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PARTIDOS POLÍTICOS
- Alvaro Valle -

 

- ASPECTOS GERAIS -

A Importância dos Partidos

Não há democracia sem partidos políticos sólidos.

Foram os partidos que consolidaram a democracia no último século e tornaram-se os maiores responsáveis por sua estabilização.

Em sua forma atual, os partidos são recentes na História. Surgiram, com características de grupos organizados nos Estados Unidos, e só depois de 1850 no resto do mundo.

Um partido político é um grupo voluntário, organizado e com hierarquia, que procura representar parte da sociedade, e se destina a lutar pelo poder político, com o apoio popular.

- As Origens -

No passado, não havia partidos. Como o poder se concentrava nas elites, tornava-se mais fácil o entendimento pessoal entre os que o disputavam ou entre os que o desfrutavam.

Com o passar do tempo, o povo passou a participar das decisões políticas, a ser ouvido e a criticar. As decisões já não podiam ser tomadas em pequenos grupos. Era indispensável organizar essa participação popular, e assim começaram a formar-se os partidos para representar correntes de opinião.

Grupos que representavam correntes de opinião reuniam-se em clubes, em hotéis, ou surgiam espontaneamente nos parlamentos. Na Inglaterra, formavam-se grupos inspirados por princípios religiosos ou por interesses econômicos. Mais tarde, no Parlamento, eles começam a dividir-se entre os que apoiavam o governo e os que faziam oposição.

Em 1714, cria-se uma secretaria (ministério) que tinha por função distribuir favores aos parlamentares governistas (Patronage Secretary) e manter unida a maioria do governo. Mas estavam longe de pensar em um partido, com organização e hierarquia.

Na França, como em todo mundo, desde a velha Grécia, havia grupos unidos por seus interesses ou ideais, que até recebiam, algumas vezes, o nome de partidos, mas sem as características dos partidos políticos atuais.

Alguns indícios de o que seriam os partidos modernos começam a aparecer na França, em 1789, quando os representantes vinham de todo o país para discutir e votar a Constituição. Começavam a formar-se grupos naturais, a princípio de representantes da mesma região. Reuniam-se para trocar idéias e fixar posições. Quando a Constituinte se reuniu em Paris, estes grupos procuraram locais onde se pudessem encontrar.

Muitos passaram a ser conhecidos pelo nome da rua ou do hotel onde se reuniam (rue de Castiglione, rue de Poitiers, etc.). Rapidamente, no período tumultuado de Revolução Francesa, os grupos começam a ganhar uma certa unidade ideológica ou doutrinária. Surgem os jacobinos (cujo núcleo foram os representantes da Bretanha), os girondinos, e tantos outros que passam à História. Mas ainda nada tinham a ver com os partidos políticos atuais. Estão na sua pré-história.

Com o crescimento do socialismo e a necessidade de se organizarem os movimentos proletários é que se acelera a história dos modernos partidos políticos. Na Inglaterra, os sindicatos começam a transformar-se em organizações políticas, levando-lhes sua estrutura. Na Alemanha e na França, os socialistas organizam-se em partidos. Em reação, os grupos adversários começariam também a estruturar-se.

- O Funcionamento da Democracia -

Em sociedades com milhões de habitantes, os partidos políticos são fundamentais para que possa haver democracia.

Os governos totalitários buscam o apoio direto das massas. Este apoio direto é mais fácil de obter do que o de grupos políticos ou partidos. As reações da multidão são emocionais e repentinas. Com veículos de comunicação disponíveis, os governantes podem obter adesões tumultuadas e incondicionais.

Quando o povo se manifesta por intermédio de partidos autênticos, a adesão, se houver, é condicional, como deve ser em uma democracia. Em grupos menores, os debates podem aprofundar-se, as minorias são mais respeitadas.

Seria impossível a participação direta, por exemplo, de todos os brasileiros na administração do país. Milhares de decisões são tomadas, a cada momento, em diferentes escalões. Não há condições de o povo ser consultado em cada situação e nem de fiscalizar a ação dos governantes. A prática da democracia no mundo moderno exige a organização de instituições que possam desempenhar este papel em nome do povo. São os partidos, sem os quais a democracia seria impossível.

- Legitimidade -

Para que os partidos desempenhem este papel, é indispensável que sejam legítimos, que representem algum setor da sociedade. Não basta que haja partidos políticos; é preciso que eles estejam atuando de acordo com a vontade e as aspirações daqueles que representam.

Para a legitimidade dos partidos, não basta que seus representantes e líderes tenham sido escolhidos pelo povo. Também há oligarquias nascidas do voto popular. Um grupo pode ter sido eleito pelo povo e afastar-se dele para beneficiar-se do poder ou realizar suas próprias aspirações. A História, inclusive no Brasil, está repleta de exemplos. Os governantes podem também ter sido eleitos em condições históricas excepcionais (guerras, calamidades, etc.), deixando de ser representativos, tão logo essas condições se alterem.

Se os partidos políticos não representarem seus eleitores, todo o edifício da democracia estará em perigo.

- TIPOS DE PARTIDOS -

Há diferentes classificações de partidos políticos. São resultantes da observação da vida política. Os partidos não seguem modelos teóricos; nascem e atuam de acordo com as circunstâncias.

Considerada a realidade da vida política, podemos classificar desta forma os partidos políticos:

1 — Partido único.

2 — Partidos de Ocasião.

3 — Partidos de Interesse.

4 — Partidos Ideológicos.

5 — Partidos Doutrinários.

- Partido Único -

Na realidade, os partidos únicos são uma contrafação dos partidos políticos. Assumindo integralmente o poder, eles se confundem com o próprio Estado. Como a democracia moderna só é possível com partidos políticos, a existência do partido único impossibilita a democracia, ainda que haja separação de poderes.

