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Do inadimplemento das obrigações

 

 

Victor Nunes Carvalho

 

 

Palavras-Chave: Inadimplemento – Mora solvendi – Mora acccipiendi – Perdas e Danos – Cláusula Penal – Juros.

 

RESUMO

 

Trata-se de breve estudo destinado à investigação do tratamento dado pelo Direito Civil brasileiro ao sistema do inadimplemento das relações obrigacionais. Analisa-se, especificamente, quando ocorre o inadimplemento de uma obrigação, apontando-se as suas conseqüências tanto quando se este se dá por parte do credor como quando ocorre por culpa do devedor.

 

INTRODUÇÃO

 

Em toda relação jurídica obrigacional, o devedor ao se obrigar, retira parcela de sua liberdade em favor de um credor. Nessas relações jurídicas que têm por objeto uma prestação do devedor ao credor, a regra é o seu adimplemento, ou seja, a satisfação do crédito pelo devedor. Entretanto, por diversos motivos pode ocorrer o não cumprimento da prestação acertada nessa relação jurídica pessoal. Tal fato pode se dar quando o devedor se recusa a satisfazer o seu débito, quando o faz com atraso ou quando cumpre a obrigação de forma diversa da prevista em um contrato. O inadimplemento das obrigações é um gênero do qual fazem parte o inadimplemento absoluto e a mora.

O Código Civil de 2002 tratou deste assunto nos artigos 389 a 420. A topografia do assunto no código nos dá uma dimensão exata do sistema do inadimplemento das obrigações no Direito Civil brasileiro. Primeiro o legislador cuidou do inadimplemento absoluto das obrigações, em seguida tratou da mora e logo adiante abordou as conseqüências do inadimplemento (legais, judiciais e convencionais).

Neste trabalho, será demonstrado como o Código Civil cuida do tema inadimplemento das obrigações, e, sobretudo como delineou as conseqüências desse inadimplemento.

 

 

DA MORA

 

A mora pode ocorrer por atuação do devedor ou do credor. Ambos os pólos de uma relação obrigacional podem se encontrar em eventual inadimplemento por mora. O art. 394 do Código Civil traz os casos em que o devedor e o credor podem ser considerados em mora. Quando o devedor não quiser efetuar o pagamento ou o credor não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei estabelecer, considerar-se-ão em mora. Assim, desse dispositivo denota-se que a mora pode se dar em face do tempo, do lugar do pagamento ou da forma como o pagamento é realizado.

Existem, portanto, dois tipos de mora: a mora solvendi (mora do devedor) e a mora accipiendi (mora do credor). Mora é quando o devedor não paga no tempo, no local ou na forma ajustada (mora solvendi), ou quando o credor não quer receber a prestação por mais que o pagamento seja correto (mora accipiendi).

Desse conceito, destaca-se o elemento objetivo da mora que é o cumprimento imperfeito da obrigação, ou seja, a obrigação não foi corretamente cumprida. Além desse elemento objetivo, para o devedor entrar em mora se faz necessário a presença de um elemento subjetivo que é a culpa. Assim, o devedor só entra em mora se ficar provado que ele foi culpado pelo atraso no adimplemento da obrigação. Essa é a inteligência do art. 396 do Código Civil ao dispor que “não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”.

Se um determinado devedor não paga sua dívida na data ajustada em razão de naquele dia estar ocorrendo greve bancária, esse devedor não está em mora. O atraso do pagamento não se deu por sua culpa, mas sim pelo fortuito, por fato que a ele não pode ser imputado, razão pela qual não ocorre mora pela ausência de elemento subjetivo para a sua configuração. Por outro lado, o devedor incorre em mora se não paga a sua dívida injustificadamente. Havendo negligência por parte do credor em cumprir a prestação a sua mora está configurada. Observa-se que a culpa descrita no art. 396 do Código Civil é presumida, isto é, o devedor é quem deve provar o fato alheio a sua vontade que lhe impede adimplir a obrigação. Há uma inversão no ônus da prova, pois o credor não precisa provar que o devedor está em mora. Caso o devedor não constitua prova em seu favor, presume-se a sua culpa e ele estará em mora.

