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Aspectos principais das formas de delegação de serviço público

 

 

 Nara Levy

 

RESUMO

            Analisam-se as principais características, notadamente os aspectos controvertidos, das formas de delegação de serviço público, a concessão e a permissão, além de breves comentários sobre o instituto da autorização de serviço público. Dentre esses aspectos, foi dada especial relevância à responsabilidade civil das concessionárias e permissionárias de serviço público. Para melhor compreensão do tema, a primeira parte volta-se à evolução da responsabilidade civil no mundo e no Brasil, enfatizando os pontos controvertidos na doutrina e jurisprudência que ainda hoje permeiam a questão. Na segunda parte analisa-se o instituto da concessão de serviço público, ressaltando, dentre outros, os seguintes assuntos: (i) conceito e noções gerais, (ii) natureza jurídica, (iii) forma e condições da outorga do serviço em concessão, (iv) subcontratação e subconcessão, (v) transferência da concessão e transferência do controle acionário, (vi) responsabilidade civil das concessionárias frente terceiros e usuários, com fundamento na Constituição da República de 1988, no Código de Defesa do Consumidor e na Lei nº 8.987/95 e (vii) responsabilidade do Poder Público frente aos danos causados pela concessionária a terceiros e usuários. A terceira parte dedica-se aos pontos essenciais das permissionárias de serviço público, traçando um paralelo com aqueles relativos às concessionárias de serviço público. Por fim, faz-se um breve estudo sobre as autorizatárias de serviço público.

Palavras-Chave: Concessionárias; Permissionárias; Autorizatárias; Responsabilidade Civil.


ABSTRACT

            This paper analyses the principal characteristics of two forms of contracting out of public services: concessions and licenses, focusing principally on aspects which are the subject of controversy. Further brief commentary is made in respect of administrative authorization in respect of public services. Special attention is paid to the civil liability of public service concessionaires and licensees. The first part of the paper seeks to clarify certain aspects of the theme by examining the evolution of civil liability in Brazil and the world, highlighting issues which are still the source of controversy in the courts and among legal scholars. The second part of the paper analyses the concession of public services, dealing with, inter alia, the following issues: (i) general concepts and theory, (ii) legal typology, (iii) form and conditions of the grant of service concessions, (iv) subcontracting and sub-concessions, (v) transfer of concessions and transfer of controlling shareholdings, (vi) the civil liability of concessionaires vis a vis users and third parties, as established by the Federal Constitution of 1988, the Consumer Protection Code and Law nº 8.987/95 and (vii) the liability of public authorities for loss caused by the concessionaire to users and third parties. The second part is dedicated to the essential aspects of public service licenses, and compares them to relevant aspects of public service concessions. Finally, there is a short study of administrative authorization in relation to public services.

Key words: Concessions, licenses, administrative authorization; civil liability


SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO; 2 RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 2.1 Evolução histórica, 2.2 A responsabilidade civil do estado no direito brasileiro, 2.2.1 Responsabilidade por atos comissivos e omissivos, 2.2.2 Definição de agente público, 2.2.3 Responsabilidade patrimonial do agente causador do dano; 3 AS CONCESSIONÁRIAS PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO ,3.1 Previsão constitucional, 3.2 Conceito e noções gerais, 3.3 Objeto da concessão de serviço público, 3.4 Natureza jurídica da concessão de serviço público ,3.4.1 Conseqüências da natureza contratual de direito público , 3.5 Forma e condições da outorga do serviço em concessão, 3.5.1 O prazo nas concessões, 3.5.2 Conseqüências da outorga e possibilidade de extinção antes do prazo, 3.6 Subcontratação e subconcessão, 3.7 Transferência da concessão e transferência do controle acionário, 3.8 Responsabilidade civil das concessionárias frente terceiros e usuários, 3.8.1 Responsabilidade civil frente aos usuários dos serviços públicos concedidos, 3.8.1.1 A responsabilidade no Código de Defesa do Consumidor, 3.8.1.2 A responsabilidade na nº Lei 8.987/95, 3.9 A responsabilidade do Poder Público frente aos danos causados pela concessionária , 3.9.1 Posição dos credores diante da falência de concessionários; 4 AS PERMISSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO, 4.1 Natureza jurídica da permissão de serviços públicos, 4.2 A precariedade na permissão, 4.2.1 Permissão a prazo determinado, 4.3Considerações finais; 5 AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS; 6 CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

            Esclareça-se, de início, que, o Poder Público pode realizar centralizadamente seus próprios serviços, por meio dos órgãos da Administração direta, ou prestá-los descentralizadamente, através das entidades autárquicas, fundacionais e empresas estatais que integram a Administração indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público), ou, ainda, por meio de entes paraestatais de cooperação que não compõem a Administração direta nem indireta (serviços sociais autônomos e outros), e, finalmente, por empresas privadas e particulares individualmente (concessionários, permissionários e autorizatários).

            Alguns autores, como Maria Sylvia Zanella Di Pietro, incluem a concessão de serviços públicos a empresas privadas no conceito amplo de privatização, ao lado de outros fenômenos, como a desregulação (diminuição da intervenção do Estado no domínio econômico); a desmonopolização de atividades econômicas; a venda de ações de empresas estatais ao setor privado (também chamada de desnacionalização ou desestatização) e os contracting out (como forma pela qual a Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do setor privado). [01]

            De qualquer modo, entendendo-se ou não como forma de privatização, este trabalho visa analisar os principais aspectos das três formas de prestação de serviços públicos por empresas privadas ou pessoas físicas, quais sejam: a concessão, a permissão e a autorização.

            Ressalte-se, desde logo, que, por "principais aspectos" entendem-se aqueles sobre os quais existe algum tipo de controvérsia doutrinária e jurisprudencial, ou mesmo os pontos diferenciais das três formas de prestação de serviços mencionadas, de sorte que não pretendeu-se exaurir o tema.

            Frise-se, ademais, que, dentre as três formas, foi priorizada a concessão de serviços públicos, e, dentre os principais aspectos, o da responsabilidade civil, tanto das empresas privadas prestadoras de serviço público frente aos usuários e terceiros, como da Administração Pública, diante dos danos causados a terceiros pelas concessionárias, permissionárias e autorizatárias – daí porque dedicou-se o primeiro capítulo à evolução da Responsabilidade Civil do Estado, porquanto a partir dela é que será possível entender igualmente a evolução da responsabilidade civil das aludidas empresas.


2 RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

            Para introduzir o presente trabalho, é fundamental que se inicie pela responsabilidade extracontratual da Administração Pública, pois daí decorrerá, num primeiro momento, o fundamento para a responsabilidade civil das concessionárias e permissionárias de serviço público perante terceiros.

            Esclareça-se, preliminarmente, que a referência à responsabilidade extracontratual é necessária para restringir o tema tratado, ficando excluída a responsabilidade contratual, que se rege por princípios próprios, previstos nas normas que regulam os contratos administrativos.

            2.1 Evolução histórica

            A responsabilidade do Estado, também chamada por alguns de responsabilidade da Administração Pública, encontra-se entre os casos de responsabilidade objetiva previstos em nossa legislação. Nem sempre, entretanto, foi assim. Houve uma longa e lenta evolução até chegar-se ao estágio atual.

            Costuma-se distinguir em três fases a evolução da responsabilidade civil da Administração Pública. A primeira fase, dos Estados absolutos, caracteriza-se pela irresponsabilidade dos atos do Estado, em razão de sua própria soberania e autoridade incontestável, sintetizada pela expressão do direito inglês The King can do no wrong. O funcionário público que, no exercício de suas funções, violasse direitos individuais, poderia ser evidentemente responsabilizado, pessoalmente, sem que o dever de reparar fosse transferido para o erário. Qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania.

            Essa teoria logo começou a ser combatida, por sua evidente injustiça; se o Estado deve tutelar o direito, não pode deixar de responder quando, por sua ação ou omissão, causar danos a terceiros, mesmo porque, sendo pessoa jurídica, é titular de direitos e obrigações.

            Seguiram-se historicamente as construções teóricas do século XIX, em que, com o individualismo em expansão, procura-se separar os atos do Estado entre atos de império e os atos de gestão (iure imperii e iure gestionis), de modo que apenas estes últimos gerariam responsabilidade por parte do Estado.

            Os atos de império seriam aqueles praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes. Os atos de gestão seriam praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços; como não difere a posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos o direito comum.

            Essa distinção foi idealizada como meio de abrandar a teoria da irresponsabilidade do monarca por prejuízos causados a terceiros. Distinguia-se a pessoa do Rei (insuscetível de errar), que praticaria os atos de império, da pessoa do Estado, que praticaria atos de gestão, através de seus prepostos.

            Surgiu, no entanto, grande oposição a essa teoria, quer pelo reconhecimento da impossibilidade de dividir-se a personalidade do Estado, quer pelas dificuldades em se distinguir os atos de império (governamental activities) e de gestão (proprietary activities), normalmente entrelaçados ou superpostos, o que levou à derrocada da elaboração doutrinária (embora tenha perdurado, como regra, no direito inglês, até a Crown Proceedings Act, de 1947, e, nos Estados Unidos da América, até o Federal Tort Claims Act, de 1946). [02]

            A terceira fase, finalmente, revela a tentativa do direito público, a partir do início do século XX, de oferecer garantias ao cidadão contra o Poder Público, desenvolvendo mecanismos para se responsabilizar o Estado de maneira ampla. Atendendo ao princípio da igualdade, pretendeu-se que o dever de reparação vinculasse indistintamente particulares e Poder Público e, sob outra perspectiva, que os ônus decorrentes dos danos produzidos pela Administração Pública fossem igualmente repartidos por toda a comunidade, não recaindo somente sobre a vítima. [03]

            Essa terceira fase, por sua vez, também desenvolveu-se em três etapas. Inicialmente, exigia-se a culpa do funcionário ou preposto para que se pudesse vincular a Administração Pública ao dever de reparar. Diante da prática de um ato ilícito praticado pelo agente estatal (com dolo ou culpa), o Estado responderia. Daí designar-se tal elaboração como a teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva do Estado. A doutrina civilista serviu de inspiração ao artigo 15 do Código Civil Brasileiro (de 1916), que consagrou a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado.

            As dificuldades atribuídas à vítima no sentido de demonstrar a conduta culposa do funcionário público, intensificadas pela complexidade e agigantamento da máquina estatal, incentivaram o desenvolvimento de uma segunda corrente, no seio do direito administrativo, denominada teoria da falta impessoal do serviço público (ou simplesmente teoria da culpa administrativa). De acordo com tal orientação teórica, procura-se desvincular a responsabilidade do Estado da idéia de culpa do funcionário. Passou-se a falar em culpa do serviço público.

            Distinguia-se, de um lado, a culpa individual do funcionário, pela qual ele mesmo respondia, e, de outro, a culpa anônima do serviço público; nesse caso, o funcionário não é identificável e se considera que o serviço funcionou mal; incide, então, a responsabilidade do Estado.

            Assim, essa culpa do serviço público ocorre quando: o serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal. Em qualquer dessas três hipóteses, ocorre a culpa (faute dos franceses) do serviço ou acidente administrativo, incidindo a responsabilidade do Estado independentemente de qualquer apreciação da culpa do funcionário [04].

            Finalmente, o desenvolvimento teórico da responsabilidade objetiva e a consagração nas Cartas Constitucionais dos princípios da igualdade e da justiça distributiva permitiram a afirmação da teoria do risco aplicada à Administração Pública. Formulada através de vários matizes, notadamente mediante a teoria do risco integral, que não admite causas de exclusão do nexo de causalidade, assumindo o erário todo e qualquer dano derivado da atividade estatal, e a teoria do risco administrativo, adotada pelo direito brasileiro, mitigada pela admissão de excludentes (caso fortuito externo, força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiro), a responsabilidade objetiva do Estado atende a conquistas políticas próprias do Estado contemporâneo.

            Essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais; ou seja, assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público.

            Para a teoria do risco administrativo, a idéia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado. É indiferente que o serviço público tenha funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular.

            Consagra, portanto, a responsabilidade objetiva, precisamente por prescindir da apreciação dos elementos subjetivos (culpa ou dolo). É chamada teoria do risco, porque parte da idéia de que a atuação estatal envolve um risco de dano, que lhe é inerente. Causado o dano, o Estado responde como se fosse uma empresa de seguro em que os segurados seriam os contribuintes que, pagando os tributos, contribuem para a formação de um patrimônio coletivo. [05]

            2.2 A responsabilidade civil do estado no direito brasileiro

            Muito embora a grande maioria dos doutrinadores afirme que a teoria da irresponsabilidade do Estado não foi acolhida pelo direito brasileiro, Diogenes Gasparini recorda que, no período colonial "vigoraram, em nosso território, as leis portuguesas, e estas aceitavam os postulados da teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, a única compatível com o governo monárquico português da época. Destarte, os colonos não tinham, pelo menos em princípio, qualquer direito a indenização por danos causados por agentes da Coroa portuguesa". [06]

            Já no período imperial, não havia qualquer disposição geral acolhendo a responsabilidade patrimonial do Estado, embora esta fosse adotada em leis e decretos específicos. São desse período, entre outros, os Decretos de 8 de janeiro de 1835, de 1º de dezembro de 1845, de 22 de janeiro de 1847, que responsabilizavam o Tesouro Público pelo extravio, por culpa ou fraude do respectivo funcionário, de objetos recolhidos às suas caixas e cofres, e o Decreto n. 1.930, de 26 de abril de 1857, que obrigava a Fazenda Pública a ressarcir os danos causados por servidor de estrada de ferro.

            Por seu lado, a Constituição de 1824, art. 179, n. 29, preceituava a responsabilidade dos empregados públicos pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções, salvo no que respeitava ao Imperador, que gozava do privilégio da irresponsabilidade (art. 99). Aquele dispositivo estava longe de indicar apenas a responsabilidade do agente público; ao contrário disso, entendia-se haver solidariedade do Estado em relação aos atos de seus agentes.

            Com a Constituição de 1891, inaugurando o período republicano, previu-se, quase nos mesmos termos da anterior, a responsabilidade dos funcionários públicos pelos abusos e omissões praticados no desempenho de seus cargos ou quando fossem indulgentes com seus subalternos (art. 82). Essa regra não vedava a solidariedade do Estado na indenização do dano; a par disso, leis e decretos tornavam expressa a responsabilidade da Fazenda Pública por atos danosos praticados por seus agentes. São exemplos, entre outros, o Decreto n. 1.663, de 30 de janeiro de 1894, que responsabilizava o Estado por prejuízos decorrentes de colocação de linha telegráfica, o Decreto n. 1.692-A, de 10 de abril de 1894, que tratava da responsabilidade da União, ligada aos serviços de correio, e o Decreto Legislativo n. 1.151, de 5 de janeiro de 1904, que organizou o serviço federal de higiene.

            Também desse período é a norma geral instituidora da responsabilidade patrimonial subjetiva do Estado, consubstanciada no art. 15 do então Código Civil que dispunha: "As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano". Nesse dispositivo, por força da locução "procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever previsto em lei", ficou consagrada a responsabilidade com culpa da Administração Pública ou responsabilidade subjetiva do Estado.

            Em 1934, o Decreto 24.216 pretendeu restringir a responsabilidade do Estado, excluindo-a nos casos em que o ato do agente administrativo tivesse caráter criminoso, salvo se o Poder Público competente o mantivesse no cargo após a verificação do fato.

            A norma em apreço, todavia, teve duração efêmera, pois a Constituição de 1934, promulgada um mês depois, aos 16 de julho de 1934, a fulminou ao estatuir, no art. 171, que: "Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos". [07]

            A Carta de 1937, no art. 158, reproduziu o mesmo dispositivo.

            A grande alteração legislativa concernente à responsabilidade do Estado ocorreu a partir da Constituição de 1946. O art. 194 desse diploma introduziu normativamente a teoria da responsabilidade objetiva, isto é, a possibilidade de o Estado compor danos oriundos de atos lesivos mesmo na ausência de qualquer procedimento irregular de funcionário ou agente seu, à margem, pois, de qualquer culpa ou falta do serviço. [08]

            Dispunha o preceptivo citado: "As pessoas jurídicas de Direito Público Interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros." E seu parágrafo único: "Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes."

            Equivalentes disposições e com redação semelhante foramconsagradas na Carta de 1967 e na Emenda 1, de 1969.

            O art. 105 do Diploma de 1967 estatuiu: "As pessoas jurídicas de Direito Público respondem pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros." E seu parágrafo único: "Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo."

            À diferença da Constituição de 1946, expressamente referiu-se ao cabimento de ação regressiva também nos casos de dolo do funcionário, no que, de resto, confirmava a interpretação que sempre se dera ao art. 194 da Lei Magna de 1946.

