamente voltada à consecução de garantias resguardadas pela Constituição Federal.

Assim sendo, vem o Estatuto da Cidade trazer instrumentos outros voltados exclusivamente para que os objetivos da implementação de um Plano Diretor sejam atingidos.

3.1.1 O Plano Diretor como instrumento da participação popular

Sob a visão dos próprios legisladores do Estatuto da Cidade, este veio trazer inovações no campo das atribuições inerentes a uma legislação voltada para o desenvolvimento urbano. Além de regulamentar de forma lógica a ordenação do uso do solo urbano, fazendo interagir necessidades dos atores municipais e possibilidades do meio ambiente artificial e cuidar da regularização fundiária de áreas indevidamente ocupadas, ele traz um aspecto de indiscutível importância, sendo esta a condição de participação direta da sociedade civil nos processos decisórios tratados pelo Plano Diretor. Uma de suas diretrizes, traçadas logo no art. 2º do Plano Diretor do Município de Fortaleza é "a participação ativa das entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes" (inciso X).

A Constituição Federal brasileira determina a obrigatoriedade do Plano Diretor para os municípios com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes, sendo colocado pelo Estatuto da Cidade como instrumento básico para a consecução da política de desenvolvimento e expansão urbana.

Art. 39 A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta lei.

Art. 40 O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

Ao Plano Diretor estão relacionadas as ações tomadas por parte da sociedade civil, sendo este o instrumento necessário para a efetivação das políticas nele traçadas. Mas isso não exclui a competência do Poder Público municipal sobre a sua implementação, onde deve ser disciplinado o uso e o parcelamento do solo urbano como também o fornecimento de serviços de transportes urbanos e viários. O zoneamento urbano está ligado também ao fornecimento desses serviços, pois cada zona delimitada possuirá necessidades específicas que devem ser atendidas de forma que interajam com as zonas que as circundam, havendo, assim, a possibilidade de se desenvolver um fluxo maior de munícipes em circulação, gerando, inclusive, conseqüências de caráter econômico, devido um estímulo de atividades voltadas a satisfação das necessidades de determinada região. Este ciclo viria a diminuir a possível existência de "anéis periféricos", que ficam à margem das zonas mais privilegiadas, seja por conta de sua localização ou pelas atividades econômicas que se desenvolvem no local, como também trazer mais vida social aos bairros meramente "dormitórios", nos quais é visível uma quase inexistência de pólos de lazer e cultura.

Nesse prisma, o Plano Diretor nada mais é do que um reflexo da cidade, pois vai simplesmente retratar as necessidades que ela apresenta. Por isso, importante é a participação popular, pois assim as necessidades que os próprios munícipes sofrem poderão ser alvo das soluções apontadas por estes. Vê-se, então, que o Plano Diretor não vem com o ideal de solucionar todos os problemas existentes na região por ele abrangida, mas deve ser usado como viabilizador de políticas voltadas para a amortização de controvérsias existentes nos segmentos sociais. O mero cumprimento dos seus objetivos (art. 2º do Plano Diretor) já se mostra de real significância para a consecução de um bem estar social comum.

3.1.2 Institutos tributários

O uso de instrumentos tributários como meio de tutela do meio ambiente artificial vem se firmar baseando-se na função social da propriedade urbana, como prescreve o § 1º do art. 156 da CF.

O art. 5º, também da Constituição Federal, em seus incisos XXII e XXIII, condiciona o direito à propriedade ao exercício de sua função social, entenda-se, a propriedade deve atender aos interesses sociais almejados pelo âmbito no qual ela está inserida, levando em consideração o caráter econômico à propriedade inerente.

Para a propriedade urbana que se encontra em situação de descumprimento da sua função social, vem o Poder Público atribuir ônus àqueles que insistem em manter este estado. Tal medida vem a ser a instituição de carga tributária mais onerosa que a atribuída às propriedades que cumprem seu papel social.

Trata-se de medida extrafiscal, sem a mera intenção de arrecadar, mas sim de estimular os não cumpridores da lei a fazer o uso devido da sua propriedade.

O instrumento aqui tratado é o IPTU progressivo no tempo, como também determina o art. 7º do Estatuto da Cidade, usando-se de majoração de alíquota a cada qüinqüênio com a intenção de onerar aquele que desobedece a preceito constitucional.

Outro instrumento de natureza tributária é a instituição de contribuição de melhoria por parte da administração local, vindo intentar imprimir valorização imobiliária a uma determinada localidade, através da execução de obras públicas, estando, assim, de acordo com o que determina o inciso III do art. 145 da CF.

