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A flexibilizacao da exigência do depósito elisivo na lei falimentar

 

 

Robson Zanetti *

 

 

Resumo: O artigo discorre sobre a possibilidade do devedor apresentar sua defesa no processo falimentar sem a realizacao do depósito elisivo quando o requerimento do credor estiver fundamentado na impontualidade. Palavras-chave: Impontualidade; depósito elisivo; nao realizacao; possibilidade.

A legislacao falimentar brasileira, tomando como base o critério da impontualidade ( I ), considera o devedor que, após ter tido um título executivo nao pago no vencimento e protestado, falido, caso nao faca o depósito elisivo no prazo de 24 horas para elidir sua declaracao de falência ou entao, nao apresente nenhuma das razoes relevantes de direito previstas no artigo 4° da lei falimentar para que seja evitada sua falência.

O devedor deve ter ampliado seu direito de defesa para poder expor a sua situacao econômica ( II ) diante da verificacao se sua impontualidade. Atualmente a constacao da impontualidade do devedor é feita de forma extremamente formal , tomando-se como base sua disponibilidade imediata de caixa, deixando-se assim, de ser avaliada sua capacidade de recuperacao econômica.

Este critério formal faz com que muitas empresas que passam por uma dificuldade passageira, mas com capacidade de recuperacao, venham a falir, impendindo-se assim, a continuidade de suas atividades.

Nosso propósito neste artigo será o de demonstrar que o comerciante devedor deve ter a oportunidade de provar que, embora ele seja impontual, isto nao significa necessariamente que ele seja insolvente e, assim, seu direito de defesa deve ser ampliado.

I- A impontualidade do devedor comerciante como causa da acao falimentar

O Decreto-Lei n° 7.661/45 regula o processo de falências e concordatas no Brasil, estabelecendo em seu artigo 1 que:

" Art. 1º. Considera-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida constante de título que legitime a ação executiva. " ( g.n. )

Assim, o primeiro passo para poder ser declarada a falência do devedor tem como fonte geradora o título de crédito que deu causa a obrigacao vencida e nao paga.

Para que este título possa ser utilizado para instruir o processo de falência deverá estar revestido de liquidez, certeza e exigibilidade ( A ).

Uma vez constatada esta liquidez, certeza e exigibilidade do título de crédito que instruirá o pedido de falência do comerciante, o mesmo deverá obrigatoriamente ser protestado ( B ) a fim de constituir o devedor em mora.

A- A existência de uma dívida líquida, certa e exigível

Segundo estabelece o Código de Processo Civil :

" Art. 586 - A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título líquido, certo e exigível."

O Superior Tribunal de Justica entende que os requisitos previstos no artigo 586 do CPC, quais sejam, os da liquidez , certeza e exigibilidade, sao necessários e indispensáveis para a propositura da acao executiva .

A ausência de um destes requisitos: o da liquidez , o da certeza e o da exigibilidade , nao da ensejo a acao executiva, vindo a criar um obstáculo para ser declarada a falência do comerciante.

Uma vez possuindo o título de crédito liquidez, certeza e exigibiliade, este servirá para instruir o pedido de falência do devedor, mas desde que, uma outra condicao seja cumprida, qual seja, o do protesto do título de crédito.

B- O protesto do título de crédito como forma de se comprovar a mora do devedor

A legislacao falimentar estabelece em seu artigo 10 que:

" Art.10. Os títulos não sujeitos a protesto obrigatório devem ser protestados, para o fim da presente lei, nos cartórios de protesto de letras e títulos, onde haverá um livro especial para o seu registro. "

O protesto do título de crédito que poderá servir para instruir a acao falimentar movida contra o devedor deverá atender os requisitos legais para que comprove sua mora, caso contrário, embora o título seja líquido, certo e exigível, a falência do comerciante nao poderá ser declarada pela falta de nao ter sido comprovada sua mora.

Como pudemos observar anteriormente , os requisitos da liquidez, certeza e exigibilidade sao indispensaveis para a propositura da acao executiva e os mesmos requisitos devem estar presentes para o protesto do título de crédito, pois, nao poderíamos admitir um título de crédito protestado, sendo por exemplo, inexigível ou entao que seja desconstituído de causa legal.

Assim, a existência dos requisitos da liquidez, certeza e exigibilidade constituem uma condicao indispensável para o protesto do título de crédito, funcionando como um pré-requisito. Mas, a existência de um titulo líquido, certo e exigível, sem o protesto, nao serve para embasar o pedido de falência do comerciante .

