A Abertura do Mercado Brasileiro de Resseguros


Porvinicius.pj- Postado em 22 novembro 2011

Autores: 
STUBER, Walter Douglas

Através da Lei Complementar nº 126, de 15 de janeiro de 2007 (“LC 126”), foi instituída no País uma nova política de resseguro, retrocessão e sua intermediação, e que também dispõe sobre as operações de co-seguro, as contratações de seguro no exterior e as operações em moeda estrangeira do setor securitário. Essa lei entrou em vigor em 16 de janeiro de 2007, data de sua publicação no Diário Oficial da União.

A LC 126 é um grande avanço na economia brasileira, representando uma importante abertura para atrair investimentos do setor privado e capital estrangeiro para o nosso País, pois extingue o monopólio de resseguro e retrocessão que vigorava no Brasil desde 1939 e até agora beneficiava exclusivamente o IRB – Brasil Resseguros S.A. (“IRB”)[1]. A nova lei classifica o IRB como um ressegurador local[2], que doravante precisará competir com todos os demais resseguradores em igualdade de condições. As funções e atividades regulatórias originalmente atribuídas ao IRB serão exercidas pela Superintendência de Seguros Privados (“SUSEP”)[3], que é o órgão fiscalizador de seguros no Brasil, de acordo com a diretrizes fixadas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (“CNSP”)[4].

 

Analisaremos a seguir as principais regras introduzidas pela LC 126, que contém as seguintes definições:

(i) cedente – é a sociedade seguradora que contrata operação de resseguro ou o ressegurador que contrata operação de retrocessão;

(ii) co-seguro – é a operação de seguro em que duas ou mais sociedades seguradoras, com anuência do segurado, distribuem entre si, percentualmente, os riscos de uma determinada apólice, sem solidariedade entre elas;

(iii) resseguro – é a operação de transferência de riscos de uma cedente para um ressegurador; e

(iv) retrocessão – é a operação de transferência de riscos de resseguro de resseguradores para resseguradores ou de resseguradores para sociedades seguradoras locais.

A nova lei equipara à cedente a sociedade cooperativa autorizada a operar em seguros privados que contrata operação de resseguro, desde que a esta sejam aplicadas as condições impostas às seguradoras pelo CNSP.

De acordo com a classificação prevista na LC 126, existem três tipos de resseguradores: (a) ressegurador local; (b) ressegurador admitido; e (c) ressegurador eventual.

Considera-se ressegurador local aquele que tem sua sede social situada no País, é constituído sob a forma de sociedade anônima e tem por objeto exclusivo a realização de operações de resseguro e retrocessão. Portanto, desde que atenda a esses requisitos, a subsidiária brasileira de uma sociedade resseguradora estrangeira ou uma sociedade resseguradora brasileira controlada por pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou sediadas no exterior, qualifica-se como ressegurador local, nos termos da lei. Como já dissemos anteriormente, o IRB também é um ressegurador local para os fins da LC 126.

O ressegurador admitido é aquele sediado no exterior, mas que mantém escritório de representação no País, e que atendendo às exigências previstas em lei, tenha sido cadastrado como tal na SUSEP, para realizar operações de resseguro e retrocessão.

O ressegurador eventual é a empresa resseguradora estrangeira sediada no exterior, sem escritório de representação no País, e que atendendo às exigências previstas em lei, tenha sido cadastrada como tal na SUSEP para realizar operações de resseguro e retrocessão.

Todavia, uma empresa estrangeira sediada em paraíso fiscal não pode ser cadastrada como ressegurador eventual. O conceito de paraíso fiscal abrange qualquer país ou dependência que não tributa a renda ou que a tributa à alíquota inferior a 20%, ou, ainda, cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade.

