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A FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO
NAS AÇÕES POR DANOS MORAIS
Antônio Cassemiro da Silva
Advogado em São Paulo
No ordenamento jurídico pátrio há controvérsia
doutrinária e jurisprudencial na fixação do quantum indenizatório para
ressarcimento dos danos morais decorrentes da responsabilidade civil, posto não
haver dispositivos legais específicos, sendo inviável o critério para reparação
dos danos materiais, diante da inexistência de prejuízos que possam ser
objetivamente calculados com base no valor pecuniário do bem atingido.
No entanto, fundamental é que o Juiz de forma
clara, defina se a indenização é fixada como ressarcimento ou punição. Se a
função da reparação civil for entendida como ressarcimento ou compensação,
deverá estabelecer critérios objetivos, ainda que de forma aproximada, para
fixar o quantum indenizatório, o que consiste em avaliar de forma não emocional,
isenta e criteriosa as circunstâncias do fato, o grau da culpa, a duração do
sofrimento, as partes psicológicas atingidas, as condições do ofensor e do
ofendido e a dimensão da ofensa.
Na avaliação das circunstâncias do fato, deve o
Juiz efetuar criteriosamente uma profunda análise de todos os elementos
probatórios constantes dos autos, evidentemente valorizando as provas
representadas pelos laudos periciais e por outros documentos, sopesando de
acordo com seu livre convencimento as demais provas, inclusive as testemunhais,
para que possa proceder a uma avaliação das reais circunstâncias em que ocorreu
o(s) fato(s) que representam o caso concreto posto à baila.
Avaliando o grau de culpa, deve o Juiz deter-se
na verificação dos elementos objetivos dos fatos ocorridos, procurando a priori
estabelecer uma classificação, o mais possível despida de qualquer critério
subjetivo, para que seja estabelecida a classificação que lhe servirá de
parâmetro orientador quando prolatar o decisum, sendo de suma importância que
estabelecendo o grau em que ocorreu a culpa, também seja analisada a
intensidade do dano que em decorrência foi provocado. Se a culpa foi
classificada como leve (simples) ou grave. A classificação leve por certo terá
que ser levada em consideração para que o quantum indenizatório com maior razão
não venha ultrapassar ou até mesmo desprezar os critérios e princípios
objetivos e subjetivos da eqüidade quando de sua fixação. Se porém, o grau de
culpa for grave; por certo o seu potencial ofensivo terá repercutido com maior
intensidade no ofendido, ocasionado-lhe danos de maiores montas. A duração do
sofrimento a que ficou exposto o ofendido, deve ser analisada em conjunto com o
grau de culpa, devendo ser mais ou menos valorizado na fixação do quantum indenizatório
quanto menor ou maior tiver permanecido, ou houver que permanecer, pois, há
casos em que o sofrimento do ofendido prolonga-se no tempo, como pode acontecer
com o ofendido vítima do erro judiciário que tenha tido sua liberdade de ir e
vir violada com o encarceramento, ainda que posteriormente, o erro judiciário
venha ser reconhecido e, em conseqüência recupere a liberdade, a lembrança dos
tempos de cárcere, a humilhação e o sofrimento, sempre o acompanharão como uma
sombra em sua memória afetiva, fazendo com que as partes psicológicas
atingidas, apresentem sempre um sentimento de dor, tristeza, e angústia, com
comportamentos que podem variar de momentos de alegria, para momentos em que se
mergulha em atitudes de isolamento, não sociabilidade e taciturnidade com
abalos emocionais e psicológicos que permanecem na intimidade subjetiva do
ofendido durante toda a vida.
É de fundamental importância que o juiz
detenha-se profundamente na análise das condições psicológicas do ofendido,
devendo valer-se para tanto, dos experts que julgar necessários, para a
elaboração dos laudos periciais técnicos que possam lhe conferir elevado grau
de certeza e eqüidade na prolação do decisum de acordo com seu livre
convencimento.
Se no entanto, o Juiz entender que a reparação
deva ser fixada como punição, as regras e os critérios para a fixação do
quantum indenizatório, invertem-se completamente, não havendo limites para o
estabelecimento do valor. Pelo protesto de um título de cem reais, poderá ser
fixado um valor de dez milhões de reais, tudo obviamente, levando-se em conta o
grau da potencialidade econômica do ofensor, sendo irrelevante, neste aspecto
ser analisado o do ofendido, uma vez que o critério adotado foi o da punição.