Uma vez preechidos estes requisitos, o título de crédito está apto para ser protestado, mas, isto nao significa que o protesto que vier a ser lavrado esteja necessariamente enquadrado dentro das normas legais. Poderao ocorrer algumas situacoes que demonstrem que o protesto o fora feito de forma irregular.

Assim, por exemplo, o " instrumento de protesto que nao contenha a identificacao de quem recebeu, em nome do devedor, a respectiva intimacao, reveste-se de intensa irregularidade, desautorizando o êxito do pleito falitário ".

No mesmo sentido da decisao acima, foram pronunciadas outras decisoes negando a decretacao da falência do devedor quando o protesto for inválido, nao identificando a pessoa que o tenha recebido ou entao, quando o representante legal da devedora nao for intimado pessoalmente .

O devedor somente estará constituído em mora quando houver um título líquido, certo e exigível e o protesto tiver sido feito de forma regular, dentro dos trâmites legais.

Através do protesto, do registro público deste o devedor esta constituído em mora. Fica caracterizada sua impontualidade e a partir da comprovacao desta impontualidade poderá ser requerida a falência do devedor.

O protesto extrajudicial é indispensável para o ajuizamento da acao falimentar .

II- A ampliacao do direito de defesa do devedor frente a seu estado de solvência

O atual sistema pátrio prende como requisito para se declarar a falência do devedor, o fato deste ser impontual, conforme estabelecem os artigos 1° e 10, do Dec.-Lei n° 7661/45.

Entendemos, com todo o respeito as opinioes em contrário, que a exigência do depósito elisivo precisa ser flexibilizada para permitir ao devedor mostrar que nâo é insolvente e assim evitar a declaracao de sua falência.

Assim, o devedor deve ter o direito de apresentar sua defesa sem a realizacao do depósito elisivo ( A ) e poder provar que ele nao é insolvente e que este fato, constitui-se uma relevante razao de direito ( B ) para nao ser declarada sua falência.

A- A nao obrigatoriedade do depósito elisivo

Uma vez sendo requerida a falência do devedor pelo credor, aquele tem um prazo de 24 horas para apresentar sua defesa fazendo o depósito elisivo, conforme determina o artigo 11, §2° da Lei Falimentar ou apresentar alguma relevante razao de direito, com base no artigo 4° da mesma lei, para obstar a declaracao de sua falência.

O referido artigo traz um grande problema ao devedor quando se refere a impontualidade e consequentemente a exigência do depósito elisivo porque ele desconsidera sua situacao econômica, presumindo seu estado de insolvência.

O credor tem seu direito ampliado em seu requerimento, pois ele pode requerer do devedor, a realizacao do depósito elisivo ou alternativamente a declaracao de sua falência sem caracterizar a inépcia da inicial .

O devedor tem seu direito reduzido, a sua falência será declarada caso ele nao realize o depósito elivisivo . O termo "poderá", exprime uma possibilidade e nao uma obrigatoriedade, uma vez que o devedor pode deixar de fazer o depósito elisivo e apresentar sua defesa fundamentado em um dos motivos elecados no artigo 4° da Lei Falimentar.

Caso a defesa do devedor nao seja acatada, sem que este tenha feito o depósito elisivo, sua falência será declarada e, uma vez feito o depósito elisivo, a acao de falência se tranforma em uma acao de cobranca " deslocando-se a questão da falência para a apreciação da legitimidade da pretensão do autor e da importância do crédito reclamado ."

Assim, a falência do devedor nao será declarada , independentemente do julgamento da acao de falência que lhe fora proposta. Com isto, se verifica que a questao da solvabilidade do devedor desaparece com o depósito elisivo.

O fato da acao de falência ser transformada em uma acao de cobranca serve para demonstrar que o interesse visado é o recebimento do crédito de forma rápida e nao a verificacao do grau de dificuldade do comerciante devedor. Aqui nao existe interesse na manutencao da atividade comercial, o crédito é visado em primeiro lugar, o interesse do credor está acima da sobrevivência do comerciante, da producao, dos empregos, etc.

Aqui existe somente uma preocupacao com a disponibilidade imediata de caixa do devedor.

O atual sistema avalia previamente e imediatamente, num prazo de 24 horas, como está a liquidez do devedor, ou seja, ou este faz o depósito elisivo num prazo de 24 para elidir o pedido de declaracao de falência ou poderá ter declarada sua quebra.

Este sistema nao permite que o devedor demonstre que ele nao é insolvente sem a realizacao do depósito elisivo. É importante de se frisar que a falência do devedor é presumida, ou seja, é antecipado seu estado de insolvência por presuncao, enquanto que, o estado de insolvência que caracteriza e nao presume a falência, só é conhecido posteriormente no momento em que é feito o depósito do balanco e muitas vezes somente após a realizacao de uma perícia contábil.

