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A FUNÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL

 E O NOVO CÓDIGO CIVIL

 

Beatriz Lins dos Santos Lima

 

Acadêmica do 5º ano de Direito da Universidade Estácio de Sá e estagiária da Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro lotada junto ao XIII Juizado Especial Cível. (e-mail: beatriz.lima@ig.com.br)

 

 

O Novo Código Civil Brasileiro, ratificando posição já há muito sedimentada em nossa doutrina e jurisprudência, previu em seu artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

Cumpre salientar que o reconhecimento do dano moral e de sua reparabilidade pelo Código de 2002, vem desde o anteprojeto de 1975, portanto, anterior à Constituição Brasileira de 1988 que definiu expressamente em seu artigo 5º, incisos V e X:

 

Art 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

........... omissis..........

V – é assegurado o direito de resposta , proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

......... omissis............

X - são invioláveis a intimidade , a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

......... omissis............

 

 

Yussef Cahali[1] atento à questão afirma que a Constituição somente elevou à condição de direitos individuais a reparabilidade dos danos morais, pois esta já estava latente na sistemática legal anterior. Por esta razão, inaceitável seria prentender-se que a indenização dos prejuízos dessa natureza somente seria devida se verificados posteriormente à referida Carta.

 

A enumeração constante em nossa Lei Maior é meramente exemplificativa sendo lícito e possível à lei e à jurisprudência aditar novas possibilidades. Tal ocorre devido ao princípio constitucional da isonomia, vez que, se a violação à imagem, à intimidade, à vida privada e à honra ensejam a reparação por dano moral, os demais direitos da personalidade não poderiam ser encarados de forma diversa, sendo devida a indenização por ofensa à vida, à liberdade de locomoção e à integridade física, dentre outros.

 

Assim, não mais havendo dúvida a respeito da reparabilidade da ofensa moral sofrida, resta atentar para a função desta, a que se presta a indenização por dano moral.

 

Por ser imaterial, o bem moral atingido não pode ser exprimível em pecúnia, assim, deve-se atentar para critérios subjetivos a fim de criar uma equivalência entre o dano sofrido e a culpa do ofensor.

 

O artigo 944 do Código Civil de 2002 prevê em seu caput: “A indenização mede-se pela extensão do dano”. Ou seja, previu o legislador que para se aferir qual o real valor devido a título de indenização por dano, seja este moral ou material, deve-se atentar para o resultado da lesão, para o dano e sua extensão.

 

Neste ponto, merece ser criticado o referido Diploma vez que valorar a indenização somente em razão do dano resultante seria desprezar os conceitos de dolo e de culpa já há muito sedimentados em nosso ordenamento jurídico. Seria tratar aquele que quis fazer o mal a alguém da mesma forma daquele que, em razão da inobservância de um de um dever de cuidado, por exemplo, causa dano a outrem. Para este Código, a reparação do dano seria tão somente o retorno ao statu quo ante.

 

Ainda que possível fosse a reparação in integrum do dano moral sofrido tal não seria medida de justiça. Tome-se, por exemplo, para mais fácil visualização a ofensa o um bem material. Nesta hipótese, explica Ihering[2], poderíamos soltar o ladrão assim que entregasse a coisa furtada. Olvida-se que o ladrão não age tão somente contra a vítima do furto, mas também contra as leis do Estado, contra a ordem jurídica, contra os preceitos da moral. E continua o autor afirmando:

 

Será que a mesma coisa não se aplica ao devedor que maliciosamente contesta a existência do mútuo, ou ao vendedor ou ao locador que descumpre o contrato, ao mandatário que abusa da confiança que nele depositei para locupretar-se à minha custa? O sentimento de justiça ficará satisfeito se, depois de uma luta prolongada, nada obtenho dessas pessoas senão aquilo que desde o início já me pertencia? Abstraindo, porém, da ânsia, sem dúvida plenamente justificada, de obter uma satisfação adicional pela ofensa ao direito, essa situação representa um deslocamento sensível do equilíbrio entre as partes da relação jurídica. Para uma delas o risco de um desfecho desfavorável do processo representa a perda daquilo que lhe pertence, enquanto para outra apenas acarreta a restituição daquilo que injustamente retém; para uma, a vantagem resultante da demanda bem sucedida consistirá apenas na ausência de prejuízo, e para outra, num enriquecimento à custa da parte adversa. Com isto não estaremos estimulando a perfídia?

 

O mesmo raciocínio, com as devidas vênias, também deve ser aplicado no tangente ao dano moral. Se com relação à reparação da dano material, para se fazer efetiva justiça, se faz necessária a penalização do agente lesionante, e não apenas a reparação em pecúnia ou in natura do dano sofrido, o dano moral não pode ser encarado de forma diversa.