Evidentemente, só há partidos únicos quando não há eleições ou elas são fraudulentas. Como qualquer sociedade é dividida em diferentes grupos, com idéias e aspirações diversas, eleições nunca poderiam resultar no domínio exclusivo de um só grupo. Ou existe fraude na manipulação dos votos, no cerceamento da propaganda eleitoral, ou nem ela é necessária, porque outros partidos são simplesmente impedidos de concorrer.

Os partidos únicos nascem em decorrência da tomada do poder por um grupo autoritário (ex-União Soviética, Alemanha nazista, Irã) e destinam-se à manutenção do controle do Estado. Em alguns casos, há a convivência de vários partidos, mas um deles assume o integral controle da vida política, e, pela fraude ou pela coação, termina por retirar seus concorrentes do cenário. São geralmente alto-falantes ou máquinas burocráticas de lideranças pessoais (Hitler, Mussolini, Khomeini, Fidel Castro, Stroessner). Em alguns países africanos, o partido é apenas um braço político do exército no poder.

- Partidos de Ocasião -

São partidos que se formam para um momento da vida nacional ou para a defesa de uma aspiração específica. Encerrado aquele período histórico ou conseguido o objetivo (ou se ele se tornar inviável), o partido desaparece.

Tais partidos são freqüentes nos Estados Unidos. Graças à facilidade da legislação, organizam-se partidos locais para a melhoria de uma escola ou até para a abertura de uma estrada.

Os partidos que se formaram no Brasil para combater o sistema de 1964 e apressar a democratização (MDB-ARENA) são outros exemplos.

Incluímos neste grupo os partidos que se formam exclusivamente para operacionalizar uma liderança pessoal, como o atual PRN. Se esta liderança chegar ao poder e consolidar o partido, ou se transmitir forte conteúdo ideológico ou doutrinário, o partido sobrevive ao líder e deixa de ser de ocasião. Se não, o partido desaparece com o fim de seu líder.

Os partidos de ocasião são os que mais freqüentemente abrigam frentes temporárias de diferentes formações doutrinárias. Elas se reúnem por terem um objetivo comum imediato (no caso do MDB, apressar a democratização; da Arena, dar sustentação política ao regime de 1964). Uma vez atingido ou esgotado o objetivo, desaparece o motivo que justificava a coesão, e o partido, inevitavelmente, se divide.

- Partidos de Interesse -

São tipicamente os grandes partidos políticos americanos. Já Aristóteles falava, na Constituição de Atenas, nos partidos de pescadores e marinheiros, de agricultores e artesãos. No início da vida partidária moderna, surgem partidos sindicalistas (o Partido Trabalhista inglês) com o objetivo específico de defender o proletariado.

Modernamente, os partidos classistas submergiram ou transformaram-se em partidos ideológicos ou doutrinários. À medida que a luta de classes foi desaparecendo ou perdendo suas características, eles perderam também sua motivação. Os elos que hoje ligam sindicatos a partidos são tênues. Mesmo o Partido Comunista Francês, historicamente ligado à Confederação Geral do Trabalho (C.G.T.), hoje tem na sua direção representantes da direção da Confederação apenas em respeito à tradição.

No Brasil, formou-se o Partido dos Trabalhadores (P.T.) quando organizações partidárias semelhantes já desapareciam em todo o mundo. Nasceu como um partido de interesses, mas tornou-se um partido ideológico, passando, curiosamente, a procurar sustentação nas classes médias urbanas.

Quando se fala em partido de interesse, pensa-se hoje em outro tipo de partido. Eles são simbolizados pelos grandes partidos dos Estados Unidos.

Nos Estados Unidos, os partidos começaram a formar-se quando nascia o próprio país, formado pelas antigas colônias. Alguns queriam ceder poucos poderes à União, fortalecendo as colônias. Uniram-se em torno de Jefferson, e aí está a semente do atual Partido Republicano. Outros, com idéias mais progressistas, queriam fortalecer a Federação. Unidos sob a liderança de Hamilton, criaram o núcleo do que hoje é o Partido Democrata.

Com o correr do tempo, tais referências tornaram-se meramente históricas. Os representantes e eleitores de cada partido americano não obedecem a qualquer programa ou doutrina. Os partidos existem exclusivamente em função das eleições.

Em cada local ou região, foram-se formando grupos que tinham como afinidade o interesse de disputarem juntos eleições parlamentares ou para outros cargos. Reuniam-se no Partido Republicano ou Democrata. A tradição iria consolidando o grupo e seus sucessores, sempre reunidos apenas com o objetivo de chegar ao poder.

Os partidos americanos freqüentemente não têm sedes locais e não se reúnem fora de períodos eleitorais. Suas direções são nomeadas, sem contestação, pelos candidatos aos cargos majoritário, nos diferentes níveis. A burocracia não exerce influência sobre os candidatos; ao contrário, é escolhida e dirigida por eles.

- A Fisiologia -

No Brasil, criou-se a expressão "partido fisiológico" para designar os partidos que se estruturam e sobrevivem às custas de cargos e dinheiros públicos. Esta expressão não é traduzível para outros idiomas, e nem é conhecida no português de Portugal. Simplesmente porque nas democracias modernas, tal hábito é condenado pela Justiça comum, com pena de prisão para os que o praticam, criminosos que são. Os diferentes códigos e leis caracterizam como crime de prevaricação a utilização de dinheiros públicos para beneficiamento pessoal.

Não se confundam esses partidos fisiológicos com os partidos de interesse. Os fisiológicos não mereceriam sequer fazer parte da classificação dos partidos. Desaparecem quando se aprimoram os costumes políticos e são meros e lamentáveis acidentes na vida política.

Em todo o mundo, ao assumir o poder, os partidos ocupam cargos políticos com os seus quadros, para que a sua política execute seu programa. Não, para beneficiar os indivíduos, para que aliciem votos ou se apropriem de verbas. Os cargos técnicos, mesmo em regimes presidencialistas, raramente são atingidos quando muda o governo. Apenas, seus ocupantes passam a executar a política do novo governo.

