Da possibilidade de reparação por dano à imagem na Justiça do Trabalho


Porwilliammoura- Postado em 21 março 2012

Autores: 
CARPES, Alessandra Barcelos

 

Da possibilidade de reparação por dano à imagem na Justiça do Trabalho

Alessandra Barcelos Carpes

Acadêmica do 8º semestre do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria.


 

Resumo: Este artigo visa a analisar possíveis danos sofridos pelo trabalhador em decorrência da utilização de sua imagem para fins promocionais da empresa em que trabalha, sem perceber remuneração específica, prática de grande incidência na atualidade. Para tanto, analisou-se o inciso X do artigo 5º do Texto Constitucional e as posições de renomados mestres do direito sobre os direitos da personalidade e os atributos da dignidade da pessoa humana. Concluiu-se pela afirmação da autonomia do direto à imagem, sua disponibilidade e o conseqüente direito à reparação de danos, considerando-se da competência da Justiça Trabalhista o trato desta matéria.

 

INTRODUÇÃO

 

Inegavelmente, frente ao extraordinário progresso das comunicações e à importância que a imagem vem adquirindo na sociedade contemporânea, há uma exposição crescente da mesma, principalmente da imagem dos trabalhadores que se destacam em suas atividades. Nesse contexto, se insere o valor econômico agregado à imagem, o qual deve ser tutelado pela Justiça Trabalhista, uma vez que a competência desta, segundo inteligência do artigo 114 da atual Constituição Federal, abrange tudo o que decorre da relação de emprego.

É importante destacar que o direito à imagem é um direito autônomo[1], pois embora possa ser conexo a outros bens, como a intimidade, a identidade, a honra etc., não constitui parte integrante desses. Com efeito, é possível ofender-se a imagem sem atingir a intimidade e a honra. Ademais, o direito à imagem possui uma característica particular, qual seja a disponibilidade. Dessa forma, se do interesse do indivíduo, pode ele explorar a própria imagem. Entretanto, outrem não poderá dispor da imagem alheia, sem a devida autorização.

Com o fito de demonstrar a autonomia do direito à imagem e a possibilidade de reparação de qualquer dano a este direito, na esfera juslaboralista, far-se-á, sumariamente, uma análise da citação constitucional e de conceitos encontrados entre os doutrinadores pátrios.             

O que se procura enfocar no presente estudo, é a utilização da imagem do empregado pelo empregador para fins comerciais e a possibilidade de reparação, na esfera trabalhista, por dano à imagem que o hipossuficiente venha a sofrer. Ressalta-se, ainda, que o tema sob comento será analisado com ênfase no aspecto patrimonial, ou seja, o dano material.

 

O DANO À IMAGEM DO TRABALHADOR

 

A evolução tecnológica  torna possível uma exposição cada  vez mais freqüente de imagens de pessoas vinculadas, especialmente, a objetivos econômicos. É uma nova mercadoria com crescente valoração, presente, principalmente, no marketing das empresas. Aquilo que antes era visto como secundário e até irrelevante, no contrato, passa por vezes a ser o motivo preponderante da contratação.

No tocante ao direto à imagem, a Constituição Federal estabeleceu proteção específica, conforme acentua Carlos Roberto Gonçalves (2003: 169). In verbis:       

 

a Carta Magna foi explicita em assegurar, ao lesado, direito à indenização por dano material ou moral decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra, e da imagem das pessoas. Nos termos do artigo 20 do Código Civil, a reprodução de imagem para fins comerciais, sem autorização do lesado, enseja o direito à indenização, ainda que não lhe tenha atingido a honra, a boa fama ou a respeitabilidade. (grifo do autor)

 

Para aclarar o caráter autônomo do direito à imagem, oportuno observar-se, minuciosamente, a redação do inciso X do artigo 5º da CF/88, o qual reza:

 

Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

 

Malgrado já se tenha mencionado, é evidente que o direito à imagem relaciona-se com o direito à intimidade bem como com o direito à identidade e à honra, não estando, porém, localizado no contexto de um desses direitos, pois verificam-se situações nas quais ocorre a violação do direito à imagem sem contudo ferir outros direitos da personalidade. O direito à imagem reveste-se de características comuns aos direitos da personalidade, sendo inalienável, impenhorável, absoluto, imprescritível, irrenunciável e intransmissível, vez que não pode se dissociar de seu titular. Contudo, apresenta uma peculiaridade: a disponibilidade, isto é, a possibilidade de o indivíduo usar livremente a sua própria imagem ou impedir que outros a utilizem.

