ADOÇÃO NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO.

DENISE WILLHELM GONÇALVES


Professora de Direito de Família - URCAMP/RS.

1. - Noções introdutórias.

A adoção é um instituto jurídico que procura imitar a filiação natural, adoptio natura imitatur.

Conforme ensinamento de Carbonnier, "a filiação adotiva é uma filiação puramente jurídica, que repousa na pressuposição de uma realidade não biológica, mas afetiva"1.

Existem no nosso ordenamento jurídico dois tipos de adoção: a plena, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente para os menores de dezoito anos de idade ou maiores na hipótese prevista no artigo 2º, § único, e, a restrita, disciplinada pelo Código Civil, para os maiores de dezoito anos. O mestre Antunes Varela oferece uma definição que serve para ambas as adoções: "O ato jurídico pelo qual se estabelece entre duas pessoas (adoptante ou adoptantes, de um lado; adoptado, por outro), independentemente dos laços do sangue, uma relação legal de filiação"2.

A finalidade da adoção mudou consideravelmente, posto que, antigamente era de atender a interesses religiosos dos adotantes, e passou a ser de atender aos interesses do adotado, objetivando dar-lhe um lar, uma família.
Esta alteração ocorreu com o advento da Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 227, § 6º determina que os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, mandamento este que foi ratificado pelo art. 20 do ECA.

Na adoção esposada pelo Código Civil em vigor, a adoção possui caráter contratual, baseado exclusivamente na manifestação de vontade das partes: adotante e adotado. Diverso do que ocorre na denominada adoção plena, como se verifica do disposto no art. 47 do ECA, a adoção constitui-se por sentença. Trata-se de uma das modalidades de colocação de menores em família substituta; as demais são guarda e tutela. Conforme lição de Antunes Varela, "por um lado, a adoção deixa de constituir um puro negócio jurídico, entregue á iniciativa altruísta do adoptante, e passou a constituir necessariamente objeto de uma ação judicial, assente num inquérito destinado a garantir a finalidade essencial de nova relação familiar"3.

Com a nova sistemática, não são mais os adotantes que escolhem os filhos adotivos. Nos termos do artigo 50 do ECA, a autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de pessoas interessadas em adotar. Portanto, são os candidatos a adotantes, que precisam apresentar os requisitos legais e não se enquadrarem nas hipóteses do art. 29 do ECA ( art. 50, § 2º, ECA). Também vale salientar que a adoção só será deferida, quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos (art. 43, ECA).

Importante frisar a finalidade desta figura jurídica tão nobre. O instituto da adoção pode apresentar duas finalidades: ou dar filhos àqueles que não puderam tê-los naturalmente; ou dar pais àqueles que estão desamparados.

Para Clóvis Beviláqua, essas duas finalidades existem na adoção: "Ela tinha a finalidade de dar filhos a quem não os tinha pela natureza e trazer, para o aconchego da família, filhos privados de arrimo"4.

No Código Civil de 1916, predomina a finalidade de dar filhos a quem não pode tê-los naturalmente. Neste sentido é a lição de Jayme Abreu: "Havia obstáculos legais à integração total do adotado à família do adotante. A criação do parentesco civil, exclusivamente entre adotado e sua família natural. A possibilidade do rompimento da adoção, de comum acordo, ou unilateralmente, pelo adotado, quando completasse a maioridade, e pelo adotante, por ato de ingratidão"5.

Já a posição adotada pelo ECA é totalmente diversa. Optou o legislador pela finalidade de dar uma família para os desamparados, como se verifica do disposto no art. 28, que afirma ser a adoção uma das modalidades de colocação do menor de dezoito anos em família substituta, além do art. 43 do ECA, que condiciona o deferimento da adoção, quando ela apresentar reais vantagens para o adotando.

Portanto, vigora, no sistema do ECA, a primazia do interesse do adotado, interesse este que irá determinar o deferimento ou não do pedido de adoção. Incontestável que, na adoção do ECA, o que sempre deve prevalecer é o interesse do adotado sobre todos os outros envolvidos na adoção, isto é, o interesse do adotado deve predominar sobre os interesses dos pais, dos adotantes, ou de eventuais guardiões.

Como conseqüências dessa preferência pelos interesses do adotado, decorrem outros, como os assinalados por Nora Lloveras, destacando a "prioridade da própria família, o princípio da necessária integração do menor a uma família, o princípio inseparabilidade dos irmãos, princípios todos que acompanham coerentemente o princípio reitor enunciado no interesse do adotado"6.

Desta feita, podemos concluir que atualmente existem duas formas de adoção: a adoção regida pelo Código Civil e a regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

São regidas pelo Código Civil as adoções dos maiores de dezoito anos, nos arts. 183, nºs. III e V. 336, 368 a 378, 392, IV, 1.605 e § 2º, 1.609 e 1.618.

