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Nossa Vida no Ciberespaço

 

Marcelo Branco

 

Uma publicidade sedutora nos leva para a consumo desenfreado de novos aparatos tecnológicos, estabelecendo novas formas de comunicação entre as pessoas e das pessoas com coisas. Estamos vivenciando uma revolução, que tem como elemento central a tecnologia da informação e da comunicação.

Por conseqüência, estamos presenciando uma profunda alteração nas relações sociais, políticas e econômicas, impulsionadas por uma expansão permanente de hardware, software, aplicações de comunicações que prometem melhorar os resultados na economia, provocar novos estímulos culturais e incentivar o aperfeiçoamento pessoal, através do uso da tecnologia para a prática educativa. Longe de cumprir o prometido, o ciberespaço ou a sociedade da informação - que hoje se materializa com o crescimento da Internet - tem aumentado a desigualdade entre aqueles que detém e os que não detém o acesso aos benefícios desta rede. Para nós , que queremos um outro mundo, compreender e refletir sobre este novo patamar da acumulação capitalista e explorar as potencialidades contraditórias deste novo período histórico, são fatores fundamentais para a atualização de nossas elaborações teóricas.

Nossa vida no Ciberespaço

Os até então hegemônicos aparatos de fornecimento de informação, comunicação, entretenimento e de formas de fazer negócios, estão sendo substituídos por uma segunda geração tecnológica, não mais de faixa estreita, mas de faixa larga. O objetivo é fornecer um maior volume de informações multimodais, (sons, imagens e textos) de forma simultânea, multiplexados e transmitidos a uma velocidade cada vez maior. A codificação digital é o processo que faz com que as informações armazenadas em um computador (dados), as telecomunicações e os processos de transmissão de rádio e televisão, convirjam para o mesmo formato. A tecnologia convergente combina as capacidades tecnológicas que andavam separadas e anuncia que o telefone, o computador, a TV e o aparelho de som irão operar como uma única unidade, muito mais poderosa e com muito mais incidência nas nossas vidas do que poderíamos imaginar. A Internet é a materialização deste novo cenário, impulsionada pelo esforço de fabricantes, pesquisadores, hackers * e de políticas Governamentais. Antes do surgimento da rede das redes (a Internet), as comunicações tradicionais se dividiam em duas categorias: uma a um ou um-a-alguns (fax e telefone) e um-a-muitos (TV, rádio, jornal impresso e cinema). No novo ambiente, além das categorias anteriores, surge a possibilidade de comunicação do tipo muitos-a-muitos. Isto não significa apenas acessar a maior quantidade de informações, mas transformar as relações economicas e sociais - que interagem em todos os ramos da produção capitalista, procurando ajustar-se a esta maneira “mais econômica” de fazer negócios e de se relacionar com as pessoas. Surgem novas formas de relacionamento e novas comunidades não enraizadas geograficamente, novos produtores, novos distribuidores e novos consumidores posicionados na esfera global e não mais de forma local ou regional. Esta nova relação econômica, política e social - chamada de virtual - não tem cara e nem espaço, agora é parte da rotina de nossas vidas. Nossa vida no Ciberespaço.

Exclusão Digital

Nesta nova ordem econômica resultante do declínio da manufatura e da expansão do setor de serviços, vimos nascer o setor da informação e sua importância crescente como fonte de produtos, de crescimento e de criação de riquezas. “Movimentar bits em vez de átomos custa muito menos”. O valor do conhecimento como um "bem universal", perdeu espaço para a mercantilização do conhecimento. O conhecimento e a informação passam a ser mais um produto no mercado globalizado. Esse novo patamar tecnológico da acumulação capitalista está trazendo implicações para os padrões de emprego, contribuindo decisivamente para o alto grau de obsolescência dos empregos na indústria, e de forma mais aguda para o setor de serviços. Surgem novos atores sociais, novas relações de trabalho, novas profissões. A possibilidade de colocarmos a produção mais próxima das fontes mais baratas de trabalho propicia novas divisões internacionais do trabalho, novas formas de controle e aumento da competição salarial. O capital navega neste ciberespaço para onde possa, com maior produtividade, encontrar novos negócios e construir novos mercados. O Brasil e parte dos países periféricos são vistos pelos controladores do mercado internacional como um vasto mercado para o consumo de tecnologias proprietárias e conteúdos oriundos de países do Norte . Essa dinâmica nos coloca como simples consumidores de tecnologia e conteúdos e não como sujeitos nesse novo cenário global. Entramos no cenário digital de forma subordinada aos interesses das políticas dos países centrais e das coporações globais. Nosso desenvolvimento científico, tecnológico e econômico também se coloca de forma subordinada, e no plano social aumenta a exclusão digital ao invéz de diminuir. Nossos países e regiões estão se tornando ainda mais pobres no plano econômico e surge uma nova dimensão de pobreza – a pobreza da informação e do conhecimento digital. “A exclusão de pessoas relativamente à participação ativa, ao privilégio e à responsabilidade na sociedade da informação, talvez seja maior do que a exclusão do acesso a privilégios dos grupos dominantes a que elas estavam submetidas no passado”. O exemplo mais marcante desta exclusão é que a metade dos habitantes da terra nunca fizeram sequer uma ligação telefônica.