Vemos, portanto, que a LC 126 não discrimina as resseguradoras estrangeiras, que poderão operar no Brasil em qualquer das modalidades previstas em lei, ou seja, através da constituição de subsidiárias ou sociedades coligadas ou da aquisição de resseguradores já existentes (resseguradores locais), mediante a abertura de um escritório de representação em nosso País (resseguradores admitidos), ou sem nenhum estabelecimento aqui no Brasil (resseguradores eventuais). A única restrição contida na nova legislação diz respeito à empresa estrangeira que tem sua sede social em paraíso fiscal, que não poderá ser autorizada a operar como resseguradora eventual.

Quanto às regras aplicáveis, os resseguradores locais serão regidos pelas mesmas regras estabelecidas para as sociedades seguradoras, observadas as peculiaridades técnicas, contratuais, operacionais e de risco da atividade de resseguro e retrocessão e as disposições específicas que vierem a ser emitidas pela SUSEP, de acordo com as diretrizes do CNSP[5].

 

No caso dos demais resseguradores, tanto o ressegurador admitido quanto o eventual deverão atender aos seguintes requisitos mínimos:

(i) estar constituído, segundo as leis do respectivo país de origem, para subscrever resseguros locais e internacionais nos ramos em que pretenda operar no Brasil e comprovar que iniciou tais operações no seu país de origem há mais de cinco anos;

(ii) dispor de capacidade econômica e financeira não inferior à mínima exigida pelo CNSP;

(iii) ser portador de avaliação de solvência por agência classificadora reconhecida pela SUSEP, com classificação igual ao superior ao mínimo estabelecido pelo CNSP;

(iv) designar procurador, domiciliado no Brasil, com amplos poderes administrativos e judiciais, inclusive para receber citação, a quem será enviada toda e qualquer notificação; e

(v) outros requisitos que vierem a ser fixados pelo CNSP.

Além dos requisitos acima enumerados, o ressegurador admitido deverá: (a) manter conta em moeda estrangeira vinculada à SUSEP, na forma e no montante que vierem a ser estipulados pelo CNSP para a garantia de suas operações no País; e (b) apresentar periodicamente suas demonstrações financeiras, na forma definida pelo CNSP.

Os resseguradores locais e admitidos deverão ainda pagar uma taxa de fiscalização, que será estipulada na forma da lei.

A contratação de resseguro e retrocessão no Brasil ou no exterior será feita mediante negociação direta entre a cedente e o ressegurador ou por meio de intermediário legalmente autorizado. O intermediário é a pessoa jurídica constituída como corretora autorizada de resseguros, que disponha de contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, na forma definida pelo CNSP, e que tenha como responsável técnico um corretor de seguros especializado e devidamente habilitado. O Poder Executivo fixará o limite máximo que poderá ser cedido anualmente a resseguradores eventuais.

A transferência de risco somente será realizadas em operações de: (i) resseguro, com resseguradores locais, admitidos ou eventuais; e (ii) retrocessão, com resseguradores locais, admitidos ou eventuais, ou sociedade seguradoras locais.

São exclusivas de resseguradores locais as operações de resseguro relativas a seguro de vida por sobrevivência e previdência complementar. O CNSP poderá estabelecer limites e condições para a retrocessão de riscos referentes a tais operações.

A SUSEP terá acesso a todos os contratos de resseguro e de retrocessão, sejam celebrados no Brasil ou no exterior. O contrato de resseguro e de retrocessão cuja existência não seja do conhecimento da SUSEP não produzirá efeitos em nosso País.

A lei prevê uma reserva de mercado em favor dos resseguradores locais, que também beneficia os resseguradores locais controlados por capital estrangeiro. Observadas as normas do CNSP, no que diz respeito às suas operações de cessão de resseguro, a cedente deverá contratar ou oferecer preferencialmente a resseguradores locais, pelo menos, 60% de suas operações, nos três primeiros anos após 16 de janeiro de 2007. A partir do quarto ano, esse percentual será reduzido para 40%.