Um partido político existe para disputar o poder e executar seu programa. É natural, então, que ocupe os cargos com seus militantes e dirigentes. Caracteriza-se a fisiologia, quando as pessoas são nomeadas não com esse objetivo, mas apenas para obter vantagens pessoais e eleitorais.

- Partidos Ideológicos -

Convém ler no capítulo anterior, sobre Liberalismo Social, as considerações que fizemos sobre a diferença entre ideologia e doutrina, se o leitor não estiver lembrado do assunto.

Os partidos ideológicos têm uma visão integral do mundo, uma atitude definida e preconcebida diante do fato social e político. Com a sua cosmovisão, procuram chegar ao poder para pôr em prática suas idéias. Não necessitam da crítica ou do debate com outras correntes porque imaginam terem a verdade, descoberta em suas análises e formulações teóricas. Os partidos nazistas, fascistas e comunistas são ideológicos. Até pouco tempo atrás, os partidos socialistas eram ideológicos. Hoje, os melhores partidos socialistas europeus perderam essas características e comportam-se como partidos doutrinários.

A vitória de partidos ideológicos conduz inevitavelmente à autocracia e à ditadura. Ela está na própria essência do autoritarismo ideológico.

Vivemos hoje o fim das ideologias, que não se devem confundir com doutrinas. A complexidade do mundo moderno, o desenvolvimento das ciências, a necessidade de se desenvolverem as técnicas de administração, fizeram com que as ideologias fossem superadas. Ao cidadão não interessa se uma providência é rotulada como de direita ou de esquerda, socialista ou liberal, interessa que seja eficiente e o beneficie. Despreocupados de modelos, os governantes procuram dar eficiência ao Estado, sem se preocuparem com rótulos. Com isso, os partidos ideológicos se esvaziaram ou transformaram-se em partidos doutrinários.

Os partidos socialistas, por exemplo, assentavam todo o seu modelo na premissa da luta de classes. Interesses de patrões e empregados seriam sempre opostos, e esse fato deveria ser o tema, como em uma sinfonia, de todo o programa de ação política. De repente, descobriram que a luta de classes era apenas uma expressão vazia de conteúdo, nas sociedades mais desenvolvidas. O operário europeu ou americano quer a sua empresa forte para que lhe pague melhor, e o patrão quer operários bem pagos para que comprem seus produtos.

Cada vez mais, os partidos ideológicos foram reduzindo seu discurso a slogans, a pequenas frases que têm apelo meramente emocional. O apelo emocional sempre foi característica dos partidos ideológicos, mas agora, com um discurso incapaz de enfrentar a realidade concreta, a emoção passou a ser não um instrumento adicional para a ação, mas o único. O slogan não mais resume um raciocínio lógico; ele o substitui.

- Partidos Doutrinários -

O liberal Benjamim Constant (1787-1830) pensava nos grupos doutrinários, e não nos partidos com as características atuais, quando disse: "Um partido é um agrupamento de pessoas que professam a mesma doutrina política". Mas sua frase é válida para os atuais partidos políticos.

Um partido doutrinário tem um sistema coerente de idéias que inspira o seu programa, estimula e limita a sua atuação.

O nosso Partido Liberal (PL) é tipicamente um partido doutrinário. Tem um programa coerente, defende a doutrina liberal social e realiza cursos para que seus filiados e militantes conheçam e estudem seu Programa.

Ao contrário dos partidos ideológicos, os doutrinários não pretendem ter uma visão acabada do fato político e social. Suas posições vão-se formando ao longo de estudos e debates. O partido doutrinário estimula a crítica e a análise, e por isso tende a fortalecer a democracia.

Um partido socialista terá sempre presente uma visão coletivista da sociedade, tal como um partido social-democrata tenderá a crer na possibilidade do Estado providencial. Um partido liberal estará sempre defendendo o indivíduo contra a opressão do Estado ou das maiorias. Coerentemente, estará enxergando os diferentes problemas e propondo soluções, de acordo com a sua doutrina. Mas, nesses casos, a doutrina não o estará cegando para a realidade concreta e nem impondo decisões acabadas.

Um partido liberal social como o nosso PL, defende o liberalismo, mas não o liberalismo egoísta ultrapassado. Nós temos consciência de que, em um país como o Brasil, com estruturas sociais tão injustas, o Estado ainda é essencial em vários setores, para apressar as reformas.

Fora dos Estados Unidos, que têm uma história política com características peculiares, são os partidos doutrinários os que tendem a dominar o cenário partidário em todo o mundo, representando diferentes segmentos da opinião pública.

Neste trabalho, estaremos analisando basicamente a estrutura dos partidos doutrinários.

- OS MEMBROS DO PARTIDO -

No estudo dos partidos políticos, há uma clássica divisão: partidos de massa e partidos de quadros.

O partido de massa procura ter grande número de filiados e geralmente dispõe de lideranças carismáticas que fazem seus apelos diretamente às bases do partido.

Os partidos únicos são quase sempre partidos de massa.

Os partidos de quadros têm maior preocupação de formar dirigentes e militantes, que servem também de ponte entre as lideranças maiores e suas bases.

Participantes, Militantes e Dirigentes

Podemos classificar os filiados a um partido como participantes, militantes ou dirigentes.

Os participantes são aqueles que preencheram ficha de filiação, participam de convenções e das maiores reuniões do partido, mas não lhe dedicam um tempo especial. O participante pode ser um entusiasta e propagandista do partido, mas seu trabalho não está coordenado com o dos dirigentes.

Os militantes trabalham de acordo com a tática e a orientação dos dirigentes. Não é a intensidade do entusiasmo que caracteriza um militante. É a sua dedicação, sua eficácia e sua disciplina. Ele executa tarefas, trabalha de acordo com a estratégia do partido.