Clayton Reis, em sua consagrada obra AVALIAÇÃO
DOS DANOS MORAIS, Editora Forense, 1998, pág. 65, sita julgado da Justiça Civil
do Estado do Maranhão que fixou indenização por danos morais, em R$
250.000.000,00, pela devolução de um cheque de R$ 280,00. Esse é um caso típico
em que simplesmente foi de forma objetiva e direta adotado com critério da
punição. Este critério, predominantemente adotado nos Estados Unidos da América
do Norte, tem despertado posicionamento crítico de muitos, que nele vê, o que
chamam de uma crescente e florescente "indústria do dano moral",
diante das indenizações milionárias que são concedidas pelos tribunais
americanos.
Conforme já dito nosso ordenamento jurídico não
oferece critérios com dispositivos legais específicos para a fixação do quantum
indenizatório em relação aos danos morais que diferem dos danos patrimoniais e
materiais, posto que estes, apresentam prejuízos que podem ser objetivamente
calculados de acordo com o valor dos bens pecuniários atingidos.
Yussef Said Cahali salienta que a reparação
transforma em sanção do ato ilícito. E sustenta que o "fundamento
ontológico da reparação dos danos morais não difere substancialmente, querendo
muito em grau, do fundamento jurídico dos danos patrimoniais, permanecendo
ínsito em ambos, os caracteres sancionatório e aflitivo utilizados pelo direito
moderno". Citando Caio Mário da Silva Pereira e outros autores, conclui
pelo caráter punitivo da reparação, observando que "na reparação dos danos
morais o dinheiro não desempenha função de equivalência, como, em regra, nos danos
materiais; porém, concomitantemente, a função satisfatória é a pena". A
caracterização e o critério para a fixação do quantum indenizatório como
punição na reparação dos danos morais, têm origem nos sistemas jurídicos da
Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte, onde indenizações
milionárias enriquecem as vítimas de ofensas morais.
No Brasil, a referida doutrina tem inúmeros
seguidores, como destaca Carlos Alberto Bittar ao observar que a fixação do
valor serve como desestímulo a novas agressões, de acordo com o espírito dos
"punitive exemplary damage" da jurisprudência dos Estados Unidos e da
Inglaterra. A reparação é fixada em quantia relacionada com o vulto dos
interesses em conflito, refletindo-se de modo expressivo no patrimônio do
lesante. O objetivo é que sinta em seu patrimônio a reprimenda, como uma pena.
A indenização deve ser quantia economicamente significante em razão das
potencialidades do patrimônio do lesante. Árduo defensor da tese, conclui
CARLOS BITTAR que "a exacerbação da sanção pecuniária é fórmula que atende
às graves conseqüências que de atentados à moralidade individual ou social
podem advir. Mister se faz que imperem o respeito humano e a consideração
social como elementos necessários para a vida em comunidade".
"Colocando a questão em termos mais amplos,
afirmamos que muito embora, no Brasil, o Código Brasileiro de Telecomunicações
(art. 84, parágrafo 1o.) e a Lei de Imprensa, têm servido de parâmetro para a
fixação do quantum indenizatório, estipulando valores entre 50 e 100 salários
mínimos, uma vez que o legislador não estipulou parâmetros rígidos, já surgem
julgados que tomam como regra o critério de punição, sendo que podemos citar
decisum da MM. Juíza da 75a. Vara do Trabalho de São Paulo no Processo n.º:
1848/99, movido por Evaldo de Oliveira Siqueira em face de REDE A DE JORNAIS DE
BAIRRO, onde a reclamada (ré), foi condenada no pagamento de indenização por
danos morais no valor de 2.000 (dois mil) salários mínimos.
No processo de indenização por danos morais que estamos
atuando, movido por Cléria Shinohara Ribeiro do Vale em face de LICEU DE ARTES
E OFÍCIOS DE SÃO PAULO em trâmite na 38a. Vara Cível da Comarca de São Paulo, a
ré foi condenada no pagamento da indenização por danos morais no valor de 1.000
(mil) salários mínimos. Já no Processo movido por Janaina Silva Borba Paes em
face de PERFIL JOVEM CONFECÇÕES LTDA, em trâmite na 31a. Vara Cível de São
Paulo, a ré foi condenada no pagamento de 80 (oitenta) salários mínimos.