Nao existe uma preocupacao na sobrevivência da empresa, porque se houvesse, o devedor poderia demonstrar que nao é insolvente, mesmo sem fazer o depósito elisivo. Antes de ser declarada a falência, o judiciário deve olhar com atencao a situacao econômica do devedor, porque a falência é uma medida de extrema gravidade que representa a morte negocial do comerciante .

Assim, se o devedor faz o depósito elisivo, independentemente de ser avaliado seu ativo e passivo, sua falência será elidida . Nao interessa se o devedor tem um patrimônio de R$ 2.000.000,00 e deve R$ 5.000.000,00. O que interessa, é que se ele tem um patrimônio de R$ 1.000.000,00 e deve R$ 20.000,00, tendo um título protestado de R$ 1.000,00 ele é impontual e sua falência deve ser declarada caso nao faca o depósito elisivo ou entao, sem este depósito, nao tenha apresentado alguma relevante razao de direito, como dispoe limitadamente o artigo 4° da lei falimentar.

Dentro destas facilidades permitidas pela legislacao brasileira, o que o credor faz, procura um escritório de advocacia para receber seu crédito imediatamente, num prazo de 24 horas e assim, o comerciante se vê obrigado a fazer o depósito elisivo para nao ver declarada sua falência e liquidado seus bens .

O que nao pode acontecer, é que seja permitida uma pressao por parte dos credores sobre o devedor, forcando este a um pagamento rápido de sua dívida e sendo assim desvirtuado o instituto falimentar .

O credor que quer receber seu crédito imediatamente tem outros meios de cobranca, como a execucao contra o devedor solvente.

O atual sistema de cobranca rápida ( prazo de 24 horas para o depósito elisivo ) deve ser reformado, pois, nao é possível que uma empresa tenha declarada sua falência somente pelo fato de ser impontual.

B- A relevante razao de direito fundamentada na situacao econômica reversível e temporária do devedor

O artigo 4 da lei falimentar estabelece que:

" Art. 4º A falência não será declarada, se a pessoa contra quem for rcquerida provar:

I - falsidade do título da obrigação;

II - prescrição;

III - nulidade da obrigação ou do título respectivo;

IV - pagamento da dívida, embora depois do protesto do título, mas antes de requerida a falência;

V - requerimento de concordata preventiva anterior à citação;

VI - depósito judicial oportunamente feito;

VII - cessação do exercício do comércio há mais de dois anos, por documento hábil do registro de comércio o qual não prevalecerá contra a prova de exercício posterior ao ato registrado;

VIII - qualquer motivo que extinga ou suspenda o cumprimento da obrigação, ou exclua o devedor do processo da falência.

§ 1º Se requerida com fundamento em protesto levado a efeito por terceiro, a falência não será declarada, desde que o devedor prove que podia ser oposta ao requerimento do autor do protesto qualquer das defesas deste artigo.

§ 2º Não será declarada a falência da sociedade anônima depois de liquidado e partilhado o seu ativo e do espólio depois de um ano da morte do devedor. "

A legislacao brasileira se demonstra extremamente formal quando permite que seja declarada a falência do devedor baseada unicamente em sua impontualidade e lhe exigindo o depósito elisivo, porém, o artigo supra-mencionado revela que em certas situacoes consideradas como relevantes, o comerciante devedor tem o direito de nao realizar o depósito elisivo.

O formalismo da legislacao falimentar deve ser adaptado a realidade nacional, assim, nao concordamos com o posicionamento da doutrina e dos tribunais que insistem no aspecto formal da legislacao falimentar para declarar a falência do devedor com base na impontualidade.

As leis devem representar o comportamento social de um um povo em um determinado tempo e devem estar harmonizadas com as realidades que despontam. A lei deve estar adaptada a realidade .

A formalidade existente na legislacao falimentar nao pode ser considerada como um princípio absoluto, ela vem se tornando mais flexível, basta ver que hoje é possível ser aberta a concordata preventiva de uma empresa, mesmo que ela contenha títulos protestados , o que é expressamente proibido pela legislacao falimentar em seu artigo 158, inciso IV. Quantas empresas nao foram salvas com esta flexibilizacao?

Uma vez tornando o depósito elisivo mais flexível, deixando ao devedor a escolha de realizá-lo ou nâo, este terá condicoes de demonstrar que sua empresa é recuperável.

A impontualidade por si só nao pode justificar a declaracao de falência do devedor comerciante sem que seja constatado que este é insolvente , o devedor impontual nao é necessariamente um devedor insolvente. Ela por si só nao pode constituir o estado de insolvência .