A questão da existência ou inexistência de culpa só tem relevância quando se trata de mora solvendi. Se for o caso de mora do credor (mora accipiendi), não há que se falar em culpa, eis que quando o devedor deseja pagar corretamente, para que o credor esteja em mora basta que o devedor prove que aquele se recusou a receber. O fato de o credor ter agido com culpa ou sem culpa é completamente secundário porque pelo princípio da boa-fé objetiva o credor tem o dever anexo de cooperar para que o seu devedor cumpra a prestação. Nesse sentido, quando é o credor que está em mora o que ocorre é uma lesão ao princípio da boa-fé objetiva que deve permear toda e qualquer relação obrigacional.

 

DA MORA ACCIPIENDI

 

Conforme o que já ficou exposto, a mora do credor ou mora accipiendi, se dá quando este, sem justa causa, se recusa a receber o pagamento do devedor. O credor só tem direito a recusar a prestação oferecida se houver justa causa para tanto. Assim, conclui-se que está em mora o credor se a recusa em receber é injustificada.

Como para o credor, a sua mora independe de culpa, mesmo que este não possa receber por motivo de doença ou outro fortuito, caracterizada estará a mora accpiendi.

Segundo o art. 400 do Código Civil, a mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa. Dessa forma, se o devedor se mantém na posse de coisa que o credor se recusa injustificadamente a receber, aquele não terá nenhuma responsabilidade pelo perecimento da coisa devida, salvo se houver agido com dolo (com a intenção de causar o dano).

Como conseqüência dessa primeira regra, o mesmo art. 400 obriga o credor moroso a ressarcir o devedor das despesas empregadas na conservação da coisa. Ora, por mais que o devedor esteja isento de responsabilidade pelos riscos da coisa em caso de mora do credor, o legislador não permite ao devedor o abandono da coisa. Por isso, para evitar que o devedor seja injustamente sobrecarregado com os gastos de conservação da coisa devida, a lei obriga ao credor o ressarcimento desses prejuízos. Sílvio Rodrigues expõe que “o devedor não é obrigado a conservar a coisa recusada; todavia, se o faz, tem direito ao reembolso das despesas daí decorrentes”.[1]

A última conseqüência advinda da mora accpiendi  é a imposição ao credor em receber a prestação pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre a data estipulada para o pagamento e a data em que ocorrer a sua efetivação. Maria Helena Diniz, ilustrando essa hipótese, cita o seguinte exemplo:

 

“Se o devedor entregar 200 sacas de café e o credor se recusar, sem justa causa, a recebê-las, ficará este último responsável pelos prejuízos, e quando, posteriormente, tiver de recebê-las, ficará sujeito à estimativa mais favorável ao devedor. Assim, se no dia da entrega efetiva o preço se elevar, pagará de conformidade com a elevação e não de acordo com o preço anterior; porém, se o preço cair após a mora, pagará, obviamente, o do dia da mora.”[2]

 

Por último, ressalte-se que ainda restará ao devedor, em caso de mora do credor, a possibilidade da consignação judicial da coisa devida. O pagamento é também um direito do devedor, razão pela qual para se liberar, o ordenamento jurídico lhe oferece a via judicial da ação de consignação em pagamento (art. 890 usque 900 do CPC).

 

DA MORA SOLVENDI

 

Para Maria Helena Diniz, “configurar-se-á a mora do devedor quando este não cumprir, por culpa sua, a prestação devida na forma, tempo e lugar estipulados”.[3]

Quando se estuda a mora é necessário perquirir a partir de quando ela está configurada ou o momento em que ela se faz presente. No caso da mora do devedor, quando se trata de obrigação com prazo a mora é automática. A doutrina fala ordinariamente em mora ex re, ou seja, o credor não precisa fazer nada porque vencida a obrigação o devedor automaticamente está em mora (art. 397 do CC).

Nas obrigações estabelecidas sem prazo a mora depende da interpelação judicial ou extrajudicial. Assim, em um contrato de comodato em que “X” empresta determinada obra de arte a “Y” sem prazo para devolução. Surgirá para “Y” a obrigação de restituir a obra de arte quando “X” determinar essa restituição, ou seja, o credor “X” interpelará o devedor “Y” a devolver o objeto do comodato. Não sendo cumprida a exigência do credor, a partir da interpelação o devedor “Y” estará em mora.

