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O DIREITO DO CONSUMIDOR - GARANTIA DE CIDADANIA
Sérgio Ricardo Marques Gonçalves

Este trabalho tem por finalidade iniciar o leitor em alguns tópicos importantes do vigente Direito do Consumidor. Para evitar uma repetição do Código de Defesa do Consumidor, os artigos deste não serão transcritos, sendo apenas feita sua identificação.

A vida em sociedade exige que os seres humanos dependam uns dos outros para sobreviver. O trabalho de um, somado ao do outro, e o deste com o dos demais constituem, além de um direito próprio, um dever para com a sociedade. Cabe, ao Estado, a garantia de liberdade na escolha e no exercício da atividade de cada pessoa, regulando as relações, de forma a impedir que existam vantagens indevidas a qualquer das partes, bem como coibindo que direitos sejam lesados.

Como cada pessoa contribui com alguma atuação da qual toda a coletividade necessita, seja na forma de um produto ou serviço, torna-se importante possibilitar a real satisfação de quem os procura. Para regular esta situação, criaram-se leis, que permitem igualar as partes, sob o justo prisma de "desigualar os desiguais, na medida em que se acentuam as suas desigualdades". Como pretender ser justo, tratando de igual maneira um consumidor de uma cidade qualquer em nosso país em face de uma empresa multinacional?

Até poucos anos, as leis esparsas nos Códigos possibilitavam uma proteção aceitável aos direitos dos consumidores, mas, com o passar do tempo, evidenciou-se a importância de haver um regramento específico, dirigido à pacificação das controvérsias surgidas em número cada vez maior. Além disso, os Códigos existentes foram feitos para regular as relações entre as pessoas, partindo do princípio de que todos são iguais, o que não é verdade nas relações entre pessoas e empresas, nas quais é flagrante a desproporção.O caminho já havia sido esboçado inclusive pela Organização das Nações Unidas que, em sua resolução 39.248, de 10.4.85, estabeleceu "normas para a proteção do consumidor", que visavam, entre outras coisas, proteger o consumidor de prejuízos a sua saúde e segurança, fomentar e proteger os seus interesses econômicos, fornecer informações adequadas para capacitá-lo a escolher de acordo com suas necessidades, garantir seu ressarcimento (nos casos cabíveis), educá-lo e garantir a liberdade de criação de grupos ou entidades capazes de protegê-los eficazmente.(1) Existe até o Dia Mundial do Consumidor, comemorado em 15 de março.

A necessidade de se resguardar os consumidores das práticas abusivas dos maus empresários ( bem como a de dar maiores amplitudes aos interesses de ambas as partes, aperfeiçoando nossas relações comerciais ) foi consagrada na Constituição Federal de 1988. No seu artigo 5º, XXXII, ela atribui ao Estado o dever de promover, na forma da lei, a defesa do consumidor e no artigo 170, V, que está no capítulo dos fundamentos da ordem econômica, prevê como um dos princípios básicos deste, a defesa do consumidor. Para garantir ainda a rapidez na elaboração das normas protetoras, o artigo 48 das Disposições Transitórias determinava que, em um prazo de 120 dias após a promulgação da Constituição, o Congresso elaborasse o Código de Defesa do Consumidor, prazo não observado.

Finalmente, em 11 de setembro de 1990, a Lei nº 8.078, que criou o Código de Defesa do Consumidor, foi publicada, derrogando o Código Civil e outras leis no que tange às relações de consumo. Com ele, o consumidor "abdica do papel de vítima que lhe era reservado e passa a traduzir um parceiro real, ao qual os fornecedores devem se habituar. O consumidor parceiro deflagra um novo estágio: o do cidadão econômico, que redunda numa garantia de participação". (2) O Código do Consumidor não ensejou o surgimento de um ramo de direito próprio, como ocorreu com a regulamentação do Direito do Trabalho mas, antes, o inseriu no Direito Econômico, mesmo que permita a utilização do termo "Direito do Consumidor" para sua referência.(3)