O devedor deve ter o direito a ampla defesa para demonstrar que ele nao é um devedor insolvente e que sua falência nao pode ser declarada.

O Superior Tribunal de Justica , em um importante pronunciamento afirmou que:

" Portanto, embora o nao pagamento de obrigacao constante de título executivo possa ensejar o pedido de falência, nao é a impontualidade que caracteriza a quebra do devedor comerciante . O que determina de fato a falência é a insolvência. A impontualidade é somente um fenômeno capaz de configurar a situacao de insolvência, e nao propriamente a causa determinante..." ( g.n. )

O STJ nesta decisao demonstra que a impontualidade nao é a causa determinante da falência e sim o estado de insolvência. Entendemos que o estado de insolvência deva ser considerado como aquele em que o devedor nao tem possibilidades de recuperacao, sua dificuldade é irreversível, ela nao é passageira .

A impontualidade nao pode ser utilizada como critério determinante para ser declarada a falência e sim, deve ser verificada a situacao econômica do devedor, se esta for irreversível e nao for passageira, deve ser declarada sua falência.

O projeto de lei n° 4.376/93 do poder executivo que trâmita no Congresso Nacional regulando a recuperacao e a liquidacao judicial das pessoas jurídicas e físicas que exercam uma atividade econômica estabelece em seu artigo 77 que:

" Art.77. Será decretada a liquidacao judicial do agente econômico que: I- sem relevante razao de direito, nao paga, no vencimento, dívida constante de título executivo que ultrapasse a soma correspondente a 10.000 UFIR ( dez mil unidades fiscais de referência ), considerado o valor originário ".

Ainda que este projeto tenha progredido no aspecto referente a situacao econômica do devedor, perceba-se que a impontualidade possui um limite ( 10.000 UFIR ), logo, o devedor nao terá declarada sua falência quando o valor da dívida for inexpressivo . A impontualidade aqui nao é mais considerada como um critério absoluto e inflexível.

Este mesmo projeto passa a nâo exigir do devedor a realizacao do depósito elisivo, deixando a este uma faculdade, como estabelece o artigo 81, §3°, " in verbis" :

" Art. 81.- Na hipótese do art. 77, I, desta lei, para requerer a liquidação judicial daquele que não paga no vencimento dívida líquida constante de título executivo, deverá o credor instruir o pedido com instrumento representativo desta dívida, cujo valor originário deverá ser superior a 10.000 UFIR (dez mil unidades fiscais de referência), representado por um ou mais títulos executivos devidamente protestados, acompanhado de certidão de protesto de dois ou mais títulos de credores distintos, tirados contra o devedor no período de 90 (noventa) dias anteriores à data do pedido.

§ 3º Poderá o devedor, no prazo de defesa, depositar o valor correspondente ao crédito. " ( g.n. )

Entendemos que atualmente a exigência do depósito elisivo nao será obrigatória quando o devedor demonstrar que seu estado de dificuldades é passageiro e recuperável, sendo esta uma relevante razao de direito para nao se declarar a sua falência . Caberá ao devedor realizá-lo ou nao, assim, esta obrigacao passa a ser uma faculdade.

Com isso, os credores pensarao melhor antes de requerer a falência do devedor visando o recebimento imediato de seu crédito .

Conclusao.- O critério da impontualidade nao pode ser considerado como fonte produtora da falência pois, quando visto de forma isolada e extremamente formal, nao demonstra a real situacao econômica da empresa.

Sem que sejam avaliados outros elementos que demonstrem a possibilidade de recuperacao da empresa, como por exemplo: seu balanco, a falência do comerciante nao poderá ser declarada.

A exigência do depósito elisivo deve ser flexível para facultar ao comerciante deveder a sua realizacao. O devedor deve ter seu direito de defesa assegurado, independentemente do depósito elisivo, para que ele possa mostrar que sua situacao econômica difícil é passageira e que ele tem possibilidades de recuperacao. Ele tem o direito de demonstrar que nao é insolvente, garantindo-se assim, seu direito a ampla defesa.

A demonstracao do estado de solvência pelo devedor constitui-se em uma relevante razao de direito ( art. 4° da lei 7.661/45 ) impendindo-se que sua falência seja declarada, independentemente deste ter feito o depósito elisivo. Esta situacao se enquadra perfeitamente no artigo 4°, inciso VIII, pois, a solvência do devedor é um motivo mais do que suficiente para obstar a declaracao de sua falência.

 

 

Disponível na Internet: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso no dia 27/07/06