A única maneira de se constituir o devedor em mora é através da interpelação. Essa é a dicção do parágrafo único do art. 397 do Código Civil. Trata-se da chamada mora ex persona que se constitui somente quando a pessoa do devedor tiver sido interpelada judicialmente ou extrajudicialmente. Quando o devedor é interpelado, regra geral, o credor lhe concede um prazo para que cumpra a prestação, estando aquele em mora após o transcurso desse prazo. Quando as obrigações não estipulam prazo para o seu cumprimento, a mora não é automática, sendo necessário que o credor tome certas providências para constituir o devedor em mora. Ressalte-se que em caso de interpelação extrajudicial é preciso que o credor comprove que esta interpelação feita chegou ao conhecimento do devedor.

Além da mora decorrente da inexecução de obrigações com termo (mora ex re) e da mora decorrente da inexecução de obrigações sem termo (mora ex persona), o direito brasileiro também faz previsão da mora decorrente da prática de atos ilícitos. Cometido um ato ilícito por alguém, surge para essa pessoa a responsabilidade de ressarcir os prejuízos causados com sua conduta. Da redação do art. 398 do Código Civil, conclui-se que esse devedor está em mora a partir do dia em que praticou o ato ilícito. Nesses casos, verifica-se que a mora é presumida, pois os efeitos da mora são imediatos.

Segundo o disposto no art. 405 do Código Civil, os juros de mora contam-se a partir da citação inicial. Com efeito, o Código de Processo Civil em seu art. 219 prevê esse mesmo efeito para a citação (além de outros) qual seja, constituir o devedor em mora. Entretanto, nem sempre os juros de mora se verificarão a partir da citação, havendo exceções. Como já visto, na mora ex re os juros de mora correrão a partir da data do vencimento da obrigação. No caso de mora ex persona, se antes da citação do devedor ocorrer a interpelação extrajudicial, os juros de mora contam-se a partir da data dessa interpelação e não a partir da citação. A outra situação já exposta em que não se aplica a regra do art. 405 é a do devedor que praticou ato ilícito, pois nesse caso os juros de mora são devidos a partir da data do evento.

Do exposto, verifica-se na verdade que o art. 405 é residual, pois os juros de mora só incidirão após a citação inicial quando houver o vencimento de uma obrigação sem prazo e o primeiro ato constitutivo de mora é a citação.

Uma questão importante a ser estudada nesse tema é a que trata dos efeitos da mora solvendi. Existem duas conseqüências decorrentes da mora do devedor: as conseqüências de responsabilidade e as conseqüências patrimoniais.

Quanto às conseqüências de responsabilidade o Código Civil adota a teoria do risco integral em caso de mora do devedor. Pela redação do art. 399 do Código, o devedor que está em mora passa a ser responsável pela impossibilidade da prestação até mesmo se esta decorrer de caso fortuito. Nesse sentido, o devedor moroso assume integralmente a responsabilidade pela impossibilidade do cumprimento da obrigação.

Interessante notar que o legislador cometeu um pequeno deslize na redação do art. 399 em sua parte final. Nesse dispositivo, o legislador diz que o devedor em mora não é responsabilizado integralmente pela impossibilidade da prestação se provar isenção de culpa. Ocorre que se o devedor não incorrer em culpa ele não estará em mora, eis que a culpa é elemento subjetivo da mora. Dessa forma, se o devedor não foi culpado pela mora não há incidência da chamada conseqüência de responsabilidade. Constata-se totalmente inapropriada a ressalva feita pelo legislador consubstanciada na expressão “salvo se provar isenção de culpa”.

As conseqüências patrimoniais da mora do devedor estão descritas no art. 395 do Código Civil. O devedor em mora responde pelos prejuízos a que sua mora der causa: pagará a prestação, as perdas e danos, os juros decorrentes da mora, a atualização dos valores monetários e os honorários advocatícios. Essas são as conseqüências patrimoniais da mora do devedor.