            A Carta de 17 de outubro de 1969 (Emenda I à Constituição de 1967) reproduz, no art. 107, o mesmo dispositivo consagrador da possibilidade de responsabilidade objetiva do Estado e a ação regressiva contra o funcionário nos casos de culpa ou dolo, conforme estatui o parágrafo único. São os seguintes seus termos: "Art. 107. As pessoas jurídicas de Direito Público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros". E parágrafo único: "Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo."

            Sob a égide da Constituição de 1988, entretanto, tornou-se inegável a consagração definitiva e expressa da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público, expandindo-se, inclusive, em consonância com construção jurisprudencial que a precedeu, o dever de reparação para os entes privados prestadores de serviços públicos, nos seguintes termos: "Art. 37, § 6°. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

            Finalmente, o Código Civil de 2002, em consonância com a norma constitucional, abandonou a orientação subjetivista contida no art. 15 da codificação anterior, prevendo em seu art. 43 a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público: "Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo."

            Entretanto, o novo Código Civil já nasceu defasado em relação à norma constitucional, tendo em vista que não faz referência às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, o que fora considerado grande avanço da legislação por ocasião da promulgação da Constituição de 1988, e que, sem dúvida, deveria ter sido repetido no diploma civil.

            De qualquer forma, no dispositivo constitucional estão compreendidas duas regras: a da responsabilidade objetiva do Estado e das empresas privadas prestadoras de serviço público (alvo do presente trabalho) e a da responsabilidade subjetiva do funcionário.

            2.2.1 Responsabilidade por atos comissivos e omissivos

            Questão controversa na doutrina é definir se, tanto em relação aos atos comissivos como aos atos omissivos, responde o Estado objetivamente, ou se, no que tange aos últimos, a responsabilidade seria subjetiva. Importantes vozes divergem quanto à matéria.

            Entende parte da doutrina, captaneada por Celso Antonio Bandeira de Mello, que, frente aos atos comissivos, responderia a Administração Pública objetivamente, obedecendo tanto à Magna Carta, como, agora, ao novo Código Civil; contudo, quanto aos atos omissivos geradores de dano, a responsabilidade seria subjetiva.

            Afirmam esses doutrinadores que, nos danos causados por ação do Estado, este gera o dano, produz o evento lesivo, com o que aplicar-se-ia a responsabilidade objetiva; quanto a este aspecto divergência não há.

            Assim, se houve conduta estatal lesiva a bem jurídico garantido de terceiro, o princípio da igualdade - inerente ao Estado de Direito - é suficiente para reclamar a restauração do patrimônio jurídico do lesado. Qualquer outra indagação será desnecessária, por já haver configurado situação que reclama em favor do atingido o patrocínio do preceito da isonomia.

            Acrescente-se que o Estado pode, eventualmente, vir a lesar bem juridicamente protegido para satisfazer um interesse público, mediante conduta comissiva legítima e que sequer é perigosa. É evidente que em tal caso não haveria cogitar de culpa, dolo, culpa do serviço ou qualquer traço relacionado com a figura da responsabilidade subjetiva (que supõe sempre ilicitude). Todavia, o princípio da isonomia estaria a exigir reparação em prol de quem foi lesado a fim de que se satisfizesse o interesse da coletividade. Quem aufere os cômodos deve suportar os correlatos ônus. Se a sociedade, encarnada juridicamente no Estado, colhe os proveitos, há de arcar com os gravames econômicos que infligiu a alguns para o benefício de todos. [09]

            Entretanto, quanto aos atos omissivos, haveria de se configurar ato ilícito da Administração Pública, com culpa ou dolo provados. Afirma Celso Antônio Bandeira de Mello:

            "Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, ou funcionou tardia ou ineficientemente), é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.

            Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa), ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva.

            Não bastará, então, para configurar-se responsabilidade estatal, a simples relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido. Com efeito, inexistindo obrigação legal de impedir um certo evento danoso (obrigação, de resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo mediante atuação diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado responsabilidade por um dano que não causou, pois isto equivaleria a extraí-la do nada; significaria pretender instaurá-la prescindindo de qualquer fundamento racional ou jurídico. Cumpre que haja algo mais: a culpa por negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou então o dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e fazê-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar ao evento lesivo. Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível.

            [...]

            Reversamente, descabe responsabilizá-lo se, inobstante atuação compatível com as possibilidades de um serviço normalmente organizado e eficiente, não lhe foi possível impedir o evento danoso gerado por força (humana ou material) alheia." [10]

            Gustavo Tepedino, por outro lado, defende a tese contrária, segundo a qual também pelos atos omissivos responderia o Estado de forma objetiva, e o faz através de vários argumentos.

            Afirma ele:

            "Não é dado ao intérprete restringir onde o legislador não restringiu, sobretudo em se tratando do legislador constituinte - ubi lex non distinguit nec nos dislinguere debemus. A Constituição Federal, ao introduzir a responsabilidade objetiva para os atos da Administração Pública, altera inteiramente a dogmática da responsabilidade neste campo, com base em outros princípios axiológicos e normativos (dentre os quais se destacam o da isonomia e o da justiça distributiva), perdendo imediatamente base de validade qualquer construção ou dispositivo subjetivista, que se torna, assim, revogado ou, mais tecnicamente, não recepcionado pelo sistema constitucional.

            Nem se objete que tal entendimento levaria ao absurdo, configurando-se uma espécie de panresponsabilização do Estado diante de todos os danos sofridos pelos cidadãos, o que oneraria excessivamente o erário e suscitaria uma ruptura no sistema da responsabilidade civil. A rigor, a teoria da responsabilidade objetiva do Estado comporta causas excludentes, que atuam, como acima já aludido, sobre o nexo causal entre o fato danoso (a ação administrativa) e o dano, de tal sorte a mitigar a responsabilização, sem que, para isso, seja preciso violar o texto constitucional e recorrer à responsabilidade aquiliana. Aliás, conforme já asseverou o Supremo Tribunal Federal, ´a responsabilidade objetiva do Estado não importa reconhecimento da teoria do risco integral, admitindo-se, para excluí-la, a prova do comportamento doloso ou culposo da vítima`. [...]

            De mais a mais, a dicção do art. 43 acima transcrito, que suprimiu a referência, prevista no art 15 do Código anterior ao procedimento ´de modo contrário ao direito`, parece deixar clara a opção legislativa pela responsabilidade objetiva em toda e qualquer atividade estatal, e deveria servir para sepultar definitivamente a responsabilidade subjetiva nos atos praticados pela Administração Pública, sejam eles comissivos ou omissivos." [11]

            Não resta dúvida de que esta segunda posição, que entende que o art. 37, §6º, CRFB 88, aplica-se igualmente aos atos omissivos, sendo, por conseguinte, objetiva a responsabilidade do Estado também nesses casos, é muito melhor do ponto de vista do administrado, que estaria isento de comprovar a culpa da Administração. Caberia a esta, se fosse o caso, demonstrar alguma hipótese de exclusão do nexo de causalidade, caso em que de fato não haveria o dever de reparar.

            Já pela primeira posição, caberia ao administrado a difícil, senão impossível, tarefa de comprovar a culpa do ente público no caso concreto, o que dificultaria sobremaneira a reparação do dano. Apesar disso, parece ser esse o melhor entendimento, mais razoável e preocupado em manter a máquina estatal funcionando.

            Há ainda quem distinga omissão genérica de omissão específica do Estado, o qual responderia apenas pela última. [12] O desenvolvimento dessa doutrina, contudo, parece conduzir à mesma conclusão a que chegam os defensores da primeira corrente, apenas introduzindo nomeclatura para distinguir as situações. Além do mais, parece evidente que, em se tratando de omissão genérica do Poder Público, tanto para corrente que defende a responsabilidade subjetiva pelos atos omissivos, como para a que entende que a responsabilidade também nesses casos seria objetiva, não haverá qualquer dever de reparação por parte do Estado, pois este não é segurador universal.

            De qualquer modo, seja qual for o entendimento adotado pelos Tribunais, deve ele igualmente servir de fundamento para o julgamento dos casos envolvendo danos causados a terceiros por concessionárias e permissionárias de serviço público, cuja responsabilidade extracontratual, na forma do §6º do art. 37 da Constituição de 1988, à do Estado foi equiparada.

            2.2.2 Definição de agente público

            Esclareça-se, ainda, que o dano há de ser causado por um agente do Estado (e, portanto, das empresas privadas prestadoras de serviço público), sob pena de não se ter caracterizada a responsabilidade objetiva.

            É preciso, contudo, limitar a abrangência desse termo, de forma a não responsabilizar o Estado de modo aleatório, tornando-o segurador universal, com o que, em última análise, acabaria por sobrecarregar a própria sociedade, eis que é ela quem arca com as indenizações devidas aos administrados.

            Logo, é imprescindível que o agente esteja no desempenho de seu cargo, emprego ou função pública na entidade a que está vinculado [13]. Sendo assim, não responde o Estado por dano causado por alguém que não é seu agente ou que, embora o seja, não esteja, por ocasião do dano, no desempenho das atribuições do seu cargo, função ou emprego público, a exemplo do servidor que promove quebra-quebra em bar por ter tido com seu proprietário uma desavença qualquer. Mesmo assim, responde subsidiariamente pelos danos causados por terceiros em aparente, e às escâncaras, função de concessionários ou permissionários de serviços públicos, como são as empresas clandestinas de transporte coletivo de passageiros. Há quem entenda, ainda, que o Estado responde objetivamente pelos danos causados pelo servidor de fato, pois se aproveita as vantagens dessa situação, deve suportar os ônus dela decorrentes [14].

            Recente julgado do Superior Tribunal de Justiça bem elucida o entendimento jurisprudencial e também doutrinário, no sentido de que, para a verificação da responsabilização da Administração Pública, não é requisito essencial que seja o agente causador do dano efetivo servidor público, bastando que sua atuação seja típica de agente nessa condição. Abaixo transcreve-se a ementa:

            "RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTADO. DEPOSITÁRIO JUDICIAL. PARTICULAR.

            O recorrido foi indevidamente despejado de seu imóvel, e seus bens, uma criação de minhocas e certa quantidade de húmus, foram entregues a um depositário particular nomeado pelo Juízo do despejo. Sucede que, quando conseguiu retomá-los, aqueles bens já se encontravam deteriorados por falta de cuidados. Buscou, então, a indenização daqueles danos por parte do Estado. Diante disso, a Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu, por maioria, que, quanto à responsabilidade, não há distinções entre o depositário particular e o judicial, pois ambos exercem munus público de manter o bem guardado frente ao êxito do processo em curso, cuidando-se, pois, de agente do Estado quanto a tal mister. O Min. Luiz Fux, em seu voto-vista, aduziu que, nomeado depositário judicial o particular, esse passa à qualidade de agente público em acepção ampla, mesmo que, transitoriamente ou em caráter episódico, exerça função pública. Trata-se de "particular em colaboração com a Administração", como defende a doutrina." (Informativo STJ N° 253, REsp 648.818-RJ, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, julgado em 28/6/2005).

            2.2.3 Responsabilidade patrimonial do agente causador do dano

            Outra questão polêmica na doutrina é definir se a vítima poderia ajuizar a ação de reparação dos danos diretamente em face do agente, e somente em face dele, ou se estaria adstrito a ajuizá-la em face do Estado.

            Com efeito, o já citado art. 37, §6º da Constituição da República de 1988, após estabelecer que as pessoas jurídicas de Direito Público e as de Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agente, nessa qualidade, causarem a terceiros, acrescenta: "assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

            Teria esse finalzinho o condão de vedar a propositura da ação diretamente contra o agente?? Diverge a doutrina sobre o assunto. Celso Antonio Bandeira de Mello, citando Hely Lopes Meirelles, afirma que este último entende que o legislador constituinte, no art. 37 §6º da CRFB 88, bem separou as responsabilidades: o Estado indeniza a vítima; o agente indeniza o Estado, regressivamente, com o que a ação só poderia ser proposta em face do Estado. [15]

            Esse, porém, não parece ser o melhor entendimento. A doutrina que deve prevalecer é aquela que defende que cabe à vítima escolher se quer processar o agente causador do dano, o Estado, ou ambos. De fato, o art. 37, §6º da CRFB 88 deve ser interpretado de forma a beneficiar o administrado, e não a prejudicá-lo. É certo, porém, que, ao ajuizar a ação em face só do agente, ou também em face dele, estará a vítima diante de responsabilidade subjetiva, com o que caberá a ela comprovar o dolo ou culpa do agente.

            Imagine-se a situação de um dano causado pelo prefeito de uma cidadezinha do interior a um administrado; de um lado, a culpa do prefeito (proprietário de vários imóveis) é evidente, e, de outro, a referida cidadezinha é falida. Não parece razoável impor à vítima o ajuizamento da ação de indenização em face do município, quando, ao processar diretamente o prefeito, seu direito será satisfeito de forma mais rápida e efetiva.

            Também tormentosa, especialmente na jurisprudência, é a questão da possibilidade de o Estado, ao ser demandado pelo administrado, denunciar a lide ao agente causador do dano, com apoio no art. 37 §6º, in fine, CRFB 88 c/c art. 70, III, do CPC, segundo o qual é a litisdenunciação obrigatória "àquele que estiver obrigado por lei ou pelo contrato a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda".

            As Cortes Superiores divergem sobre a matéria, afirmando a doutrina que o Superior Tribunal de Justiça entende pelo não cabimento da denunciação, porquanto, sendo objetiva a responsabilidade do Estado, vedada estaria a intromissão de fundamento novo não constante da ação originária, qual seja, a culpa do agente. [16] Já o Supremo Tribunal Federal teria entendimento oposto, defendendo a possibilidade da aludida denunciação. [17]

            Parece que a razão está com aqueles que impedem a denunciação da lide, pois esta, ao suscitar a longa instrução processual indispensável à demonstração da culpa do agente, representaria um obstáculo à reparação pretendida pelo constituinte no art. 37, em bases objetivas, justamente para facilitar a tutela jurisdicional.

            Além disso, do ponto de vista da Administração Pública, a denunciação da lide ao agente representaria a assunção da culpa do mesmo, quase que reconhecendo o pedido, pois teria que descrever a conduta culposa para obter êxito em seu pretendido direito de regresso. E, uma vez reconhecendo e afirmando a culpa do agente, sua única chance de afastar o dever de indenizar o dano, no âmbito da responsabilidade objetiva, que seria quebrar o nexo de causalidade, seria definitivamente frustrada.

            A par dessa discussão processual, subsiste uma grande dificuldade, que é a concretização efetiva da indenização, uma vez que o pagamento da condenação pela Fazenda Pública goza dos privilégios do precatório, com o qual os credores têm a pior experiência possível, em face da imensa reserva de expedientes procrastinatórios do ente devedor. Assim, o reconhecimento da responsabilidade objetiva do Estado e das empresas privadas prestadoras de serviço público não foi suficiente; sem dúvida, a satisfação material do quantum indenizatório ainda carece de avanço na regulamentação pátria.


3 AS CONCESSIONÁRIAS PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO

            Uma vez introduzido o tema da Responsabilidade Civil do Estado, cuja importância para o presente trabalho se justifica na medida em que esta responsabilidade, como visto, foi estendida às empresas privadas prestadoras de serviço público pelo art. 37, §6º da CRFB 88, passa-se agora a analisar mais detidamente as principais características dessas empresas, a começar pela concessionária de serviço público.

            Como afirmado na introdução, de acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a concessão de serviços públicos está inserida na idéia de privatização em sentido amplo. Ela explica:

            "Isto se justifica porque ela é um dos instrumentos de que o Poder Público pode utilizar-se para diminuir o tamanho do Estado, pela transferência de atribuições para o setor privado. Ainda que a concessão se faça por contrato administrativo, portanto, regido pelo direito público, e, ainda que o Poder Público conserve a plena disponibilidade sobre o serviço, exerça a fiscalização e cobre tarifa, a execução do serviço estará entregue a uma empresa privada, que atuará pelos moldes das empresas privadas, livre de procedimentos como concursos públicos, licitação, controle pelo Tribunal de Contas e outros formalismos que emperram hoje a atuação da Administração Pública Direta e Indireta." [18]

            3.1 Previsão constitucional

            A concessão de serviços públicos está constitucionalmente prevista em alguns dispositivos espalhados, mas fundamentalmente no art. 175, que dispõe: "Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos." Se parágrafo único estabelece que: "A lei disporá sobre: I - regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviço público, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – obrigação de manter serviço adequado".

            Obedecendo ao preceito constitucional, foi editada a Lei nº 8.987, de 13/02/95, que estabeleceu as normas gerais sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos. Esta lei procurou sistematizar a matéria, cuidando dos vários aspectos básicos do instituto em capítulos próprios, estabelecendo as definições, conceituando o serviço adequado, explicitando os direitos e obrigações dos usuários, fixando as regras da política tarifária, da licitação e do contrato, relacionando os encargos do poder concedente e do concessionário, arrolando os casos de intervenção no serviço e de extinção da concessão. Posteriormente, nova lei federal, a Lei nº 9.074, de 07/07/95, alterou alguns dispositivos da primeira e regulou a concessão dos serviços de energia elétrica, de competência federal; surgindo, por último, a Lei nº 9.648, de 27/05/98, que, por sua vez, também alterou dispositivos das leis anteriores.