Esclarecemos que os processos mencionados estão na fase recursal em segunda
instância, sendo que a citação destes, tem por finalidade demonstrar, o que já
foi afirmado, no sentido de que já se pode notar uma tendência jurisprudencial
de acatamento doutrinário ao critério de fixação do quantum indenizatório nas
ações por danos morais, na reparação civil, não como ressarcimento ou
compensação, mas como punição, o que dispensa o Magistrado de estabelecer os
critérios, de início, mencionados, no caso de entender a reparação civil, como
ressarcimento ou compensação.
Necessário é ter presente a idéia de conjunto do
sistema jurídico, que se harmoniza baseado numa unicidade original. Não era o
legislador civil que estava a valer-se de multas inexpressivas. Era o sistema
como um todo que multava pouco na época da edição do Código Civil. De lá para
cá este sistema evoluiu, desenvolveu-se; e fruto desse desenvolvimento, hoje se
multa pesadamente, o que constitui numa tendência universal, que vê na
repressão pecuniária um meio muito eficaz de regulação das relações sociais.
"No ordenamento jurídico pátrio, o patamar
máximo, se encontra no sistema de obrigações resultantes do ato ilícito do
Código Civil, que é de 10.800 (dez mil e oitocentos) salários mínimos,
levando-se em conta que este é o valor baseado no Código Penal, referencial que
condiciona, sem dúvida o arbítrio do Juiz ao valer-se do art. 1.553 para
avaliar casos não previstos na lei civil. Portanto, o desenvolvimento não há de
ficar representado apenas no universo criminal, com toda certeza, ainda mais se
tratando de prejuízo moral, onde a indenização civil tem caráter marcadamente
punitivo, como a doutrina tem sustentado desde o início do século" (RT
743/341, Câm. Civil TJAC, Rel.
Desª. Eva Evangelista - grifamos.
A condenação não só deve repercutir no patrimônio
do ofensor, como desencorajá-lo a praticar no futuro condutas semelhantes, bem
como servir de prevenção coercitiva.
Há também julgados que não adotam o critério de
fixação do quantum indenizatório como punição, entendendo que o dano moral não
pode ser recomposto por ser imensurável. Pedimos vênia para a transcrição do
tópico final da r. sentença da lavra do MM. Juiz Sérgio Gomes no Processo de
98.035932 - 2 da 31a. Vara Civil da Comarca de São Paulo, no qual estamos
atuando, "verbis": "Maria Helena Diniz diz que: "o dano é
um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual,
visto que não poderá haver ação de indenização sem existência de um prejuízo.
Só haverá responsabilidade civil se houver um dano a reparar, isto é assim,
porque a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir que, logicamente, não
poderá concretizar-se onde nada há que reparar. Com muita propriedade,
pontifica Giorgi Giogi, que: "nessum dubbio sulla veritá di questo
principio; sia pura violata l’iobbligazione, ma si el danno manca, manca la
materia del risarcimento". Não pode haver responsabilidade civil sem a
existência de um dano a um bem jurídico, sendo imprescindível a prova real e
concreta dessa lesão. Deveras, para que haja pagamento da indenização pleiteada
é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial moral, fundado não
na índole dos direitos subjetivos afetados, mas nos efeitos da lesão
jurídica" ("in", Curso de Direito Civil. Vol. VII -
Responsabilidade Civil - Ed. Saraiva - São Paulo, pág. 50).
Entendo que na falta de previsão legal e por
eqüidade, tendo em conta a capacidade econômica das partes, é adequado a
fixação do dano moral no caso, em oitenta salários mínimos. Este valor é fixado
por eqüidade, a fim de proporcionar satisfação à autora ofendida em razão do
abalo sofrido.
O valor de três mil salários mínimos pleiteado na
exordial, é por demais elevado, já que o dano moral não pode ser recomposto e é
imensurável em termos de equivalência econômica. A indenização a ser concedida
é apenas uma justa e necessária reparação em pecúnia, como forma de atenuar o
padecimento sofrido.
ISTO POSTO, julgo PROCEDENTE EM PARTE a presente
ação para condenar a ré ao pagamento de 80 (oitenta) salários mínimos a título
de dano moral, valor esse a ser atualizado desde o ajuizamento da ação e
acrescido de juros de mora a contar da citação" - grifamos.