Em sua obra, “Comentários ao artigo 5º da Constituição Federal de 1988” (2000:25), Otávio Piva. sumariza sua visão enunciando que “a imagem da pessoa constitui uma forma do direito à intimidade e adquire principal importância a partir da invenção da fotografia e sua conseqüente publicação nos meios de imprensa”. No mesmo sentido, posiciona-se Ribeiro Bastos (1998: 194) defendendo que o direito à imagem “consiste no direito de ninguém ver o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento”. Ainda, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (p.742) imagem “é aquilo que evoca uma determinada coisa, por ter com ela relação simbólica; símbolo”. Dessa forma, compreende-se por “imagem” não apenas a representação física da pessoa, mas todos os caracteres que a evocam.

Em vista disso, torna-se necessário uma maior ampliação da idéia de imagem, pois ela abrange não só aspectos físicos, mas exteriorizações da personalidade. Nesse sentido, reporta-se as exposições do mestre Ceneviva (2003:62), o qual menciona que “a imagem tanto se refere ao aspecto físico das pessoas, quanto a todo e qualquer modo pelo qual são conhecidas”. Desse entendimento comunga Orlando Soares, (2002:165) acertadamente: “o termo imagem empregado no dispositivo constitucional em exame tem sentido figurado, equivalendo-se ao conjunto de atributos da pessoa humana, essenciais à vida digna em sociedade”.

Do que se vê, o direito à imagem é um direito autônomo e considerando-se que o seu conceito doutrinariamente mais aceitável é o que engloba todos os atributos do indivíduo como ente social, há que se estabelecer a relação do direito à imagem com a Justiça Trabalhista. Não há dúvida que nos contratos de trabalho surgem questões patrimoniais envolvendo a imagem dos empregados. É comum que um restaurante seja conhecido pelo seu chefe ou um determinado salão de beleza pelo seu cabeleireiro.

A vinculação publicitária de trabalhadores bem sucedidos a produtos ou a empresas representa estímulo ao consumo e atribui significativo valor econômico à imagem. Reveste-se, por isso, de vital importância a ação protetiva do Direito do Trabalho, evitando que injustiças sejam perpetradas pela força do capital sobre a pessoa do trabalhador. A proteção jurídica à imagem é fundamental, pois defende concomitantemente os componentes da personalidade e o patrimônio.

Visualiza-se, pelos argumentos expostos, que o uso arbitrário da imagem do trabalhador, sem qualquer autorização do titular, constitui violação desse direito e conseqüentemente um dano. Esse dano acarreta a responsabilidade civil e o dever de indenizar, fulcro art. 186 Código Civil (utiliza-se o instituto da responsabilidade civil, vez que o § único do artigo 8º da CLT, respalda a aplicação do direito comum como fonte subsidiária). Sobre o tema, Carlos Alberto Bittar (1989: 11) com muita propriedade assevera:

 

Certos direitos de personalidade acabaram ingressando na circulação jurídica, admitindo-se (...) a sua disponibilidade (...). Também o direito à imagem (...) frente ao acentuado uso de pessoas na promoção de empresas e de produtos comerciais é disponível mediante remuneração convencionada (...) por via contratual, mediante instrumentos adequados.

 

Com efeito, o direito à imagem possui duplo conteúdo: o moral, uma vez que é direito da personalidade e o patrimonial, porque não pode haver locupletamento indevido por parte do empregador. Este conteúdo patrimonial opõe-se à exploração econômica. O direito de reparar o dano decorre exclusivamente do uso indevido da imagem, não sendo necessário fazer provas da ocorrência do dano.

Pode-se classificar a violação  do direito à imagem em duas espécies: quando o trabalhador não dá seu consentimento e quando consente mas o uso ultrapassa os limites da autorização. Em ambos os casos, a violação importa em culpa indenizável e o dano material, decorrente da violação, não deve ser limitado ao que o trabalhador perdeu mas também ao que ele deixou de ganhar (dano emergente e lucro cessante).