Consumidores Digitais, software proprietário

A universalização do acesso da população à rede mundial de computadores com tecnologias que não dominamos e com conteúdos que não incidimos, não garante a democratização digital nem a socialização dos benefícios econômicos e sociais proporcionados pelo avanço da tecnologia. Pelo contrário, estamos passando por uma fase de aprofundamento das desigualdades e da dependência tecnológica, em relação aos países centrais. No âmbito concreto da informática, desde os anos 80 tem se reproduzido um fenômeno antigo: o conhecimento, transmitido mediante um código de linguagem escrita, está sendo guardado zelosamente por elementos que o utilizam para manter uma estrutura de poder ao longo dos séculos. Nos anos 60 e 70, o desenvolvimento da informática se deveu, em parte, porque os técnicos compartilhavam seu conhecimento. Os códigos dos programas de computadores eram compartilhados, de maneira que os avanços de um eram utilizados por outros para melhorar o dito programa. Atualmente, grande parte das aplicações de informática que utilizamos tem seu código oculto, pertencem aos seus proprietários, por isso não podemos copiá-las e nem compartilhar o seu desenvolvimento. Só eles, os seus proprietários, podem modificá-las, melhorá-las. Se lhes interessar, é claro. O alto custo dos softwares usados nos computadores e o bloqueio do livre conhecimento científico e tecnológico imposto pelas licenças proprietárias , têm dificultado e até impedido que algumas regiões do planeta se beneficiem desta revolução para proprocionar uma melhor qualidade de vida aos seus habitantes.

O Movimento Software Livre e um novo paradigma para o nosso desenvolvimento

Nesse novo cenário, em que a internet e as tecnologias da informação e comunicação assumem um papel de vanguarda, também surgem novas possibilidades de intervenção social e de novas relações econômicas. Podemos criar novos espaços à prática da cidadania, da democracia, novos espaços para às práticas educativavas e um novo patamar para o nosso desenvolvimento tecnológico, científico e econômico. Para tal, devemos romper com a dependência e a subordinação e nos tornarmos ativos na elaboração de um novo modelo, através de políticas públicas e de práticas alternativas . Algumas iniciativas importantes estão acontecendo para reverter esse quadro e buscam oferecer alternativas para romper com a exclusão digital . Uma das mais importantes é a do *movimento software livre*, que está construindo uma alternativa concreta ao modelo hegemônico e tem se mostrado mais eficiente no ponto de vista científico e mais generoso no plano social. Existe há alguns anos um grupo de técnicos que tem como norte compartilhar o seu trabalho. Comunicando-se através da Internet e trabalhando em projetos comuns, seja em qual parte do mundo estejam. Estes desenvolveram uma tecnologia tão sólida que instituições e empresas como o Prefeitura de Porto Alegre, Governo do Estado do RS, BANRISUL, NASA, AOL Time Warner, Amazon, Forças Armadas Brasileira, Lojas Renner, UERGS, etc, a utilizam sem problemas. Estamos falando de "aplicações de informática livres", cuja cópia é legal. A melhoria de um programa é cedida a todos. Por isso, por seu caráter solidário, por permitir abrir o conhecimento a todos os cidadãos, por podermos adaptar os programas informáticos a cada necessidade sem ter que pedir permissão a grandes empresas, por entender que no século XXI nossas regiões e nossos países podem dar um salto em busca do *alcance tecnológico*, por podermos utilizar, desenvolver e pesquisar tecnologias de ponta, em tempo real, com o estágio de desenvolvimento da tecnologia do primeiro mundo, esse novo paradigma é mais adequado aos nossos interesses de desenvolvimento. Esse movimento, impulsionado por milhares de auto-didatas atuantes no ciberespaço - os hackers (não confundir com crackers), é compartilhado com os jovens formados em nossas universidades, com empresas locais, e abre a possibilidades de desenvolvermos nossa autonomia e independência tecnológica, sem corrermos o risco do isolamento em relação à comunidade internacional, pelo contrário, estaremos em perfeita sintonia e com alto grau de compartilhamento do conhecimento. A nossa experiencia concreta do Projeto Software Livre no Rio Grande do Sul mostrou a amplitude social e a importancia estratégica para termos como politica publica de governos projetos semelhantes. Ao invés de enviarmos bilhões de dólares em royalities, como pagamento de licenças para usar software propiritários e de tecnologia secretas para os países do norte como fazemos hoje, podemos *transferir* esses recursos para o mercado interno e promover um desenvolvimento da economia local e uma modernização dos demais setores da nossa economia. Devemos desenvolver uma política pública de incentivo à criação e ao fortalecimento de empresas locais e regionais, que atuam nesse novo paradigma do mercado de informática Com os produtos e os serviços da tecnologia da informação - livres das restrições impostas pelas licenças das megas empresas de software - tornaremos nossa inclusão digital mais acessível e adequada à realidade, movimentaremos a nossa economia local e regional, aproveitaremos o conhecimento local oriundo de nossas universidades e escolas, e compartilharemos os conhecimentos tecnológicos de última geração, em *tempo real*, com os demais países do planeta.

