Dano moral ambiental coletivo


Porvinicius.pj- Postado em 25 outubro 2011

Autores: 
OLIVEIRA, Caio Nabuco D'ávila

Introdução

Os problemas que passaram a acometer a sociedade nos últimos anos trouxeram a necessidade de dá novos contornos aos antigos paradigmas, a fim de que o direito possa responder com segurança e efetividade as demandas sociais emergentes, fulcrado na dignidade humana.

Quando se fala em meio ambiente, essas questões tomam dimensões globais e, por isso, exige-se, hoje, um direito compromissado com o futuro das gerações e do planeta e ainda preocupado com a melhoria da qualidade dos meios naturais e de vida, e não apenas com sua proteção.

É sabido que nas últimas décadas, firmaram-se os direitos difusos a fim de efetivar a garantia de dignidade humana. Consolidou-se nos textos legais, o meio ambiente sadio e equilibrado como um direito inalienável e necessário à dignidade humana e à sadia qualidade de vida. Contudo, nos dias de hoje em que o poderio econômico e a idéia de lucro suplantam, muitas vezes, as premissas constitucionais, faz-se fundamental dar efetividade e continuidade aos direitos assegurados.

Na redefinição dos institutos jurídicos, fundamental para que o Direito possa responder satisfatoriamente às demandas advindas da sociedade, não há dúvida que se tem como objeto possível a configuração do dano moral ambiental coletivo, bem como a adequação da responsabilidade civil clássica às exigências da tutela jurídica ambiental.

Para o desenvolvimento desse tema, primeiramente, tratar-se-á do conceito de dano ambiental. Em seguida, abordar-se-ão os principais fundamentos jurídicos para a aceitação do dano moral ambiental. Por último, ilustrativamente, serão abordados alguns parâmetros para a quantificação do dano ao ambiente.

Conceito e Classificação de Dano Ambiental

Na responsabilidade civil, crucial para a sociedade é a existência ou não de prejuízo experimentado pela vítima. Portanto, o dano é o principal elemento daqueles necessários à configuração da responsabilidade civil.

Muito embora a legislação brasileira não tenha conceituado expressamente dano ambiental, pode-se depreender do sistema normativo brasileiro de responsabilidade civil que, doutrinariamente, “dano ambiental deve ser entendido os prejuízos diretos ou indiretos causados pelas diversas formas de agressões ao meio ambiente cometidas pelo homem ou pela própria natureza (na hipótese de caso fortuito, ou seja, quando os prejuízos ao meio ambiente são causados por acontecimento decorrente de fato extraordinários da natureza, por exemplo, a inundação, tempestade, etc)”.1

Já para José Rubens Morato Leite, “dano ambiental deve ser compreendido como toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como macrobem de interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no macrobem”.2

De acordo com a extensão do dano, é possível sudividir o gênero dano ambiental, em duas espécies: dano patrimonial e dano extrapatrimonial ou moral. Verifica-se o dano moral em seu aspecto objetivo quando (quando o interesse ambiental atingido é difuso) quando não há repercussão na esfera íntima da pessoa de forma exclusiva, mas diz respeito ao meio social em que vive. Nesse caso, o dano atinge valores imateriais da pessoa difusa ou da coletividade, como, por exemplo, a degradação do meio ambiente ecologicamente equilibrado ou da qualidade de vida.

Pode-se constatar que o dano ambiental, além de poder se relacionar intimamente com uma suposta vítima ou a um grupo determinável na sociedade (requisito clássico para a configuração do dano moral); pode também se relacionar com toda a coletividade, uma vez que esta tem a sua qualidade de vida afetada, mesmo que de maneira não diretamente perceptível.

Faz-se mister destacar que a qualidade de vida aqui referida não se refere somente à questão da saúde humana. A qualidade de vida pode estar relacionada ao sossego das pessoas, obtido através de determinada situação ecológica que a rodeia ou mesmo à necessária e saudável integração do ser humano com os outros elementos da natureza; haja vista que ele é também um elemento biológico natural, não perdendo esse caráter por sua capacidade racional.

Dessa forma, importante e necessário faz-se a inclusão da responsabilização por danos morais ambientais nesse sistema. A responsabilização por danos morais ambientais enseja mais uma possibilidade para a efetiva e integral compensação do dano, servindo também à certeza da aplicação da sanção civil. Tem, portanto, função reparatória, porque a indenização é utilizada para a recuperação do ambiente afetado; punitiva e pedagógica, para que o causador do dano não volte a cometê-lo.

 A ocorrência do dano moral ambiental subjetivo ou individual, por dizer respeito à pessoa determinada, lesada em seu suporte físico, psíquico ou de afeição, é mais facilmente verificável no caso concreto. Já o dano moral coletivo ou difuso, aquele que afeta o meio social, ou seja, o ambiente de uma coletividade, terá sempre caráter menos evidente e, portanto, de verificação e prova mais difíceis. Com isso, nem todo dano ambiental será um dano moral e somente os danos morais mais significativos (intoleráveis) serão indenizáveis.

Normas aplicáveis ao Dano Moral Ambiental

Com o advento da Constituição de 1988, o dano moral passou a ser mais amplamente admitido. O Novo Código Civil, em seu artigo 186, prescreve que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (grifou-se)”.