Em contrapartida à onerosidade, pode também o Poder Público conceder incentivos fiscais e financeiros (art. 4º, IV, "c", do Estatuto da Cidade) com o objetivo de propiciar o desenvolvimento de atividades através do exercício da função social da propriedade. Mais do que os outros instrumentos tratados pela prática tributária nesse sentido, esse vem na tentativa de estimular o desenvolvimento de atividades, principalmente econômicas ao, por exemplo, conceder incentivos fiscais para indústrias que se alojem numa região reservada ao desenvolvimento de um pólo industrial.

3.1.3 Institutos jurídicos

O inciso V do art. 4º do Estatuto da Cidade vai tratar dos instrumentos jurídicos que são utilizados para a realização da função social da propriedade, o que vem a refletir na realização da função social da cidade.

Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:

[...]

V – institutos jurídicos e políticos:

a) desapropriação;

b) servidão administrativa;

c) limitações administrativas;

d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;

e) instituição de unidades de conservação;

f) instituição de zonas especiais de interesse social;

g) concessão de direito real de uso;

h) concessão de uso especial para fins de moradia;

i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;

j) usucapião especial de imóvel urbano;

l) direito de superfície;

m) direito de preempção;

n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;

o) transferência do direito de construir;

p) operações urbanas consorciadas;

q) regularização fundiária;

r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos;

s) referendo popular e plebiscito;

A idéia é fazer uso de instrumentos jurídicos, alguns deles discriminados pelo Direito Civil para a consecução do bem estar social almejado pelo Estatuto da Cidade.

Dentre eles, a desapropriação chama a atenção por estar voltada às funções que uma propriedade pode desenvolver. Ou seja: antes se falou da aplicação do IPTU progressivo no tempo para que a propriedade cumpra sua função. Aquele que não a cumpre no prazo determinado em lei (art. 8º, do E.C.), cabe ao município proceder à desapropriação do bem para lhe atribuir função social, pagando o proprietário do bem em títulos da dívida pública.

Ainda exemplificando, tem-se outro instrumento extraído do Direito Civil: o usucapião (art. 1.294, C.C.), sendo este meio de aquisição de propriedade, consistindo na atribuição desta a outro que comprove sua posse prolongada, ininterrupta e pacífica, por estar relacionada com a segurança jurídica necessária para que a propriedade exerça sua função social.

3.1.4 Institutos ambientais

Como institutos ambientais voltados à tutela do meio ambiente, seja ele o natural ou o artificial, são o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV).

Ambos intentam em favor do mesmo bem jurídico – o meio ambiente em equilíbrio – com o diferencial que o EIA possui procedimentos específicos para análises de impactos de maiores proporções, como por exemplo, instalação de indústrias em determinadas áreas.

Os procedimentos relativos ao Estudo de Impactos Ambientais estão determinados na Resolução nº 01, de 1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que preza pela avaliação do local onde se pretende implementar a atividade, analisando as alterações no ambiente existente, tanto em relação às mudanças físicas como econômicas locais, onde essas informações serão utilizadas no instante em que se for tomar a decisão relativa à implementação da atividade.

O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) é instrumento mais recente, posto em 2001 pelo Estatuto da Cidade. Suas características colocam sua aplicabilidade no meio ambiente artificial, analisando os impactos causados em menor escala que o anterior, mas não menos importantes, pois fazem menção a relações mais complexas existentes no âmbito de desenvolvimento urbano.

O art. 36 do Estatuto da Cidade estabelece que:

Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público Municipal.

O Estatuto da Cidade traz o EIV como forma de conter um crescimento desordenado que venha a surgir em conseqüência da aplicação de determinadas atividades em locais que serão modificados de forma prejudicial à localidade. A intenção é de prever essas modificações para que o Poder Público possa satisfazer as necessidades que passarão a surgir.

O município determinará através de ato legislativo municipal quais as atividades consideradas impactantes ao local onde será efetivada. Os resultados do EIV serão então utilizados na decisão final da implementação ou não da dada atividade, sendo pré-requisito para a aquisição do licenciamento ou de autorização.

Dessa forma, vê-se que o objetivo intentado é a satisfação do interesse particularmente local que se apresenta, pois se a Lei Federal atribuiu a regulamentação à Lei Municipal significa dizer que as necessidades locais se mostram acima de qualquer outro preceito legal.