Ainda que o foco deste estudo esteja voltado para o dano material decorrente da violação do direito à imagem, urge que se estabeleça algumas diretrizes sobre o dano moral decorrente de uso indevido da imagem. Sabe-se que a proteção à dignidade do trabalhador é uma das restrições ao exercício da autonomia contratual. Por isso, ainda que a subordinação seja o traço característico do contrato de trabalho, há limites a serem observados pelo empregador. E, quando esses limites são desrespeitados, pode-se ferir o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana (inciso III, art. 1º da CF/88), acabando por constituir uma limitação à liberdade individual, tutelando o indivíduo contra si próprio. No entender de Kildare Gonçalves Carvalho (2004: 355) a dignidade da pessoa humana significa:

 

não só um reconhecimento do valor do homem em sua dimensão de liberdade, como também de que o próprio Estado se constrói com base nesse princípio. O termo dignidade designa o respeito que merece qualquer pessoa. (...) A dignidade da pessoa humana decorre do fato de que, por ser racional, a pessoa é capaz de viver em condições de autonomia e de guiar-se pelas leis que ela próprio edita: todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas, já que é marcado , pela sua própria natureza, como fim em si mesmo, não sendo algo que pode servir de meio, o que limita, conseqüentemente, o seu livre arbítrio, consoante o pensamento Kantiano.

 

O art. 104 do Código Civil é incisivo ao prever que os contratos deverão possuir objeto lícito, como condição de validade, que não contrarie a ordem pública, a moral e os bons costumes. O empregador, que durante a relação contratual, tenha violado o direito de imagem do empregado, submetendo-o ao ridículo, a tratamento degradante, ou ainda, levando-o a agir contra a sua vontade ou a sua consciência, será condenado a reparar os danos morais e materiais, os quais são passíveis de cumulação2.

É mister estar ciente das conseqüências jurídicas da inobservância do princípio da dignidade da pessoa humana, sob pena de ter-se um objeto não lícito e um ato jurídico inválido. Nas palavras de Jorge Pinheiro Castelo (1995):

 

O mais importante direito e a precípua obrigação contratual do empregador inerente ao contrato de trabalho não tem natureza patrimonial. E, é, justamente, o dever de respeito à dignidade moral da pessoa do trabalhador, aos direitos relativos à personalidade do empregado , cuja violação significa diretamente violação de direito e obrigação trabalhista.

 

No que concerne à competência da Justiça Trabalhista, tem-se como consagrada para processar e julgar demandas referentes à reparação de danos morais, decorrentes de relações empregatícias. Entretanto, o direito à imagem, foco deste estudo, embora resguardado pela Constituição Federal, pouco tem sido objeto de discussões no âmbito da Justiça do Trabalho. Carece elucidar-se que dano moral e dano à imagem não se confundem, sendo que um dano moral pode decorrer de lesão à imagem, mas não necessariamente um dano à imagem será um dano moral.

Partindo da premissa de que compete à Justiça apreciar todos os eventos resultantes das relações de emprego (inteligência do art. 114, caput da Constituição Federal) conclui-se que nas hipóteses de danos à imagem do empregado não será diferente. Ora, se o Direito do Trabalho, social por excelência, tutela o empregado em qualquer lesão nas relações laborais, por que se furtaria de protegê-lo quando sofresse violação ao direito à imagem?

Constitui-se prática comum, na sociedade moderna, o uso da imagem do empregado como meio de “promoção” do empregador e, sendo, como já dito, o direito à imagem um direito personalíssimo, imaterial, do qual se pode dispor, depara-se com a seguinte problemática: a autorização do uso da imagem pelo trabalhador eximiria o empregador de lhe ressarcir, considerando-se que existe um valor econômico agregado à imagem?

Veja-se o caso de um empregador que contrata um empregado para um determinado ofício. Este, no curso do tempo, adquire notoriedade como profissional de sua área ou se destaca por alguma particularidade. Por tal, o empregador vem a utilizar a imagem e o nome do empregado para fins de propaganda de sua empresa. Nesse caso, entende-se que existe um dever de ressarcir o empregado, pois do contrário ter-se-á um dano material, um decréscimo no patrimônio jurídico do empregado (entenda-se por patrimônio do empregado a sua força laborativa) e, conseqüentemente, um enriquecimento sem causa por parte do patrão. Observa-se que essa situação foi analisada sob uma perspectiva pós-contratual. 

Assim, o empregador contrata um chef de cozinha, “anônimo”, que se torna conhecido pelo seu talento. Ciente disso, o proprietário passa a vincular o nome do chef ao do estabelecimento. Mesmo que o chef tenha autorizado a utilização de sua imagem, no caso de rescisão do contrato de trabalho, deverá o empregador, se não o tiver feito durante o pacto laboral, ressarcir o dano material, à luz da responsabilidade civil.