São regidas pelo ECA as adoções dos menores de dezoito anos, salvo se já estiverem sob a guarda ou tutela dos adotantes (art. 40, combinado como o parágrafo único do art. 2º do ECA), conforme estabelecido nos arts. 39 a 52, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente (art. 28, ECA). Isto quer dizer que são abrangidos tanto os menores de dezoito anos em situação irregular como regular. Dispõe o art. 39 do ECA que a adoção da criança e do adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta lei. Por sua vez, o art. 2º do ECA conceitua criança, para os efeitos da lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente, aquele entre doze e dezoito anos de idade.

É bem verdade que o ECA não distingue a adoção em restrita e plena. Contudo, ao permanecerem vigorando as normas referentes à adoção para os maiores de dezoito anos, podemos afirmar que a adoção regulamentada no ECA é plena e a do Código Civil, restrita. A principal diferença, s.m.j., é substancial, diz respeito a formação: a adoção no Código Civil forma-se através da manifestação de vontade, enquanto que a adoção no ECA constitui-se por sentença judicial (art. 47, ECA).

2. Normas do novo Código Civil Brasileiro compatíveis com as do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O Novo Código Civil Brasileiro manteve a diretriz do ECA, bem como os princípios consagrados pela Carta Magna. O novo Código Civil transcreve diversas normas do Estatuto. Contudo, a nova legislação deixa lacunas de grande proporção, pois mesmo com inovações e avanços, o legislador não esgotou a matéria o que, por certo, será o desafio de todos os Operadores do Direito.

De forma bastante singela, passamos a analisar as alterações trazidas pelo Novo Código Civil, sem questionarmos, contudo, se tais modificações são salutar ao nosso Direito.

Inicialmente, o novo Código Civil não define qual a competência jurisdicional para a adoção de maiores de dezoito anos, permanecendo exclusivamente à Vara da Infância e Juventude responsável pela adoção prevista no ECA. Contudo, com certeza, caberá á Justiça de Família apreciar os pedidos de adoção de maiores de dezoito anos.

A idade mínima para adotar que atualmente é de 30 anos (art. 368 do CC), passa a ser de dezoito anos, segundo estabelece o artigo 1.618 do NCCB. Tal dispositivo legal esta de conformidade com a Parte Geral do Código que em seu artigo 5º estabelece o limite de 18 anos para a maioridade civil. Já com relação a diferença de idade entre adotante e adotado, o no CCB manteve de 16 anos, assim como previsto no ECA artigo 42, § 3º.

Com a redação dada ao artigo 1.618 'caput', qualquer pessoa que constar com mais de 18 anos poderá adotar, independente de seu estado civil, sexo ou nacionalidade. Quando o pedido for requerido por duas pessoas deverão ser casados ou companheiros, bastando que apenas um deles tenha completado dezoito anos de idade e que haja comprovação da estabilidade familiar (arts. 1622 e 1.618, § único, respectivamente).

Grande inovação é no sentido da constituição da adoção. Com a entrada em vigor do NCCB a adoção para maiores de dezoito anos, assim como ocorre para os menores desta idade, obedecerá a processo judicial com a intervenção do Ministério Público (art. 1.623 e § único, respectivamente). Contudo, peca o Novo Código ao deixar de mencionar quais os requisitos necessários para o respectivo processo judicial de adoção. De qualquer forma, a adoção, independentemente de idade, para ter eficácia e validade, deverá receber a chancela jurisdicional do Estado, mediante provimento judicial, sentença de natureza constitutiva, nos termos do artigo 1.627, a exemplo do artigo 47 do ECA.

Ressalta-se que, assim como já ocorre com a adoção regulamentada no ECA, no novo CCB transitada em julgada a sentença que concedeu a medida, tal decisão fará coisa julgada material, findando, assim, com a polêmica acerca da revogabilidade para a adoção de maiores, matéria que foi objeto de controversas graças aos artigos 373 e 374 do CC em vigor.

Como o § 6º do artigo 47 do ECA, admite o novo Código Civil a concessão da medida pos mortem. O art. 1.628, indica os efeitos da adoção a partir do transito em julgado da sentença, "exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito".

Outro grande avanço diz respeito ao artigo 1.625 do NCCB que determina que a medida deve constituir "efetivo benefício para o adotado", seguindo a linha do artigo 43 do ECA. Portanto, todas as controvérsias quanto ao real motivo da adoção caem por terra, deixando claro que a adoção, tanto para maiores como para menores de idade, devem obedecer o mesmo princípio, qual seja, do "melhor interesse da criança".

No que pertine ao consentimento dos pais ou responsáveis legais do adotando, a regra é que deverá haver concordância para o deferimento da medida (CC, arts. 1.635, V, e 1.638). A exceção encontra-se nas hipóteses dos artigos 1.621, § 2º e 1.624, do novo Código Civil, normas que dispensam tal aceitação.