O que é Software Livre São programas de computadores construídos de forma colaborativa, via Internet, por uma comunidade internacional de desenvolvedores independentes. São centenas de milhares de hackers, que negam sua associação com os “violadores de segurança”. “Isto é uma confusão por parte dos meios de comunicação de massa”, afirma Richard Stallmann, presidente da Free Software Foundation www.fsf.org. Estes desenvolvedores de software se recusam a reconhecer o significado pejorativo do termo e continuam usando a palavra hacker para indicar “alguém que ama programar e que gosta de ser hábil e engenhoso”. Além disso, estes programas são entregues à comunidade com o código fonte aberto e disponível, permitindo que a idéia original possa ser aperfeiçoada e devolvida novamente à comunidade. Nos programas convencionais, o código de programação é secreto e de propriedade da empresa que o desenvolveu, sendo quase impossível decifrar a programação. O que está em jogo é a independência tecnológica. Para Stallman, “software livre é uma questão de liberdade de expressão e não apenas uma relação econômica”. Hoje existem milhares de programas alternativos construídos desta forma e uma comunidade de usuários com mais de 30 milhões de membros no mundo.

Um software só pode ser considerado livre se proporcionar as quatro liberdades fundamentais: a) liberdade para utilizar o programa, com qualquer propósito; b) liberdade para modificar o programa e adaptá-lo às suas necessidades.(Para tornar esta liberdade efetiva, é necessário ter acesso ao código fonte, porque modificar um programa sem ter a fonte de código é difícil); c) liberdade para redistribuir cópias, tanto grátis como com taxa; d) liberdade para distribuir versões modificadas do programa, de tal modo que a comunidade possa beneficiar-se com as sua melhorias. O exemplo mais conhecido de software, que segue este conceito, é o sistema operacional GNU/Linux, alternativo ao Windows e que é desenvolvido e melhorado por mais de 350 mil colaboradores espalhados ao redor da terra. Por isso, sua qualidade é comprovadamente superior a do concorrente da indústria.