2. O Consumidor

Para se compreender de forma correta as colocações do Código de Defesa do Consumidor, é importante saber mais sobre os personagens envolvidos na equação da relação de consumo. O primeiro, destinatário das atenções do título legal, é o consumidor, ou toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza um produto ou serviço como usuário final. O consumo é inerente ao homem, que não vive sem consumir. Diz-se mesmo que a bíblica maçã de Adão no paraíso "foi o primeiro bem de consumo a verdadeiramente afetar e modificar o comportamento do ser humano." (4)

A legislação surgida não trata apenas das relações de consumo, como se poderia concluir em uma primeira análise. Os princípios do Código são basilares também para o Direito Econômico. Por essa razão, os conceitos (assim como os direitos e os deveres) do consumidor e do fornecedor não são estáticos, estando em permanente mutação, podendo uma pessoa (física ou jurídica) ser consumidora em um primeiro momento e fornecedora no segundo, ou, mesmo ao comprar um bem qualquer, não se enquadrar como consumidor.

Para ser consumidor, é preciso estar no final do elo produtivo, ou seja, ser o destinatário final do bem ou serviço adquirido. É, portanto, o bem ou serviço desejado pelo consumidor para satisfazer uma necessidade sua e não para ser repassado, como adquirido, para outrem. Não pode ser o produto adquirido para comercialização ou produção. O artigo 2º do Código (5) dá esta noção a respeito de quem pode ser consumidor, enquanto que seu parágrafo único iguala as pessoas físicas ou jurídicas à coletividade de pessoas que esteja apta a participar das relações de consumo, mesmo que seja esta coletividade de pessoas indeterminada. Isso quer dizer que, se houver uma oferta enganosa por parte de uma empresa, não precisam ser identificadas as vítimas desta ação empresarial, bastando a realização da oferta que poderia ludibriar a coletividade de pessoas, ainda que não sabidas, aptas a adquirir bem ou serviço semelhante ao anunciado.

O Código parte da premissa de que o consumidor é o mais fraco dos dois pólos da relação de consumo, sendo necessário protegê-lo e esclarecê-lo sobre seus direitos, conferindo-lhe uma proteção preventiva, já que também lhe é assegurado o direito de escolha. Assim, além de poder informar-se sobre cada produto disponível para a satisfação de determinada necessidade, pode o consumidor optar por aquele que lhe parecer melhor, mais adequado ao seu caso, obrigando os fornecedores a um permanente esforço para aumentar a qualidade, a segurança, a melhora na relação custo/benefício e, conseqüentemente, a venda do bem que produz.

Importante é salientar que o consumidor, além de uma pessoa física, pode ser também uma empresa (pessoa jurídica) ou ainda uma coletividade de pessoas. O consumidor pessoa física será considerado como tal quando adquire, no exemplo de Luiz Antônio Nunes,(6) um automóvel para seu uso pessoal, sendo o destinatário final deste. Nesse caso, qualquer controvérsia sobre o automóvel será discutida com vistas ao disposto no Código de Defesa do Consumidor.

Uma análise importante em relação aos produtos adquiridos é quanto ao seu enquadramento como bens típicos de consumo, o que se dá geralmente quando fabricados em série, para satisfazer às variadas necessidades do mercado, sendo este aspecto fundamental na verificação da aplicação das regras de direito do consumidor ou de direito comum, aos casos do dia-a-dia.

3. O Fornecedor e suas responsabilidades

Cabe evidenciar que o Código preocupa-se, sobremaneira, com o atendimento das necessidades e expectativas do consumidor, com o respeito aos seus direitos, a harmonia das relações de consumo e a conseqüente melhora e modificação nessas relações, decorrentes da obediência ao ordenamento implantado.

