Janelas experimentais para o mental


Porcandia- Postado em 11 abril 2011

As características únicas da vida social humana e seu intenso acoplamento lingüístico foram capazes de gerar um fenômeno novo, ao mesmo tempo tão próximo e tão distante de nossa própria experiência: a mente e a consciência.

Será que podemos fazer algumas perguntas experimentais que nos revelem esse fenômeno de modo mais claro? Por exemplo, poderíamos perguntar a um símio: "Como se sente sendo um macaco?". Tal pergunta, entretanto, por falta de base linguística comum, ficaria sem resposta - embora possa se arguir que alguns primatas aprendem as bases da linguagem de sinais, isto não seria suficiente para responderem àquela pergunta. Falta algo mais: a consciência.
 
Os gorilas, ao se confrontarem pela primeira vez com um espelho, demonstram surpresa, mas logo se acostumam ao efeito e o ignoram, diferente de outros animais que tratam a imagem no espelho como se fosse outro animal. Seria isto um sinal do surgimento da auto-consciência? Experimentos posteriores - pintou-se um ponto vermelho na testa de um gorila sedado e, ao acordar e ver-se no espelho, levou a mão à testa - poderiam ser indicações de que existe, ao menos entre os gorilas e outros primatas superiores, uma certa possibilidade de auto-imagem e portanto de reflexão.
 
Quais seriam os mecanismos recursivos que lhes permitiriam tal reflexo está longe de ser claro, se é que existem de todo. E, se existirem, talvez tenham uma forma muito limitada e parcial. Tal não ocorre com o homem, pois nele a linguagem torna a capacidade de reflexão inseparável de sua identidade.
 
Uma janela muito ampla, que permite entrever o papel do acoplamento lingüístico na geração do mental nos humanos, foi aberta por alguns experimentos feitos com pacientes submetidos a tratamentos neurocirúrgicos, especialmente em pessoas que sofrem de epilepsia.
 
Pacientes submetidos à Comissurotomia - separação dos hemisférios cerebrais pelo corte do corpo caloso - permitiram aos pesquisadores concluir que, no caso do cérebro humano, o todo é maior que as partes. Estes pacientes foram submetidos a experiências em que se mostrava imagens e palavras seletivamente a um de seus hemisférios. Nestas experiências, ao mostrar ao hemisfério direito uma imagem de uma colher, o paciente não tem problemas em encontrá-la pelo tato; se mostrarmos a palavra colher ao mesmo hemisfério, o paciente fica sem ação e, frequentemente, irá dizer que não viu nada.
 
Há uma porcentagem pequena de seres humanos em que a destruição de qualquer dos hemisférios não interfere com a linguagem. Paul, 15 anos, selecionava corretamente a colher em qualquer dos casos, porém, ao se perguntar a cada hemisfério o que seria ao crescer, o esquerdo seria piloto de corridas e o direito desenhista.
 
A interação com ambos os hemisférios provoca condutas que habitualmente identificamos como as de uma mente consciente, capaz de reflexão. A diferença entre Paul e os outros pacientes, que são incapazes dessa duplicação na capacidade linguística oral, com a participação independente de ambos os hemisférios na reflexão linguística falada, mostra que sem a recursividade linguística não teria aparecido a linguagem nem a mente (ou algo assim identificável) em nosso domínio de distinções.
 
 

Referências: MATURANA, H.; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: PalasAthena, 2001.