As perdas e danos são devidas porque o inadimplemento de uma obrigação, seja ele absoluto ou relativo, causa um dano patrimonial ao credor. As perdas e danos, como regra geral, abrangem o que o credor efetivamente perdeu e o que provavelmente deixou de lucrar (art. 402 do CC).

Na prática, na grande maioria dos contratos é inserida uma cláusula destinada a prever o quantum da indenização pelas perdas e danos. Essa cláusula é denominada cláusula penal, e constitui-se em uma pré-fixação de perdas e danos para o caso de descumprimento da obrigação.

Se o descumprimento da obrigação é parcial, trata-se da cláusula penal moratória, fixada para definir o valor da indenização em caso de mora do devedor.  Sílvio de Salvo Venosa ao comentar sobre a cláusula penal moratória, chamando-a também de multa moratória aduz que:

 

“Diferentemente opera a multa pela mora. Aqui, por sua natureza, a prestação sempre será útil para o credor. A multa atua como efeito intimidativo, para que o devedor não atrase o cumprimento de sua avença. Se o fizer, pagará a prestação de forma mais onerosa. É claro, também, que mesmo na multa moratória, existe uma forma de compensação para o credor, que recebe a sua prestação tardiamente; no entanto, não é essa a natureza essencial da multa moratória.”[4]

 

Essa cláusula penal moratória, também chamada de multa moratória ou pena convencional, faz o papel de substituir o valor das perdas e danos (pelo inadimplemento relativo). A vantagem da inserção desse tipo de cláusula em um contrato é que em caso de inadimplemento, o credor não necessitará proceder à liquidação das perdas e danos, pois este valor já está pré-determinado. A cláusula penal também tem uma segunda função de natureza coercitiva e de caráter secundário (residual), eis que ela constrange o devedor a cumprir a obrigação.

A cláusula penal ainda tem um caráter cumulativo porque ela não substitui a obrigação principal, ou seja, a obrigação principal permanece. E esse é o entendimento que se depreende da leitura do art. 411 do Código Civil, pois estipulada a cláusula penal para o caso de mora, o credor terá direito de exigir a satisfação da pena cominada juntamente com o desempenho da obrigação principal.

Além da cláusula penal moratória, os juros de mora também são uma das conseqüências patrimoniais da mora do devedor. Para Maria Helena Diniz, “os juros são o rendimento do capital, os frutos civis produzidos pelo dinheiro, sendo, portanto, considerados como bem acessório (art. 92 do CC)”.[5] Sílvio de Salvo Venosa diz que “os juros são a remuneração que o credor pode exigir do devedor por se privar de uma quantia em dinheiro”.[6]

Os juros podem ser classificados de acordo com a origem e de acordo com a finalidade. Pela origem, os juros podem ser legais ou contratuais, e com relação à finalidade podem ser compensatórios ou moratórios. Os juros legais são os fixados pela lei no silêncio das partes que pactuam uma relação obrigacional. Os juros contratuais, também chamados convencionais, são os estabelecidos pelas partes no contrato. Os juros compensatórios são os frutos civis, rendimentos que se derivam de um empréstimo do capital (art. 591). Essa remuneração é devida àquele que ficou privado de seu capital por um certo tempo colocando-o à disposição de outra parte. É o “preço pago pelo empréstimo do dinheiro”. Nisso reside o caráter compensatório desse tipo de rendimento.

Já os juros moratórios, que são os que ora nos interessam no estudo do inadimplemento das obrigações, não se constituem em compensação pelo empréstimo de capital. Com efeito, os juros moratórios não se tratam de remuneração e sim de uma sanção. São efetivamente uma pena para o devedor que entra em mora e não cumpre a sua obrigação com perfeição. Por isso, os juros de mora possuem uma função intimidatória para o devedor, eis que este é coagido a quitar seus débitos sob pena de sobre eles incidir esses juros moratórios. Destarte, é perfeitamente possível cumular os juros moratórios com a cláusula penal, porque esta tem caráter indenizatório (compensatório) enquanto aqueles têm uma função sancionatória.