O Fornecedor (artigo 3º - caput) não é apenas aquele que produz e entrega bens, já que a expressão abrange também, além do produtor e do industrial, o intermediário, o prestador de serviços e outros agentes, mesmo sem personalidade jurídica, desde que atuem na circulação econômica e jurídica de bens e serviços.(7) É, portanto, uma definição abrangente, possibilitando que realmente sejam protegidos os interesses do consumidor.Os órgãos públicos estão incluídos nesta definição legal, sendo o Poder Público enquadrado como fornecedor (ex. hospitais, escolas públicas, serviços de telefonia, água e luz, etc.). Até mesmo entes sem personalidade jurídica podem ser enquadrados como fornecedores à luz do Código do Consumidor como, por exemplo, os camelôs, as empresas informais ou as massas falidas. Não há, inclusive, distinção entre os nacionais ou estrangeiros. No caso de fornecedor estrangeiro sem filial no país, responde o importador ou distribuidor local.

Já os produtos são os bens passíveis de valoração econômica, sendo considerados como tais os móveis ou imóveis, materiais ou imateriais (artigo 3º, § 1º). Para os serviços, se consideram aqueles prestados, qualquer que seja ele (tratamento dentário, atendimento médico, pintura, etc.), ainda que de caráter bancário, financeiro, de crédito ou securitário (utilização de contas em banco, obtenção de empréstimos, contratação de seguros, financiamentos para compra de bens). No conceito de serviços (artigo 3º, § 2º) excetuam-se as relações trabalhistas, pois estas são revestidas de habitualidade e subordinação. Excluem-se também dos limites do Código os serviços prestados gratuitamente.(8)

3.1 DOS VÍCIOS

Entre as responsabilidades do fornecedor, uma das mais importantes é em relação ao produto ou serviço viciado ou defeituoso, ou seja, da reparação do dano econômico, artigo 18 (serviço ou produto inadequado, imprestável ou não capaz de ser usado para a tarefa pela qual foi comprado). Isso não elide a responsabilidade pelos danos externos deste vício ou serviço, que são analisadas no artigo 12 (ex.: ferimentos causados em virtude de acidente motivado pelo vício do produto).

O artigo 18 diz, entre outras coisas, que o vício ou defeito no produto deve ser sanado em 30 dias, prazo este dado pela lei para o fornecedor reparar o defeito, efetuar a troca (se for produto) ou ainda proceder a reparação no caso de se tratar de um serviço. Note-se que o prazo de 30 dias é decadencial,(09) cor ornecedor, ainda que o consumidor não possa exigir que o conserto seja efetuado em menos tempo. Findo o prazo sem que haja solução para o problema, o consumidor pode - à sua escolha - requerer:

* substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeito estado;

* restituição da quantia paga, corrigida monetariamente, além de eventuais perdas e danos que tenha sofrido;

* abatimento proporcional no preço, do vício do produto.

3.2 DOS PRAZOS

A questão do prazo é importante, pois dele pode resultar um prejuízo maior ao fornecedor, já que na hipótese de não ser possível atender ao prazo imposto por lei, pode o consumidor exigir também perdas e danos, desde que prove que houve prejuízo ocasionado pelo defeito do produto. Se o prazo for cumprido, não há o que falar de perdas e danos (para danos econômicos, pois pode-se exigir indenização pelos danos externos - vide artigo 12). Ressalte-se, ainda: artes viciadas puder comprometer as qualidades ou características do produto, ou mesmo diminuir seu valor, qualquer das alternativas do artigo 18 pode ser exigida de imediato, sem os 30 dias para o fornecedor, o mesmo valendo para o caso de produtos essenciais como, por exemplo, alimentos, remédios, etc. O explanado para os produtos vale também para os serviços.