Filiados militantes participam de reuniões, dos conselhos e dos cursos do Partido, freqüentam sua sede. São particularmente importantes nos períodos eleitorais, quando organizam as bases partidárias, fazendo chegar a elas a mensagem do Partido e de seus candidatos.

Os partidos brasileiros, salvo o PL e os partidos socialistas, não têm a tradição de forte militância, sobretudo nos maiores centros urbanos. Neles, os militantes são geralmente recrutados entre pretensos candidatos a eleições futuras e preocupam-se mais com seus próprios interesses de que com o partido. Com isso, enfraquece-se a disciplina, característica fundamental do bom militante partidário.

Em situações especiais, o militante pode não se identificar em seu meio como filiado ao Partido, se isso lhe permite maior eficiência na execução de tarefas que o Partido lhe tenha confiado.

Os dirigentes são os que ocupam os mais altos cargos da direção partidária. São também os responsáveis, em cada nível (municipal, estadual ou nacional) pela máquina burocrática do partido.

- A DISCIPLINA PARTIDÁRIA -

Para que um partido político seja eficiente, é fundamental que seus membros, sobretudo seus militantes e funcionários, sejam fortemente disciplinados.

Ao contrário de um clube, um partido nasce e existe para a luta contra adversários. O combate está na própria essência do partido político. Não se luta sem disciplina.

Michels, o primeiro teórico de organização partidária, comparava, no princípio de nosso século, o partido indisciplinado e desestruturado a "um exército selvagem e amorfo, incapaz de fazer frente a um simples batalhão onde haja disciplina". Pensando sobretudo nos partidos socialistas de seu tempo, chega a recomendar, com exagero: "A democracia não é para consumo interno; é artigo de exportação dos partidos".

Duverger, mais moderno, dirá que "no catecismo das obrigações partidárias, a observância de regras hierárquicas chega a ser o artigo 1º. A hierarquia nasce como conseqüência das condições técnicas, e sua formação é um postulado essencial da máquina partidária que funciona bem". Filiados indisciplinados podem ser, no máximo, bons agitadores, mas nunca militantes eficientes.

Se a disciplina é fundamental para a eficiência de qualquer organização, nos partidos políticos ela ainda se tornará mais importante. Partidos trabalham com líderes e estimulam sua usual vaidade. Sem disciplina, será impossível conciliar os interesses e conduzir a máquina a atuar com eficiência. Os interesses pessoais e a vontade de sobressair fazem com que haja uma natural tendência para conflitos internos que enfraquecem os partidos. O hábito da disciplina e do respeito às lideranças reduz esses riscos.

Por outro lado, no mundo moderno, a eficiência de um partido depende cada vez mais do bom emprego de técnicas de comunicação e de organização. Nem todos os militantes e candidatos de um partido são capazes de compreender a sua utilização, sobretudo quando buscam votos individuais. Para que o partido chegue a melhores resultados, precisará então estar disciplinado, pois só assim haverá uma utilização tecnicamente correta dos recursos disponíveis.

Lenin sempre atribuiu à disciplina grande parte do êxito de seu partido. Sem ela, massas de revoltosos haviam sido metralhados pelos cossacos (janeiro de 1905). Só com disciplina e organização, o Partido conquistou o poder. Por isso, ele dirá que sem a obediência de todos a uma direção tática, pode-se formar "um grupo de teóricos, mas não uma unidade política eficiente".

- LIDERANÇA, SOLIDARIEDADE E CONVÍVIO PARTIDÁRIO -

Para que a indispensável disciplina interna não conduza ao autoritarismo, é fundamental que as lideranças partidárias sejam legítimas e que haja mecanismos internos que estimulem a conscientização, o estudo e o respeito à doutrina do partido. Um dos maiores riscos da indisciplina interna é o de enfraquecer a fidelidade aos princípios.

Nos partidos únicos, freqüentemente a chefia é meramente carismática. O chefe é o chefe porque é; por questões naturais (Führerprinzip). Ele não se elege, e não é votado; é reconhecido.

Nos partidos democráticos, a liderança emerge pelo voto, mas naturalmente. Só os falsos líderes procuram obter cargos, exaltam suas próprias qualidades, dizem suas virtudes, tentam impor sua vontade. Os líderes democráticos reais não se preocupam em impor sua liderança, porque ela é descoberta e reconhecida no correr da atividade partidária.

É grande a responsabilidade das lideranças partidárias, porque, na realidade, elas têm uma ampla delegação para agir em nome dos militantes e do povo que representam.

Rousseau já lembrava que "soberania não se delega". Quando se indicam líderes para atuar em nome dos filiados (e do povo), há uma renúncia. Os filiados não são consultados a cada momento e antes de cada decisão tomada em seu nome. Uma elite partidária decide por eles.

Só anarquistas recusam-se ao reconhecimento das elites nos grupos sociais. De Max Weber a Schumpeter, há o reconhecimento de que na democracia elas existem, inevitavelmente. Devem ser representativas e, sobretudo, todos devem ter acesso a elas. Aí estará a característica do sistema democrático. Em um partido democrático, as elites partidárias e dirigentes são formadas pelos quadros mais competentes e eficazes, reconhecidos pela massa e pelos militantes do Partido.

Não haverá autoritarismo, se no Partido for desenvolvido o espírito de solidariedade, que, nos seus vários níveis de direção, estimula o debate e a autocrítica. É a solidariedade horizontal, que assegura o estudo da doutrina, o bom convívio entre os militantes, e que inspira e limita as lideranças.

Há três tipos de convívio partidário:

Nos partidos totalitários e ideológicos, os militantes comportam-se como se pertencessem a uma Ordem (Bund). Obedecem porque o chefe sempre tem razão. É o convívio ideológico.