 

4 A EFICÁCIA DA TUTELA DO MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL

O meio ambiente tutelado pelas leis que hoje se encontram em vigor carece de uma espécie de elo que desencadeie a efetividade destas. Tanto na legislação federal, na estadual e na municipal estão previstos instrumentos de uso da coletividade para que esta venha a se utilizar daqueles em defesa do meio ambiente. Àqueles que vivem sob a administração local municipal são atribuídas possibilidades de fazer uso da própria máquina administrativa para fazer valer a tutela do direito ao meio ambiente equilibrado.

4.1 Eficácia X Vigência

Tome-se aqui, primeiramente, conceitos inerentes às teorias que circundam as normas jurídicas no que tange à vigência e à eficácia de lei no espaço e no tempo. Enquanto a vigência denota caráter temporal aos dispositivos que regulamentem uma determinada matéria, ou seja, ela passa a ter a possibilidade de gerar efeitos em sua aplicação; a eficácia faz menção aos efeitos em si, entenda-se, são as conseqüências da aplicação dos preceitos legais.

A vigência e a eficácia se encontram no que se denomina de instâncias de validade das normas jurídicas, onde se diferenciam as características normativas para um determinado dispositivo legal. Subtrai-se que ao se tratar da vigência da norma legal positivada, a essa é dado caráter meramente formal, onde requisitos formais devem ser cumpridos para que possamos atribuir a ela tão somente sua possibilidade de aplicação, iniciando-se na data de sua publicação. Diferentemente se comportam as leis quando se trata de sua eficácia. Arnaldo Vasconcelos (2002, p. 228) trata estas sob a instância de validade social, por cumprir uma função social quando de sua aplicação, ou seja, estão inseridas no campo da materialidade, obtendo resultados oriundos de seu cumprimento. É necessária a verificação de ambas as instâncias de validade para o efetivo cumprimento das intenções legislativas no sentido de se proteger o meio ambiente, seja ele o natural ou o artificial, trazendo uma conseqüente ordenação espacial e bem estar social, os quais já cuidaram ser indispensáveis à qualidade de vida determinada pela Constituição Federal.

Foi tratado em momento oportuno sobre a não existência de uma legislação ambiental compilada, única. Mas tal fato não deve servir de empecilho para a eficácia das leis já existentes e que se encontram em plena vigência. Em lição do Professor Carlos Augusto Fernandes Eufrásio [01], o meio ambiente perece mais pela inaplicabilidade das leis do que pela inexistência das mesmas. Tal assertiva também se enquadra ao tema em questão, sendo ele o meio ambiente artificial. Ora, as leis são esparsas, específicas, mas existem. No momento em que se ignora a existência de uma lei em vigor que rege determinada questão ambiental, seja para o meio ambiente natural ou artificial, a ela está sendo negada sua eficácia.

É dentro desse contexto que se vê a existência de um vão que separa o mundo do "ser" do mundo do "dever ser". A legislação ambiental está coberta de materialidade e, portanto, de meios de se concretizar. Ou seja, leis de eficácia plena, quando, por exemplo, se tratar de aplicação de remédios constitucionais para solução de contendas e leis de eficácia limitada, estando estas dependentes mediatamente da elaboração de leis que venham a viabilizar sua efetivação. Acontece de se tratar de um âmbito social sem a disseminação de cultura preservacionista, que deveria ser inflamada numa sociedade que se desenvolveu num país recheado de riquezas naturais, mas que traz na sua bagagem cultural uma alma de colonizadores imediatistas voltados para a exploração e desenvolvimento a qualquer custo.

A questão existente entre vigência e eficácia da lei ambiental está ligada ao que se estuda desde cedo nas matérias acadêmicas no curso de Direito: a existência dos mundos do "ser" e do "dever-ser". É nesse aspecto que o "dever-ser" está no campo da vigência das leis, ou seja, assim deve-se fazer para o cumprimento efetivo das finalidades visadas pelo legislador, ao tempo em que a eficácia está relacionada àquilo que foi efetivado, entenda-se, o mundo do "ser". O quadro apresentado pelo meio ambiente artificial corresponde, atualmente, tão somente àquilo que é aplicado em termos de legislação ambiental e municipal visando um melhor planejamento urbano. As políticas não são realizadas na sua completude, como também não se vê o uso dos instrumentos legais por parte dos munícipes como titulares desse direito.

4.2 Princípio da Gestão Democrática da Cidade

Se o meio ambiente artificial é resultado da interação da sociedade com os recursos disponíveis para satisfação de suas necessidades, torna-se óbvio que aquela é a detentora de poderes para a consecução dos atos a serem tomados pelo ente municipal em prol de seu desenvolvimento.

