Disciplina - Complexidade, Conhecimento e Sociedades em Rede 20151


PoreGov- Postado em 29 março 2015

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC

Complexidade, Conhecimento e Sociedades em Rede (mestrado e doutorado PPGEGC)

Direito Informática e Sociedade (mestrado PPGD)

Direito e Sociedade do Conhecimento (doutorado PPGD)

Professor: Aires José Rover - http://infojur.ufsc.br/aires

3as feiras, 15 - 18 hs

 

CRONOGRAMA



03/mar Introdução
10/mar Introdução
17/mar A visão sistêmica da vida - Capra, p 13-92
24/mar A visão sistêmica da vida - Capra, p 93-168
31/mar A visão sistêmica da vida - Capra, p 169-298
07/abr A visão sistêmica da vida - Capra, p 299-420
14/abr A visão sistêmica da vida - Capra, p 421-564
21/abr feriado
28/abr A árvore do conhecimento  - Maturana, p 171-266
05/mai A mente corporea - Varela, parte IV em diante - p 143 - 267
12/mai fechamento

 

METODOLOGIA

Haverá discussão das temáticas indicadas com leituras de artigos e livros, apresentações dos mesmos e atividades de publicação no portal egov.ufsc, conforme segue:

1.     O tema será dividido e distribuído individualmente.

2.     Cada um fará e publicará um texto resumo e esquemático na página da disciplina até meia noite de domingo. 

3.     O texto deve ser publicado como comentário à postagem do tema da semana.

4.     Nos encontros todos apresentarão sua parte.

 

AVALIAÇÃO

A avaliação ocorrerá sobre: 1.assiduidade e participação nas aulas, 2.desempenho nas apresentações e exercícios no portal, e 3.artigo a ser produzido individualmente.

O que é a vida?

Para responder a pergunta “o que é a vida?”, Capra parte do reconhecimento da impossibilidade de uma definição científica universalmente aceita da vida. Todavia não se prende a essa dificuldade e nem se dispõe a formular um conceito que seja aceito pelo corpo científico, mas reformula a pergunta em termos mais gerais: “quais são as características essenciais de um sistema vivo?”.

Na busca por essa resposta, parte dos conhecimentos produzidos pela Escola de Santiago (Maturana e Varela), especialmente pela “autopoiese”, ou seja, a capacidade de um ser “fazer a si mesmo”.

Mas a proposta de Capra não é uma análise reducionista da vida, muito pelo contrário, seu objetivo é apresentar uma “visão sistêmica” da vida, observando os organismos vivos na totalidade de suas interações mútuas, por meio de uma abordagem fenomenológica, a partir de quatro observações:

1. automanutenção: manutenção da individualidade apesar da miríade de transformações químicas experimentadas;

2. não localização: a vida não está localizada em parte alguma, a vida é uma propriedade global, que surge das interações coletivas das espécies moleculares dentro da célula;

3. propriedades emergentes: a vida é uma propriedade emergente, no sentido que não está presente nas partes e não se origina apenas quando as peças estão reunidas. A emergência significa o aparecimento de propriedades novas, no sentido de que tais propriedades não estavam presentes nas partes constituintes;

4. interação com o ambiente: a célula não necessita de nenhuma informação vinda de seu ambiente para ser ela mesma, mas necessita de materiais externos para sobreviver. Espistemologicamente se afirma que todo organismo vivo é um sistema operacionalmente fechado, mas termodinamicamente aberto.

Sendo uma unidade autopoiética a mais elementar forma de organização de um organismo vivo, pode-se afirmar que a vida pode ser considerada como um sistema de sistemas autopoieticos interligados.

Considerando o organismo vivo em relação em seu ambiente, faz-se necessário detalhar de que forma ocorre essa interação:

a) acoplamento estrutural: um sistema vivo se relaciona estruturalmente com seu ambiente, por meio de interações recorrentes, cada qual desencadeia mudanças estruturais no sistema;

b) determinismo estrutural: o comportamento de um organismo é determinado, mas não por forças externas, mas pela própria estrutura do organismo, formada por uma sucessão de mudanças estruturais autônomas. Consequentemente, o organismo é ao mesmo tempo determinado e livre;

c) autopoiese social: embora o comportamento no domínio físico seja governado por “leis da natureza” e o comportamento no domínio social seja governado por regras geradas pelo próprio sistema social, verifica-se que as redes sociais exibem os mesmos princípios gerais que as redes biológicas;

Após estabelecer um delineamento para a pergunta “o que é vida?”, Capra se propõe a desenvolver um tema não menos complexo: “o que é a morte?”. Do ponto de vista molecular e estrutural, a morte consiste na desintegração da organização autopoiética que caracteriza a vida. Sendo a essência da vida a interação entre os sistemas autopoiéticos, o desaparecimento desse sistema caracterizaria a morte, que é, portanto, um processo progressivo, correspondente a destruição das propriedades emergentes nos vários níveis, evidenciando a complexidade de todo organismo.

No contexto da interação entre organismo vivo com o meio ambiente, tem-se que essa interação é estruturalmente determinada pela organização interna do organismo vivo, que, então, “cria” o ambiente necessário a autopoiese.

Portanto não há sentido em falar da mente em sentido abstrato. A mente está sempre presente em uma estrutura corporal e vice-versa. A consciência não é uma unidade transcendente, mas sempre se manifesta dentro de uma estrutura orgânica viva. Desta forma, quando se substitui a palavra “mente” por cognição, chega-se à noção de “mente incorporada”.

