As correntes da natureza jurídica do direito de vizinhança


PorPedro Duarte- Postado em 11 novembro 2012

Autores: 
Ana Emilia Gomez Marques

A vizinhança, por si só, pode originar conflitos e para conciliar este exercício, por parte de proprietários confrontantes, existem restrições à propriedade que surgem ante a esta necessidade.

 

1 INTRODUÇÃO

O legislador, ao criar os direitos de vizinhança, objetivou evitar os conflitos de vizinhança. Sob a rubrica "Dos direitos de vizinhança", o Código Civil dispõe a respeito do uso nocivo da propriedade das árvores limítrofes, de passagem forçada, do problema do escoamento das águas, dos limites entre prédios, do direito de construir e o direito de tapagem.

Este trabalho, depois de abordar brevemente conceito, classificação e natureza jurídica dos direitos de vizinhança, fará uma análise mais aprofundada sobre o direito de construir, por entendermos ser um tema de importância atual e de relevância para o mundo jurídico, face o grande crescimento demográfico e o rápido desenvolvimento da construção civil nos dias atuais.

2 DIREITO DE VIZINHANÇA

A vizinhança por si só pode originar conflitos, e para conciliar este exercício, por parte de proprietários confrontantes, existem restrições à propriedade que surgem ante a esta necessidade.

Para Santiago Dantas, citado por Maria Helena Diniz (2007): "Há conflito de vizinhança sempre que um ato praticado pelo dono de um prédio, ou estado de coisas por ele mantido, vá exercer seus efeitos sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ao próprio imóvel, ou incomodo ao morador.”.

Direito de vizinhança, são limitações impostas pela lei às prerrogativas individuais e com o objetivo de conciliar interesse de proprietários vizinhos, reduzindo os poderes inerentes ao domínio e de modo a regular a convivência em favor da harmonia social. Tais direitos e deveres são recíprocos. Surgem da mera contigüidade entre os prédios e dispensam registro.

As restrições ao direito de propriedade quanto à intensidade de seu exercício com o uso normal e anormal, limita-se em razão do principio geral que proíbe ao individuo um comportamento que venha a exceder o uso normal de um direito, causando prejuízo a alguém.

As normas que regulam o conflito de vizinhança não serão necessárias caso o proprietário aja culposamente por meios de atos abusivos. Ele responderá na forma do direito civil.

Como cita Silvio Rodrigues (2003), o problema ganha complexidade quando o incômodo que afeta o proprietário confinante resulta de ato praticado pelo vizinho dentro do âmbito de seu direito.

Caso o ato praticado pelo possuidor do prédio exerça efeito sobre o imóvel vizinho, causando prejuízo ou incômodo ao seu morador, haverá conflito de vizinhança.

Para que ocorra tal conflito são necessários, em síntese:

· Um ato de proprietário ou possuidor de um prédio repercuta no prédio vizinho;

· Prejuízo ou incomodo sofrido pelo morador do prédio vizinho;

· Vínculo de conexão entre o ato e o prejuízo, ou incômodo.

O mau uso da propriedade é o que excede a zona de garantia de cada um, prejudicando o sossego, a segurança e a saúde dos vizinhos. Cabe ao prejudicado um direito de reação, pois cada indivíduo tem o seu domínio garantido e cada um tem o dever de respeitá-lo.

O proprietário, dentro de sua zona, pode retirar, em regra, todas as vantagens de coisa que é sua, conforme lhe convier, desde que não cause grande sacrifício ou dano ao seu vizinho.

Os atos que comprometerem a estabilidade de um prédio e a incolumidade de seus moradores, estarão ofendendo a segurança pessoal ou dos bens .

O conflito de vizinhança pode abranger, não somente fisicamente pessoas e bens, mas também geograficamente, por isso as restrições são mais do que imposições de ordem privada, pessoais, recíprocas, estabelecidas em beneficio dos vizinhos.

A maneira de usar e edificar no imóvel diz respeito ao seu proprietário e sua vizinhança, pois a característica de uso e ocupação afeta a ambos diretamente bem como, de forma indireta, toda a coletividade. O tráfego viário, a insolação, a ventilação, a poluição sonora e atmosférica, o adensamento e a valorização venal são determinados pelas características de uso e de edificação do conjunto dos imóveis da cidade.

O Novo Código Civil autoriza o proprietário ou possuidor, quando este ameace ruína, a exigir do vizinho a demolição ou reparação necessária de seu prédio ou a prestar caução que o garanta contra a possibilidade de dano iminente. As normas sobre condomínio, também criam limitações mais severas quanto à utilização da propriedade em edifício de apartamentos.

Para a municipalidade, também, aplica-se o art. 1280 do Código Civil, em razão de seu poder de polícia e de seu dever de zelar pela segurança pública.

A servidão é um direito real sobre coisa alheia, estabelecida no interesse do proprietário do prédio dominante, e só se constitui ou se transmite por atos entre vivos.

3 NATUREZA JURÍDICA

Antes de adentrarmos no direito de vizinhança propriamente dito, se faz necessário que fiquem claras as relações jurídicas existentes.