            Vale dizer, ainda, que aplica-se subsidiariamente, em tudo o que não contrariar essas leis, a Lei 8.666, de 21/06/93, por força do que dispõe seu art. 124. Assim sendo, os casos omissos na legislação específica podem ser resolvidos, no que for compatível, pela aplicação da Lei de Licitações.

            Os Estados e Municípios, porém, devem aprovar suas próprias leis sobre concessões e permissões para atender ao disposto no art. 175 da CRFB 88, respeitando os preceitos que constituem normas gerais, contidos na Lei nº 8.987/95. Podem, se quiserem, adotar a lei federal em todos os seus termos, mas hão de fazê-lo mediante lei.

            Ressalte-se, embora pareça óbvio, que o objeto desses diplomas é a disciplinar os institutos, não lhe sendo atribuído, certamente, ingerir (o que seria manifestamente inconstitucional) nas decisões da União, dos Estados e Municípios acerca da conveniência e possibilidade de efetuarem ou dilargarem a concessão de tal ou qual serviço, decisões estas pertinentes à autonomia constitucional de cada ente de direito público. [19]

            3.2 Conceito e noções gerais

            Abstraindo-se da definição legal, concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceite prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.

            A Lei 8.987/95, no art. 2º, inciso II, define a concessão de serviço público simplesmente como "a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado".

            Muito embora esclareça os principais objetivos do instituto, essa definição deixa a desejar, porquanto não contém todos os elementos necessários para caracterizar adequadamente a concessão de serviços públicos. Por exemplo, o dispositivo não se refere à concessão como contrato e não indica a forma de remuneração que lhe é característica, ou seja, a tarifa paga pelo usuário ou outra fonte de receita ligada à própria exploração do serviço, como o fez, curiosamente, em relação à concessão de serviço público precedida da execução de obra pública (art. 2º, III).

            Há, contudo, outros dispositivos na Lei que revelam essas características, como o art. 4º, que estabelece que "a concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será formalizada mediante contrato, que deverá observar os termos desta Lei, das normas pertinentes e do edital de licitação".

            Já em relação à forma de remuneração, os arts. 9º, 18, inciso VIII e 23, inciso IV, referem-se expressamente a tarifa, donde se presume que seja este o meio de remuneração das concessionárias.

            Imperiosos se faz, por fim, atentar para o fato de que só há concessão de serviço público quando o Estado considera o serviço em causa como próprio e como privativo do Poder Público. Daí não enquadrar-se a outorga a alguém para que preste serviços de saúde ou de educação como concessão, vez que nem uma nem outra dessas atividades se constituem em serviços privativos do Estado; seu desempenho é livre para os particulares, na forma do disposto, respectivamente, nos arts. 199 e 209 da CRFB 88. [20]

Explica Celso Antonio Bandeira de Mello:

            "Em rigor, por ser público e privativo de Estado, o serviço é res extra commercium, inegociável, inamovivelmente sediado na esfera pública, razão por que não há transferência da titularidade do serviço para o particular.

            Só as pessoas de natureza pública podem ser titulares, ter como próprias as atividades públicas. Um particular jamais poderá reter (seja pelo tempo que for) em suas mãos, como senhor, um serviço público. Por isso, o que se transfere para o concessionário – diversamente do que ocorre no caso das autarquias – é tão-só e simplesmente o exercício da atividade pública.

            O Estado mantém, por isso mesmo, sempre e permanentemente, total disponibilidade sobre o serviço concedido. Daí se segue que o concessionário o desempenhará se; quando, como e enquanto conveniente ao interesse público. [21]

            Dessa forma, não pode ser objeto de concessão, item abaixo analisado, serviços cuja prestação seja reservada exclusivamente ao próprio Poder Público, como ocorre, por exemplo, com o Serviço Postal e do Correio Aéreo Nacional. [22]

            3.3 Objeto da concessão de serviço público

            Embora o artigo 175 da Constituição de 1988 seja, aparentemente, bastante abrangente, dispondo que "incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre por meio de licitação, a prestação de serviços públicos", o objeto da concessão não pode ser todo e qualquer serviço público.

            Como já dito, uma primeira restrição quanto à utilização da concessão, ou mesmo da permissão – que será adiante analisada – diz respeito a certos serviços sociais do Estado, como o ensino e a saúde, que, quando prestados pelo Poder Público, devem obrigatoriamente ser gratuitos. Esses serviços não podem ser objeto de delegação, tendo em vista que esse tipo de contrato só pode ter por objeto atividades de natureza econômica, ou seja, os chamados serviços comerciais e industriais do Estado, financiados pelos usuários do serviço público mediante tarifa.

            Também não podem ser objeto de concessão os serviços uti universi, ou seja, aqueles que são usufruídos apenas indiretamente pelo cidadão, como é o caso da limpeza pública. Percebe-se, pois, que, conquanto a expressão "serviço público" seja utilizada, muitas vezes, em sentido amplo, para abranger todas as funções do Estado ou todas as funções exercidas pela Administração Pública, quando se trata de concessão de serviço público, a expressão tem um sentido restrito; abrange apenas a atividade material prestada pelo Estado ou seus representante, para oferecimento de utilidades fruíveis diretamente pelo usuário. É o que ocorre com o fornecimento dos serviços de transportes, navegação aérea, telecomunicações, fornecimento de gás, e vários outros. Trata-se dos serviços públicos uti singuli, em que há a satisfação individual e direta das necessidades do cidadão.

            Por fim, também não podem ser objeto de concessão as atividades decorrentes do poder de polícia do Estado. A polícia administrativa envolve atividades de regulamentação, fiscalização, repressão das atividades exercidas pelos particulares. Trata-se de atividade típica do Estado, indelegável ao particular, exatamente por envolver restrição ao exercício de direitos.

            3.4 Natureza jurídica da concessão de serviço público

            Há na doutrina nacional como na estrangeira muita discussão sobre a natureza jurídica da concessão de serviço público. Certamente extrapolaria o objeto dessa monografia discorrer sobre elas, até porque não há muita importância prática dita discussão. É verdade, contudo, que a polêmica se acirra em se tratando da permissão de serviço público, como adiante se versará.

            Com efeito, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello que "A concessão é uma relação jurídica complexa, composta de um ato regulamentar do Estado que fixa unilateralmente condições de funcionamento, organização e modo de prestação do serviço, isto é, as condições em que será oferecido aos usuários; de um ato-condição, por meio do qual o concessionário voluntariamente se insere debaixo da situação jurídica objetiva estabelecida pelo Poder Público, e de contrato, por cuja via se garante a equação econômico-financeira, resguardando os legítimos objetivos de lucro do concessionário." [23]

            A par das discussões, inúteis, como se disse, no Direito brasileiro a concessão de serviço público (assim como a de obra pública) são simplesmente denominadas de contratos administrativos.

            Mais especificamente, conclui José Cretella Júnior:

            "A natureza contratual, bilateral, do ato administrativo, o conteúdo público desta relação de direito, o interesse público predominante em todas as fases da execução do serviço são, segundo parece, os traços característicos dessa modalidade de exploração dos serviços de utilidade pública, pelo que concluímos que a concessão de serviço tem sua natureza jurídica bem definida, caracterizando-se como contrato de Direito Público, oneroso, sinalagmático, perfeito de adesão, comutativo e realizado `intuito personae´." [24]

            Os autores em geral estabelecem como característica do contrato de concessão o caráter intuito personae. Esclareça-se, entretanto, que esse caráter não significa, como pode parecer, que o poder concedente está autorizado a delegar o serviço a uma empresa que seja de sua confiança, de forma discricionária. Pelo contrário, a exigência de licitação é expressa, como já visto, de forma a conferir transparência ao processo e igualdade de oportunidade aos interessados na exploração do serviço. Esse caráter intuito personae só pode significar, portanto, que não se admite a substituição do concessionário, nem possibilita o traspasse do serviço a terceiros sem prévio assentimento do poder concedente, como abaixo restará melhor desenvolvido.

            3.4.1 Conseqüências da natureza contratual de direito público

            Também por não ser o objeto desse estudo, far-se-á breve resumo do funcionamento do contrato de concessão, sem, todavia, pormenorizá-lo.

            Para o concessionário, a prestação do serviço é um meio através do qual obtém o fim que almeja, qual seja, o lucro. De outro lado, para o Estado, o lucro que propicia ao concessionário é o meio pelo qual atinge seu fim, que é a prestação do serviço de forma adequada e satisfatória, que seria, originalmente, seu dever. Deve-se entender o contrato de concessão partindo-se dessas premissas.

            Assim, ao poder concedente (União, Estados-membros, Distrito-Federal e Municípios) assistem todas as garantias necessárias à obtenção de sua finalidade. Por isso, pode dispor livremente sobre as condições de prestação do serviço e modificá-las sempre que o interesse público o reclamar, bem como retomá-lo sem que caiba oposição do concessionário.

            Ao concessionário, por sua vez, caberão todas as garantias atinentes à mantença do equilíbrio econômico-financeiro estipulado por ocasião da concessão. Daí que, embora o Estado possa modificar unilateralmente as condições do serviço, deverá preservar o equilíbrio econômico quando as alterações introduzidas agravarem a situação financeira do concessionário, violando o que foi previamente avençado, consoante determina o §4º do art. 9º da Lei 8.987/95.

            Portanto, o Estado dispõe, com plena liberdade e do modo que entender mais conveniente para o interesse público, sobre a parte regulamentar do serviço e está adstrito no que concerne ao elemento verdadeiramente contratual da concessão, qual seja, o equilíbrio econômico-financeiro. [25]

            Dessa forma, pode o poder concedente dispor exclusivamente sobre: modo de prestação do serviço e fruição dele pelos usuários, a organização e funcionamento do serviço, o prazo da concessão, as tarifas que serão cobradas. Se, por acaso, as alterações unilaterais autorizadas influírem na equação econômico-financeira, esta deverá ser restabelecida, porquanto foi com base nesta equação que o particular celebrou o contrato.

            Também imutável é o próprio objeto material da concessão, incluindo-se aí a modalidade técnica genérica segundo a qual será prestado o serviço.

            3.5 Forma e condições da outorga do serviço em concessão

            A outorga do serviço em concessão depende de lei que a autoriza. Não pode o Executivo, por simples decisão sua, transferir a terceiros o exercício de atividade tida como peculiar ao Estado, pois, se se trata de um serviço próprio dele, à Administração Pública é quem cabe, em princípio, prestá-lo. Ressalte-se que a Lei 8.987/95 não menciona a necessidade de lei autorizadora, mas isso não significa, como já afirmado, que seria possível prescindir-se de tal exigência.

            O art. 2º, II, da Lei 8.987/95, afirma que a concessão de serviço público será delegado à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho. Curiosamente, a doutrina não discorre com profundidade sobre o assunto; parece que a vontade do legislador é mesmo a de conferir somente à pessoa jurídica, e não à pessoa física, a capacidade para ser concessionária. Este é o entendimento de Hely Lopes Meirelles [26], que diverge, aparentemente, de José Cretella Júnior, o qual deixa transparecer que seu entendimento é no sentido oposto, no seguinte trecho, inserido em capítulo intitulado "QUEM PODE SER CONCESSIONÁRIO" [27]:

            "Se o concessionário é pessoa de Direito Privado, física ou jurídica, concretizada a concessão do serviço público e estabelecida, em conseqüência, uma relação característica de Direito Administrativo, tal fato em nada influi sobre a condição do concessionário. Se era pessoa de Direito Privado, não passa à condição de funcionário público: continua sendo a mesma pessoa, física ou jurídica que era antes." (grifamos)

            Além disso, apresenta o aludido autor, como uma das causas de extinção da concessão, a morte do concessionário, chegando a afirmar que, "nada impede, entretanto, que a Administração permita sejam transmitidos aos herdeiros os encargos da concessão". E conclui: "Na prática, a hipótese aqui mencionada raras vezes ocorre, porque a maior parte das concessões é outorgada a pessoas jurídicas, raramente a indivíduos"; mas não exclui a possibilidade. [28] Também Celso Antônio Bandeira de Mello considera a morte do concessionário, se a empresa é individual, uma causa de extinção da concessão, desprezando inteiramente o texto do art. 2º, inc. II, da Lei 8.987/95. [29]

            A concessão, tal como a permissão, será outorgada (após prévia licitação), sem exclusividade, admitindo-se, entretanto, a adoção do regime de exclusividade quando a primeira solução for inviável por imposição técnica ou econômica (art. 16, da Lei 8.987/95).

            A existência da devida autorização legislativa produzida nas distintas esferas competentes por si só não basta, ou seja, não fica a Administração livre para escolher qualquer concessionário. Deverá proceder a uma licitação, por obediência ao já citado art. 175 da Carta Constitucional, a fim de que se apresentem os interessados, selecionando-se aquele que oferecer condições mais vantajosas, nos termos do art. 15 da Lei 8.987/95, abaixo transcrito:

            Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios:

            I - o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado;

            II - a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão;

            III - a combinação, dois a dois, dos critérios referidos nos incisos I, II e VII;

            IV - melhor proposta técnica, com preço fixado no edital;

            V - melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado com o de melhor técnica;

            VI - melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga da concessão com o de melhor técnica; ou

            VII - melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas.

            Selecionado o concorrente, este firmará com o poder concedente o ato convencional da concessão, denominado na lei de "contrato", o qual incluirá as cláusulas apontadas como essenciais no art. 23 da Lei 8.987/95.

            Portanto, deverá estabelecer o objeto, a área e o prazo da concessão, o preço do serviço, os critérios e procedimentos para reajuste e revisão das tarifas, os direitos e deveres dos usuários, a especificada enumeração dos encargos do concessionário, os direitos e deveres relativos a alterações e expansões futuras, as penalidades contratuais e administrativas, entre muitas outras, incluídas no aludido artigo. Destaque-se, ainda, que deverá constar no contrato todos os elementos necessários para identificação dos termos em que foi proposta a equação econômico-financeira, isto é, a igualdade convencionada, a qual compreende não só a margem de lucro como a amortização do capital, o equipamento implantado, sua permanente atualização e a reversão dele quando finda por qualquer razão a concessão. [30]

            3.5.1 O prazo nas concessões

            O inc. II do art. 2º da Lei 8.987/95 estabelece expressamente que a concessão de serviço público deve ser feita por prazo determinado; não especifica, porém, um prazo máximo. O edital de licitação (art. 18, inc. I) e o contrato (art. 23, inc. I) é que devem indicar o prazo da concessão.

            A omissão do legislador quanto ao limite de prazo das concessões não significa que se devam aplicar os limites estabelecidos pelo art. 57 da Lei nº 8.666/93. Nesse dispositivo, o objetivo do legislador é o de evitar a celebração de contratos que ultrapassem o exercício financeiro, salvo nas hipóteses expressamente previstas no dispositivo. A idéia evidente é a de impedir o comprometimento de orçamentos dos exercícios subseqüentes.

            Em relação aos contratos de concessão em geral, a restrição não se justifica, uma vez que tais contratos não oneram os cofres públicos. Na verdade, a fixação de prazos é, em regra, incompatível com a concessão de serviços públicos, porquanto o valor da tarifa deve ser módico e razoável, de tal modo que concilie as possibilidades dos usuários com as exigências do concessionário, relativas à recuperação de seus investimentos, à manutenção de serviço adequado e à obtenção de lucro. A fixação do prazo fica, pois, a critério da Administração, quando não haja lei específica estabelecendo limites, devendo constar do edital de licitação, como elemento essencial à composição do equilíbrio financeiro da concessão.

            O poder concedente pode, em razão de conveniência e oportunidade, e ainda que o concessionário não tenha cometido qualquer falta, extinguir a concessão a qualquer momento, sem que fique caracterizado ato ilícito. Fica, contudo, ressalvado ao concessionário o direito de que lhe seja assegurada a mantença da equação econômico-financeira pactuada.

            Portanto, aquilo a que o concessionário tem direito é a um valor, cuja inteireza se perfaria em certo período, ou seja, aquele que perceberia se mantida fosse a concessão até a conclusão normal do prazo estatuído. [31]

            A Lei 8.987/95, entretanto, em seu art. 37, determina que, em caso de encampação - retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica – deve o poder concedente efetuar previamente o pagamento de uma indenização.