Seguindo princípio constitucional, o artigo 1.626 do NCCB determina o rompimento do vínculo de filiação da família biológica, ressalvados os impedimentos matrimoniais que poderão ser invocados a qualquer tempo. Deve-se observar o disposto o parágrafo único do artigo 1.627 que consagra a denominada "adoção unilateral", assim como o artigo 41 § 1º do ECA. Porem, o artigo 1.627 ressalta que quando a substituição se dá apenas na linha materna ou paterna, o cônjuge ou concubino do adotante não perderá o pátrio poder, exercendo-o em toda a sua plenitude, tudo de conformidade com o artigo 21 do ECA.

O artigo 1.628 do NCCB dispõe que "as relações de parentesco se estabelecem não só entre adotante e adotado, como também entre aquele e os descendentes deste", ampliando, desta feita, tais relações, já que o Código Civil em vigor restringe ao adotante e adotado.

Por derradeiro, no que concerne a adoção por tutor ou curador, o NCCB manteve a mesma linha do CC em vigor (art. 371), bem como do ECA (art. 41), ao exigir, para referida concessão "à prestação de contas e ao pagamento de eventuais débitos".

3. Omissões do novo Código Civil Brasileiro

O novo Código Civil deixou de regulamentar o estágio de convivência entre adotado e adotando, inobstante a ele ter se referido no artigo 1.622, § único, entendo mantida a norma legal do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 46) referente ao tema.

De igual sorte, quanto à adoção internacional, o novo Código Civil orienta no sentido de que " obedecerá aos casos e condições que forem estabelecidas em lei" (art. 1.629), permanecendo, desta feita, enquanto não editada nova legislação, as orientações esculpidas no Estatuto da Criança e do Adolescente para o deferimento deste tipo de adoção.

Outros itens não consagrados pelo novo Código Civil e que deverão permanecer, s.m.j., as orientações do Estatuto da Criança e do Adolescente, dizem respeito à vedação de adoção dos menores de dezoito anos por procuração (ECA, art. 39, § ú), à restrição da medida aos ascendentes e irmãos do adotando (ECA, 42, § 1º), bem como os critérios para a expedição de mandado e respectivo registro no termo de nascimento do adotado (ECA, art. 47).

4. Conclusão.

Primeiramente, verifica-se que não mais subsiste a divisão em adoção restrita (maiores de dezoito anos) e adoção plena (menores), até então vigente e reguladas pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, respectivamente. Passam, agora a ser tratadas da mesma forma, exigindo-se procedimento judicial para ambas.

Com a entrada em vigor do novo Código Civil a adoção passa a ser uma só, independente da idade do adotado, com todos os dispositivos regulamentadores da matéria açambarcados pelo novo diploma legal. Trata-se de lei nova, a qual revoga os dispositivos anteriores, todavia, sem conseguir esgotar a matéria, muito embora o esforço do legislador. Sendo assim, dúvidas existem acerca da subsistência daqueles dispositivos constantes no ECA e que não constam a nova legislação. Todavia, entende-se que só devem ser revogados aqueles dispositivos incompatíveis com a nova legislação.

Desta feita, em regra, todas as normas e princípios para a adoção do menor de dezoito anos passam a valer também para a adoção do maior, inclusive a questão da total integração do adotando com a família do adotante. Passando, para este último, a adoção atribuir a situação de filho, desligando-se de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo, quanto aos impedimentos para o casamento.

De uma forma geral, vê-se que o novo Código Civil relativamente ao instituto da adoção seguiu as orientações do ECA bem como de todos os princípios constitucionais relativos aos direitos fundamentais, em especial aquele que diz com o melhor interesse da criança.

A verdade é que, a par das alterações acima referidas, os efeitos advindos da adoção e que se refletem na ordem pessoal e patrimonial do adotado, persistem, inclusive ampliando para os maiores de dezoito anos. No que se refere aos efeitos de ordem pessoal, a adoção gera para o adotado o parentesco, em tudo equiparado com o consangüíneo, atribuindo a situação de filho para o adotado, desligando-se de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, exceto quanto aos impedimentos para o casamento. Relativamente aos efeitos de ordem patrimonial, com a adoção são devidos alimentos entre adotante e adotado, reciprocamente, surgindo também o direito sucessório, diante da equiparação do adotado com filhos de sangue.


Notas de rodapé:

1. Droit Civil, 2 - La Famille, n.º 354, p. 519.
2. Direito de Família, n. 16, p. 78.
3. Obra citada, n. 17, p. 84.
4. Apud Abreu, Jayme Henrique. Convivência familiar: A Guarda, Tutela e Adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente, in Estatuto da Criança e do Adolescente - Estudos Sócios Jurídicos, p. 140.
5. Obra citada, p. 140.
6. La Adopción, p. 13.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

Retirado de: http://www.editoraforense.com.br/Atualida/Artigos_DC/adocao.htm

Acessado em 05 de agosto de 2004.