Outras vezes, o militante sente-se como se pertencesse a uma sociedade (Gesellschaft), uma espécie de empresa. Como se fosse um acionista, aceita o que os dirigentes decidiram, em seu benefício. É o mais comum, em partidos de interesse ou de ocasião. É o convívio societário.

Em um partido doutrinário democrático, o militante sente-se parte de uma comunidade (Gemeinschaft). Ele o está influenciando por sua atuação. O partido é uma comunidade da qual ele faz parte e com o qual é solidário. Ele sabe então que, para o bom funcionamento do seu partido, é necessária a obediência às normas hierárquicas. É o convívio comunitário.

As lideranças partidárias, em partidos democráticos, são sempre eleitas e participantes dos debates internos, em permanente contato com suas bases.

- CURSOS DE FORMAÇÃO -

Os modernos partidos políticos doutrinários mantêm permanentes cursos de formação política. Eles se começaram a desenvolver nos partidos socialistas. A primeira organização de cursos partidários foi no Partido Socialista alemão, em 1906 (Parteischule). Logo estenderam-se aos partidos democrata-cristãos e liberais de toda a Europa Ocidental.

Atualmente, os partidos europeus, sobretudo os alemães, austríacos, italianos e franceses, mantêm verdadeiras escolas de política, destinadas ao estudo de seus programas e à formação de militantes. São poderosos instrumentos para a conscientização e para o fortalecimento da democracia interna.

O Partido Liberal trouxe para o Brasil a instituição dos cursos de formação política. No continente sul-americano, eles existem, sobretudo, na Venezuela e no Chile.

- A BUROCRACIA DO PARTIDO -

Os partidos modernos dispõem de técnicos e funcionários permanentes que formam o que é conhecido como aparelho partidário.

Em alguns partidos, o aparelho assume tais proporções que se torna responsável não só pela organização burocrática, mas até pela estratégia política. Nesses casos, ele geralmente é comandado pelo Secretário-Geral do Partido.

As atuais técnicas de organização e de comunicação vão tornando cada vez mais importante a burocracia do Partido. É ela que dispõe das informações fundamentais para as decisões dos dirigentes. Em 1921, Lenin já diria: "Teríamos todos desaparecido, se não houvesse o aparelho".

O desenvolvimento do nazismo na Alemanha dependeu fundamentalmente da organização partidária, que se foi tornando uma máquina de Estado. A partir de certa época, não se permitia a existência de qualquer associação no país, mesmo um inocente clube recreativo juvenil, sem a presença de militantes nazistas em sua direção. Essa fantástica coordenação (Gleichshaltung) exigia um aparelho partidário extremamente disciplinado e eficiente. Por intermédio dela, o Partido estava presente em todas as células da sociedade.

Nos partidos democráticos modernos, a burocracia tem seus membros selecionados por sua capacitação profissional. Ao contrário do que acontece com os militantes, o entusiasmo e o devotamento partidário são menos importantes que a capacidade técnica e a eficiência. A burocracia não toma decisões; informa às lideranças e executa as suas determinações. Não deve participar da política interna do partido. Por isso, funcionários não devem ser recrutados entre antigos ou futuros candidatos.

Na Europa, alguns partidos dispõem de grandes sedes e centenas de funcionários pagos com verbas públicas. Os recursos são distribuídos de acordo com os votos que o partido tenha obtido nas últimas eleições.

- PARTIDOS NO BRASIL -

- O Império -

Até a abdicação de D.Pedro I (1831), mal se conseguiram organizar grupos políticos permanentes. Os debates eram sobre circunstâncias, e a política era dominada pela liderança pessoal dos que haviam lutado pela Independência.

No Segundo Reinado, começam a separar-se os liberais dos conservadores. Só nas últimas décadas do Império, os grupos passam a ganhar características de partidos políticos. Embora liberais e conservadores pouco se distinguissem quando estavam no poder, é possível encontrar tendências diversas de comportamento, sobretudo nos últimos anos, quando os discursos nos dois partidos ganhavam consistência. Já naquela época, o Partido Republicano também levava sua mensagem à praça pública.

Eram partidos que se baseavam não em uma organização nacional, mas exclusivamente em bancadas parlamentares.

O Partido Liberal lança seu Manifesto em 1869, um ano após o aparecimento dos liberais radicais, que propunham uma profunda transformação na estrutura política do país. O Manifesto inspirava-se no Partido Liberal belga e propunha uma reforma eleitoral que aumentasse o colégio eleitoral ("Ou a Reforma ou a Revolução!"). Defendia a emancipação dos escravos e propunha várias medidas que fortaleceriam a liberdade individual, repetindo antigos temas dos políticos liberais.

Enquanto o Partido Conservador tendia, sobretudo, para a defesa do Império e das instituições tradicionais, os liberais se iam orientando para as causas mais populares.

No último Gabinete do Império, seu chefe, o liberal Visconde de Ouro Preto sugere um programa que continuaria atual muitos anos depois de proclamada a república. Inclui a extensão do direito de voto, autonomia dos municípios e províncias, liberdade de ensino, e até uma lei de terras que facilitasse a sua aquisição, além de um código civil para o país.

Com a proclamação da república, desaparecem os velhos grupos partidários, inclusive o Partido Republicano.

- A República -

Na Primeira República, os partidos são regionais. Em poucos momentos, surgem sistemas nacionais, quase sempre procurando apenas coordenar a ação dos partidos regionais.

Sobressaem os diferentes Partidos Republicanos, como em Minas, São Paulo ou Rio Grande do Sul. Durante muito tempo, foram o eixo da atividade política, que se fazia em torno do poder regional (Presidentes dos Estados) ou federal (Presidente da República).