O prazo poderá ser aumentado ou diminuído, desde que em comum acordo entre as partes e de forma expressa, sendo considerada esta hipótese desfavorável, tanto para o consumidor (que vai esperar mais pelo produto), quanto para o fornecedor (que ficará mal-visto no mercado).(10)

Para o caso dos vícios de quantidade (artigo 19), ou seja, produto entregue em conteúdo inferior ao estipulado, segue-se a mesma linha de raciocínio dos vícios por qualidade, sendo possível também a substituição por produto de outra espécie (com a anuência do consumidor), inexistindo porém, prazo para se sanar o vício do produto em questão, se esta for a decisão do consumidor, que é o responsável pela escolha da forma pela qual prefere ser ressarcido.

Na mesma linha, o artigo 26 traz os prazos legais para a reclamação dos vícios que, em sendo de fácil constatação, caducam em 30 dias no caso de serviços e produtos não duráveis (11) (artigo 26, I) e 90 dias para serviços e produtos duráveis (artigo 26, II), iniciados na efetiva entrega do produto ou término da execução dos serviços. Torna-se importante saber, então, que os vícios de fácil constatação são aqueles que você percebe só de olhar, são aparentes (Ex.: um risco em um carro). Existem ainda os vícios ocultos (artigo 26, § 3º), que são aqueles que não se pode notar de imediato (Ex.: um problema no motor de um carro), que dão início ao prazo decadencial no momento em que se evidencia o defeito, cujo momento do surgimento deve ser provado pelo consumidor (ver ônus da prova - item 3.3).

Esses prazos ( artigo 26 ) são obstados pela reclamação ao fornecedor, que deve ser comprovada ( o prazo para até a resolução do problema ou sua resposta negativa, caso em que começa a contar novamente), e também pela instauração de inquérito civil, até o seu final.

Apesar de pequenos, esses prazos são considerados como garantia legal, devendo-se somá-los ao da garantia contratual, que deve ser fornecida e por escrito (artigo 50) . Portanto, se um eletrodoméstico tem garantia de 1 ano dada pelo fabricante, na realidade a sua garantia deve ser somada a do artigo 26, perfazendo no total 1 ano e três meses. Para os danos ocasionados em virtude de acidente de consumo (motivados por defeito do produto ou serviço durável - artigo 26, II), existe o prazo de 5 anos, contado a partir do momento em que o consumidor descobre o dano e o responsável pela sua autoria, conforme o artigo 27.

3.3 DO ÔNUS DA PROVA

No Direito comum, o ônus da prova (12) recai sobre aquele a quem aproveita o reconhecimento do fato, tendo o artigo 333 do Código de Processo Civil afirmado isto, sujeitando ao autor o dever da prova quando de fato constitutivo do seu direito ou ao réu, quando de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.(13)

O ônus da prova, entretanto, pode ser invertido nos processos que envolvam relações de consumo, pois é nítida a diferença entre um consumidor e uma empresa. Se consumidor deve ser resguardado em seus direitos, é claro ser muito difícil para ele comprovar tecnicamente as falhas de determinado produto ou serviço. O lógico, então, é obrigar quem fabricou ou prestou o serviço, que está sendo objeto de disputa judicial, a prestar as informações que possam comprovar a existência ou não do fato alegado pelo consumidor.

Atenção deve ser dada a este ponto, pois não são todos os casos passíveis de ter aplicada a inversão do ônus da prova, como claramente dispõe o artigo 6º, VIII. O juiz deve, expressamente, decidir nesse sentido, levando em conta as necessidades do caso, em conformidade com as condições estabelecidas pelo artigo e inciso em epígrafe, quais sejam, de o magistrado reputar "verossímil a alegação deduzida ou quando for o autor tido como hipossuficiente, não no aspecto de natureza econômica apenas, mas no tocante principalmente ao monopólio da informação."(14) Este dado é importante, pois militam a favor desta posição, a obrigação do produtor de ter em seu poder os dados que digam respeito ao seu produto e a sua forma de fabricação.