Na sequência (capítulo 8), Capra trata da questão da ordem e da complexidade no mundo vivo. Na atualidade há consenso entre os biólogos a respeito de que a evolução biológico foi precedida por algum tipo de evolução “pré-biótica”, no qual a transição da matéria não viva para a viva foi produzida por um aumento gradual e espontâneo da complexidade molecular até que as primeiras células vivas emergiram, há cerca de 3,5 bilhões de anos.

No capítulo 9, Capra ressalta a importância do pensamento de Darwin (A origem das espécies, que pode ser encontrado aqui), atualizando sua obra às mais recentes pesquisas. Darwin, contrariando o pensamento cristão de sua época, afirmava que as espécies não são fixas. Para Darwin, “uma vez que o ambiente muda de maneira natural, o resultado provável das mudanças deve ter sido o de que, para sobreviver, as espécies vivas precisam se adaptar ao longo do tempo, e portanto mudar. Consequentemente, os organismos precisam exibir uma adaptação produzida por mudanças ambientais. No entanto, é necessário que a noção de adaptação seja acompanhada pela consideração segundo a qual nem todos os membros seriam capazes de lidar igualmente bem com essas alterações ambientais. O grupo de indivíduos que se adaptasse de maneira mais eficiente seria capaz de se reproduzir e de sobreviver melhor, de modo que a próxima geração seria extremamente enriquecida por indivíduos caracterizados por essas características positivas. Isso, basicamente, é a evolução por meio da seleção natural”.

Lamarck, antes de Darwin, sugeriu que a evolução ou “transformação” de uma espécie, ocorre como resultado de “uma nova necessidade que continua a se fazer sentir”, e que características adquiridas durante a vida de um organismo podem ser herdadas pela prole desse organismo. A teoria da herança de caracteres adquiridos é chamada de herança soft ou lamarckismo. A famosa expressão que caracteriza a teoria da evolução de Lamarck afirma que as funções criam os órgãos e a hereditariedade determina a mudança na prole.

No paradigma científico de sua época, a teoria da evolução de Darwin equivaleu a um terremoto de consequências profundas na sociedade, bem como na vida cotidiana. E foi também o princípio de uma série de outras evoluções. O pensamento evolutivo, depois de Darwin, foi levado muito mais a sério. Nada mais era estático; tudo estava evoluindo.

Darwin introduziu dois conceitos principais: o primeiro, o de que todos os organismos descendiam, com modificações, de um ancestral comum; o segundo, o de que a seleção natural é o mecanismo da evolução. O trabalho Mendel só foi redescoberto no início do século XX, após intenso período de desenvolvimento da genética populacional. Na verdade, o desenvolvimento da genética populacional teve importância fundamental para a criação do que passou a ser chamado de “síntese moderna” ou “neodarwinismo”.

O próximo grande passo na compreensão do processo evolutivo foi dado no nível molecular: a descoberta da estrutura e da função do DNA. Por meio do processo evolutivo, uma rica biodiversidade apareceu no planeta Terra. Descobriu-se que mais de 99% dos genes humanos têm uma cópia aparentada nos camundongos - apesar de uma separação evolutiva de mais de 500 milhões de anos. Além disso, acredita-se que as diferenças entre as raças humanas em todo o mundo são codificadas por apenas 0,1% do genoma humano. Isso significa que a genética molecular demonstrou que não há diferenças significativas entre as diversas raças humanas. Aqui parece que Capra dá uma “escorregada” na linguagem e se refere a “raças” humanas, quando se sabe atualmente que há apenas uma “raça humana”...

Após cuidar do problema do “dogma central” (um gene, uma proteína), Capra apresenta os “três domínios da vida” (last common universal ancestor): archea, bactérias e os eucariontes. A epigenética entende que mudanças podem permanecer (fenótipo), graças a divisões celulares, durante o tempo restante de vida da célula e pode também durar muitas gerações. No entanto, não há nenhuma mudança na sequência de DNA subjacente do organismo (genótipo); em vez disso, fatores não genéticos fazem com que os genes do organismo se comportem ou “se expressem”, de maneira diferente.

Há várias razões para duvidar do dogma central e do determinismo genético correspondente. A noção do “gene egoísta” (Richard Dawkins) é falaciosa, pois transmite a ideia de que um gene opera isoladamente, ocupando-se apenas dos seus próprios interesses egoístas. Mas, na verdade, não faz sentido considerar que um gene isoladamente é responsável por uma função complexa. Para cada função biológica, há sempre uma série de genes trabalhando conjuntamente. A cooperação dos genes uns com os outros é a principal base operacional da genética e, portanto, da evolução.

Finalmente Capra dedica-se aos equívocos do criacionismo e, especialmente do intelligent design – ID. O fato de que os argumentos a favor da evolução darwinista são contraintuitivos e ocasionalmente difíceis de serem explicados a um público amplo, ao passo que os dos criacionistas são fáceis, explica, em parte, a ampla difusão do movimento do ID. O outro argumento usado por proponentes do ID é centralizado na ideia de que se o darwinismo estivesse correto, a vida não teria nenhum propósito e ficaria privada de códigos morais. O problema, como já mencionamos, é que o ID está se espalhando, e carregando consigo ignorância e concepções errôneas sobre a ciência. Seu sucesso se deve a uma combinação de fatores; mas, basicamente, ele reside no fato de que pregar a ignorância e o medo é muito eficiente para convencer ouvintes não críticos, de mentes simples.

Alexandre Botelho

Doutorando em Direito - UFSC