Maria Helena Diniz lista dois efeitos decorrentes dos juros moratórios: a) os juros moratórios serão devidos independentemente da alegação de prejuízo, decorrendo da própria mora, isto é, do atraso culposo na execução da obrigação; e b) os juros moratórios deverão ser pagos, seja qual for a natureza da prestação, pecuniária ou não (art. 407 do CC).[7]

A atualização monetária é outra das parcelas a que o devedor moroso está sujeito a pagar. A atualização monetária pode ser concedida de ofício pelo juiz. Assim, mesmo que o credor em uma ação de cobrança não tenha se pronunciado sobre essa questão, a atualização monetária é devida por ser considerada um pedido implícito contido na petição inicial. A atualização monetária não passa de um acréscimo decorrente da desvalorização monetária.

Quanto aos honorários advocatícios mencionados no art. 395 do Código Civil é importante não confundi-los com a verba de sucumbência prevista no art. 20 do Código de Processo Civil. Pelo Código Civil, o devedor além de pagar a prestação devida, perdas e danos, juros moratórios e atualização monetária, terá que pagar também honorários ao advogado do credor que intermediou o acordo. Essa verba se refere a honorários devidos em razão de acordo extrajudicial. A doutrina entende que um valor razoável a ser estipulado a título de honorários advocatícios para esses casos é o de 10% (dez por cento) sobre o valor da dívida.

 

DO INADIMPLEMENTO ABSOLUTO

 

Existem casos em que o descumprimento da obrigação extingue a utilidade da prestação obrigacional ao credor. Nessas situações, a obrigação não foi cumprida e nem poderá sê-lo, e o credor não terá mais a possibilidade de receber aquilo a que o devedor se obrigou. Tal ocorre, por exemplo, quando o objeto da obrigação perece por culpa do devedor. Essas hipóteses configuram o chamado inadimplemento absoluto, o qual se diferencia do inadimplemento relativo que se dá na hipótese de mora.

Na mora o descumprimento da obrigação não é definitivo, mas é sanável, porque a obrigação ainda pode ser cumprida com utilidade para o credor. A mora é passível de purga conforme se depreende do art. 401, inciso I, do Código Civil.

Com o inadimplemento absoluto a situação é oposta, pois o descumprimento gera a “morte” da relação obrigacional. No inadimplemento absoluto ou a obrigação não pode mais ser cumprida, ou ainda que possa ser cumprida, a prestação não é mais útil ao credor. O inadimplemento absoluto ocorre então quando a prestação, em razão do atraso, se torna inútil para o credor. Nessa toada, são os escólios de Agostinho Alvim, citado por Sívio Rodrigues quando afirma que “existe mora quando a obrigação, embora não cumprida, ainda pode sê-lo; e inadimplemento absoluto quando o não cumprimento da obrigação se torna definitivo”.[8]

O interesse do credor caracterizará o inadimplemento como absoluto ou relativo. Desse modo, o credor poderá exigir o cumprimento da obrigação ajuizando uma tutela específica, ou poderá ter interesse na resolução contratual, pois a prestação se tornou inútil em razão da mora (art. 395, § único, do CC). Em caso de mora, o credor tem direito de ajuizar uma ação de resolução do negócio jurídico porque o inadimplemento gera para ele o direito potestativo de resolver o negócio jurídico. O credor ainda poderá cumular o pedido de desfazimento do negócio jurídico com o pedido de perdas e danos. Esse entendimento é ainda sufragado pelo conteúdo do art. 389 do Código Civil, pois quando há inadimplemento, existe a culpa do devedor, sendo devida ao credor indenização pelas perdas e danos. Sílvio Rodrigues, ao tratar das conseqüências do inadimplemento da obrigação expõe que:

 

“A conseqüência do inadimplemento da obrigação é, assim, o dever de reparar o prejuízo. De modo que, se a prestação não foi cumprida, nem puder sê-lo, proveitosamente, para o credor, apura-se qual o dano que este experimentou, impondo-se ao inadimplente o dever de indenizá-lo.”[9]

 