            3.5.2 Conseqüências da outorga e possibilidade de extinção antes do prazo

            A fim de garantir a boa execução do contrato, a Administração deve fiscalizar a sua prestação, devendo constituir uma comissão mista, formada por representantes do poder concedente, do concessionário e dos usuários (art. 30, §único, da Lei 8.987/95) para essa finalidade. Constatada paralisação do serviço ou prestação deficiente, pode a Administração intervir provisoriamente para corrigir as falhas (art. 29, inc. III, da Lei 8.987/95).

            O concessionário está obrigado a prestar serviço adequado, nos termos dos arts. 6º e 31, inc. I, da Lei 8.987/95. Desatendendo essas condições gerais, ou as especiais estabelecidas na Lei respectiva e no contrato, a prestação poderá ser considerada inadequada, sujeitando-o às sanções correspondentes: intervenção ou extinção da concessão, ou, conforme o caso, reparação dos danos ocasionados.

            O contrato pode ser extinto por diversas causas (término do prazo, acordo das partes, interesse público superveniente, inadimplemento do poder concedente, etc.), inclusive pela caducidade, quando ocorrer inexecução total ou parcial do contrato por parte do concessionário. Quanto à caducidade, o parágrafo primeiro do art. 38 da Lei 8.987/95 estipula suas causas, como, por exemplo, a prestação do serviço de forma inadequada ou deficiente (inc. I), o descumprimento de cláusulas contratuais, de disposições legais ou regulamentares (inc. II), a paralisação injustificada do serviço, ressalvadas as hipóteses de caso fortuito ou força maior (inc. III), dentre outras.

            Ao término do prazo contratual, os direitos e bens vinculados à concessão devem retornar ao poder concedente, nas condições estabelecidas no contrato e nos termos do art. 36 da Lei 8.987/95.

            3.6 Subcontratação e subconcessão

            Dois institutos completamente diversos, com efeitos também diferentes, é a subcontratação e a subconcessão. A primeira, prevista no art. 25, caput, da Lei 8.987/95, estabelece a contratação de terceiros para o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido.

            Diz o art. 25 e seus parágrafos:

            Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.

            §1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados.

            §2º Os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente.

            §3º A execução das atividades contratadas com terceiros pressupõe o cumprimento das normas regulamentares da modalidade do serviço concedido.

            O artigo é auto-explicativo, especificando detalhadamente a responsabilidade exclusiva do concessionário ao realizar a contratação. O artigo seguinte, por sua vez, prevê a subconcessão, nos seguintes termos:

            Art. 26. É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente.

            §1º A outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência.

            §2º O subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e obrigações da subconcedente dentro dos limites da subconcessão.

            A partir dos artigos é possível estabelecer as diferenças fundamentais e o regime incidente sobre cada modalidade. Em primeiro lugar, a subconcessão tem a mesma natureza pública do contrato de concessão. Isto significa dizer que, como o contrato de concessão implica a outorga de determinados poderes do concedente ao concessionário – como, por exemplo, as prerrogativas de promover desapropriações, instituir servidões, gerir recursos públicos utilizados na prestação de serviços, exercer o poder de polícia sobre os bens objeto da concessão, entre outros – o contrato de subconcessão implica igualmente a outorga de poderes do subconcedente ao subconcessionário, nos exatos limites estipulados no contrato de concessão. [32]

            Exatamente por isso é que a subconcessão se celebra mediante contrato administrativo, e não por contrato de direito privado. Também, a lei exige expressa autorização do poder concedente e licitação, sob forma de concorrência, para a subconcessão. Celso Antonio Bandeira de Mello observa que, "a referência à possibilidade de realizá-la (a subconcessão) `nos termos do contrato´ é insatisfatória. Isto porque, se tal possibilidade não houver sido prevista no edital, qualquer previsão contratual a respeito será inválida...". [33]

            Já no caso da contratação de terceiros do art. 25 da aludida lei, o que este prevê é a celebração de contratos de prestação de serviços ou de obras por terceiros, ou seja, ao invés de o concessionário exercer diretamente todas as atividades ligadas ao contrato de concessão, ele contrata terceiros para realizar determinadas atividades, em geral as atividades meio (e não as que têm a ver com o fim do contrato de concessão), como serviços de limpeza, vigilância, contabilidade, etc. Esses contratos são contratos de direito privado, regidos pela lei civil, e não contratos administrativos.

            Importante distinção é que, na subcontratação, não se estabelece qualquer relação entre terceiro contratado e o poder concedente, de modo que toda a responsabilidade pela execução da concessão continua em mãos do concessionário. Além disso, não há na lei qualquer exigência de que tal contrato celebrado com terceiro seja autorizado pelo poder concedente ou que haja licitação; até porque é o concessionário que responde perante aquele pela prestação do serviço adequado em sua integralidade. [34]

            Por outro lado, como já afirmado, para que a subconcessão se efetive, é necessária prévia concorrência, nos termos do art. 26, §1º da Lei 8.987/95. O que a lei não esclarece é se o próprio concessionário, sendo entidade privada, está autorizado a fazer a licitação para escolha do subconcessionário, ou se essa caberia ao poder concedente.

            Maria Silvia Zanella Di Pietro e Celso Antonio Bandeira de Mello têm posições diversas. Afirma a primeira:

            "...nada impede que o poder concedente, ao autorizar a subconcessão e estabelecer os limites em que será exercida, já estabeleça quem vai realizar a licitação; tanto é válido reservar para si essa prerrogativa, como outorgá-la ao concessionário. A última hipótese parece ser a mais correta, já que a relação contratual vai estabelecer-se entre concessionário (subconcedente) e o subconcessionário." [35]

            Celso A. B. de Mello, ao contrário, entende que:

            "Uma vez que a subconcessão deve ser precedida de concorrência, deve-se concluir que a escolha do subconcessionário não é ato pertinente ao concessionário, pois a concorrência é ato de Direito Público, só efetuável por entidades governamentais. Assim, tudo que o concessionário poderá fazer, na matéria, é postular do concedente seu inequívoco direito à exoneração de responsabilidade em relação à parte do serviço suscetível de ser subconcedida, na conformidade da autorização do concedente." [36]

            Parece que assiste razão ao segundo posicionamento, que possui argumentos fundamentados e relevantes, especialmente em se considerando a realidade social do país, em que a ganância e criatividade dos violadores da lei, tema corriqueiro nos noticiários, justifica sem muita dificuldade a imposição de que a licitação seja realizada pelo Poder Público.

            3.7 Transferência da concessão e transferência do controle acionário

            Questão complicada é a que trata da transferência da concessão. Esta significa a entrega do objeto da concessão a outra pessoa que não aquela com quem a Administração Pública celebrou o contrato, ou seja, há uma substituição na figura do concessionário. Essa possibilidade está prevista na Lei 8.987/95, em seu art. 27:

            "Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão.

            Parágrafo único. Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo o pretendente deverá:

            I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e

            II- comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor."

            Assim, de acordo com o dispositivo, apenas se faltar a aquiescência preliminar do poder concedente é que se caracteriza hipótese de falta do concessionário, a ensejar a prematura extinção da concessão – a chamada caducidade. Exatamente por isso é que este artigo é sobremaneira criticado na doutrina, que, majoritariamente, defende sua inconstitucionalidade, com razão.

            Foi visto acima que a concessão depende de licitação, não só em decorrência da Lei nº 8.987/95, como também do art. 175 da Carta Constitucional. Não obstante, o transcrito art. 27 acolheu sua transferência, desde que precedida da anuência da Administração, sem nada dizer sobre a necessidade de prévia licitação.

            De fato, quem venceu a licitação foi o concessionário, e não um terceiro, que não participou do certame, e se participou, não obteve sucesso. Assim, a exigência de licitação para a transferência decorre, em primeiro lugar, da própria Constituição de 1988, que exige que a concessão seja feita sempre através de licitação. De outro lado, exige-se, contraditoriamente, a licitação para a subconcessão (cessão parcial), como visto, que é medida menos gravosa, e não para a transferência (cessão total), medida radical.

            Além do mais, a transferência direta, ainda que com a concordância da Administração, seria uma forma de burla ao princípio licitatório, ao princípio da isonomia, sem olvidar inevitável comprometimento do princípio da moralidade.

            Ressalve-se que a transferência da concessão não se confunde com a transferência do controle societário da concessionária, possibilidade também prevista no art. 27. Neste caso, o contrato não é transferido para empresa diversa, já que os sócios possuem personalidade jurídica distinta da entidade.

            Nesse sentido, ensina Celso A. B. de Mello:

            "No primeiro caso – de transferência da concessão – está-se admitindo a comercialização do direito de prestar o serviço e ensejando que seja repassado a um sujeito que não venceu ou sequer disputou o certame licitatório. Isto é, está-se permitindo que, por vias transversas, alguém adquira a condição de concessionário sem licitação, o que é expressamente vedado – repita-se – pelo art. 175 da Lei Magna.

            No segundo caso – o de transferência do controle acionário – o serviço não é deslocado para outra empresa. A mesma empresa, aquela que venceu o certame, continua com os encargos e direitos correspondentes."

            Frise-se, todavia, que a transferência do controle acionário, além de obedecer aos ditames do já referido art. 27, deve ser regulada pelo edital, a fim de ser submetida à aprovação prévia do poder concedente, sob pena de caducidade da concessão.

            O poder concedente, por sua vez, como salienta Antônio Carlos Cintra do Amaral, deve "estar atento a uma transferência camuflada ou simulada da concessão. De qualquer maneira, cabe ao poder concedente aprová-la ou vetá-la. Nunca licitá-la, o que seria, evidentemente, absurdo." [37]

            3.8 Responsabilidade civil das concessionárias frente terceiros e usuários

            Como já desenvolvido no segundo capítulo do presente trabalho, a grande novidade da Constituição da República de 1988 foi determinar expressamente que as entidades de direito privado prestadoras de serviço público, agindo nessa qualidade, são obrigadas a indenizar o dano causado a terceiros, em pé de igualdade com as pessoas jurídicas de direito público. Resta induvidoso, portanto, que as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam função pública delegada, sob a forma de entidades paraestatais ou de empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, respondem objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, pois, nas palavras de Hely Lopes Meirelles, "não é justo nem jurídico que a só transferência da execução de uma obra ou de um serviço originariamente público a particular descaracterize sua intrínseca natureza estatal e libere o executor privado das responsabilidades que teria o Poder Público se o executasse diretamente, criando maiores ônus de prova ao lesado." [38]

            A lógica da responsabilidade objetiva do Estado foi estendida, portanto, para as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, sempre que o dano for decorrente da prestação de serviço público; mas, é imprescindível deixar claro que o art. 37, §6º da CRFB 88 aplica-se tão somente aos danos causados a terceiros, e não aos usuários, para os quais há regras específicas – Código de Defesa do Consumidor e a própria Lei 8.987/95, que abaixo serão analisadas.

            Surpreendentemente, este não foi o entendimento da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em recente julgamento do recurso extraordinário nº 262651/SP, cujo Relator foi o Ministro CARLOS VELLOSO. Entendeu-se, de forma absolutamente equivocada, exatamente o oposto do acima afirmado, ou seja, que o art. 37, §6º da CRFB de 1988 não se aplica aos terceiros, mas apenas aos usuários dos serviços públicos prestados pelas pessoas jurídicas de direito privado, em frontal contrariedade ao texto literal do citado parágrafo. Abaixo a ementa do infeliz acórdão:

            "EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL.

            RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO:

            RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. C.F., art. 37, § 6º.

            I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6º, da C.F.

            II. - RE conhecido e provido. (RE 262651/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Órgão Julgador: Segunda Turma, J. 16/11/2004, DJ 06/05/05)".

            Mister se faz discorrer minimamente sobre esse acórdão, por sua importância, tendo em vista que proferido pela mais alta Corte do nosso Ordenamento Jurídico, e, por isso, pode exercer perigosa influência nos demais Tribunais.

            Assim, afirmou o Relator:

            "A ratio do dispositivo constitucional que estamos interpretando parece-me mesmo esta: porque o `usuário é detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal´, não se deve exigir que, tendo sofrido dano em razão do serviço, tivesse de provar a culpa do prestador desse serviço.

            Fora daí, vale dizer, estender a não-usuários do serviço público prestado pela concessionária ou permissionária a responsabilidade objetiva – CF, art. 37, §6º - seria ir além da ratio legis." (sublinhou-se fls. 441 dos autos)

            Logo, o eminente Ministro entendeu que a "ratio legis" do dispositivo foi desprezar sua literalidade, devendo-se, ao ler "terceiros", entender-se "usuários".

            A Ministra Ellen Gracie votou no mesmo sentido, afirmando:

            "Sr. Presidente, entendo que, neste caso – e a própria doutrina da responsabilidade objetiva do Estado e seus pressupostos levam-me a essa conclusão – a delegação feita às empresas transportadoras é limitada a uma atividade ou a um determinado serviço público, que é, então, execução de forma indireta. Por isso, os riscos correspondentes a essa atividade devem merecer exatamente a mesma limitação, até porque quando as empresas assumem tais parcelas da atividade estatal fazem o cálculo econômico dos riscos em que irão incorrer e estes estariam exageradamente ampliados se atribuíssemos leitura mais alargada ao §6º do art. 37 da CF, como propõe o eminente Relator, cujo voto não posso deixar de louvar, pelo brilhantismo." (sublinhou-se - fls. 473 dos autos)

            Com todo o respeito, a ilustre Ministra partiu de premissa certamente equivocada. Vale dizer, obviamente, quando do cálculo do equilíbrio econômico-financeiro, e, conseqüentemente, da estipulação do preço a ser pago pelos usuários, são previstos também os gastos que a concessionária poderá ter com eventuais indenizações judiciais, quaisquer que sejam os fundamentos das ações, e não somente aquelas decorrentes dos danos causados aos usuários dos serviços.

            Felizmente, embora a tese do Relator tenha sido a vencedora (também o Ministro Gilmar Mendes o acompanhou), não foi a votação unânime, restando vencidos os Ministros Celso de Mello (Presidente) e Joaquim Barbosa, que proferiu brilhante voto, cujo trecho imperioso se faz transcrever:

            "Penso ser incabível tal distinção em matéria de responsabilidade civil do Estado. Para fins de fixação dessa responsabilidade, é inteiramente irrelevante uma ou outra qualidade ou condição pessoal da vítima dos danos.

            Penso, pois, que introduzir uma distinção adicional entre usuários e não usuários do serviço significa um perigoso enfraquecimento do princípio da responsabilidade objetiva, cujo alcance o constituinte de 1988 quis o mais amplo possível.

            (...)

            Dessa forma, parece imprópria a indagação acerca dessa ou daquela qualidade intrínseca da vítima para se averiguar se no caso concreto está ou não está configurada hipótese de responsabilidade objetiva, já que esta decorre da natureza da atividade administrativa, a qual não se modifica em razão da simples transferência da prestação dos serviços públicos a empresas particulares concessionárias do serviço." (sublinhou-se - fls. 454/455 e 457/458 dos autos)

            Pela leitura do inteiro teor do julgamento, cujos calorosos debates foram integralmente transcritos (estão à disposição no site do Supremo Tribunal Federal), percebe-se que o Relator não se convenceu dos argumentos do Ministro Joaquim Barbosa.

            O mais interessante deste acórdão é que o Relator esclarece em seu voto que a doutrina é realmente omissa quanto a essa questão, ou seja, sobre qual é a abrangência do termo "terceiros" do artigo 37, § 6º da CRFB, no que tange às empresas privadas prestadoras de serviços públicos. Então, insatisfeito, revela que remeteu carta a Celso Antonio Bandeira de Mello, pedindo que expusesse sua posição sobre o tema. O Relator transcreve trecho da resposta à carta, cuja reprodução ipsi literis é imprescindível, porquanto traz a público, embora por vias incomuns, o entendimento do referido autor, em sua obra não explicitada:

            "(...) Quando o texto constitucional, no §6º do art. 37, diz que as pessoas ‘de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes nesta qualidade causarem a terceiros´, de fora parte a indispensável causação do dano, nada mais exige senão dois requisitos: (1) que se trate de pessoa prestadora de serviço público; (2) que seus agentes (causadores do dano) estejam a atuar na qualidade de prestador de serviço público. Ou seja: nada se exige quanto à qualificação do sujeito passivo do dano; isto é: não se exige que sejam usuários, nesta qualidade atingidos pelo dano.

            Com efeito, o que importa, a meu ver, é que a atuação danosa haja ocorrido enquanto a pessoa está atuando sob a titulação de prestadora de serviço público, o que exclui apenas os negócios para cujo desempenho não seja necessária a qualidade de prestadora de serviço. Logo, se alguém, para poder circular com ônibus transportador de passageiros do serviço público de transporte coletivo necessita ser prestador de serviço público e causa dano a quem quer que seja, tal dano foi causado na qualidade de prestadora dele. Donde, sua responsabilidade é a que está configurada no §6º do art. 37." (sublinhou-se - fls. 437 dos autos)

            Portanto, o festejado autor, valendo-se da interpretação literal do texto, defende que o termo "terceiros" do §6º do art. 37, da CRFB de 1988, abrange usuários e não usuários. De fato, se o legislador não quis restringir, porquê o Judiciário o fará?