4. ASPECTOS PENAIS

De nada adiantaria outorgar-se direitos e não cominar sanções que obrigassem sua observação. O Código traz sanções de cunho civil e administrativo, mas também cominou como crime alguns atos de maior potencial ofensivo contra os consumidores. Para os efeitos de aplicação, os aspectos penais seguem a linha de definições do Código, para consumidor, fornecedores e direitos que serão tutelados, abrangendo delitos de dano e de perigo, tanto na forma culposa quanto dolosa (no sentido de dolo genérico).

O artigo 61 e seguintes tratam das infrações penais e tem um aspecto interessante em consonância com o caráter protetor do Código: já fixa os sujeitos, tendo no pólo passivo sempre o consumidor (vítima) e no ativo o fornecedor (agressor). Outro ponto digno de nota, é que a sanção penal prevista, seja ela pecuniária ou restritiva de liberdade, não elide a responsabilidade de reparação civil, ou seja, o reembolso das perdas e danos. Nesse caso, estará, por exemplo, o publicitário que realizar uma propaganda enganosa (artigo 67) , que além de responsabilidade civil, implica responder por um crime, já que a propaganda enganosa ou abusiva é fato típico na lei em questão, passível de três meses a um ano de detenção e multa.

Existe uma corrente doutrinária que entende serem os dispositivos penais do Código de Defesa do Consumidor incompatíveis com a regra da legalidade ou reserva legal, que prevê não haver crime, nem pena, sem lei anterior que o defina e a estabeleça.(15) A corrente aludida acredita que os tipos penais abrigados no Código são excessivamente vagos e indeterminados, que, como bem observou o mestre Heleno Fragoso " ...fazem com que, em realidade, não haja lei definindo como delituosa certa conduta, pois entrega, em última análise, a identificação do fato punível ao arbítrio do julgador."(16) Se tomarmos como exemplo o próprio artigo 67, ele atribui a mesma sanção ao sujeito ativo que sabe ser a propaganda enganosa e a quem a difunde e "deveria saber" da condição abusiva da propaganda. Ora, no primeiro caso existe uma conduta dolosa, o que não ocorre no segundo caso, quando existe uma conduta culposa. (17) Na mesma linha milita o Professor Miguel Reale Jr.

5. ASPECTOS PROCESSUAIS

Por serem múltiplos os pontos envolvidos na tutela dos interesses dos consumidores, foi necessário haver uma adequação ao modo de tratamento, em juízo, da defesa desses direitos. No processo comum, cada parte individualmente deve acionar o Estado para a prestação jurisdicional, com a exceção dos casos de litisconsórcio. O resultado da demanda, nesses casos, obriga apenas as partes que participaram da lide. No caso dos consumidores, existem interesses individuais e coletivos homogêneos e difusos (artigo 81) , que demandam novas definições e ações diferenciadas:

* LESÃO INDIVIDUAL : Lesão que atinge apenas um consumidor em si. Ex.: na compra de uma máquina fotográfica, a que você comprou apresenta problema de foco, enquanto as de outras pessoas estão normais. Nos casos de lesões individuais, podem ser ajuizadas ações cautelares, anulatórias, cominatórias e suspensivas, além das ações indenizatórias.

* LESÃO COLETIVA I : Toda a série de máquinas iguais a sua apresentam o mesmo problema. Este será um caso de lesão coletiva, onde várias pessoas têm o mesmo problema com o mesmo produto e o mesmo fornecedor. Existem os chamados direitos individuais homogêneos, ou seja, direitos de pessoas que não têm nada em comum, exceto o problema com o produto adquirido.

* LESÃO COLETIVA II : O problema ocorreu em uma série de máquinas vendidas a um grupo de fotógrafos. Logo, as pessoas atingidas têm uma relação entre si, configurando-se uma lesão coletiva dos interesses de uma categoria.

* LESÃO COLETIVA III : Para se enquadrar neste caso, suponhamos que as máquinas fotográficas em questão não fossem defeituosas, mas existisse por parte da empresa fabricante uma propaganda enganosa. Não seria, em se considerando todos os que adquiriram o bem, possível saber sobre quem foi ou não enganado pela peça publicitária. Decorre daí uma lesão coletiva relativa a interesses difusos, ou seja, de pessoas indetermináveis. Para estes casos, a saída processual é a Ação Civil Pública, que beneficia todas as pessoas lesadas, independentemente da sua participação no processo ou de pertencerem à entidade que patrocinou a demanda.