Os veículos de comunicação, especialmente a televisão, são pródigos em exemplos que configuram a situação acima descrita. Esclarecedor é o caso do cinegrafista Ivalino Raimundo da Silva, conhecido como “Gaúcho”, que virou atração do programa do Faustão, da Rede Globo. A Rede Globo, em litisconsórcio passivo com o apresentador Fausto Silva, foi condenada a pagar indenização de Hum milhão de reais por danos morais e materiais ao cinegrafista. O dano moral referente a “brincadeiras” desairosas do apresentador e dano material porque sua imagem era usada indevidamente como atração do programa. Visualiza-se que o dano material, no caso, é o próprio dano à imagem, o qual é passível de ressarcimento, uma vez que Ivalino Raimundo da Silva fora contratado exclusivamente para as funções de câmera3.

Mesmo que a demanda tenha tramitado junto à Justiça Comum, sugere-se a competência da Justiça Protetiva, pois o apresentador é preposto da emissora de televisão. O dano vivenciado pelo câmera é decorrente da relação trabalhista que o mesmo mantinha com a Rede Globo, razão que justificaria a interposição da ação reparadora na Justiça Trabalhista.  

Situação diferente é a análise da matéria sob a perspectiva contratual, quando o empregador admite um empregado reconhecido profissionalmente, e utiliza a imagem do mesmo para promoção de sua empresa. Neste caso, como se deveria proceder? Seria a realização de um contrato, sui generis, específico, de utilização de imagem para fins comerciais e a conseqüente remuneração do funcionário? O referido contrato seria regido pelas regras do direito contratual cível? Assim não procedendo, ficaria sujeito a indenizá-lo por dano material? Obviamente que esta é uma questão a ser discutida, apesar de não ser o tema da presente análise. 

Por todo o já dito, resta claro que o empregador e o empregado, personificam o capital e o trabalho, e devem primar pelo compromisso ético no tocante ao vínculo que os une. Importa arrematar, lembrando que o Direito do Trabalho tem o escopo de contribuir para que haja o respeito entre os homens e de zelar pela eqüânime distribuição da justiça.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O intuito do presente trabalho foi suscitar discussões alusivas ao direito à imagem do trabalhador, frente à grande incidência, hodiernamente, do uso da imagem do mesmo como meio de “promoção” do empregador. Essa prática tem gerado verdadeiros danos ao patrimônio do empregado, pois este geralmente desconhece a proteção jurídica resguardada pela Carta Maior.

Por óbvio que existem diversos desdobramentos do tema, como por exemplo as discussões acerca do dano moral proveniente do uso da imagem do empregado, o que não foi o foco do presente estudo. Entretanto, a Constituição Federal de 1988 plasmou, em definitivo, o direito à imagem como um direito autônomo e disponível. O empregado, na relação de trabalho, acaba por dispor de sua imagem sem que, muitas vezes, receba uma contraprestação nesse sentido.

A Justiça Trabalhista deve ser o foro onde tais matérias serão discutidas, tanto os danos materiais causados ao empregado pela utilização de sua imagem de maneira inadequada, como os possíveis danos morais decorrentes da relação empregatícia, restando, em qualquer dos mencionados casos, a obrigatoriedade da indenização, calcada na responsabilidade civil.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BITTAR, Carlos Alberto. Direitos da Personalidade. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Forense,    1989.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 10ed. ver. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

CASTELO, Jorge Pinheiro. Do Dano Moral Trabalhista. Revista LTr. N.4, v.59, 1995.

CENEVIVA, Walter. Direito Constitucional Brasileiro. 3ªed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: parte geral. v.1. São Paulo: Saraiva, 2003.

PIVA. Otávio. Comentários ao artigo 5º.da Constituição Federal de 1988. 2ª ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2000.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de janeiro: Forense, 2000.

SOARES, Orlando. Comentários da Constituição da República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

TORRES, Patrícia de Almeida. Direito a Própria Imagem. São Paulo: LTR, 1998.

 


[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: parte geral. v.1. São Paulo: Saraiva, 2003, p.171.

 

2  Súmula 37 do STJ.

3  Informações obtidas no Processo TJRJ 2001.002.05322 e no Agravo n. 396861 STF.