 

Mesmo porque o patrimônio da pessoa vai muito além dos bens materiais, sendo de extrema e vital importância os bens morais. A este respeito Cavalieri[3] afirma que o dano moral importa em lesão à bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, a intimidade, a imagem, o bom nome, a privacidade e a integridade da esfera íntima.

 

Ora, os direitos da personalidade, no dizer de Ruggiero[4], correspondem a série de faculdades e poderes inerentes ao homem, como pessoa, sem os quais não haveria personalidade, sendo esta pressuposto de qualquer direito subjetivo e não meramente um direito subjetivo.

 

Tamanha é a importância dos direitos da personalidade que são, além de inerentes à personalidade humana, são inatos, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, imprescritíveis e, em geral, intransmissíveis, não podendo sofrer limitação voluntária seja qual for a vontade de seu titular, com exceção dos casos expressamente previstos em lei (art. 11 do CC de 2002).

 

Assim, ilógico seria apenas ressarcir o dano moral. A lesão moral deve ser, também, indenizada. Não deve simplesmente servir a reparação de alento ao ofendido, deve ser severa o suficiente para sancionar o lesionante e reprimir novos atentados ao Direito.

 

Mais uma vez se faz oportuno lembrar as palavras de Ihering[5] : “...a lesão de direito põe em jogo não apenas um valor pecuniário, mas representa uma ofensa ao sentimento de justiça, que exige reparação”.  E continua neste mesmo sentido:

 

O padrão pelo qual se medem todas as coisas é exclusivamente o do materialismo mais rasteiro e desolador, o do interesse. Certa vez presenciei uma cena em que o juiz, para ver-se livre de um processo em que o valor do litígio era muito reduzido, prontificou-se a pagar do seu bolso o autor. Quando este recusou a oferta, mostrou-se profundamente indignado. Esse cultor do direito não podia compreender que o autor não estava interessado no dinheiro, mas no seu direito.

 

Desta forma, a indenização por danos morais deve abranger três causas: a compensação de perda ou dano derivado de uma conduta; a imputabilidade desse prejuízo a quem, por direito, o causou; e a prevenção contra futuras perdas e danos. Possui a indenização caráter punitivo-educativo-repressor, não apenas reparando o dano, repondo o patrimônio abalado, mas também atua de forma intimidativa para impedir perdas e danos futuros.

 

Na hipótese de lesão, dano, não é somente a patrimônio do ofendido que resta abalado, mas o próprio direito, a lei é ofendida. Deixar de reparar de forma primorosa e exemplar esta ofensa é a maior das ofensas que poderia ser imposta ao lesado e à própria idéia de Justiça.

 

Mas uma vez recorro-me de Ihering[6] para salientar que a resistência contra uma afronta a nosso direito, que ofenda a própria personalidade, ou seja, contra uma violação do direito que por sua natureza assuma o caráter de um menosprezo consciente do mesmo, de uma ofensa pessoal, constitui um dever. Constituindo um dever do titular do direito para consigo mesmo, pois representa imperativo de autodefesa moral; e representa um dever para com a comunidade, pois só por meio de tal defesa o direito pode realizar-se.

 

Diante do exposto fácil concluir que a indenização por dano moral não deve ser adstrita a idéia de compensação à vítima pela ofensa impingida, devendo ser analisados por nossos pretores a extensão do dano, a situação patrimonial e a imagem do lesado, a situação patrimonial do ofensor e sua intenção.

 

Desta forma estará cumprindo o Direito o seu papel, fazendo com que os entes que interagem no orbe jurídico se mantenham dentro de padrões normais de equilíbrio e respeito mútuo, cabendo ao lesionante suportar as conseqüências da lesão com o exaurimento de seu patrimônio, desestimulando atos ilícitos tendentes a afetar os referidos aspectos da personalidade.

 

O parágrafo único do artigo 944 do Código Civil de 2002 trás, ainda, uma exceção à regra geral do caput: “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”.

 

Há, nesta hipótese, uma atenuação nos casos de desproporção entre culpa e dano, podendo caso haja culpa de pequena monta do ofensor, o juiz fixar uma indenização parcial, reduzida proporcionalmente de acordo com a gravidade de sua culpa.

 

Não obstante, a situação inversa não poderá ocorrer a fim de justificar o aumento da sanção pecuniária a ser aplicada ao ofensor, vez que tal não é sancionado pela lei, devendo o magistrado se ater à extensão do dano.