            Carlos Velloso acrescentou, ainda, que José Cretella Junior dissertou a respeito e que sua opinião coincide com a de Celso Antonio Bandeira de Mello; a influência desses autores, contudo, não foi suficientes para convencê-lo, que acabou, ele sim, convencendo outros dois Ministros.

            Enfim, lamentável o rumo que tomou o julgamento desse recurso extraordinário, pois representa violento retrocesso da evolução doutrinária e jurisprudencial acerca do tema da responsabilidade civil das empresas prestadoras de serviços públicos, sem olvidar a frontal violação ao texto literal da Magna Carta. Espera-se, entretanto, que este entendimento não se firme na Suprema Corte, até porque o julgamento, além de não ter sido unânime, foi proferido no âmbito da Segunda Turma e não do Plenário.

            Um último comentário – ou lamento - não pode deixar de ser feito. Em momento algum do acórdão, incluindo o voto vencido do Ministro Joaquim Barbosa e os debates travados entre os membros da Corte, mencionou-se a existência, quiçá a aplicação, do Código de Defesa do Consumidor e da Lei 8.987/95, que resolveriam a questão subsidiariamente sem maiores complicações e divergências, ainda que se entendesse que o art. 37, §6º da CRFB aplica-se somente aos usuários.

            Já adiantando o próximo item, o sujeito que vê seu carro abalroado por ônibus pertencente empresa de transporte concessionária de serviço público (hipótese dos autos objeto do recurso extraordinário 262651/SP), tem o direito de ser indenizado, sem que seja necessário comprovar culpa ou dolo do agente (motorista), com fulcro não só no §6º do art. 37 da CRFB, mas também no art. 17 do CDC - que prevê o consumidor por equiparação (terceiros que, embora não estejam diretamente envolvidos na relação de consumo, são atingidos pelo aparecimento de um defeito no produto ou no serviço) -, e no caput do art. 25 da Lei 8.987/95, segundo o qual "Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros...".

            3.8.1 Responsabilidade civil frente aos usuários dos serviços públicos concedidos

            Como visto, o art. 37, §6º da CRFB 88 é claro ao afirmar a responsabilidade civil objetiva diante de terceiros, com o que, afirma a doutrina, não se aplica aos usuários dos serviços públicos concedidos; trata-se da responsabilidade extracontratual. Essa constatação, contudo, não deve ser motivo de desânimo, já que a mesmíssima responsabilidade objetiva foi contemplada em dois diplomas, agora sim em relação aos usuários - responsabilidade contratual -, quais sejam: o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e a própria Lei 8.987/95, já algumas vezes mencionada neste trabalho.

            3.8.1.1 A responsabilidade no Código de Defesa do Consumidor

            Uma das grandes novidades do sistema do Código de Defesa do Consumidor, ora chamado de CDC, foi incluir as pessoas jurídicas de direito público entre os fornecedores, no caso de serviços públicos que a elas competem (art. 175, CRFB), prevendo expressamente, no art. 22, um dever dos órgãos públicos, de suas empresas, concessionárias ou permissionárias, de fornecer "serviços adequados, eficientes, seguros, e quanto aos essenciais, contínuos". Já o parágrafo único do mesmo artigo dispõe o seguinte:

            "Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

            Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."

            Da expressão "na forma prevista neste código" é que se conclui ser a responsabilidade das concessionárias e permissionárias objetiva, porquanto consideradas fornecedoras de serviço, para os fins previstos no diploma consumerista.

            O art. 3 do CDC define o que seja "fornecedor de serviço":

            "Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços."

            Inevitável concluir, pois, que as concessionárias estão inseridas nessa definição. Já a responsabilidade objetiva dos fornecedores de produtos e serviços vem expressa no art. 14 do CDC:

            "Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."

            Assim, aplica-se o CDC sempre que presente um consumidor aos serviços públicos de fornecimento de água, energia elétrica, gás, telefonia, transportes públicos, etc, concedidos ou não.

            Muito embora as concessionárias de serviço público tenham sido equiparadas aos fornecedores de serviços em geral, parece que o regime a elas aplicado é ainda mais severo, exatamente porque se trata de serviço público, notadamente em relação aos essenciais (água, luz e telefone, por exemplo). Com efeito, diz o art. 22 do CDC que "Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias... são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos." Ou seja, o concessionário não pode, ao menos não imediatamente, suspender a prestação do serviço diante do inadimplemento do usuário, como decorrência do princípio da continuidade.

            Transcrevam-se duas ementas de acórdãos proferidos em Recursos Especiais, confirmando ser imperiosa a continuidade na prestação dos serviços públicos, sob pena de, não cumprindo esse mandamento, a concessionária ser obrigada a reparar o usuário, por danos materiais e morais:

            "CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR. ILEGALIDADE.

            1. É ilegal a interrupção no fornecimento de energia elétrica, mesmo que inadimplente o consumidor, à vista das disposições do Código de Defesa do Consumidor que impedem seja o usuário exposto ao ridículo.

            2. Deve a concessionária de serviço público utilizar-se dos meios próprios para receber os pagamentos em atrasos.

            3. Recurso não conhecido."

            (Resp 122812/ES. Min. MILTON LUIZ PEREIRA, j. 05/12/2000)

            "FORNECIMENTO DE ÁGUA - SUSPENSÃO - INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO – ATO REPROVÁVEL, DESUMANO E ILEGAL - EXPOSIÇÃO AO RIDÍCULO E AO CONSTRANGIMENTO.

            A Companhia Catarinense de Água e Saneamento negou-se a parcelar o débito do usuário e cortou-lhe o fornecimento de água, cometendo ato reprovável, desumano e ilegal. Ela é obrigada a fornecer água à população de maneira adequada, eficiente, segura e contínua, não expondo o consumidor ao ridículo e ao constrangimento.

            Recurso improvido."

            (Resp 201112/SC, Min. GARCIA VIEIRA, j. 20.04.1999)

            Observa-se, portanto, que, ainda que inadimplente o usuário, é ilegal o corte no fornecimento, sendo a concessionária, por vezes, compelida a parcelar os débitos. Inclusive o meio de cobrança é censurado em prol dos usuários, como se depreende do art. 42 do CDC:

            "Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça."

Não se pense, por outro lado, que as concessionárias prestadoras de serviços públicos essenciais estão fadadas à falência, já que estariam impedidas de interromper o serviço, mesmo sem a remuneração devida. O espírito do CDC é vedar os abusos, e prezar pela dignidade dos usuários, impedindo que o corte no fornecimento seja feito de forma repentina, surpreendendo-o. Então, também consolidou-se o entendimento no Superior Tribunal de Justiça de que, uma vez notificando o usuário de seu inadimplemento, e informando-lhe da possibilidade do corte caso não quitado o débito, é sim legítima a interrupção no fornecimento, ainda que seja o serviço essencial. Argumenta-se que, a continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade entre as partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito. Transcreve-se uma ementa, por todas:

            ADMINISTRATIVO - SERVIÇO PÚBLICO - CONCEDIDO - ENERGIA ELÉTRICA - INADIMPLÊNCIA.

            1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica.

            2. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços públicos.

            3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio.

            4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95, Exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei 9.427/97, que criou a ANEEL, idêntica previsão.

            5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta).

            6. Recurso especial provido."

            (REsp 525500/AL, Min. ELIANA CALMON, j. 16/12/2003)

            Por outro lado, embora seja a responsabilidade objetiva, não se trata de risco integral, com o que admite-se que o concessionário se exima do dever de reparar os danos causados aos consumidores caso consiga quebrar o nexo de causalidade entre a ação (ou omissão) por parte da empresa (através de seus agentes) e o dano sofrido. Com efeito, dispõe o §3º do art. 14 do CDC:

            "§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

            I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

            II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro."

            Assim, a culpa concorrente do consumidor não é bastante para afastar a responsabilidade da concessionária. Dúvida subsiste sobre se o quantum indenizatório poderia ser diminuído caso se constatasse que a vítima concorreu para o dano. O CDC é expresso no sentido de que é a culpa exclusiva do consumidor causa excludente de responsabilidade. Foi incluído, por outro lado, no novo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, dispositivo que diminui a indenização caso a vítima concorra para o dano:

            "Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano."

            Resta uma aparente contradição, já que, se de um lado o novo Código Civil é lei posterior (e, portanto, seria aplicável ao caso concreto), de outro o CDC é lei especial. Independentemente deste conflito aparente de normas, parece justo que o valor da indenização leve em consideração a participação do consumidor para o dano. De qualquer forma, caberá à jurisprudência decidir o impasse.

            Insta ressaltar, ainda, que o inciso VIII do artigo 56 do CDC dispõe que eventuais infrações das normas referentes à defesa do consumidor ficam sujeitas à sanção administrativa de revogação de concessão ou permissão de uso, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas.

            E o § 1º do artigo 59 do CDC prescreve "a pena de cassação será aplicada à concessionária de serviço público, quando violar obrigação legal ou contratual."

            Conclui-se que, conquanto o art. 37, §6º, CRFB 88 não tenha aplicação direta aos consumidores, estes se encontram igualmente protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, uma das legislações consumeristas mais avançadas do mundo.

            3.8.1.2 A responsabilidade na nº Lei 8.987/95

            Da Lei 8.987/95 também é possível se concluir pela responsabilidade objetiva da concessionária de serviço público. Isso porque determina o artigo 2º, inciso II:

            "Art. 2º Para os fins do disposto nesta lei, considera-se:

            I - (...);

            II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado."

            A partir desta conceituação, notadamente da expressão "por sua conta e risco", que se depreende a responsabilidade objetiva das concessionárias.

            Segundo entende Diógenes Gasparini "desta condição decorrem as obrigações de responder pelos compromissos assumidos e pelos danos que vier a causar a terceiro ou ao Poder Público" [39].

            Assim, a Lei 8.987/95 deixa bastante evidente que as concessionárias prestam serviços por sua conta e risco, assumindo os riscos do negócio, em consonância com a teoria que envolve a concessão de serviços públicos já exposta.

            Entretanto, para espancar qualquer dúvida, o legislador explicitou a responsabilidade objetiva no artigo 25 da referida Lei, abaixo transcrito:

            "Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade."

            Dessa forma, o diploma referido confirma o firmado no art. 37, §6º, CRFB 88, no que tange aos terceiros, e o que já determinava o CDC (publicado cinco anos antes), quanto aos usuários dos serviços concedidos, o que não lhe retira a importância, eis que agora se trata de lei específica sobre as concessionárias e permissionárias de serviço público.

            Portanto, a Lei 8.987/95 estabelece a responsabilidade objetiva das concessionárias perante os consumidores de seus serviços e terceiros, sendo irrelevante, ao analisar um caso concreto, se o serviço prestado funcionou bem, mal ou se funcionou tardiamente; deve-se ater unicamente ao nexo causal entre a atividade ligada à prestação do serviço público e o dano experimentado pelo usuário ou terceiro.

            3.9 A responsabilidade do Poder Público frente aos danos causados pela concessionária

            Finalmente, chegou o momento de discorrer sobre o tema acima, que, pode-se dizer, representa o auge deste trabalho, no que tange à responsabilidade das concessionárias de serviço público.

            A doutrina apresenta o tema como sendo bastante controvertido; a controvérsia envolve a determinação do grau de responsabilidade do Poder Público, ou seja, do poder concedente, diante dos danos causados a terceiros ou consumidores pelas concessionárias de serviços públicos delegados. A questão cinge-se a responder: dita responsabilidade seria solidária ou subsidiária, e com que fundamento?

            A doutrina se divide sobre a questão, que, de fato, diante de um caso concreto, pode ser fundamental, como, por exemplo, definir se poderá o administrado ajuizar demanda somente em face do Poder Público, sendo a responsabilidade solidária, ou se, sendo ela subsidiária, a demanda deverá ser proposta necessariamente em face da concessionária, responsável direta e objetivamente. E, de maneira abstrata, tal questão mostra-se igualmente relevante, porquanto está-se a tratar de dinheiro público, o que interessa, em última análise, a toda a sociedade, que sofre os ônus de eventual indenização paga pelo Estado. [40]

            Adiante se exporá as diferentes posições, com os respectivos argumentos, para, ao final, apresentar uma conclusão pessoal.

            Celso Antônio Bandeira de Mello é o autor sempre citado na doutrina como sendo defensor da tese da responsabilidade subsidiária do Estado. De fato, de todos os autores pesquisados, ele é o que discorre com mais profundidade sobre a matéria. Basicamente, entende ele que, encontrando-se a concessionária insolvente, aí sim poderia o Poder Público ser demandado. Ele distingue, porém, duas hipóteses: 1) danos resultantes da atividade diretamente constitutiva do desempenho do serviço, caso em que incidiria a responsabilidade subsidiária da Administração; e 2) prejuízos de terceiros oriundos de comportamentos do concessionário alheios à própria prestação do serviço, caso em que não haverá qualquer responsabilidade do Poder Público.

            Abaixo reproduz-se trecho de sua obra que versa sobre o assunto:

            "Pode dar-se o fato de o concessionário responsável por comportamento danoso vir a encontrar-se em situação de insolvência. Uma vez que exercia atividade estatal, conquanto por sua conta e risco, poderá ter lesado terceiros por força do próprio exercício da atividade que o Estado lhe pôs em mãos. Isto é, os prejuízos que causar poderão ter derivado diretamente do exercício de um poder cuja utilização só lhe foi possível por investidura estatal. Neste caso, parece indubitável que o Estado terá que arcar com os ônus daí provenientes. Pode-se, então, falar em responsabilidade subsidiária (não solidária) existente em certos casos, isto é, naqueles – como se expôs – em que os gravames suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo concessionário, de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado.

            É razoável, então, concluir que os danos resultantes de atividade diretamente constitutiva do desempenho do serviço, ainda que realizado de modo faltoso, acarretam, no caso de insolvência do concessionário, responsabilidade subsidiária do poder concedente.

            O fundamento dela está em que o dano foi efetuado por quem agia no lugar do Estado e só pôde ocorrer em virtude de estar o concessionário no exercício de atividade e poderes incumbentes ao concedente.

            Exauridas as forças do concessionário, desaparece o intermediário que, por ato do concedente, se impunha entre o terceiro prejudicado e o próprio concedente. Este, por conseguinte, emerge espontaneamente na arena jurídica, defrontando-se diretamente com o lesado, para saldar compromissos derivados do exercício de atuação que lhe competiria.

            Já os prejuízos de terceiros oriundos de comportamentos do concessionário alheios à própria prestação do serviço – ainda que assumidos a fim de se instrumentar para a prestação dele – não são suportáveis pelo concedente no caso de insolvência do concessionário. Quem contrata ou se relaciona com este, tanto como em suas relações com qualquer outra pessoa, deve acautelar-se com respeito às condições de solvência da outra parte. Não pode, em suma, contar antecipadamente com que o Estado respalde economicamente o concessionário, pois tal não se dá. O concessionário, pessoa jurídica de Direito Privado, de objetivos econômicos, está, ao agir nesta qualidade, sujeito, como qualquer empresa, aos percalços naturais da atividade empresarial; terceiros não podem deixar de levar em consideração este fato." [41]

            No mesmo sentido, ou seja, atribuindo responsabilidade subsidiária ao Poder Público, uma vez exauridos os recursos da entidade prestadora de serviços públicos, está Sérgio Cavalieri Filho, mas com argumentos diversos. Com efeito, entende ele que a Carta Constitucional estendeu às empresas prestadoras de serviços públicos responsabilidade equivalente à do Estado, com o que deve suportar os encargos decorrentes da prestação do serviço; ademais, agem por sua conta e risco, devendo responder por suas próprias obrigações.

            Concorda com Celso Antônio, no sentido de que a única hipótese em que se poderia falar de responsabilidade do Estado, e subsidiária, seria no caso de insolvência da concessionária, fazendo remição ao art. 242 da Lei das Sociedades por Ações, que trata da responsabilidade subsidiária da pessoa jurídica controladora da sociedade de economia mista pelas suas obrigações. Do ponto de vista civil, acrescenta que a solidariedade não se presume, devendo estar prevista em lei ou contrato.