Inegavelmente, na fixação do quantum
indenizatório nas ações de responsabilidade civil visando à reparação por danos
morais deve ser levada em consideração as condições pessoais em sentido amplo
do lesante e do lesado, posto que conforme definição de SAVATIER, o dano moral
é: "qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda
pecuniária" e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua segurança
e tranqüilidade, ao seu amor próprio e estético, à integridade de sua
inteligência, às suas afeições, etc. ("Traite de la responsabilité
civile" Vol. II, n. 525). Em sua obra "Danni morali
contrattuali", Damartelo enuncia os elementos caracterizadores do dano
moral, segundo sua visão, como a privação ou diminuição daqueles bens que têm
um valor precípuo na vida do homem e que são: a paz, a tranqüilidade de
espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais
sagrados afetos, classificando-os em dano em que afeta a parte social do
patrimônio moral (honra, reputação, etc.); dano moral que molesta a parte
afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saúde, etc.) e dano moral que
provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.), e
dano moral puro (dor, tristeza etc.)" ("in" Responsabilidade
Civil e Sua Interpretação Jurisprudencial 2a. Ed. RT, pág. 458, Rui Stoco) -
grifamos.
Portanto, para fixar o quantum indenizatório para
os danos morais, mesmo quando o juiz entender que a reparação deva ser fixada
como punição e não meramente como ressarcimento, necessário é que se proceda a
delimitação dos danos morais, como parâmetro as lesões de consciência,
decorrentes da responsabilidade civil por danos à pessoa latu sensu
considerados como tema autônomo, distintos da reparação dos danos materiais, já
esboçada na doutrina. A consciência pode ser lesada nos danos físicos,
psíquicos, individuais, sociais, familiares, relativos à capacidade de
contemplação, prazeres, de projetar, amar, estado de saúde e outros. Esses
danos podem também ter conseqüências patrimoniais ou espirituais, sempre
justificando o arbitramento da reparação em dinheiro ou mediante outra forma.
Os danos podem ser transitórios ou definitivos, conforme o caso, e isto também
é importante para definir qual o critério a ser observado na fixação do quantum
indenizatório, se de ressarcimento ou punição, bastando que seja demonstrada a
existência do nexo de causalidade, o evento danoso e, a culpa do ofensor. A
inexistência ou não de causas excludentes da responsabilidade civil, é tarefa
que caberá ao julgador examinar criteriosamente com os limites da lesão. Também
necessário se faz a delimitação do nexo causal, como essencial para a definição
dos reflexos da ofensa que atingiram o patrimônio moral do ofendido e sua
personalidade.
Deve salientar que da mesma forma que o dano
moral pode atingir o patrimônio e a personalidade do ofendido, também o inverso
pode ocorrer. A lesão patrimonial pode também atingir a consciência do
ofendido, gerando reparação por danos morais. É o caso da lesão estética, por
exemplo, que pode desencadear um sofrimento psíquico ao ofendido. A partir da
lesão estética ele pode vir a sofrer depressão, e sendo a depressão um
sofrimento imposto ao ofendido em decorrência de lesão material, deverá ser
objeto de reparação, seja por meio de tratamento psicanalítico, seja por meio
de medicamentos, ou por simples compensação pecuniária, no caso do critério,
for o de ressarcimento.
Nossa posição é a de que o critério para a
fixação do quantum indenizatório, não pode apenas ser o de punição com o
arbitramento indiscriminado de vultosas indenizações, posto que as ações de
responsabilidade civil, visando a reparação dos danos morais não devem ser transformadas
em "loterias jurídicas", o que de certa forma poderia ter efeito
inverso ao estimular ações que ao invés de buscar na prestação jurisdicional,
uma reparação pelo dano sofrido, venham antes, buscar o enriquecimento sem
causa.
Deve o julgador diante do caso concreto
utilizar-se daquele que melhor possa representar os princípios de eqüidade e de
Justiça, levando-se em conta as condições latu sensu do autor e do réu, como
também a potencialidade da ofensa, a sua permanência e seus reflexos no presente
e no futuro; devendo, no entanto, ter o cuidado de não fixar valores ínfimos
que não sirvam para desestimular as práticas ofensivas, como por exemplo o
arbitramento de valores de até 100 (cem) salários mínimos, nos casos em que o
réu seja detentor de grande patrimônio econômico, uma vez que neste caso, o
quantum fixado perderá sua função educativa, posto que não servirá como meio de
coibir e desencorajar a prática de novos atos ilícitos, uma vez que a pessoa
humana como centro do direito na responsabilidade civil, necessariamente
precisa ter sua integridade física, sua imagem e personalidade integralmente
preservadas.
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autor: jurislex@advocacia.net
Retirado de: http://proteus.limeira.com.br/jurinforma/portal.php?cod=4&grupo=notasd&p=160