 

Venosa[7], entretanto, afirma tal artigo não constituir óbice para a perfeita indenização do dano, vez que nada impede que corrente jurisprudencial entenda por agravar a indenização quando a culpa for excessiva ou desmesurada, atendendo às novas correntes que justificam o dever de indenizar, mormente em sede de dano moral.

 

Visando sanar esta incompatibilidade entre a lei material e o entendimento doutrinário e jurisprudência já há muito consolidado, existe atualmente o Projeto de Lei 6960/02 que acrescenta mais um parágrafo ao artigo 944 do Novo Código Civil, estabelecendo que “a indenização do dano moral deve constitui-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante”.

 

Existe, ainda, o Projeto de Lei 7124/02 que pretende fixar parâmetros de valores para a reparação do dano moral. De acordo com este projeto a ofensa moral pode ser dividida em leve, média e grave, fixando valores indenizatórios de acordo a gravidade da ofensa.

 

Este projeto, entretanto, não se preocupou em definir o que seria uma ofensa leve, média ou grave, continuando reservado ao critério subjetivo do julgador definir se a ofensa é grave, média ou leve. Ou seja, é um projeto inócuo.

 

Além do mais, tarifar o dano moral como pretende o legislador não me parece ser a melhor opção, pois vai de encontro com toda a noção de justiça anteriormente explicitada. Assim, dizer que a ofensa leve deve ser fixada em valor inferior a vinte mil reais, a ofensa média deve ser arbitrada entre vinte mil e noventa mil reais e a grave entre noventa mil e cento e oitenta mil reais, é regressão sem tamanho em toda a teoria da responsabilidade civil pátria.

 

Venosa[8] a este respeito afirma não ser esta a melhor solução:

 

Ainda porque a moeda se desvaloriza. Não fosse pela inconveniência de atribuir ao juiz mais uma tarefa, qual seja, a de definir a gravidade da ofensa moral, a solução poderá ser ineficaz se os valores envolvidos entre as partes forem vultuosos, de milhões de reais, e o valor legal máximo passa a ser irrisório. Se convertido em lei, ao menos haverá que se permitir válvula ao julgador para que se majore a indenização quando o valor máximo não atender as suas necessidades.

 

Há de se ressaltar que uma mesma ofensa dirigida a pessoas diferentes pode ter reflexos distintos, vez que cada qual a sente de um modo. Esta ofensa pode ser considerada de natureza leve em relação a um e de natureza média ou grave em relação a outro. Tome-se, por exemplo, uma ofensa à higidez física de um estudante que o deixe durante dois meses sem poder andar. É claro que esta deve ser ressarcida, porém, certamente não será considerada da mesma gravidade que a mesma ofensa sofrida por um jogador de futebol.

 

Também deve-se atentar que um valor incomensurável para um talvez não passe de preço vil para outro, fazendo com que a justiça reste frustrada, não servindo a indenização a seus propósitos, acabando por estimular o ilícito.

 

Mesmo porque, na hipótese de tarifação da indenização, poderá o iminente ofensor pesar o custo-benefício da atitude ilícita que tomará. Assim, pode desejar fazer o mal a outrem, causar o dano moral, achando que vale a pena, que compensa sofrer determinada sanção pecuniária, pagar o preço. Por isso, nada mais amoral do que a tarifação.

 

Por fim, cumpre salientar que, conquanto o Novo Código Civil seja um avanço ao prever explicitamente a existência do dano moral, ao prever que somente a extensão do dano terá relevância na fixação da indenização efetua um retrocesso sem tamanho no ordenamento jurídico pátrio, não podendo os operadores do direito conformar-se inconteste com tal posicionamento, pois, mais uma vez citando Ihering[9]: “O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta”.

 

 

 

 

 

Referências Bibliogáficas:

 

BENASSE, Paulo Roberto. A personalidade, os danos morais e sua liquidação de forma múltipla. Rio de Janeiro: Forense, 2003

 

CAHALI, Yussef. Dano moral. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988

 

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999

 

IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2002

 

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Responsabilidade civil. v. IV. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2002

 



[1] CAHALI, Yussef. Dano moral. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 53.

[2] IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 80.

[3] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 74-75.

[4] RUGGIERO apud. BENASSE, Paulo Roberto. A personalidade, os danos morais e sua liquidação de forma múltipla. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 4.

[5] IHERING. Op. Cit. p. 86.

[6] IHERING, op. cit. p.39.

[7] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Responsabilidade civil. v. IV. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 24-25.

[8] VENOSA, S. op. cit. p. 209.

[9] IHERING. op.cit. p. 27.