As operações de seguro, resseguro e a retrocessão poderão ser efetuadas no Brasil em moeda estrangeira, desde que obedeçam à legislação que rege operações desta natureza, às regras fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”) e às regras estabelecidas pela SUSEP consoante as diretrizes da CNSP. Caberá ao CMN disciplinar a abertura e a manutenção de contas em moeda estrangeira, de titularidade de sociedades seguradoras, resseguradores locais, resseguradores admitidos e corretoras de seguros (intermediários). O CMN também fixará as diretrizes segundo as quais deverá ser efetuada a aplicação dos recursos das provisões técnicas e dos fundos dos resseguradores locais e dos recursos exigidos no País para garantia das obrigações dos resseguradores admitidos.

Regra geral, os seguros obrigatórios e os seguros não obrigatórios contratados por residentes para garantia de riscos no País devem ser exclusivamente celebrados no Brasil. Consideram-se residentes as pessoas naturais residentes no País e as pessoas jurídicas domiciliadas no território nacional, independente da forma jurídica (sociedade anônima, sociedade empresária limitada ou qualquer outro tipo societário admitido em nossa legislação). As exceções a essa regra geral são analisadas a seguir.

A contratação de seguros no exterior por residentes somente é permitida nas seguintes situações:

(i) cobertura de riscos para os quais não exista oferta de seguro no País, desde que sua contratação não represente infração à legislação vigente;

(ii) cobertura de riscos no exterior em que o segurado seja pessoa natural residente no Brasil, sendo que a vigência do seguro contratado deverá restringir-se exclusivamente, ao período em que o segurado permanecer no exterior;

(iii) seguros que sejam objeto de acordos internacionais referendados pelo Congresso Nacional; e

(iv) seguros que, pela legislação anterior (vigente até 16 de janeiro de 2007), tiverem sido contratados no exterior.

As pessoas jurídicas poderão contratar seguro no exterior para a cobertura de riscos no exterior, desde que informem essa contratação à SUSEP no prazo e nas condições determinadas pelo CNSP.

As diretrizes para as operações de resseguro, retrocessão e corretagem de seguro, bem como para atuação dos escritórios de representação dos resseguradores admitidos, deverão ser estabelecidas pelo CNSP, consoante as disposições da LC 126. Além dessas diretrizes, o CNSP também poderá estabelecer as seguintes condições:

(i) cláusulas obrigatórias a serem inseridas nos contratos de resseguro e retrocessão

(ii) prazos para formalização contratual;

(iii) restrições quanto à realização de determinadas operações de cessão de risco;

(iv) requisitos para limites, acompanhamento e monitoramento de operações intragrupo; e

(v) quaisquer outros requisitos adicionais que julgar necessários.

Em caso de liquidação da cedente, as responsabilidades do ressegurador subsistem perante a massa liquidanda por força de lei, independentemente das indenizações ou dos benefícios haverem sido ou não pagos pela cedente aos legítimos beneficiários, assim considerados os segurados, participantes, beneficiários ou assistidos. Todos os contratos de resseguro deverão conter uma cláusula expressa nesse sentido. Todavia, o ressegurador e seus retrocessionários não responderão diretamente perante os legítimos beneficiários pelo montante assumido em resseguro e retrocessão. Neste caso a cedente que emitiu o contrato fica integralmente responsável por indenizá-los.

Na hipótese de insolvência, de decretação de liquidação ou de falência da cedente, admite-se o pagamento direto aos legítimos beneficiários da parcela de indenização ou benefício correspondente ao resseguro. O pagamento da respectiva parcela é permitido desde que não tenha sido realizado ao segurado pela cedente nem pelo ressegurador à cedente, quando: (a) o contrato de resseguro for considerado facultativo, na forma definida pelo CNSP, e (b) nos demais casos, se houver cláusula contratual prevendo o pagamento direto.