            Abaixo transcreve-se trecho do seu livro "Programa de Responsabilidade Civil" em que trata do assunto:

            "Essas entidades de Direito Privado, prestadoras de serviços públicos, respondem em nome próprio com o seu patrimônio, e não o Estado por elas e nem com elas. E assim é pelas seguintes razões: 1) o objetivo da norma constitucional, como visto, foi estender aos prestadores de serviços públicos a responsabilidade objetiva idêntica a do Estado, atendendo reclamo da doutrina ainda sob o regime constitucional anterior. Quem tem os bônus deve suportar os ônus; 2) as pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos têm personalidade jurídica, patrimônio e capacidade próprios. São seres distintos do Estado, sujeitos de direitos e obrigações, pelo que agem por sua conta e risco, devendo responder por suas próprias obrigacoes; 3) nem mesmo de responsabilidade solidária é possível falar neste caso, porque a solidariedade só pode advir da lei ou do contrato, inexistindo norma legal atribuindo solidariedade ao Estado com os prestadores de serviços públicos. Antes pelo contrário, o art. 25 da Lei n. 8.98711995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, estabelece responsabilidade direta e pessoal da concessionária por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros; 4) no máximo, poder-se-ia falar em responsabilidade subsidiária do Estado à luz do art. 242 da Lei das Sociedades por Ações, que, expressamente, diz que a pessoa jurídica controladora da sociedade de economia mista responde subsidiariamente pelas suas obrigações.

            Em conclusão, o Estado responde apenas subsidiariamente, uma vez exauridos os recursos da entidade prestadora de serviços públicos. Se o Estado escolheu mal aquele a quem atribuiu a execução de serviços públicos, deve responder subsidiariamente caso o mesmo se torne insolvente." [42]

            De outro lado, há aqueles que defendem tese oposta, por assim dizer, dentre os quais destacam-se Gustavo Tepedino e Yussef Said Cahali, cada qual com seus argumentos.

            Gustavo Tepedino, notório civilista, parece desconsiderar qualquer discussão acerca da responsabilidade em razão de eventual insolvência da concessionária ou da falha na fiscalização por parte da Administração. O autor, em verdade, refuta, de forma declarada, os argumentos de Sergio Cavalieri, e justifica a responsabilidade solidária utilizando-se dos preceitos do Código de Defesa do Consumidor, já referidos.

            Assim, Gustavo Tepedino parte do pressuposto de que o ente estatal prestaria o serviço público delegado indiretamente, e, portanto, a responsabilidade solidária decorreria da solidariedade entre os fornecedores, prevista no art. 18 do CDC.

            Abaixo transcreve-se trecho do artigo de sua autoria "A Evolução da Responsabilidade Civil no Direito Brasileiro e suas Controvérsias na Atividade Estatal", inserido na coletânia "Temas de Direito Civil":

            "A responsabilidade subsidiária vem sendo sustentada com base na regra geral da não presunção de solidariedade no direito civil (art. 896, caput, CC) ou a partir da independência patrimonial entre as pessoas física e jurídica: (...) - reproduz trecho do livro do Sergio Cavalieri acima transcrito -.

            O argumento, entretanto, em que pese o respeito de que é merecedor, não se mostra convincente. A uma, porque o fato de serem pessoas distintas, antes de afastar a solidariedade, constitui-se no seu pressuposto: só há solidariedade porque há pessoas jurídicas distintas e independentes, não se podendo cogitar de co-responsabilidade – conjunta ou solidária – em se tratando de uma única pessoa. Demais disso – e mais importante –, a responsabilidade subsidiária em razão da má escolha equivaleria, do ponto de vista técnico, à reinserção da culpa in vigilando no âmbito da responsabilidade objetiva, com o quê, definitivamente, não se pode concordar.

            Assim é que, sem desconhecer a complexidade da matéria, há de se considerar solidária a responsabilidade dos entes público e privado, no caso do art. 37, §6º, não prevalecendo, nesta hipótese, a regra geral do art. 896 do Código Civil. Parece, ao revés, haver previsão legislativa expressa aplicável à espécie: o Código de Defesa do Consumidor admite, como fornecedor, "toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira" (art. 3º, Lei nº 8.078/90). A prestação de serviços públicos constitui, portanto, relação de consumo, sendo a vítima dos danos provocados pela Administração Pública o consumidor final ou equiparado (art. 17, Lei nº 8.078/90), o que atrai para tais hipóteses a disciplina dos acidentes de consumo, de modo a gerar a solidariedade dos diversos entes públicos e privados que se apresentem como fornecedores dos respectivos serviços, prestados (direta ou indiretamente) pela atividade estatal." [43]

            Com fundamentos completamente diversos, sequer entrando no mérito civil da solidariedade, está Yussef Said Cahali, autor que é referência como defensor da tese da responsabilidade solidária do Estado.

            Assim, em seu livro "Responsabilidade Civil do Estado", após apresentar a posição contrária de Celso Antônio, defende que: 1) o Poder Público concedente responde objetivamente pelos danos causados pelas empresas concessionárias, pois haveria presunção absoluta de culpa da Administração, por falha na escolha da concessionária ou na fiscalização de suas atividades; responsabilidade essa que seria direta e solidária, desde que demonstrado o nexo de causalidade entre a falha na escolha ou na fiscalização e o evento danoso; e 2) quanto aos danos oriundos de comportamentos alheios à própria prestação do serviço público, seria a responsabilidade do Poder Público subsidiária ou complementar, não em virtude de insolvência da empresa concessionária, mas em função de omissão culposa na fiscalização de sua atividade.

            Yussef Cahali não esclarece, mas parece que na segunda hipótese não haveria presunção absoluta de culpa, devendo a omissão culposa ser demonstrada no caso concreto.

            Abaixo transcreve-se trecho da mencionada obra:

            "Quanto ao primeiro aspecto – danos causados por força do próprio exercício da atividade delegada – algumas pontuações devem ser registradas. Assim:

            a) A exclusão da responsabilidade objetiva e direta do Estado (da regra constitucional) em reparar os danos causados a terceiros pelo concessionário (como também o permissionário ou o autorizatário), assim admitida em princípio, não afasta a possibilidade do reconhecimento de sua responsabilidade indireta (por fato de outrem) e solidária, se, em razão da má escolha do concessionário a quem a atividade diretamente constitutiva do desempenho do serviço foi concedida, ou de desídia na fiscalização da maneira como este estaria sendo prestado à coletividade, vem a concorrer por esse modo para a verificação do evento danoso.

            A questão insere-se em contexto mais amplo, de perquirição da "responsabilidade do Estado por omissão na fiscalização"; aqui, a responsabilidade do Poder Público é de ser deduzida em função da omissão de fiscalização na execução pela empresa privada de serviço concedido, autorizado ou permitido, sujeito a fiscalização.

            Examinada a questão sob o enfoque da responsabilidade subjetiva, as soluções jurisprudenciais têm-se revelado contraditórias, embora mais adequadamente devesse ser examinada sob o princípio da causação adequada, posto na base da responsabilidade objetiva.

            (...)

            Tratando-se de concessão de serviço público, permite-se reconhecer que, em função do disposto no art. 37, §6º, da nova Constituição, o Poder Público concedente responde objetivamente pelos danos causados pelas empresas concessionárias, em razão da presumida falha da Administração na escolha da concessionária ou na fiscalização de suas atividades, desde que a concessão tenha por objeto a prestação de serviço público, atividade diretamente constitutiva do desempenho do serviço público; responsabilidade direta e solidária, desde que demonstrado que a falha na escolha ou na fiscalização possa ser identificada como a causa do evento danoso.

            b) Tratando-se de danos oriundos de comportamentos alheios à própria prestação do serviço público (ou privado autorizado), a responsabilidade do Poder Público reveste-se de caráter subsidiário ou complementar, porém não em função de uma eventual insolvência da empresa concessionária, mas em função de omissão culposa na fiscalização da atividade da mesma.

            Admissível, portanto, a responsabilidade da Administração pelos danos oriundos de comportamentos até mesmo alheios à própria prestação do serviço público, desde que demonstrado o nexo de causalidade entre o fato danoso e a conduta omissiva culposa do ente público, na fiscalização que lhe compete exercer." [44]

            A posição de Yussef Cahali mostra-se bastante radical, responsabilizando o Estado inclusive quando eventuais danos causados nada tenham a ver com a atividade delegada. Então, segundo essa visão, parece, por exemplo, que, se a CEG, concessionária distribuidora de gás, compra material de escritório de determinada empresa, e não honra com seu compromisso, inadimplindo sua obrigação de pagar o material adquirido, o Poder Público poderia ser demandado a fazê-lo, caso restasse demonstrado "omissão culposa" na fiscalização desse tipo de atividade (compra de material ou qualquer outro objeto, absolutamente alheio à atividade de distribuição de gás).

            Parece igualmente equivocada a afirmação de que a responsabilidade do Estado seria direta, pois não foi ele quem diretamente causou o dano, mas sim a concessionária, mediante seus agentes. Logo, a responsabilidade seria indireta (por fato de outrem), como, curiosamente, parece afirmar o autor inicialmente, no segundo parágrafo do texto acima transcrito. Entretanto, mais abaixo, no sexto parágrafo, o autor é categórico: a responsabilidade é direta e solidária.

            Hely Lopes Meirelles, por sua vez, parece indeciso, não deixando muito clara sua posição. Em trecho bastante sucinto, e referindo-se às permissionárias de serviço público, afirma:

            "Outra observação que se impõe é a de que os atos dos permissionários são de sua exclusiva responsabilidade, sem afetar a Administração permitente. Embora praticados por delegação do Poder Público e sob sua fiscalização, por eles respondem os próprios permissionários, mas, subseqüentemente, poderá ser responsabilizada a Administração permitente, por culpa na escolha ou na fiscalização do executor do serviço." [45]

            Quando o autor diz que subseqüentemente a Administração poderá ser responsabilizada, não se sabe se quis dizer subsidiariamente ou solidariamente! Também, nada menciona a respeito de responsabilidade em caso de insolvência, e não distingue as hipóteses, bem definidas por Celso Antônio e Yussef Cahali, de responsabilidade por dano no exercício da atividade delegada e fora dela.

            Por fim, há Maria Sylvia Zanella di Pietro, que se comporta como se mãe fosse, ou seja, dá razão para todos, para não desagradar ninguém!

            Com efeito, em sua obra "Parcerias na Administração Pública", a autora inicia defendendo a tese da subsidiariedade, citando Celso Antônio. No parágrafo seguinte, contudo, afirma ela ser "inteiramente procedente, também, a tese defendida por Yussef Said Cahali", como abaixo se confere:

            "No entanto, o poder concedente (União, Estado ou Município) responderá subsidiariamente quando os bens do concessionário não forem suficientes para arcar com esse ônus. Cabe, no entanto, alertar para a ressalva feita por Celso Antônio Bandeira de Mello (1995:464), no sentido de que a responsabilidade subsidiária do poder concedente somente se justifica quando o dano seja decorrente da própria prestação do serviço público concedido. (...)

            É inteiramente procedente, também, a tese defendida por Yussef Said Cahali (1995:150-151) no sentido de que a responsabilidade do Estado por ato do concessionário pode ser solidária e não meramente subsidiária, em determinadas circunstâncias em que se verifique a omissão do poder concedente no controle da prestação do serviço concedido ou falha na escolha do concessionário. (...)." [46]

            Observa-se, pois, que Maria Sylvia Di Pietro conjugou as duas correntes, ao revés de optar por uma delas; ou seja, entende que as diferentes posições não se excluem, mas se complementam. Parece que, para ela, deve-se atentar para o caso concreto: se o dano causado decorrer de falha na escolha da concessionária ou omissão na fiscalização, a responsabilidade da Administração seria solidária. Entretanto, se o dano não puder ser reparado em virtude de insolvência da concessionária, então a responsabilidade do poder concedente seria meramente subsidiária. [47]

            Inevitável apontar, contudo, certa incoerência nesse entendimento "misto" ou "democrático". Isto porque, segundo sua lógica, a Administração responde de forma mais grave - solidariamente - quando demonstrado tão somente falha na escolha ou na fiscalização, mas solvente a concessionária; todavia, quando insolvente a mesma, caso em que a vítima do dano não tem outra solução -, aí a responsabilidade da Administração é menor, sendo somente subsidiária.

            Há ainda outra contradição no entendimento de Maria Sylvia, esta mais evidente. Certamente, para Yussef Cahali, se a concessionária mostra-se insolvente, isto é uma prova de que houve omissão na fiscalização ou falha na escolha da concessionária, o que levaria à responsabilização solidária do poder concedente, e não apenas subsidiária. Logo, impossível conjugar-se ambas as correntes, sob pena de, como visto, cair em contradição.

            Sem dúvida, deve prevalecer a tese de que a responsabilidade do poder concedente será subsidiária, e não solidária, e somente quando exauridos os recursos da concessionária. Isso porque, de que adiantaria a delegação do serviço público para um particular (que aferirá lucros com a atividade), se a responsabilidade do poder concedente permanecesse integral? De fato, a Administração Pública, ao delegar um serviço público (nos termos do art. 175, CRFB 88), está visando não só propiciar a prestação do serviço de forma mais adequada (já que o particular teria melhores condições e especialidade técnica), mas também, senão principalmente, diminuir os encargos decorrentes da prestação direta do mesmo. Tanto que Maria Sylvia, como já mencionado, inclui a concessão de serviço público no conceito de privatização, considerado de forma ampla. Que espécie de privatização é essa que a Administração Pública continua solidariamente responsável?

            Provavelmente, se o Poder Público tivesse que reparar, solidariamente com a concessionária, todos os danos por esta causados a terceiros, não haveria mais o instituto da concessão, porquanto demasiadamente oneroso para os cofres públicos, ou, no mínimo, porque nenhuma vantagem apresentaria.

            Nem se diga que, quanto aos prejuízos de terceiros oriundos de comportamentos da concessionária alheios à própria prestação do serviço, nenhuma responsabilidade deve ter a Administração Pública, pelos motivos acima apresentados e pelos já elencados por Celso Antônio Bandeira de Mello, que está coberto de razão sobre o tema.

            Do ponto de vista prático, deve ser ressaltado outro aspecto, já mencionado por ocasião do tema da denunciação da lide do agente público. Ou seja, a não ser quando, de fato, esteja insolvente a concessionária, não há qualquer vantagem em se demandar o Poder Público, uma vez que o particular teria que enfrentar a fila do precatório, correndo o risco de, dependendo do município ou estado, nem receber a indenização.

            Abaixo transcrevem-se três ementas de acórdãos oriundos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e uma do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que corroboram a posição ora firmada:

            "APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS. PODER CONCEDENTE. RESPONSABILIDADE SUBSIDIARIA. ACIDENTE DE TRANSITO COM VÍTIMA FATAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS.

            Comprovado que o preposto da concessionária prestava o serviço público no momento da ocorrência do dano, não há como se afastar o nexo causal e, conseqüentemente, a responsabilidade objetiva do mesmo. Cumpre ao julgador analisar todo o contexto probatório, partindo do fato em si e extraindo da prova o que ela mantém de coerente com o evento, caso em que deve ser afastada a alegação de "error in judicando". (...)

            Responsabilidade civil de natureza objetiva, nos termos do art. 37, par. 6., da CF, sendo primária em relação a concessionária e subsidiária em relação ao Poder Público, caso a primeira não possa adimplir a obrigação. Recurso improvido". (Apelação Cível nº 2001.001.24871, 11ª Câmara Cível do TJRJ, Des. JOSE C. FIGUEIREDO - Julgamento: 22/05/2002).

             .-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-

            "RESPONSABILIDADE CIVIL DE MUNICÍPIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE CIVIL DE CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PUBLICO. FATO CAUSADO POR EMPREGADO DE CONCESSIONÁRIA NO USO DE BEM PUBLICO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO.

            É da índole dos contratos de concessão de serviços públicos que sejam eles prestados por conta e risco do concessionário, razão que inspirou o legislador a equiparar-lhe a responsabilidade civil a do poder concedente. Tem o concessionário responsabilidade civil primária pela reparação do dano causado por empregado seu quando no uso de bem público de domínio do poder concedente cuja posse lhe foi cedida por forca do contrato de concessão e para execução dos serviços concedidos. Responsabilidade apenas subsidiária do poder concedente. Ilegitimidade passiva reconhecida para responder a ação de ressarcimento de danos. Recurso voluntário provido. Sentença reformada em reexame, necessário para extinguir-se o processo sem exame do mérito". (Apelação cível nº 1999.001.08937 – 5ª Câmara Cível do TJRJ, Des. CARLOS RAYMUNDO CARDOSO - Julgamento: 31/08/1999)

             .-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.

            "PROTESTO INDEVIDO DE TITULO. APONTE DO NOME COMO DEVEDOR INADIMPLENTE. DÍVIDA JÁ PAGA. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE SUBSIDIARIA DO ESTADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA

            Ação de indenização por danos morais. Protesto de título e nome da empresa no cadastro de inadimplentes, após a quitação da dívida. Responsabilidade objetiva do oficial de registro e subsidiária do Estado. Ilegitimidade passiva do Estado reconhecida. A responsabilidade do Estado é subsidiária e não solidária pelos danos causados a terceiros pelos notários e registradores e só deve responder em casos de insolvência do delegatário. Assim, tendo a empresa Autora alegado ter sofrido danos por atos do titular do cartório de notas, somente após exauridos os recursos da entidade prestadora de serviços públicos, pode buscar do Estado a indenização que afirma fazer jus. Recurso provido".(Apelação Cível nº 2003.001.10272 – 2ª Câmara Cível do TJRJ, Des.ELISABETE FILIZZOLA - Julgamento: 08/10/2003).