Fora do poder, não havia salvação, inclusive porque o sistema eleitoral permitia depurações. Não existia justiça eleitoral, e as fortes lideranças partidárias, ligadas aos governantes, além de escolher os candidatos, poderiam obter que fossem eleitos na apuração e no reconhecimento dos eleitos. Todas as tentativas de romper o sistema dominante foram inúteis, inclusive as campanhas de Rui Barbosa e de Nilo Peçanha. A estrutura só iria ruir com o movimento político e militar de 1930.

Em 1910, Pinheiro Machado forma o Partido Republicano Conservador, talvez o primeiro nacional, se não se considerar a breve experiência do Partido Republicano Federal, no tempo de Prudente de Morais. Com o PRC, Pinheiro Machado torna-se o homem forte do governo Hermes da Fonseca. O Partido desaparece após a morte de Pinheiro Machado.

No Rio Grande do Sul, surgiram os primeiros partidos doutrinários do país. O Partido Republicano Histórico foi a semente de uma organização conservadora, inspirada no positivismo. Júlio de Castilhos foi seu primeiro líder. De outro lado, com um discurso liberal, surgia em 1892 o Partido Federalista, chefiado por Silveira Martins, e que tinha como principal meta a adoção do parlamentarismo. Em 1928, ele será substituído pelo Partido Libertador, de Assis Brasil, que se concentra na luta pelo voto secreto.

Rui Barbosa cria o Partido Republicano Liberal, que será apenas uma legenda que lhe serve de alto-falante. Na segunda campanha de Rui para a presidência da república (1919), o PRL ganha forte conteúdo social, na linha de o que viria a ser o liberalismo social que hoje o PL defende.

O Partido Comunista do Brasil é fundado em 1922, após várias tentativas de organizações partidárias de esquerda. A primeira fora em 1890 (Partido Operário do Brasil). O Partido Socialista fora fundado em 1902, cinco anos depois da criação do primeiro partido socialista regional, o do Rio Grande do Sul. No Brasil, o PC teve apenas três meses de vida, sendo logo proibido.

Em 1930, a Revolução faz desmoronar toda a estrutura de poder partidário. Teoricamente, o discurso político era liberal: foi uma Aliança Liberal que levou Getúlio Vargas ao poder. Mas, na prática, esse poder se concentrará nas mãos dos militares vitoriosos, e depois nas do próprio Vargas, todos com forte vocação totalitária.

São convocadas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte de 1934. Já em 1932, um decreto regulara o funcionamento dos partidos, dividindo-os em permanentes e provisórios (só para disputar alguma eleição). Novamente, as organizações serão apenas regionais, e poucas (como o Partido Constitucionalista de São Paulo e o Partido Autonomista do Distrito Federal) terão alguma expressão. Na Constituinte, a maior força política nacional organizada seria a da Liga Eleitoral Católica, que elegeria candidatos em todo o país, conseguindo incluir na Constituição todo o seu programa.

Quando o país se preparava para as eleições de 1938, Vargas dá o golpe e implanta o Estado Novo. O Estado Novo foi precedido de intensa campanha dos partidos comunista e integralista, que lutavam um contra o outro. Em 1935, os comunistas tentam um golpe de estado (Intentona), que só serviria para aumentar a repressão de Vargas. Os integralistas, liderados por Plínio Salgado, adaptavam ao Brasil as ideologias nazi-fascistas, então em voga na Europa. Promoviam intensa agitação popular e iriam também procurar a conquista do poder, pelo golpe armado.

Os candidatos presidenciais Armando Sales e José Américo (além do próprio Plínio Salgado) desenvolviam campanhas pessoais. O liberalismo e o discurso social de José Américo preocupavam o exército e as oligarquias, que não tinham desaparecido.

Não é de estranhar que o Estado Novo surgisse em novembro de 1937 com forte mensagem antipartidária. Em 2 de dezembro, o ditador extingue todos os partidos. Ele próprio não se anima a imitar as ditaduras européias que criaram os seus partidos únicos.

- Os Partidos de 1945 -

Na República de 1945, surgem os primeiros grandes partidos efetivamente nacionais. A primeira campanha presidencial já iria separar correntes com maior nitidez. Eduardo Gomes representava o liberalismo, os novos ideais que entusiasmavam o mundo após a derrota do nazi-fascismo. Eurico Dutra, Ministro da Guerra de Vargas, reunia as antigas oligarquias políticas e o conservadorismo agrário. A extrema esquerda apoiava Yedo Fiúza, candidato do Partido Comunista.

O Partido Social Democrático (PSD) foi o maior partido desse período. Fundado por Vargas, tornou-se uma federação de oligarquias locais. Conservador, com vocação de poder, não tinha maiores preocupações doutrinárias, desde que não se agredisse a sua ideologia conservadora. Em alguns momentos, chegaria a aliar-se a grupos populistas, mas por questões eleitorais. Nos momentos decisivos, a sua ação e a sua opção sempre seriam conservadoras.

O PSD deu estabilidade à República de 45. Com seu pragmatismo e graças à experiência de seus líderes, assegurava maioria a governos estaduais e aos presidentes, servindo de freio ao liberalismo udenista e aos partidos socialistas e trabalhistas. Modernizou-se com Juscelino Kubitschek, que, com habilidade, conseguiu conciliar os interesses oligárquicos com uma nova visão progressista de desenvolvimento para o país.

A União Democrática Nacional (UDN) nasceu das lutas liberais contra a ditadura de Vargas. Reuniu alguns dos nomes mais brilhantes da intelectualidade e da política de seu tempo: Virgílio Melo Franco, Prado Kelly, Raul Fernandes, Milton Campos, Pedro Aleixo, Odilon Braga, Julio de Mesquita Filho. Iria reunir figuras expressivas como Carlos Lacerda, Afonso Arinos, Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro, Gabriel Passos.

Ao mesmo tempo, juntava algumas poucas oligarquias regionais (em luta contra os adversários locais, abrigados no PSD) como os Caiados, em Goiás, ou os Konders, em Santa Catarina. Abrigou também o tenentismo de 1930 (Juarez Távora, Juracy Magalhães).