Podemos perceber duas fortes correntes onde a primeira considera-os como servidões legais e a segunda como limitações da propriedade.

Para Orlando Gomes (2002) têm razão os que invocam os direitos de vizinhança como limitações do direito de propriedade, onde as normas que regulam visam a impedir a prática de atos que causem dano ou incômodo ao morador do prédio vizinho. A proibição é estabelecida no interesse geral, tendo cunho de reciprocidade. Diz também, que se estabelece no interesse do prédio vizinho, pelo que teria a natureza de uma servidão. Tratar-se-ia de ônus imposto a um prédio. Seriam servidões legais negativas decorrentes da vizinhança dos prédios.

Para Silvio Rodrigues (2003) os direitos de vizinhança são obrigações propter rem. Por isso vinculam o vizinho e o constitui devedor da obrigação de respeitá-los (quer abstendo-se da prática de certos atos, quer sujeitando-se à invasão de sua órbita dominial), em virtude da sua condição de dono do prédio confinante, ou seja, em virtude da sua condição de vizinho.

Importante também é distinguir vizinhança e servidões. Uma das principais características é que o direito de vizinhança decorre da lei, e a servidão em regra, flui da vontade manifesta das partes e só excepcionalmente da usucapião. Também distingue a servidão pela circunstância de produzirem um aumento de direito para o prédio dominante, a que corresponde uma diminuição para o prédio serviente, se nos direitos de vizinhança isto não ocorre.

Portanto, Orlando Gomes (2002) afirma que alguns direitos de vizinhança criam direitos pessoais, enquanto as servidões são necessariamente direitos reais.

Já Caio Mário da Silva Pereira (2002) começa seu raciocínio em sua obra seguindo um caminho correto, mas deixa a desejar ao dizer que as regras atinentes à definição das relações de vizinhança e destinadas à composição de litígios entre confrontantes ora se apresentam como direitos de vizinhança, ora se apelidam “servidões legais”.

4 ESPÉCIES

No Código Civil Brasileiro encontra-se uma seção denominada “Dos Direitos de Vizinhança” onde possuem sete tipos de limitações à propriedade: uso nocivo da propriedade, árvores limítrofes, passagem forçada, águas, limites entre prédios, direitos de construir, direito de tapagem.

4.1 Uso nocivo à propriedade

O proprietário ou inquilino tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que habitam a sua.

4.2 Árvores limítrofes

As raízes e os ramos de árvores que ultrapassem a extrema do prédio poderão ser cortados até o plano vertical divisório pelo proprietário do terreno invadido.

4.3 Passagem forçada

Estando o prédio rústico ou urbano encravado em outro, sem saída pela via pública, fonte ou porto, seu dono tem o direito a reclamar do vizinho que lhe deixe passagem, fixando-se a esta, judicialmente, o rumo, quando necessário.

4.4 Águas

O dono do prédio inferior é obrigado a receber às águas que ocorrem naturalmente do superior; se o dono deste fizer obras de arte, para facilitar o escoamento, procedendo de modo que não piore a condição natural e anterior do outro.

4.5 Limites entre prédios

Todo proprietário pode obrigar seu confinante a proceder com ele à demarcação entre dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.

4.6 Direito de tapagem

O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo seu prédio, urbano ou rural, desde que atendido os requisitos legais.

4.7 Direito de construir

O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvos o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.

5 CONCLUSÃO

Para coibir a invocação dos proprietários de seus direitos absolutos e ilimitados, evitando a aniquilação das propriedades, existem certas restrições a tal direito. Essas restrições são impostas para a sobrevivência deste mesmo direito. Baseado no princípio que "meu direito vai até o onde começa o direito do semelhante", os direitos de propriedades vão até o extremo onde inicia os direitos do vizinho, onde cada proprietário compensa, com o sacrifício de sua vantagem, juntamente com o sacrifício da vantagem do direito do confinante.

Em suma, quem dá a melhor definição para o direito de vizinhança e sua natureza jurídica é autor Pontes de Miranda, ao tratar das diferenças entre as limitações, que representam detração do conteúdo dominial, e as restrições, detrações do exercício de direito. As limitações caracterizam os direitos de vizinhança; as restrições às servidões e os direitos reais limitados. Eis aí sua natureza jurídica: limitação da propriedade; as obrigações que daí resultam inclusive pessoais são conseqüências.

 

REFERÊNCIAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. IV. São Paulo: Saraiva, 2007.

GIUSTI, Miriam Petri Lima de Jesus. Sumário de Direito Civil. 2 ed. São Paulo: Rideel, 2004.

GOMES, Orlando. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

PEREIRA, Caio Mário. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. Direitos das coisas. Vol. V. São Paulo: Saraiva, 2003.

ROQUE, Sebastião José. Direito das Coisas. São Paulo: Ícone, 1994.

VENOSA, Sílvio da Sálvio. Direito Civil: direitos reais. 7 ed. Vol. V. São Paulo: Atlas, 2007.