Numa relação contratual, é comum as partes estipularem uma cláusula penal para evitar a discussão quanto às perdas e danos. Essa cláusula é chamada de cláusula penal compensatória quando o inadimplemento da obrigação é absoluto, sendo, pois, diferente da cláusula penal moratória já abordada. A cláusula penal compensatória é uma prefixação de perdas e danos que não é oriunda da mora. É uma prefixação de perdas e danos para o caso de inadimplemento absoluto da obrigação. Essa cláusula visa evitar discussão de danos emergentes e lucros cessantes. Sobre esse instituto ensina Sílvio de Salvo Venosa que:

 

“A cláusula penal compensatória constitui prefixação de perdas e danos. Sua maior vantagem reside no fato de que ao credor basta provar o inadimplemento imputável ao devedor, ficando este obrigado ao pagamento da multa estipulada. Não existindo a previsão de multa, deve o credor, como regra geral, provar a ocorrência de perdas e danos e seu respectivo montante. Na multa, ocorrendo seus pressupostos de exigibilidade, ela é devida, sem discussão.”[10]

 

O credor, nessas relações contratuais, em caso de inadimplemento absoluto pode ajuizar uma ação de resolução contratual cumulada com pedido de recebimento da cláusula penal compensatória. Dessa forma, denota-se que a cláusula penal compensatória é substitutiva, porque ao invés das perdas e danos, pede-se ao juiz que execute a cláusula penal compensatória. Ela substitui a obrigação principal, pois o credor receberá a multa prevista na cláusula penal compensatória (art. 410 do CC). Nesse sentido, transcreve-se a opinião de Sílvio de Salvo Venosa a respeito:

 

“A questão principal nesse tema é que, pela própria natureza da cláusula penal moratória, não há que se confundir com a compensatória. Nesta, se o credor optar pela cobrança da multa, não pode, em princípio, cumulá-la com as perdas e danos”.[11]

 

Quando duas pessoas se obrigam por um contrato e nele inserem uma cláusula penal compensatória, elas estão se negando a discutir perdas e danos. Nesse contrato, se houver inadimplemento absoluto, por mais que as perdas e danos sejam enormes, o devedor só estará obrigado a pagar ao credor o valor prefixado na cláusula penal compensatória. Se houve o acerto de uma cláusula penal, as partes estão proibidas de discutir perdas e danos.

A “outra alternativa” que resta ao credor mencionada no art. 410 do Código Civil é a exigência da tutela específica. Assim, se o credor não quiser se utilizar da cláusula penal compensatória, ele pode exigir a tutela específica da obrigação. A parte lesada ou pode se contentar com o inadimplemento e receber o valor constante da cláusula penal, ou pode exigir o cumprimento da obrigação in natura (art. 475 do CC e art. 461 do CPC).

O valor da cláusula penal compensatória nunca poderá ser superior ao da obrigação principal. Com efeito, a cláusula penal compensatória é obrigação acessória, e por esta razão, o seu valor deverá ser sempre inferior ou igual ao valor da obrigação principal. É o que diz o art. 412 do Código Civil.

É importante não confundir a cláusula penal com as astreintes. As astreintes constituem-se em multa cominatória e tem finalidade inibitória, eis que visam compelir o devedor ao cumprimento da obrigação. Nesse sentido, as astreintes podem ter valor superior ao valor da obrigação principal, o que não pode ocorrer com a cláusula penal compensatória.

O Código Civil permite ainda a diminuição do valor da cláusula penal no art. 413. Essa redução ocorre em razão dos princípios da razoabilidade, da boa-fé-objetiva e do equilíbrio contratual. Muitas vezes, em um contrato de prestação continuada, ocorre o inadimplemento mas o contrato foi cumprido na sua maior parte. Como exemplo, pode-se citar um contrato de locação de imóvel com prazo de 30 (trinta) meses no qual o inquilino ocupou o imóvel somente por 28 (vinte e oito) meses. Para esses casos, a exigência da cláusula penal poderia acarretar o enriquecimento indevido do credor. Assim, se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, permite-se a redução eqüitativa do seu valor. Outra hipótese em que a cláusula penal pode ser reduzida é quando ela for manifestamente excessiva em face da natureza e finalidade do negócio jurídico entabulado pelas partes.