Para as lesões coletivas, os consumidores podem ser defendidos tanto pelas entidades de defesa do consumidor (públicas ou privadas), quanto pelo Ministério Público. Podem os consumidores também se utilizar dos Juizados de Pequenas Causas, existentes com a finalidade de apressar a aplicação das leis aos casos que por eles podem ser apreciados.

Além das ações processuais de uso normal, existem outros mecanismos que também podem ser aplicados na defesa de interesses surgidos das relações de consumo, em causas cautelares e principais, e que irão variar de acordo com o objetivo que se deseja. São estas :

* MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

* MANDADO DE INJUNÇÃO

* HABEAS DATA

* AÇÃO POPULAR

Em um futuro próximo, poderemos ter outras alterações nas formas de tutela jurisdicional em relação aos direitos dos consumidores, visando garantir a implementação total do intercâmbio comercial entre o Brasil e os países do MERCOSUL, além também de outros blocos comerciais surgidos no rastro da globalização da economia. Os primeiros passos já foram dados: o Brasil lidera nas garantias aos consumidores, pois tem a maior associação civil privada da América Latina para este fim - Idec (18) - sendo também o único país a ter um Código de Defesa do Consumidor.

6. CONCLUSÃO

O Brasil está lutando para ser um país onde os empresários respeitem os consumidores. Nossas instituições de defesa do consumidor estão entre as mais ativas de todo o mundo. O Idec, a principal associação brasileira, tem 33 mil associados. É necessário, entretanto, um esforço ainda maior de conscientização para haver efetiva participação da população nas entidades que a protegem. Para efeito de comparação, na Inglaterra e Holanda, países com população menor do que a do nosso país, existem 700 mil e 600 mil associados, respectivamente. Nos Estados Unidos, uma das associações, a Consumers Union, criada em 1929 ( a pioneira mundial ), tem 800 mil membros e sua revista informativa tem 5 milhões de assinantes. (19)

Paralelamente ao crescimento da participação e apoio as entidades, é preciso implementar meios de promover uma maior responsabilização empresarial pelos danos causados, evitando-os, ao invés de apenas puni-los após consumada a conduta lesiva. O crime empresarial, apesar de não lembrado pelas pessoas em geral, pode ser mais lesivo do que o produto de ações criminosas, no sentido comumente empregado. Em recente trabalho lançado no Brasil (20), o advogado norte-americano Russel Mokhiber descreve vários exemplos de como o crime empresarial, além de até matar (21), pode trazer um prejuízo financeiro substancial para a nação. Segundo dados do seu livro, a cifra de uma conspiração para a fixação de preço de equipamentos elétricos, nos Estados Unidos, custou US$ 2 bilhões, uma cifra maior do que a registrada com o total de três milhões de furtos anuais ocorridos no país.

No Brasil, os últimos exemplos de crimes empresariais causaram grandes prejuízos pessoais, financeiros e morais. Recentemente, um Banco fraudou balanços e lucros, vindo posteriormente a quebrar, obrigando o governo a intervir e utilizar dinheiro público para evitar maiores prejuízos até mesmo para a estrutura bancária do país. Já a administração de um Shopping Center foi, ao menos, omissa quanto à segurança de seus freqüentadores, causando com esta atitude o surgimento de uma situação de risco (acúmulo de gás, proveniente de falhas em uma rede de abastecimento irregular) e a posterior ocorrência de recente acidente que já vitimou 40 pessoas.