A UDN surgiu como partido nitidamente liberal nas campanhas presidenciais de Eduardo Gomes. Suas grandes bandeiras eram as lutas pelas liberdades individuais e pela moralidade na administração pública. A qualidade de suas lideranças fez com que já em 1945 se preocupasse com o desenvolvimento econômico e tecnológico do país, temas que, em outros partidos, só surgiriam décadas depois.

O Brasil desenvolvimentista da era Kubitschek desatualizou a UDN. Os grandes centros urbanos foram-se proletarizando e a questão social tornou-se o maior tema do país. O discurso udenista era dirigido à classe média e à burguesia. Empolgava a opinião pública nos períodos não-eleitorais, mas não dava votos suficientes para a conquista do poder.

Naturalmente, a UDN tendeu para o golpismo, quando sentiu sua incomunicação com as grandes massas eleitorais. Carlos Lacerda assumiu sua liderança e, com seu carisma, deu ao Partido características ideológicas. Era a ideologia da moralidade pública. A personalidade fulgurante e personalista de Lacerda acabou representando um risco natural para os governantes que empolgaram o poder em 1964. A UDN, que tanto contribuíra para o movimento militar, foi também extinta pelo Ato Institucional nº 2, de 1965.

O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foi o braço popular de Vargas, fundado por ele, tal como o PSD.

Aproveitando o desenvolvimento industrial brasileiro, o PTB cresceu rapidamente: 24 deputados em 1945 e 136 em 1962. Mas vícios de origem impossibilitaram que o PTB desempenhasse no país o papel a que se propunha, de representar o movimento obreiro e ser o vanguardeiro das grandes conquistas sociais. Tornou-se apenas uma espécie de partido peronista, sem a ideologia e o carisma do partido argentino, com lideranças caudilhescas, no melhor estilo dos pampas, e sem doutrina.

O PTB nasceu à sombra de cargos da Previdência Social e de favores governamentais. Getúlio Vargas e João Goulart, seus maiores líderes, não tinham angústia proletária, mas um comportamento populista. O partido não levava as aspirações de suas bases sindicais ao poder. Ao contrário, era um instrumento para narcotizar as lideranças sindicais, que recebiam favores para levar até as bases a mensagem dos caudilhos. Esses líderes sindicais governistas eram chamados de "pelegos".

Alguns dos lideres do PTB ainda tentaram, sem êxito, corrigir a tendência. Alberto Pasqualini procurou criar um trabalhismo sério, não-socialista, coerente e doutrinário. Fernando Ferrari buscava um trabalhismo utópico e com características moralizantes. Ambos esforçaram-se por uma reação contra os hábitos corruptos das lideranças partidárias, mas resvalaram para um discurso de estilo udenista. Por outro lado, Sérgio Magalhães e Leonel Brizola tentavam rechear o Partido de conteúdo socialista. Mas a falta de consistência e de preparação teórica do Partido tornou os discursos inconseqüentes e contraditórios.

Os outros partidos de 45 não tiveram oportunidade de ocupar maiores espaços, tal a predominância do PSD, UDN e PTB.

O Partido Democrata Cristão (PDC) começava a surgir como um promissor partido doutrinário e formador de quadros, quando foi surpreendido, em pleno crescimento, pela radicalização do debate da questão social, que dividia até a Igreja. Passara de dois deputados, em 1945, para 20, em 1962, mas dividiu-se em grupos que tiraram do Partido toda a coesão interna.

O Partido Social Progressista (PSP) era a organização que dava estrutura política à liderança pessoal de Ademar de Barros, sem qualquer conteúdo doutrinário. Uma versão brasileira dos partidos americanos de interesse, o PSP reunia os que acreditavam na gerência de seu líder, que não escondia o desprezo por exigências éticas ou doutrinárias.

Como partido doutrinário, restava o Partido Libertador (PL), de Raul Pila, sucessor de Silveira Martins e intransigente defensor do parlamentarismo. Liberal, limitado praticamente ao Rio Grande do Sul, o PL defendia a iniciativa privada e afirmava no seu programa que a razão única do Estado era a necessidade da garantia dos direitos individuais.

O Partido de Representação Popular (PRP), chefiado por Plínio Salgado, reunia os remanescentes do integralismo. O Partido Republicano (PR) restringia-se a Minas Gerais, onde elegeu seus únicos quatro deputados em 1962, sob a chefia respeitada de Arthur Bernardes. O Partido Socialista Brasileiro (PSB), nascido da Esquerda Democrática que lutara contra a ditadura de Vargas, reunia intelectuais, como em um clube, sem qualquer vocação eleitoral. Sob a liderança legendária de João Mangabeira, reuniam-se nomes expressivos como os de Osório Borba, Guilherme Figueiredo, Joel Silveira, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Magalhães Jr., José Honório Rodrigues. Em nenhum momento conseguiu qualquer resultado eleitoral expressivo.

O Presidente Castelo Branco, em 1965, não teria qualquer dificuldade para extinguir esta estrutura partidária. Para substituí-la, os governantes tentam criar um partido semelhante ao PRI mexicano, que desse sustentação política ao regime. Uma espécie de partido único, responsável pelo governo, mas em um regime que mantivesse a aparência e as características formais das democracias.

- Os Partidos de 1964 -

Em 1964, o Estado perdera a confiança da opinião pública brasileira. Desacreditadas as instituições, torna-se fácil para as Forças Armadas assumirem o poder, com um discurso de busca da eficiência e da moralização da administração. Entregaram-no a burocratas de confiança, tradicionalmente hostis a partidos e a políticos. Extinguem-se os partidos e procura-se criar um sistema bipartidário. Por um lado, o governo teria sustentação política e, por outro, seria dada uma satisfação à opinião pública internacional, mantendo-se a aparência democrática. Cria-se a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), que seria o braço político do governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que lhe faria oposição.