Tal obrigação está claramente posta no art. 225 da Constituição Federal Brasileira, quando ela impõe também à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente tanto para a presente como para as futuras gerações. A gestão democrática, portanto, possui um vasto campo de atuação, visto compreender no ato de "gerir" toda e qualquer medida que vise a dispor um bem comum à sociedade.

Nesse sentido, tem-se reiterada na Constituição do Estado do Ceará a possibilidade do exercício ao direito a um meio ambiente saudável, trazendo em seu art. 7º que "todos os órgãos e instituições dos poderes estadual e municipal são acessíveis ao indivíduo, por petição ou representação, em defesa do direito ou em salvaguarda cívica do interesse coletivo e do meio ambiente".

De acordo com a política urbana tratada pelos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, têm-se as diretrizes gerais para sua execução determinadas pelo Estatuto da Cidade. O instituto traz em seu art. 2º:

Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

[...]

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Em se cuidando da Lei Orgânica do Município de fortaleza, esta também traz preceitos de ordem legal que visam inflar a participação popular nos processos de planejamento e proteção de bens inerentes ao município. Esses mesmos aspectos são reiterados nos incisos constantes do art. 149 do citado instituto jurídico.

Art. 3º Todo cidadão tem direito de requerer informações sobre os atos da administração municipal, sendo parte legítima para pleitear, perante os Poderes Públicos competentes, a declaração de nulidade ou anulação de atos lesivos ao patrimônio público.

[...]

Art. 5º O plebiscito, o referendo e a iniciativa popular são formas de assegurar a participação do povo nas definições das questões fundamentais de interesse da coletividade.

Vê-se, portanto, que é constante em legislação a necessidade de existir a participação popular como forma de legitimação da execução de políticas urbanas voltadas para o bem estar comum que deve prevalecer num ente municipal. Para que a sociedade se apresente como participante e efetivadora de preceitos legais, é imprescindível que aquela detenha de certa capacitação política e o mínimo se senso participativo, para que se faça presente em discussões no âmbito de sua comunidade, buscando formas de conciliação entre os objetos desejados pelos integrantes da coletividade. Desta forma, seriam colocados em prática os preceitos constitucionais de democracia participativa e de cidadania.

4.2.1 Os munícipes como efetivadores das atribuições municipais

A atuação da sociedade civil assim organizada, a partir de pequenos nichos coletivos, surtiria efeitos no corpo social como um todo, fazendo do microcosmo municipal uma localidade onde os preceitos legais teriam sua efetivação, gerando um novo ciclo benigno, mais correspondente ao mundo do "dever-ser", indo estas conseqüências mais adiante: a participação popular terminaria por não se limitar somente às práticas municipais, pois naturalmente elas se estenderiam ao âmbito estadual, refletindo também interesses de todo o espaço territorial brasileiro.

Têm-se elencados no art. 43 do Estatuo da Cidade formas de efetivação através das quais pode o cidadão exercer influência sobre os destinos da cidade.

Art. 43 Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados dentre outros, os seguintes instrumentos:

I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;

II – debates, audiências e consultas públicas;

III – conferências sobre assuntos de interesse urbano nos níveis nacional, estadual e municipal;

IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

Quando se trata dos órgãos colegiados, está sendo previsto a interação entre Poder Público e sociedade, formando uma instituição jurídica sem natureza própria. Renato Cymbalista (apud, BUCCI, 2002, p. 329) coloca que sua composição não possui caráter totalmente público e nem totalmente privado, podendo a sociedade ser representada de forma subdividida, sendo parte composta pelos usuários do espaço urbano (associações comunitárias, ONG’s, sindicatos) e a outra contendo células dos setores ligados à formação do espaço urbano (empresários da área da construção civil, por exemplo).

Vê-se também a participação eminentemente popular ao determinar debates, audiências e consultas públicas e dando atribuição de iniciativa de projeto de lei a ser proposto ao Poder Público. Na medida em que estes instrumentos são colocados em prática é que se notará a expansão da capacitação coletiva, sendo consequência do surgimento do sentimento de necessidade de participar dos rumos que a ordenação urbana pode tomar. Refletiria, tão somente, a existência de ações voltadas para o alcance de um bem comum de uso do povo a ser utilizado em benefício próprio.

4.3 Planejamento Urbano

A proteção ao meio ambiente artificial começa sua atuação no campo da eficácia através de um consistente planejamento urbano.