Nos contratos com a intermediação de corretora de resseguro, não poderão ser incluídas cláusulas que limitem ou de qualquer forma restrinjam a relação direta entre a cedente e o ressegurador. Da mesma forma, não poderão ser conferidos poderes ou faculdades à corretora, além daqueles necessários e próprios ao desempenho de suas atribuições como intermediário independente na contratação do resseguro. Nesse tipo de contrato, é obrigatória a inclusão de cláusula de intermediação, estipulando se a corretora está ou não autorizada a receber os prêmios de resseguro ou a coletar os valores correspondentes às recuperações de indenizações ou benefícios. Se a corretora estiver autorizada a receber ou coletar tais importâncias, deverão ser obedecidos os seguintes procedimentos: (a) o pagamento do prêmio à corretora libera o cedente de qualquer responsabilidade pelo pagamento efetuado ao ressegurador; e (b) o pagamento de indenização ou benefícios à corretora somente libera o ressegurador quando o referido pagamento tiver sido efetivamente recebido pela cedente.

Oportunamente será divulgado o regulamento de co-seguro, resseguro e retrocessão que disciplinará as operações de resseguro, renovação dos contratos de retrocessão, plano de contas, regras de tributação, controle dos negócios de retrocessão no exterior e demais aspectos provenientes da alteração do marco regulatório decorrente da LC 126, bem como as normas que foram comentadas acima e ainda deverão ser emitidas pelo Poder Executivo, pelo CMN e pela SUSEP de acordo com as diretrizes do CNSP, conforme suas respectivas atribuições e competências.


Notas:

[1] O IRB é uma sociedade de economia mista, controlada pela União. A LC 126 autoriza a União a oferecer aos acionistas preferenciais do IRB, mediante competente deliberação societária, a opção de retirada do capital que mantém investido na sociedade, com a finalidade exclusiva de destinar tais recursos integralmente à subscrição de ações de empresa de resseguro sediada no País.

[2] A LC 126 estabelece que o IRB fica autorizado a continuar exercendo suas atividades de resseguro e de retrocessão, sem qualquer solução de continuidade, independentemente de requerimento e autorização governamental, qualificando-se como ressegurador local, e prevê que a regulação de co-seguro, resseguro e retrocessão deverá assegurar um prazo mínimo de 180 dias para que o IRB possa se adequar ao novo marco regulatório.

[3] O IRB fornecerá à SUSEP informações técnicas e cópia de seu acervo de dados e de quaisquer outros documentos ou registros que a SUSEP julgue necessários para o desempenho das funções de fiscalização das operações de seguro, co-seguro, resseguro e retrocessão.

[4] Compete privativamente ao CNSP, dentre outras atribuições: (i) fixar as diretrizes e normas da política de seguros privados; (ii) regular a constituição, organização, funcionamento e fiscalização dos resseguradores, das sociedades autorizadas a operar em seguros privados e dos corretores habilitados, bem como a aplicação das penalidades previstas; (iii) estipular índices e demais condições técnicas sobre tarifas, investimentos e outras relações patrimoniais a serem observadas pelas sociedades seguradoras; (iv) fixar as características gerais dos contratos de seguros; (v) fixar normas gerais de contabilidade e estatística a serem observadas pelas sociedades seguradoras; (vi) delimitar o capital das sociedades seguradoras e dos resseguradores; (vii) estabelecer diretrizes gerais das operações de resseguro; (viii) disciplinar as operações de co-seguro; (ix) aplicar às sociedades seguradoras estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil as mesmas vedações ou restrições equivalentes às que vigorarem nos países da matriz, em relação às sociedades seguradoras brasileiras ali instaladas ou que neles desejem estabelecer-se; (x) prescrever os critérios de constituição das sociedades seguradoras, com fixação dos limites legais e técnicos das operações de seguro; (xi) disciplinar a corretagem de seguros e a profissão de corretor. Em síntese, compete à SUSEP executar a política traçada pelo CNSP e baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação das operações de seguro, de acordo com as diretrizes do CNSP.

[5] A LC 126 refere-se expressamente ao Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966 (que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados e regula as operações de seguro e de resseguro) e as demais leis aplicáveis às sociedades seguradoras, inclusive as que se referem à intervenção e liquidação de empresas, mandato e responsabilidade dos administradores, e às regras estabelecidas pela SUSEP para as sociedades seguradoras.