Nas eleições de 1966 e 1970, a ARENA parecia consolidar sua tendência de transformar-se no partido único do país. Em 1966, obtivera 64% dos votos para a Câmara Federal, chegando a 70% em 1970, em plena expansão do chamado milagre econômico brasileiro.

Mais do que o protesto contra a repressão ou a defesa das liberdades, a crise econômica iria fazer desmoronar o domínio arenista. Em 1974, o MDB conseguiria 14,5 milhões de votos para o Senado, contra 10 milhões da ARENA. Uma série de medidas casuísticas foram então tomadas para garantir a maioria governamental e o predomínio arenista.

Em 1979, extingue-se o bipartidarismo, como nova manobra para evitar a caracterização da minoria governamental e como tentativa de divisão da oposição. Os núcleos da ARENA e do MDB incorporam-se prioritariamente ao Partido Democrático Social (PDS) e ao PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro). Criam-se outros novos partidos.

- Os Partidos Atuais -

O PDS, hoje PPR, e o PMDB, herdeiros da ARENA e do MDB, cumpriram suas missões de apoiar e de fazer oposição ao movimento de 64. Quando este perdeu eficiência e se exauriu, e foi-se democratizando o país, os dois partidos perderam seu eixo de referência e seu discurso.

O PMDB era, naquela época, uma frente que unia desde os liberais de estilo udenista a conservadores do antigo PSD, marginalizados ou perseguidos pelos militares, até a esquerda mais radical do país.

A frente mantinha-se unida, sob o comando de Ulysses Guimarães, por ter um objetivo comum: o fim do autoritarismo. Conseguido o seu objetivo com a eleição de Tancredo Neves, ela perdeu sua razão de ser, e não haveria como se manterem unidas lideranças tão diversas. Fenômeno semelhante acontecia no PDS, que juntava liberais tradicionalmente adversários do populismo getulista a políticos fisiológicos, meramente governistas, no estilo do velho PTB.

O Partido da Frente Liberal (PFL) nasceu como uma dissidência do PDS para apoiar a candidatura de Tancredo Neves.

A rápida transformação do país, que passara da 40ª a 8ª economia do mundo, criava naturalmente novas expectativas políticas. A modernização das estruturas partidárias seria — e será — um corolário natural do desenvolvimento econômico e político. Ao mesmo tempo, o fim das ideologias e o pós-socialismo sugeriam a formação de um partido liberal no país. O PFL parecia ocupar esse espaço, e surgiu com fortes bases, sobretudo na classe média.

Entretanto, logo após fundado, o Partido desviou-se de sua pretendida vocação original e passou a abrigar simplesmente as velhas lideranças apegadas ao poder, que viam no PFL um instrumento para não o perderem.

O Partido tornou-se uma ampla agência de empregos e de favores governamentais, enquanto tentava manter uma aparência de moralismo udenista. É natural que fosse rapidamente perdendo sua substância doutrinária.

O novo PTB formou-se sem qualquer escrúpulo e sem mistificações como partido de interesse, apenas para obter cargos e posições para seus dirigentes. Recebe a soma de votos das lideranças beneficiadas pelo clientelismo. Não aspira ao poder, mas apenas a conseguir maiores privilégios.

O PDT e o PT são os mais importantes partidos nominalmente socialistas. O primeiro é limitado pelo caudilhismo de seu chefe, Leonel Brizola, que não forma quadros e o dirige de forma autoritária. Suas maiores bases estão no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, como reflexo da liderança histórica de seu chefe. Não se consegue, entretanto, expandir em estados-chave como São Paulo e Minas Gerais, justamente por falta de um discurso conseqüente e atualizado.

O PT, nascido para ser um partido operário, estendeu-se sobretudo na classe média do país, onde começa a encontrar dificuldades pela radicalização de seu discurso de esquerda. Com a crise do socialismo, aumentam as dificuldades do Partido, que chegou a disputar a presidência da república, em 1989, contra o Presidente Fernando Collor.

O nosso Partido Liberal (PL) cresceu rapidamente, sobretudo nas maiores áreas urbanas e em centros universitários. Seus resultados eleitorais vêm sendo cada vez mais expressivos, e, o que é mais importante: os eleitos pelo Partido vão tomando consciência de seu Programa e atuando como membros de um partido doutrinário.

Problemas históricos brasileiros e diferenças regionais tornam difícil a formação de partidos doutrinários nacionais e homogêneos. O PL tenta este caminho, certo de que é nessa direção que sopram os ventos históricos.

Por fim, os antigos partidos comunistas, ao lado do PT, reúnem os grupos ideológicos e radicais de esquerda e buscam um novo discurso, ao mesmo tempo em que perdem a coesão interna, que era a sua grande força.

Os demais partidos são legendas sem expressão, que nasceram para abrigar candidaturas, resolver problemas de dissensões regionais ou aproveitar horários de televisão. Deverão ir desaparecendo, à medida que se consolidar a democracia partidária brasileira e se aprimorarem os costumes políticos.

Em 1993, foram lançadas as bases para uma ampla reformulação partidária no país. Os escândalos da Comissão de Orçamento abalaram as velhas estruturas partidárias, inclusive o PP (Partido Popular), que nasceu na undécima hora para tentar parecer novo e livrar-se da herança de seus dirigentes. Tal como o PDS, tentava esconder-se, trocando o nome para Partido Progressista Renovador. Posteriormente, o antigo PPR fundiu-se com o PP, daí resultando o PPB (Partido Progressista Brasileiro).

O Partido Liberal (PL) é o único dos grandes partidos que não teve o nome de nenhum parlamentar ou dirigente acusado nos escândalos de 1993.
 

Retirado de http://www.pl.org.br/culturapl/3cap3.htm