Um bom planejamento de ordenação vai se dar no instante em que os responsáveis por ele – Poder Público e coletividade – coordenarem os interesses conflitantes existentes entre os membros afetados pela política de atuação pública. Entenda-se, buscar-se-ão meios de se efetivar uma boa ordenação territorial, objetivando atender ao máximo as necessidades apresentadas pela comunidade, para que a esta seja concedido o bem-estar necessário para o exercício das garantias concedidas constitucionalmente. A conseqüência vem em forma de melhoria na qualidade de vida dos membros da comunidade, que por sua vez reflete incentivo para a continuidade da participação, imprimindo constância nos processos de planejamento que digam respeito ao bem estar comum.

José Afonso da Silva (2000, p.130) traça consideração sobre processo de planejamento como "a definição de objetivos determinados em função da realidade local e da manifestação da população, a preparação dos meios para atingí-los, o controle de sua aplicação e a avaliação dos resultados obtidos". Nesse aspecto, deve-se levar em conta, como fator imprescindível, a realidade que permeia a localidade. É atendendo aos interesses locais de forma equilibrada e gerando bem estar coletivo que se estará efetivando a tutela do meio ambiente artificial.

 

CONCLUSÃO

Os aspectos tratados no presente trabalho levam à visualização de um sistema de preservação e desenvolvimento do meio ambiente artificial acometido de interdisciplinaridade de fatores. Estão envolvidos na questão aspectos administrativos, legislativos e participativos, de forma que se complementem, com o intuito de alcançar o tão almejado bem comum de uso do povo.

Ao se tratar de questões administrativas, está-se falando de atribuições inerentes a um ente federativo municipal, que, como detentor do Poder Público local, toma para si o dever de administrar as forças locais existentes, exercendo sua soberania de acordo com suas limitações territoriais, sujeitando aqueles que estão sob a administração local às suas decisões, mas com o objetivo de preservar os bens jurídicos tutelados pelas leis que venham a se relacionar com as questões de ordenação ambiental.

Chega-se, assim, ao cumprimento dos objetivos apontados pela presente discussão. Torna-se notável que as atividades inerentes ao ente municipal não podem ser tomadas em separado do princípio ambiental que determina a existência de um meio ambiente saudável e equilibrado. As atribuições municipais devem ser colocadas em prática tendo como foco proporcionar ao munícipe a qualidade de vida que ainda pertence ao mundo do "dever ser".

Tampouco deve o município exercer suas competências sem admitir de forma ampla a participação popular em seus processos de ordenação. A legitimação dos atos municipais, no que tange ao bom planejamento urbano, está indubitavelmente condicionada à participação do povo nestes processos. Todos os segmentos da sociedade civil têm o direito-dever (dever-ser) de se fazerem presentes nas decisões municipais que tenham como alvo questões que envolvam a ordenação do espaço territorial urbano, dentro dos limites do próprio município.

Tem-se, especificamente, que a qualidade de vida está intimamente correlacionada com a existência de um meio ambiente em equilíbrio como conseqüência de uma promissora ordenação do espaço urbano que abriga os membros sociais.

O bem estar social, como principal bem a ser tutelado pelo ente municipal, só será possível no decorrer do cumprimento dos deveres de proteção que a Constituição Federal confere ao Poder Público e à sociedade civil como coletividade. O exercício destas atribuições deve estar de acordo com as normas de cunho ambiental e municipal vigentes, o que daria início a um ciclo harmonioso entre o Poder Público, representado pela administração municipal, a sociedade civil e o meio ambiente, principalmente o artificial. Ao interagirem, esses fatores desencadeariam uma sucessão de conseqüências positivas à coletividade, principalmente em se tratando da qualidade de vida tutelada e tanto almejada por todos aqueles que compõem o corpo social.

Dessa forma, intenta-se fomentar o sentimento de que cada membro social é parte importante na vida de um município, pois na medida em que se participa é porque se busca uma melhora nas condições de sobrevivência dentro de um determinado espaço urbano e as melhorias decorrentes desta participação virão a estimular ainda mais a coletividade a agir em prol do meio ambiente que a acolhe.

 

REFERÊNCIAS

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NOTAS

01 O Professor Carlos Augusto Fernandes Eufrásio obteve o título de mestre em Direito (Direito e Desenvolvimento) em 1990, pela Universidade Federal do Ceará, com o título "A Proteção Ambiental na Nova Ordem Jurídica Brasileira" e faz parte do corpo docente da Universidade de Fortaleza. A presente questão a respeito do perecimento do meio ambiente pela falta de aplicação de leis ambientais e não pela sua inexistência foi assunto de debate em aula ministrada em meados de 2003.

 

 

* Bacharel em Direito, auxiliar administrativa, consultora em escritório de consultoria previdenciária em Fortaleza (CE).

 

 

Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8071>. Acesso em: 08 ago. 2006.