A Lei de Ação Civil Pública (lei 7.347/85) pôs fim a qualquer incerteza acerca da previsão de danos morais em crimes ambientais ao dispor, em seu art. 1º, que “Regem-se, pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao: I – ao meio ambiente; II – ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V – por infração de ordem econômica.” (grifou-se)

Já em seu art. 13, a referida lei institui um fundo de amparo aos bens lesados. Com isso, o dinheiro advindo com as indenizações não vai para os cofres públicos estatais (cabe lembrar que o bem ambiental, no Brasil, não é do Estado e sim de toda a coletividade), mas vai para o Fundo a fim de ser utilizado na recuperação do bem lesado.

O art. 3º, da lei 7.347/85, possibilita a imputação ao poluidor de obrigação de fazer (a fim de restaurar o bem lesado) ou não fazer (para que cesse a atividade lesiva) ou condenação pecuniária. No entanto, não se deve confundir a obrigação de fazer ou condenação pecuniária pelo dano causado com a indenização do dano moral ambiental coletivo. Tal como nas lides privadas, em questões ambientais também há total independência entre a reparação do dano extrapatrimonial e do dano patrimonial. E há casos em que essas duas modalidades precisam ser aplicadas.

Assim, a obrigação de fazer do art. 3º da lei 7347/85 restaura o bem ambiental lesado, para que em um futuro sejam revertidas as conseqüências da degradação. A indenização por dano moral coletivo, por sua vez, compensa o sofrimento da coletividade pelas conseqüências da degradação, que culminaram na perda de sua qualidade de vida.

Quantificação do Dano Moral Ambiental e a Teoria do Desestímulo

Após tecer comentários teóricos sobre dano moral coletivo nos crimes ambientais, faz-se necessário abordar a matéria concernente à mensuração do valor do dano moral a ser imputado ao agente causador do crime ambiental.

Segundo já satisfatoriamente demonstrado, o agente que causa danos ao meio ambiente e consequentemente ao bem-estar dos cidadãos da localidade em que se encontra o estabelecimento poluidor exsurge a necessidade de condenação do mesmo em verbas punitivas.

Nesse ensejo, impende utilizar a Teoria do Desestímulo, fixando indenização razoável a inibir atitudes similares, tendo em vista que a condenação em verbas punitivas tem o condão de punir os autores do ato ilícito, desestimulando-os a repeti-lo ou a terceiros copiá-lo.

Portanto, ao Juiz de Direito é dado o direito potestativo de fixar o quantum indenizatório devido nas ações judiciais que envolvam interesses coletivos, haja vista a indenização não ter só caráter ressarcitório, pois o que se quer é a prevenção de atos futuros, coibindo atitudes antijurídicas análogas. Sobre o tema3:

O termo punitive damages traduz-se literalmente para a língua portuguesa como danos punitivos. Entretanto, sabe-se que a palavra danos constitui um sinônimo de prejuízos. Ao contrário, a palavra damages, enquanto empregada no contexto da expressão punitive damages, não tem esse significado comum, de sinônimo de prejuízos, mas sim em sentido jurídico, de representação de determinados valores deduzidos pela parte autora, em uma ação civil de ressarcimento.

(…) Nesse sentido, veja-se que a indenização tem o fim de reparar o dano sofrido e, nessa medida, está limitada não apenas à prova da sua ocorrência concreta, mas também à sua devida mensuração econômica e, uma vez feita esta, ao respectivo valor apurado. A verba punitiva não tem este fim de reparar , de compensar o dano sofrido pela vítima , e por isso não está , em princípio, adstrita a quaisquer limites quantitativos, salvo se restarem previstos em lei. O fim da verba punitiva é o de punir o autor do ato ilícito, assim desestimulando-o a repeti-lo (prevenção específica), bem como terceiros a copiá-lo (prevenção geral). (sem destaques no original).

Para tanto, a atuação do Juiz na determinação do quantum compensatório deverá avaliar e considerar o potencial e a força econômica dos causadores do dano, elevando artificialmente o valor da indenização a fim de que este sinta o reflexo da punição, com a observância da Teoria do Desestímulo. Ou seja, o valor não deve enriquecer indevidamente o ofendido, mas deve ser suficientemente elevado para desencorajar novas agressões a direito alheio.

Ante o exposto, as ações propondo indenizações por danos ambientais deverão ter parâmetros, especialmente em seu viés moral ou extrapatrimonial, para fixar seus valores e os magistrados encontrarão ao seu dispor elementos para orientar suas decisões em cada caso concreto.

Considerações Finais

Tendo em vista a premente necessidade de conter o avanço desenfreado das diversas degradações ambientais, surgiram novos paradigmas no Direito, buscando-se proteger o meio ambiente com o máximo de eficiência possível.

A responsabilização por dano moral ambiental coletivo representa um novo paradigma de responsabilização no Direito Ambiental, pelo qual se adapta o dano moral com fortes características individualistas e privatistas a uma realidade difusa (ínsita ao Direito Ambiental), possibilitando-se a compensação da coletividade pelos “sofrimentos” decorrentes da lesão ambiental.

Esses “sofrimentos” relacionam-se à perda da qualidade de vida. Contudo, a qualidade de vida não se refere somente à saúde, mas também ao conjunto de prerrogativas propiciadas por um meio ambiente saudável (sossego, interação com a natureza), que contribuem preponderantemente para um desenvolvimento sadio da personalidade dos indivíduos.


Notas

1. SILVA, Américo Luís Martins da Silva. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais. 1ª edição. Volume I. Editora Revista dos Tribunais. 2005. p. 180.

2. LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 108.

3.GONÇALVES, Vitor Fernandes. Tese de doutorado, defendida e aprovada com título verbas punitivas e interesses difusos (uma abordagem à luz do direito luso-brasileiro), p. 13-16.