             .-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-

            "RESPONSABILIDADE CIVIL. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. INOCORRÊNCIA. ERRO DO OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS. DANOS MATERIAIS. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA AFASTADA.

            Inobstante o serviço notarial seja exercido em caráter privado, trata-se de atividade pública explorada por delegação do agente público, no caso o Estado do Rio Grande do Sul, resultando daí sua legitimidade subsidiária para responder por eventuais danos causados pelos agentes privados prestadores de serviços públicos. Trata-se de ação de indenização movida contra o Estado do Rio Grande do Sul e contra o Oficial do Registro de Imóveis de Caxias do Sul pelo fato de que o último teria emitido certidões equivocadas acerca de determinado devedor do autor, causando-lhe prejuízos de ordem material. Situação em que, embora tenha sido demonstrado o erro cartorário no fornecimento de certidão, tal fato ocorreu depois dos alegados prejuízos, o que exclui o nexo causal entre a conduta do Oficial e o dano sofrido, o que leva à improcedência da ação. APELOS PROVIDOS, PRELIMINAR REJEITADA." (Apelação Cível Nº 70008453367, 10ª Câmara Cível do TJRS, Des. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA, Julgado em 07/10/2004)

            3.9.1 Posição dos credores diante da falência de concessionários

            Outra questão relevante, mas também muito pouco explorada pela doutrina, é a posição dos credores diante da falência dos concessionários de serviço público, pois, em virtude desta, opera-se em favor do poder concedente a reversão dos bens aplicados ao serviço.

            Mais uma vez, é Celso Antônio Bandeira de Mello quem melhor esclarece as conseqüências da falência e da reversão dos bens, do ponto de vista dos credores.

            Afirma ele:

            "Já por força da reversão, já por força do princípio da continuidade do serviço público - que, aliás, estriba a necessidade de reversão -, fica perceptível a todas as luzes que os credores não se poderiam saciar no acervo requerido para a prestação do serviço. De outro lado, também não poderiam, pelo só fato de a falida ser concessionária, ver simplesmente escamoteados os recursos sobejantes correspondentes à massa.

            Então, desde logo, concorrem aos bens da concessionária não afetos à prestação do serviço, pois no que a estes concerne é estranho o poder concedente. Outrossim, consoante já visto, o concedente assumirá responsabilidade subsidiária integral pelos prejuízos resultantes da própria execução do serviço.

            Põem-se, agora, em pauta tão-só os créditos estranhos à hipótese acima aludida. A solução, no que a estes concerne, será o Estado responder até o montante do valor dos bens revertidos, porquanto, graças à reversão, assumiu para si o acervo que seria garante dos credores." [48]

            Logicamente, esse entendimento só tem razão de ser se considerado, conjuntamente, a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, nos termos já defendidos pelo mesmo autor. Assim, embora omisso, certamente seria diversa a posição de Yussef Cahali sobre o assunto, já que, como exposto, entende ser a responsabilidade ora solidária (por danos causados por força do exercício da atividade delegada) ora subsidiária (por prejuízos oriundos de atividade alheia à prestação do serviço público concedido).

            No mesmo sentido de Celso Antônio, está Diógenes Gasparini, que entende que, se o poder concedente promover a extinção da outorga - não especifica o motivo -, e a conseqüente reversão dos bens, deverá responder até o valor dos bens recebidos; afirma, no mais, a responsabilidade subsidiária da Administração, em conformidade com o primeiro autor. Transcreva-se trecho que confirma o exposto:

            "Não há, pois, que falar em responsabilidade do concedente. Mas se este promover a extinção da outorga, e, em razão da continuidade do serviço, apropriar-se dos bens e instalações aplicados na sua execução, responderá até o valor dos bens recebidos, dado que somente estes se destinavam a garantir suas obrigações. A par disso, sua responsabilidade é subsidiária sempre que, esgotadas as forças do concessionário, restar por satisfazer certo montante decorrente de obrigações originadas diretamente da prestação dos serviços (indenizações em razão de acidentes)." [49]


4 AS PERMISSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO

            Além dos serviços concedidos, acima analisados, há ainda os serviços permitidos, que também são modalidade de serviço delegado ao particular, apenas por forma e com garantias diversas, abaixo enfrentadas. A permissão está igualmente prevista no art. 175 da Constituição da República e também sujeita-se às disposições da Lei nº 8.987/95, por força do art. 40, parágrafo único.

            4.1 Natureza jurídica da permissão de serviços públicos

            Lei e doutrina se contrapõem no que tange à natureza jurídica da permissão. Isso porque, enquanto o inciso I do art. 175 da Carta Magna e o art. 40 da Lei 8.987/95 atribuem natureza contratual à permissão, autores de peso são unânimes em afirmar sua natureza de ato unilateral, e aí estaria sua principal diferença em relação ao instituto da concessão. Contudo, não bastasse afirmar sua natureza contratual, o citado art. 40 foi ainda mais preciso: trata a permissão de contrato de adesão, afirmação esta alvo de veementes críticas da mais autorizada doutrina.

            Vale a pena transcrever as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, que traz ferrenha crítica ao art. 40 da Lei nº 8.987/95:

            "...a Lei 8.987, ao invés de tomar uma posição clara e definida em relação ao instituto da permissão, atribuindo-lhe uma caracterização certa – isto é, como ato unilateral e precário, ou, inversamente, como contrato -, optou por tentar conciliar o inconciliável e instaurou o caos mais absoluto.

            Deveras, o art. 40 da lei, como se pretendera rivalizar com o `samba do crioulo doido´, estatuiu: `A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente´".

            De certo, a discussão sobre a natureza jurídica da permissão tem relevância prática, especialmente no momento da revogação da delegação por parte do Poder Público.

            Maria Sylvia Di Pietro explica: "...enquanto a concessão é contrato, e, portanto, instituto que assegura maior estabilidade ao concessionário, em função do estabelecimento de direitos e deveres recíprocos, especialmente decorrentes do estabelecimento de um prazo, a permissão é ato unilateral, discricionário e precário, não envolvendo, por isso mesmo, qualquer direito do particular contra a Administração Pública." [50]

            4.2 A precariedade na permissão

            Com efeito, precariedade é palavra de múltiplos sentidos, que pode significar instabilidade, transitoriedade, revogabilidade, inexistência de prazo. Ensina Maria Sylvia Di Pietro que, para fins de distinção entre concessão e permissão, é preciso considerar dois sentidos do vocábulo precariedade: de um lado, significa que o ato é revogável a qualquer tempo, por iniciativa da Administração, e, de outro lado, significa outorga sem prazo estabelecido, e, portanto, revogável a qualquer momento pela Administração, sem direito a indenização. [51]

            Ainda segundo a autora, o primeiro sentido atribuído à precariedade – possibilidade de revogação a qualquer momento do ato jurídico pela Administração – está presente tanto na concessão como na permissão de serviços públicos. Assim, mesmo no caso de contrato, em que a fixação de um prazo é obrigatória, o interesse público justificaria a revogação do mesmo a qualquer momento, possibilidade esta prevista no art. 58, II, da Lei nº 8.666/93.

            No segundo sentido, porém - o de outorga sem prazo - a precariedade não está presente na concessão, por disposição expressa do art. 23, I, da Lei nº 8.987/95, e, genericamente, pela proibição de celebração de contrato administrativo sem prazo determinado, prevista no art. 57, § 3º, da Lei nº 8.666/93.

            Na verdade, o prazo é essencial na concessão tendo em vista que em função dele pode variar o valor da tarifa, para estabelecimento do inicial equilíbrio econômico-financeiro - elemento, como visto, essencial ao contrato de concessão; quanto maior o prazo, menor poderá ser a tarifa, já que maior será o tempo para recuperação dos investimentos por parte do concessionário.

            Maria Sylvia Di Pietro é bastante didática ao discorrer sobre a precariedade no caso da concessão e da permissão; por isso transcreve-se trecho de sua obra:

            "Nesse caso - no da concessão - a precariedade não existe no ato de outorga; a natureza do serviço, a exigir investimentos de grande porte, aconselha, em determinadas circunstâncias, a Administração a optar por uma forma de delegação mais prolongada, mais estável para o contratado. Para esse fim, ela fixa um prazo que constitui, para o concessionário, uma garantia, pois significa que o poder concedente, para rescindir o contrato extemporaneamente, por razões de interesse público, deverá responder por perdas e danos. Isto é o que sempre entendeu a doutrina e é o que determina o direito positivo: para os contratos administrativos em geral, o art. 79, § 3º, da Lei nº 8.666, e, para a concessão de serviço público, os arts. 35, § 4º, e 37 da Lei nº 8.987.

            Na realidade, a fixação de prazo cria para o particular uma expectativa de estabilidade a justificar os maiores encargos que assumirá em decorrência do contrato; frustrada, pela rescisão extemporânea, essa expectativa que o Poder Público espontaneamente criou, tem o concessionário direito a compensação de natureza pecuniária, se não foi ele o inadimplente do contrato.

            Já na permissão, a precariedade encontra-se na própria origem do ato de outorga; a Administração, ao consentir, por ato formal, na outorga da prestação do serviço público ao permissionário, já o faz com a nota da precariedade; o particular que recebe a permissão já sabe que ela é dada a título precário, sem prazo estabelecido, e que, por isso mesmo, pode ser retirado, a todo momento, pela Administração, sem qualquer direito a reparação pecuniária. Nessa hipótese, o fundamento da possibilidade de revogação por ato unilateral é a própria precariedade inerente ao ato formal da permissão. Essa precariedade afasta o direito de o permissionário opor-se à revogação e de pleitear qualquer tipo de compensação pecuniária."(grifou-se) [52]

            Considerando os aspectos acima, ou seja, a possibilidade de revogação da permissão a qualquer tempo sem direito a indenização, Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece que a permissão se revela mais adequada que a concessão quando: a) o permissionário não necessita alocar grande capital para o desempenho do serviço; b) possa mobilizar, para diversa destinação e sem maiores transtornos, o equipamento utilizado; c) o serviço não envolva implantação física de aparelhamento que adere ao solo, ou, finalmente, quando; d) os riscos da precariedade a serem assumidos pelo permissionário fossem compensáveis seja pela extrema rentabilidade do serviço, seja pelo curtíssimo prazo em que se realizaria a satisfação econômica almejada. [53]

Exatamente por essas considerações é que a doutrina é quase unânime em afirmar a natureza da permissão de serviço público como ato unilateral e precário, pelo qual a Administração Pública outorga a alguém o direito de prestá-lo. Ressalte-se, entretanto, que as alterações unilaterais e até mesmo eventual encerramento da permissão, devem ter fundadas razões de interesse público; do contrário, tornar-se-ia, embora discricionário, ato ilegítimo, despido de razoabilidade.

            4.2.1 Permissão a prazo determinado

            Muito embora esse seja o entendimento dominante, alguns doutrinadores ressalvam a possibilidade serem delegadas permissões com prazo determinado ou com condicionamentos à faculdade de revogação; é o que Hely Lopes Meirelles denomina de permissão condicionada e José Cretella Junior de permissão qualificada.

            De fato, a fixação de prazo na permissão de serviço público aproxima este instituto de tal forma ao da concessão, que ambos acabariam por se confundir, porquanto, uma vez determinado um prazo certo, surgiria para a permissionária o direito de vê-lo cumprido, sob pena de, legitimamente, poder demandar em face da Administração Pública por perdas e danos, se não deu ela causa ao rompimento extemporâneo.

            Sublinhe-se, ainda, que o art. 2º, inciso IV da Lei nº 8.987/95, ao definir a permissão, além de determinar que é ela dada a título precário, não contém qualquer referência a "prazo determinado", termo que consta dos incisos II e III, referentes à concessão. Parece, pois, evidente o intuito de o legislador de autorizar permissões por prazo indeterminado, criando uma exceção à regra do art. 57, §3º, da Lei 8.666/93, caso se venha a considerar a natureza contratual daquele instituto. [54]

            É verdade, porém, que a ausência de prazo determinado pode ensejar a duvidosa situação de ter-se, na prática, uma permissão suscetível de perdurar ad infinitum, o que, na atual situação política do país, realmente não seria recomendável. Infelizmente, o legislador, como brilhantemente exposto por Celso Antônio no trecho acima transcrito, ao invés de por fim a antigas controvérsias da doutrina – de forma minimamente coerente –, "pôs lenha na fogueira", aludindo a instituto tipicamente do direito privado – como o é o contrato de adesão –, utilizado em sua maioria entre fornecedores e consumidores, e não em contratos entre particulares e a Administração Pública.

            Mas, como em tese a lei não contém palavras inúteis, continuam os doutrinadores a discutir sobre a possibilidade de prazo determinado na permissão de serviços públicos, até que venha algum dispositivo esclarecedor ou, ao menos, até que a jurisprudência firme um entendimento a respeito.

            4.3.Considerações finais

            Com efeito, fora esse elemento essencial que caracteriza o instituto da permissão de serviço público, qual seja, a precariedade, as demais características muito se aproximam da concessão de serviço público, especialmente no que tange à responsabilidade da permissionária de serviço público frente terceiros e usuários, bem como à responsabilidade da Administração Pública diante de danos causados pela permissionária a terceiros e aos consumidores dos serviços oferecidos, temas já exaustivamente abordados acima, motivo pelo qual desnecessário repetir aqui.

            Também a outorga de prerrogativas públicas é conferida à permissionária de serviços públicos.

            Portanto, a diferença restringe-se mesmo à inexistência de responsabilidade do Poder Público quando revoga o ato unilateral pelo qual delegou o serviço público mediante permissão, exatamente em virtude da precariedade do instituto.

            Por fim, outra peculiaridade que não deve passar desapercebida é a possibilidade de a permissão ser feita a pessoa física, por disposição expressa de lei, prevista no art. 2º, IV, da Lei 8.987/95, abaixo transcrita:

            "Art. 2º:...

            IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco."

            Já o mesmo artigo, no inciso II, que define a concessão de serviço público, exclui a pessoa física dos capacitados para receberem a concessão, referindo-se apenas "à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho", consoante acima já mencionado.


5 AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

            O presente capítulo tem por objetivo abordar os principais aspectos do instituto da autorização de serviços públicos, de forma a compará-lo com os dois institutos já tratados, quais sejam, concessão e permissão de serviços públicos. Exatamente por não caracterizar tema central do trabalho, e por ser a abordagem mais superficial, não se dividirá o capítulo em sub-itens, como foi até o momento feito.

            Primeiramente, cumpre esclarecer que no direito brasileiro a autorização administrativa tem várias acepções. De acordo com Maria Sylvia Di Pietro, num primeiro sentido, autorização designa "ato unilateral e discricionário pelo qual a Administração faculta ao particular o desempenho de atividade material ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos. Trata-se de autorização como ato praticado no exercício do poder de polícia." [55] Também com esse sentido, define José Cretella Júnior: "autorização é o ato unilateral do Poder Público, mediante o qual, por provocação do interessado, a administração remove o obstáculo legal para facultar-lhe o exercício de uma atividade, de outro modo, proibida" [56]. Ele desenvolve a definição:

            "Unilateral, porque o ato se perfaz unicamente pela manifestação da vontade da Administração, já que, supondo embora uma solicitação do interessado, esta não se incorpora a medida emanada, da qual participa como simples antecedente. Provocação, porque, na quase totalidade dos casos, a Administração não procede sponte sua, mas age mediante requerimento do interessado. Remoção de obstáculo, porque a norma penal proibitiva funciona como ‘obstáculo, barreira ou limite’, ao referido exercício. A autorização derroga a norma penal, removendo-a. Faculdade, porque o interessado tem, in potentia, a possibilidade do exercício, que se transforma em direito, depois da anuência da Administração. Exercício, porque o interessado desenvolve atividades materiais, até então proibidas. Proibida, porque o exercício, não autorizado, configura atividade ilícita, à qual o direito positivo comina sanções....Discricionário, porque a Administração, ao editá-lo – o ato administrativo unilateral – consulta apenas a oportunidade ou a conveniência da medida." [57]

            Exemplos dessa hipótese seriam: competência da União para autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico (art. 21,VI, da CRFB 88) e para autorizar a pesquisa e lavra de recursos naturais (art. 176, da CRFB 88), ou autorização para o porte de arma, previsto em legislação infraconstitucional.