Existem, é claro, casos em que se verifica ser o respeito aos consumidores levado a sério, como na recente mudança feita pelo Ministério das Minas e Energia, em todo o país, no sistema de cobrança de multa no pagamento em atraso das contas de energia elétrica, passando a penalidade de um índice único de 10% para 0,33%, no máximo (por dia de atraso pelo prazo máximo de 30 dias, quando atinge o total de 10% novamente).(22)

Como visto, existe em nosso país um ordenamento legal capaz de proteger os consumidores, cabendo a estes exigi-los, participando do processo cívico de conscientização dos direitos e deveres de todos os envolvidos nas relações comerciais. Os interesses dos consumidores devem ser levados em conta no planejamento e execução das estratégias e sistemáticas das organizações. Sendo assim, participe e exija seus direitos.

7. ÓRGÃOS DE DEFESA DO CONSUMIDOR

PROCON (Coordenadoria de Proteção e Defesa ao Consumidor): O órgão recebe qualquer tipo de reclamação ou consulta.
Rua Líbero Badaró, 119, Centro, lojas 103 a 105
Rua Bandeira Paulista, 808, Itaim Bibi, CEP 04532-002 ou
cx. postal 5.050, CEP 01061-970.
Telefones (011) 1512 (S.Paulo) e (012) 322.1134 (S.José dos Campos).
Internet: procon@eu.ansp.br

IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor): Associação civil que presta assistência jurídica a seus associados. Rua Cardoso de Almeida, 1717, Perdizes, CEP 01251-001. Telefone (011) 872.7188

DECON (Departamento Estadual de Polícia do Consumidor): Recebe qualquer denúncia de crime contra o consumidor e à saúde pública. Largo General Osório, 66, Bairro da Luz. Telefone (011) 221.0011 e 221.1803

Promotoria de Justiça e Proteção: Atende a casos de interesse coletivo. A denúncia deve ser formalizada por meio de representação. Telefone (011) 257.2899

IPEM (Instituto de Pesos e Medidas): Recebe denúncias sobre problemas com pesos e quantidades de produtos. Rua Muriaié, 154, Alto do Ipiranga, CEP 04260-900. Telefone (011) 273.0522

SUNAB (Superintendência Nacional do Abastecimento): Trata de irregularidades em mercadorias e notas fiscais. Telefone 198

IPQ (Instituto Paulista da Qualidade): Verifica a conformidade dos produtos com as especificações. Telefone (011) 605.9674

8. NOTAS E BIBLIOGRAFIA

Coelho, Fábio Ulhoa - O Empresário e os Direitos do Consumidor, São Paulo. Saraiva, 1994

Bittar, Carlos Alberto - Direitos do Consumidor, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1990

Nunes, Luiz Antônio - Curso Prático de Direito do Consumidor, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1992

Lazzarini, Marilena - Código de Defesa do Consumidor : anotado e exemplificado, São Paulo, ASV Editora, 1991

Mokhiber, Russel - Corporate Crime and Violence ( Crimes Corporativos ), São Paulo, Editora Página Aberta, 1995

Araújo Cintra, Antônio Carlos de, Grinover Ada Pellegrini, Dinamarco, Cândido Rangel - Teoria Geral do Processo, São Paulo, Melhoramentos, 1995

Jesus, Damásio E. de - Direito Penal, São Paulo, Saraiva, 1992

Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil / organização, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira, São Paulo, Melhoramentos, 1995

Toron, Alberto Zacharias - in Revista dos Tribunais 671, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1991

Pasqualotto, Adalberto - in Revista dos Tribunais 666, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1991

Cruz e Tucci, José Rogério - in Revista dos Tribunais 671, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1991

Silva Filho, Artur Marques da - in Revista dos Tribunais 666, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1991

Caggiano, Mônica Herman Salem - in Revista dos Tribunais 666, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1991

Marensi, Voltaire - in Revista dos Tribunais 671, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1991


Sérgio Ricardo Marques Gonçalves
Advogado*

Na época da elaboração do artigo era acadêmico
da UNITAU e foi orientado por José Alves Jr.
Advogado e professor da UNITAU

http://www.neofito.com.br