De acordo com o afirmado linhas acima, se as partes convencionaram uma cláusula penal em caso de inadimplemento absoluto da obrigação, ainda que o prejuízo dele decorrente seja superior ao valor da obrigação principal, o credor só poderá exigir o valor da cláusula penal. Entretanto, se no contrato houver previsão expressa de indenização suplementar, o credor poderá exigir o valor da cláusula penal (valor mínimo), ou o valor dos prejuízos que o inadimplemento contratual lhe ocasionou (valor máximo). Essa previsão contratual é chamada pela doutrina de cláusula de indenização suplementar (art. 416, § único). Nesses casos, o credor tem o ônus de provar o prejuízo que excede ao valor da obrigação principal.

 

CONCLUSÃO

 

 Como visto, o inadimplemento absoluto ocorre quando por culpa do devedor a prestação já não pode mais ser cumprida com utilidade para o credor. Entretanto, como regra geral, o devedor não pode ser responsabilizado pelo descumprimento se este resultar de caso fortuito ou força maior.

Se o cumprimento da obrigação ainda tem algum proveito para o credor está-se diante do inadimplemento relativo, representado pela mora solvendi. Mas também se viu que a mora pode ser do credor, chamada de mora accipiendi. Na prática, é mais comum a mora do devedor caracterizada pelo atraso no cumprimento da obrigação, a qual traz conseqüências de responsabilidade e patrimoniais ao devedor.

No que diz respeito à responsabilidade pela mora solvendi, o devedor é quem passa a responder pela impossibilidade da prestação, mesmo que tal impossibilidade resulte do fortuito. Quanto às conseqüências patrimoniais, restou demonstrado que o devedor em mora responde pela satisfação das perdas e danos, juros moratórios, atualização monetária e honorários de advogado.

As perdas e danos são devidas tanto em situações de inadimplemento absoluto, casos em que podem ter seu valor prefixado pela cláusula penal compensatória, quanto diante do inadimplemento relativo decorrente da mora do devedor, quando podem ser substituídas pela cláusula penal moratória.

Ao tratar das conseqüências patrimoniais da mora do devedor, importa distinguir os juros moratórios dos juros compensatórios. Estes são a remuneração devida pela disponibilidade do capital e, como visto, não decorrem da mora. Os juros moratórios é que são conseqüência do inadimplemento da obrigação, constituindo indenização pelo prejuízo resultante desse descumprimento.

Por todo o exposto, verifica-se que quando uma obrigação é descumprida, está-se diante de uma patologia do direito das obrigações. O tratamento dado pelo Código Civil brasileiro é o de sanar a crise em uma relação jurídica obrigacional acarretada pelo seu descumprimento por uma das partes. A lei obriga a recomposição, a todo tempo, dos danos injustamente sofridos.

A reparação dos prejuízos causados pelo descumprimento de uma obrigação é sempre a direção a ser seguida pelo legislador no tratamento da matéria. Assim, o contratante (moroso) que não efetuar o pagamento e o credor que não o quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados, responde pela reparação do prejuízo a que sua mora der causa. Da mesma forma, o devedor absolutamente inadimplente tem responsabilidade pelas perdas e danos ocasionadas pelo seu descumprimento da obrigação.      

 

BIBLIOGRAFIA

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 2º volume. São Paulo: Saraiva, 2003.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 2. São Paulo: Saraiva, 2004.

NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Manual da Monografia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, v.2. São Paulo: Saraiva, 2002.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, v.2. São Paulo: Atlas, 2003.

 

 

 



[1] Sílvio Rodrigues, Direito Civil, volume 2, 2002, p. 248.

[2] Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2003, p.376.

[3] Op. Cit., p.369.

[4] Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, volume 2, 2003, p. 167.

[5] Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 2, 2003, p. 377.

[6] Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, volume 2, 2003, p. 157.

[7] Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 2, 2003, p. 380.

[8] Agostinho Alvim apud Sílvio Rodrigues, Direito Civil, volume 2, 2002, p. 243.

[9] Sílvio Rodrigues, Direito Civil, volume 2, 2002., p 235.

[10] Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, volume II, 2003, p. 167.

[11] Ibidem, p. 168.