Internacionalismo e uma nova forma de produção

Os principais líderes e sujeitos deste movimento são os hackers, hábeis programadores que se destacam por terem desenvolvido um programa importante ou uma ferramenta muito útil para o movimento. Os mais conhecidos são Richard Stallman, principal liderança do movimento, e Linus Torvalds, que escreveu o Kernel (núcleo) do sistema operacional GNU/Linux. Estes “ciberproletários” que infernizam a vida de Bill Gates, trabalham de forma voluntária e são responsáveis por mais de 80% dos milhares de programas livres utilizados no mundo. As razões que levam um hacker a desenvolver de forma voluntária, são as mais variadas: busca da notoriedade, reconhecimento, desejo de criar algo útil, indignação com o Bill Gates, insônia... ou todas elas juntas. Menos de 20% dos programas livres são desenvolvidos por programadores que atuam em empresas com estruturas convencionais. Outra razão para a ótima qualidade dos produtos é o desenvolvimento colaborativo. Desde a concepção do projeto do software, e durante todas as etapas de produção, uma equipe de colaboradores, espalhada ao redor do planeta, participa de forma muito ativa através da Internet. Toda documentação e os códigos são disponibilizados sem segredos e garantem um desenvolvimento durante 24 horas e sete dias por semana. Outra característica importante é que os produtos mesmo inacabados e incompletos, nas versões preliminares, são entregues aos “grupos de usuários” para avaliação. Nestes GU's participam, além de programadores, profissionais de outras áreas do conhecimento, que detectam os “bugs” (falhas), sugerem modificações e solicitam novas funcionalidades. Desta forma, o produto é melhorado continuamente. “Não são produtos de mercado que depois de prontos buscam encontrar consumidores. São produtos que buscam ser úteis à comunidade, feitos sob encomenda para atender as necessidades já existentes”, afirma Mário Teza, membro da coordenação do Projeto Software Livre RS. É por esta razão que quase não existem produtos concorrentes. “Se desenvolvemos algum produto que supera o anterior, todos hackers se voltam para melhorar este novo produto, abandonando o anterior, o que faz com que não desperdiçamos nossos esforços” destaca Teza. Outra lição importante a tirarmos deste movimento foi a criação das distribuições. Para furar o bloqueio na distribuição destes softwares, foram criadas várias distribuições internacionais responsáveis pelo “empacotamento” de um conjunto de programas gravados em CD's, dos manuais de instruções, e prestam serviços de suporte aos usuários. São elas que colocam as “caixinhas” nas lojas facilitando a vida dos usuários e evitando que fiquemos horas “baixando” os programas pela Internet para “montar” o nosso computador. É uma forma de negócio no mundo do software livre, visto que vender a licença é proibido. As maiores distribuições são a SuSE (Alemanha), Slackware, Red Hat, Caldera, (Estados Unidos), Conectiva (Brasil), TurboLinux (Ásia)e Mandrake (França). Importante destacar que a maior delas não chega a ter 300 funcionários. Existe também uma distribuição que é a preferida pelos hackers - como Richard Stallman - pois não é uma empresa e sim uma entidade sem fins lucrativos: a DEBIAN www.debian.org. A Debian conta com cerca de mil desenvolvedores voluntários que passam por um rigoroso "processo de seleção" técnico e assumem um compromisso com a sociedade através do "contrato social" - uma espécie de código de ética dessa cibercomunidade. É a distribuição de software livre mais estável tecnicamente, utilizada por várias empresas e em projetos governamentais de "alta disponibilidade".

Principais referências do movimento Free Software Foundation

A Free Software Foundation (FSF) foi criada em 1981, a partir da experiência concreta de uma comunidade que compartilhava programas de computadores no laboratório do Massachusets Institute of Technology. Indignados por não terem conseguido o código de programação de uma impressora Xerox, que não funcionava bem, descobriram que os programas, até então compartilhados por programadores e instituições universitárias e públicas, passaram a ser um produto de “mercado” e que os códigos de programação, agora secretos, tinham sido apropriados por grandes multinacionais. A única saída seria construir programas alternativos, totalmente livres. Liderados por Richard Stallman, criaram os conceitos do movimento, as licenças públicas (GLP), o copyleft (esquerda autoral) e o projeto GNU, em 1984. O objetivo da FSF é eliminar a restrição de cópias, redistribuição e modificação de programas de computadores. Site: http://www.fsf.org.

Projeto GNU

A partir dos conceitos de liberdade da FSF foi lançado, em 1984, o manifesto e o projeto GNU. O projeto tem por objetivo desenvolver programas livres, através de uma comunidade de colaboradores. Os códigos de programação, as dificuldades, as documentações e o conteúdo dos programas são disponibilizados em sites na Internet e através de listas de discussões específicas, que garantem o seu desenvolvimento colaborativo e o aperfeiçoamento permanente. De lá para cá, já foram desenvolvidos milhares de programas totalmente livres. O mais conhecido é o sistema operacional GNU/LINUX.

site:http://www.gnu.org.

Licença GLP

É a General Public License, uma licença que protege o direito de liberdade do software livre. Esta proteção dos direitos se dá através de dois passos: o copyright dos software e a licença para copiar, distribuir e melhorar. O sistema operacional GNU/Linux é GLP. Site: http://www.gnu.org.

Copyleft (esquerda autoral)

Obedece a quatro princípios: a permissão de liberdade de cópia; a não contraposição ao copyright; o direito autoral é preservado; e é regulado conforme a licença. Não há legislação brasileira que possa enquadrar como pirataria o uso de software com esta licença.

GNOME Foundation www.gnome.org

Organização sem fins lucrativos, fundada em 1987 pelo Mexicano Miguel de Icaza. Tem o objetivo de desenvolver aplicativos de escritórios, programas utilitários e interface gráfica para usuários comuns, totalmente na plataforma livre. Pela sua alta facilidade de uso, é utilizada em programas de incusão digital, em aplicações governamentais como em Extremadura, Andaluzia, Telecentros de São Paulo, UERGS (Univ. Estadual do RS), Prefeitura de Porto Alegre etc. Trabalha com mais de mil voluntários desenvolvedores, designers, assessores de Piaget etc.

Marcelo D'Elia Branco marcelo@debian-rs.org

Fone: +55 51 9957.3075

Retirado de: http://portal.softwarelivre.org/articles/46

05/05/05