            Dos exemplos citados percebe-se que a autorização abrange hipóteses em que o exercício de atividade ou prática de ato são vedados por lei ao particular, por razões de interesse público concernentes à segurança, à saúde, à economia ou outros motivos concernentes à tutela do bem comum. Por isso, fica reservada à Administração a faculdade de, com base no poder de polícia do Estado, afastar a proibição em determinados casos concretos, quando entender que o desempenho ou a prática do ato não se apresenta nocivo ao interesse da coletividade. E, exatamente por estar condicionada à compatibilidade com o interesse público que se tem em vista proteger, a autorização pode ser revogada a qualquer momento, desde que essa compatibilidade deixe de existir. [58]

            Logo, difere da licença, que também é formalizada por um alvará, porque esta é ato vinculado e definitivo, não podendo, em regra, ser negada nem desfeita pelo Poder Público se preenchidos os requisitos exigidos em lei para a sua outorga.

            O segundo sentido atribuído ao instituto da autorização é o ato administrativo unilateral e discricionário pelo qual o Poder Público faculta ao particular o uso privativo de bem público, a título precário. É a autorização de uso.

            Na terceira acepção, agora sim compatível com o objeto do presente trabalho, autorização de serviço público é ato administrativo unilateral e discricionário pelo qual o Poder Público delega ao particular a exploração de serviço público, a título precário.

            O art. 175 da Constituição de 1988 faz referência apenas à concessão e à permissão como formas de prestação de serviços públicos. Mas o art. 21, incs. XI e XII, arrolam os serviços que a União pode executar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão. Exatamente por ter o citado artigo se referido só à União, houve quem sustentasse que a autorização do serviço público não é mais admitida para Estados e Municípios. Parece que o entendimento que predomina, contudo, é que nada impede que as Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais disponham sobre sua utilização, observados os princípios que regem a Administração Pública. [59]

            Assim, estabelece a Constituição da República de 1988, em seu art. 21, incs. XI e XII:

            "Art. 21. Compete à União:

            XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

            XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

            a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;

            b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;

            c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;

            d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;

            e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;

            f) os portos marítimos, fluviais e lacustres.

            Segundo Miguel Reale, citado na obra de Maria Sylvia, o legislador estabeleceu uma "gradação entre a autorização, a permissão e a concessão de serviço público, segundo o índice de participação ou de controle do Poder Público no concernente aos bens e serviços." De fato, a autorização e a permissão, como visto, são atos unilaterais e a concessão é um contrato. Acrescenta, ainda, Miguel Reale: "a permissão se constitui como se fora autorização e é exercida como se fora concessão...". Com isso, o jurista está apontando uma característica comum aos dois institutos: ambos são outorgados por ato administrativo unilateral, discricionário e precário. E, ao afirmar que a permissão é exercida como se fora concessão, está apontando também uma característica comum a ambas que não existe na autorização: a outorga de prerrogativas públicas ao concessionário e ao permissionário. [60]

            Dessa forma, a autorização de serviço público, assim como a autorização de uso de bem público, é dada no interesse exclusivo do particular que a obtém. De acordo com Hely Lopes Meirelles, "A modalidade de serviços autorizados é adequada para todos aqueles que não exigem execução pela própria Administração, nem pedem especialização na sua prestação ao público, como ocorre com os serviços de táxi, de despachantes, de pavimentação de ruas por conta dos moradores, de guarda particular de estabelecimentos ou residências, os quais, embora não sendo uma atividade pública típica, convém que o Poder Público conheça e credencie seus executores e sobre eles exerça o necessário controle no seu relacionamento com o público e com os órgãos administrativos a que se vinculam para o trabalho." [61]

            Se de um lado, exatamente por ser a autorização dada no interesse exclusivo do particular, não há necessidade de que lhe sejam delegadas prerrogativas públicas, de outro, não está o particular vinculado aos princípios da continuidade, mutabilidade, igualdade entre os usuários, a que estão os permissionários e concessionários de serviço público. Mas isso não isenta o Poder Público de, também com base no seu poder de polícia, estabelecer as condições em que a atividade será exercida e fiscalizar seu exercício.

            Logo, os serviços autorizados só auferem as vantagens que lhe forem expressamente deferidas no ato da autorização, e sempre sujeitas a modificação ou supressão sumária, dada a precariedade ínsita desse ato. Nesse sentido, a autorização deve ser outorgada sem prazo determinado, de tal forma que o Poder Público possa revogá-la a qualquer momento, sem direito à indenização. De acordo com Maria Sylvia, "a fixação de prazo poderá investir o beneficiário em direito subjetivo oponível à Administração, consistente em perdas e danos, em caso de revogação extemporânea. Aplica-se aqui, mutatis mutandis, o que foi dito a respeito da permissão com prazo." [62]

            Por fim, quanto à responsabilidade do Poder Público, tem-se que os particulares autorizatários não são agentes públicos, nem praticam atos administrativos; prestam, apenas, serviço de interesse da comunidade, por isso mesmo controlado pela Administração e sujeito à sua autorização. Portanto, a contratação desses serviços com o usuário é sempre uma relação de Direito Privado, sem a participação ou responsabilidade do Poder Público. Qualquer irregularidade deve ser comunicada à Administração autorizante, mas unicamente para que ela conheça a falta do autorizatário e, se for o caso, lhe aplique a sanção cabível, inclusive a cassação da autorização. [63]


6 CONCLUSÃO

            Como pôde se perceber, o presente trabalho não pretendeu inovar no Ordenamento Jurídico, mas sim apontar para as principais características envolvendo as empresas prestadoras de serviço público, notadamente aquelas que oferecem polêmica doutrinária e jurisprudencial, apresentando, na medida do possível, nosso posicionamento.

            A idéia foi dar maior enfoque ao tema da responsabilidade civil das concessionárias e permissionárias de serviço público. Para isso, tornou-se inevitável dedicar o primeiro capítulo à evolução histórica da responsabilidade civil do Estado no mundo e no Brasil, porquanto fonte daquela.

            Assim, vimos que, desde a Constituição da República de 1946, a responsabilidade civil da Administração Pública quanto aos danos causados a terceiros é objetiva, ressalvada a ação de regresso contra o agente estatal que agir com culpa ou dolo, com o que resta ao Poder Público provar a ausência do nexo de causalidade entre o ato e o dano, de forma a livrar-se do dever de indenizar.

            Contudo, a Carta de 1988 teve sua importância, especialmente para o desenvolvimento desta tese, na medida em que dispôs, no parágrafo 6º do artigo 37, que dita responsabilidade objetiva se estende às empresas privadas prestadoras de serviço público. De fato, essa foi uma grande conquista dos administrados, usuários e não-usuários dos serviços públicos prestados pelas concessionárias e permissionárias, já que se desincumbiram do pesado ônus de comprovar em Juízo a culpa do agente causador do dano.

            Ressaltou-se, por outro lado, que o legislador perdeu grande oportunidade ao não repetir, no art. 43 do novo Código Civil, a norma constitucional, fazendo referência apenas à responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público interno, desprezando a das empresas privadas prestadoras de serviço público, já há 14 anos consagrada no Ordenamento Constitucional, quando da publicação do novo Código.

            Por outro lado, viu-se que ainda hoje restam dúvidas quanto à responsabilidade civil pelos atos omissivos - se seria objetiva ou subjetiva -, e quanto à possibilidade de denunciação da lide ao agente causador do dano pelo Poder Público. Entendemos, embora omissa a doutrina, que tais discussões devem igualmente permear as lides envolvendo as empresas prestadoras de serviço público, haja vista a aludida equiparação das responsabilidades pela Constituição de 1988.

            Além disso, conquanto os doutrinadores administrativistas pouco se refiram ao tema, o implemento do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, também revelou grande avanço na legislação, reforçando a responsabilidade objetiva das concessionárias e permissionárias prestadoras de serviço público em relação aos danos causados aos seus usuários e também aos consumidores por equiparação, ao incluí-las no conceito de fornecedores de serviços, para fins da aplicação do referido diploma.

            De outro lado, a Lei nº 8.987, de 1995, veio reforçar ainda mais a responsabilidade das mencionadas delegatárias de serviço público, de forma a espancar qualquer dúvida que ainda restasse.

            Exatamente por isso, inevitável repetir nossa indignação ao ler o mencionado julgado da Segunda Turma da Suprema Corte Constitucional, sendo vencedora a tese, alavancada pelo Ministro Relator Carlos Velloso, segundo a qual a exegese do art. 37, § 6º, da CRFB, seria no sentido de que "a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário". Ressaltando, mais uma vez, de forma a fazer justiça e trazer alguma esperança, os votos vencidos dos eminentes Ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello.

            Pode-se dizer que esse julgamento rema contra a maré, porquanto já pacífico nos Tribunais de Justiça, quiçá nos Juizados Especiais, a responsabilidade objetiva das empresas prestadoras de serviços públicos (especialmente as prestadoras de transporte coletivo, objeto do julgado) também quanto aos terceiros, ou melhor, especialmente quanto aos terceiros, se feita interpretação literal do referido dispositivo constitucional.

            Por fim, quanto à responsabilidade do Poder Concedente frente aos danos causados pelas concessionárias e permissionárias de serviço público, tema também explorado neste trabalho, mostramos que há basicamente dois posicionamentos na doutrina.

            Como já afirmado, os dois doutrinadores que se dedicaram ao tema com mais profundidade foram Celso Antonio Bandeira de Mello e Yussef Said Cahali, sendo que os demais autores se restringem a referir-se aos dois acima.

            Entendemos que o melhor posicionamento é mesmo o de Celso Antonio, porquanto mais razoável, e em consonância com a realidade fática e social. Assim, quanto aos danos resultantes da atividade diretamente constitutiva do desempenho do serviço, incidiria a responsabilidade subsidiária da Administração, em caso de insolvência do concessionário ou permissionário. E, quanto aos prejuízos causados a terceiros oriundos de comportamentos do concessionário, alheios à própria prestação do serviço, não haverá qualquer responsabilidade do Poder Concedente.

            Nada mais justo. Se o Poder Público tiver que reparar, solidariamente com a concessionária, todos os danos por esta causados a terceiros – como quer Yussef Cahali e Gustavo Tepedino -, não haveria mais o instituto da concessão, vez que demasiadamente oneroso para os cofres públicos, ou, no mínimo, porque nenhuma vantagem apresentaria.

            Não obstante, entendemos que o Poder Concedente tem não só o poder, mas o dever de exercer rígida fiscalização sobre as empresas privadas prestadoras de serviços públicos, de modo a verificar constantemente se os termos do edital e do contrato estão sendo respeitados, e se o serviço está sendo prestado de forma adequada, eficiente, segura e, quanto aos essenciais, contínua, sob pena de ver-se justificada a tese da responsabilidade solidária.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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            CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

            DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

            DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

            AMARAL, Carlos Cintra do. Concessão de Serviço Público. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1996.

            MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

            CRETELLA JÚNIOR, José. Dos Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

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            SOUTO, Marcos Juruena Villela. Gestão Alternativa de Serviços Públicos. Artigo da extraído da Revista de Direito Administrativo, nº 219.

            BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília, DF, 1988.

            BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <http://www.stj.gov.br >.

            BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://www.stf.gov.br> .

            BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em <http://www.tj.rj.gov.br >.

            BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em <http://www.tj.rs.gov.br >.


NOTAS

            01 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

            02 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 205.

            03 TEPEDINO, Gustavo. Op cit. p. 205.

            04 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 565.

            05 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 565.

            06 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 884.

            07 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.911

            08 Acrescenta Gustavo Tepedino, Op. cit. p. 207, citando Aguiar Dias (Da Responsabilidade Civil) e Agostinho Alvim (Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências): "Desde então, autores de escol pronunciaram-se favoravelmente à revogação do art. 15 do Código Civil de 1916, tese entretanto fortemente combatida pela doutrina e jurisprudência majoritárias, ao argumento de que o texto constitucional não seria autoaplicável tendo como destinatário o legislador ordinário: ´o referido parágrafo único (do art. 194, CF de 1946) não impõe a responsabilidade do Poder Público em qualquer caso, mas legisla para os casos em que tal responsabilidade se define pelo risco, o que é muito diferente. Qualquer pessoa, em regra geral, responde pela culpa; mas, pode, excepcionalmente, responder pelo risco. Se ele (o Poder Público) opera num setor onde a responsabilidade se apura segundo a teoria do risco - suponhamos como transportador - a sua responsabilidade é objetiva´.

            Na mesma linha metodológica, ainda hoje influente em nosso direito civil, lecionava aquela conceituada doutrina: `Não nos parece, todavia, que o art. 194 invocado tenha trazido, nesse ponto, a alteração pretendida. A Constituição atribui responsabilidade ao Poder Público, mas esta se entende segundo a lei civil; seria, aliás, estranhável que a Lei Magna descesse às questões secundárias do fundamento da responsabilidade, quando é certo que o estatuto político fica sempre nos princípios mais gerais. E também estranhável seria que a Constituição agravasse, por aquela forma, a responsabilidade do Poder Público, até aqui orientada, ordinariamente, pela culpa e, só excepcionalmente, pelo risco`".

            09 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 894.

            10 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 895/896.

            11 TEPEDINO, Gustavo. Op. cit. p. 210/212.

            12 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 261.

            13 (RT, 715:258)

            14 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 887.

            15 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 917

            16 A doutrina afirma com freqüência que este é o posicionamento do STJ, vide REsp 328284/RJ, REsp 448409/SP,entre outros. Há, contudo, alguns acórdãos, proferidos pela Primeira Turma do STJ, que apresentam posicionamento diverso, acolhendo a denunciação do agente causador do dano, vide REsp 156289/SP, Resp 149999/PR, cuja ementa transcreve-se: "RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ACIDENTE DE VEICULO – DENUNCIAÇÃO DA LIDE - FACULTATIVA. Em nome da celeridade e da economia processual, admite-se e se recomenda que o servidor publico, causador do acidente, integre desde logo a relação processual. Sendo indeferida, entretanto, não justifica anular-se o processo a fim de que seja promovida a denunciação, pois iria contra os próprios princípios de economia e celeridade processuais. Recurso improvido."

            17 O afirmado posicionamento do Supremo Tribunal Federal foi retirado da doutrina, muito embora, em pesquisa jurisprudencial feita no site do STF, não foi encontrado qualquer acórdão nesse sentido. E, o acórdão citado pelos livros, o RE 90.071, refere-se, na verdade, à possibilidade de o demandante ajuizar a ação em face do Estado e do funcionário ao mesmo tempo, hipótese esta diferente da ora tratada.

            18 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na AdministraçãoPública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 70.

            19 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 657

            20 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 661

            21 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 661

            22 Partindo dessa assertiva, afirma Celso Antonio Bandeira de Mello que é manifestamente inconstitucional o disposto no art. 1º, inciso VII, da Lei 9.074/95, nela inserido pela Lei 9.648/98, eis que tal inciso inclui os serviços postais entre as atividades passíveis de permissão ou concessão, o que ofenderia a Carta Constitucional, diante do inciso X, art. 21, CRFB 88, combinado com os incisos XI e XII do mesmo dispositivo. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p.661

            23 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 662

            24 CRETELLA JÚNIOR, José. Dos Contratos Administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 134

            25 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 664

            26 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 382

            27 CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit. p. 137

            28 CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit. p. 177

            29 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 694

            30 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 670

            31 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 674

            32 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na AdministraçãoPública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 109

            33 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 672

            34 Ressalve-se, porém, que, sendo a concessionária empresa estatal, estará ela livre apenas da autorização, mas não da licitação.

            35 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 110

            36 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 672

            37 AMARAL, Carlos Cintra do. Concessão de Serviço Público. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 25.

            38 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 535

            39 GASPARINI, Diogenes. Op. cit. p. 302

            40 Insta esclarecer que tal constatação não foi retirada de nenhuma fonte doutrinária ou mesmo jurisprudencial, já que a questão processual ficou alheia à discussão, sendo somente divagação da autora da presente tese.

            41 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 699/700

            42 CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. cit. p. 252/253

            43 TEPEDINO, Gustavo. Op. cit. p. 196/197

            44 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 151/152

            45 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 384

            46 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na AdministraçãoPública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 92

            47 Frise-se que essa conclusão não é da citada autora, que, na verdade, nada concluiu, e, por isso pode estar equivocada.

            48 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 701

            49 GASPARINI, Diogenes. Op. cit. p. 333.

            50 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 128/129

            51 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 129/130

            52 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na AdministraçãoPública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 130/131

            53 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 702

            54 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na AdministraçãoPública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 132

            55DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na AdministraçãoPública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 132.

            56 CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit. p. 221

            57 CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit. p. 221/222

            58DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4ª ed. São Paulo:Atlas, 2002, p. 133.

            59 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Gestão Alternativa de Serviços Públicos. Revista de Direito Administrativo, nº 219.

            60DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na AdministraçãoPública. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 134.

            61 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 386

            62DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4ª ed. São Paulo:Atlas, 2002, p. 135.

            63 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit. p. 386

 

 

 

LEVY, Nara. Aspectos principais das formas de delegação de serviço público . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1151, 26 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8843>. Acesso em: 19 set. 2006