A Distorcida Proteção Possessória no Novo CPC


PorEulampio- Postado em 06 maio 2015

Autores: 
Eulâmpio Rodrigues Filho

A Distorcida Proteção Possessória no Novo CPC

        

Eulâmpio Rodrigues Filho

Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU

Doutor e Pós-Doutor em Direito

Advogado

 

 

 

Ação de esbulho é a de reintegração de posse, de rito especial (v. art. 554 do novo CPC). Qualquer dos interditos segue o procedimento especial, dando margem à liminar se a turbação ou o esbulho datar de menos de ano e dia. Se esse prazo foi ultrapassado, o legítimo possuidor não perde o direito de se valer das possessórias; só que nesse caso o procedimento a ser observado para a ação é o comum,diretamente, sem oportunidade para liminar. Se ele provar que tinha posse, que ela foi molestada em determinada data anterior, à evidência, sem que tenha transcorrido o prazo de usucapião poderá seudireito ser reconhecido e restituída a posse que se propõe a demandar.

 

O art. 554, § 1°, do novo CPC a vigorar empós da «vacatio legis» determina o seguinte:

 

«Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

«§ 1º.  No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.»

Essa disposição colocada em meio a vacuidade jurídica, à guisa de complemento ideológico, à evidência, para que haja infindável procrastinação do curso do processo com violação do alegado propósito anunciado com ênfase por juristas, determina que, se no pólo passivo da ação possessória figurar grande numero de pessoas, sem indicar o critério para se ver que o número de invasores é grande, e sem explicitar de que natureza o grupo e razões, intimar-se-á, obrigatoriamente, o Ministério Público, e se houver algum réu hipossuficiente economicamente, também a defensoria pública.

 

Trata-se, ao que se vê, de uma imitação do «petitório» concebido no possessório, contra toda a sistemática jurídica historicamente concebida e aperfeiçoada.

 

Essas providências vêm repetidas no art. 565 e parágrafos do mesmo CPC embrião.

 

Reza, então o art. 565, § 4º, do novo CPC:

 

«Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que observará o disposto nos §§ 2º e 4º.

«(...)

«§ 4º. Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto do litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência de possibilidade de solução para o conflito possessório.»

 

Ao que se deduz dos textos, essa parte do Código trata do possuidor esbulhado, como incapaz, e com seu direito coartado por disposições legais que mancham o brilho de quantos participaram das discussões preparatórias da elaboração do novo CPC.

 

De fato, à luz do regulamento de todas as outras demandas previstas no sistema jurídico, cuida-se, especialmente nesta estação, de tratamento legal diferenciado, discriminatório e em desalinho com a Constituição da República.

 

Depois, aparecem disposições idênticas, confirmatórias, com igual resultado, no parágrafo 4°, do art. 565 do mesmo embrião, acrescido de determinação de intimação a órgãos responsáveis pela «política agrária» e pela «política urbana» da União, de Estado ou Distrito Federal e Município, para audiência e para manifestarem «seu interesse» na causa, bem como sobre a «existência de possibilidade de solução para o conflito possessório

 

A expressão do novo CPC, alça, de forma a generalizar, a busca da proteção possessória contra invasores de terra, à condição de «conflito».

 

Da leitura do texto percebe-se, além do que já foi indicado, que a demanda possessória será uma exposição de penduricalhos; entre eles a injurídica autorização para terceiros pretensamente interessados «opinarem» sobre «possibilidade» de solução da lide.

 

Trata-se da mais evidente imposição legal do compartilhamento da jurisdição entre o Judiciário e terceiros, à míngua de autorização constitucional.

 

«O princípio da indelegabilidade resulta do princípio constitucional segundo o qual é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições. Como os demais Poderes, a CF fixa o conteúdo das atribuições do Poder Judiciário, e não pode a lei alterar a distribuição feita pelo legislador constituinte. Nem mesmo pode um juiz, atendendo a seu próprio critério e talvez à sua própria conveniência, delegar funções a outro órgão. É que cada magistrado, exercendo a função jurisdicional, não o faz em nome próprio e muito menos por um direito próprio, mas o faz em nome do Estado, agente deste que é.»(Jackson Aguiar, Da Jurisdição e da ação: conceito, natureza e características; das condições da ação e Institutos Fundamentais do Processo Civil: Jurisdição, Ação, Processo (9/7/2013), «Apud» Wikipédia, Enciclopédia Livre, «Web»).

 

Não padece dúvida de que soa esquisito no caso, o sujeito intimado a suscitar interesse na demanda litigiosa «inter alios», e ao mesmo tempo garantir possibilidade de solução da lide, inda mais prevendo a lei caso de «solução», e não de «composição».

 

O § 5° desse artigo 565 do novo CPC a sobrevir, determina que ao litígio sobre propriedade de imóvel («sic») tais disposições têm o efeito também, de comprimir de vez o direito do titular de domínio sobre imóveis.

 

«§ 5º. Aplica-se o disposto neste artigo ao litígio sobre propriedade de imóvel.»

 

Nesse ponto aliás, surpreendentemente o Novo Código esqueceu-se de que a ação reivindicatória já é, por natureza, com todo o teor de abrangência, real, e de efeito «erga omnes», caracterizando a disposição referida, impropriedade singular.

 

Trata-se, ao que se pode vislumbrar, de texto específico, particular, inserido no projeto amplo do Código de Processo Civil visando a criar uma situação particular para determinados grupos de invasores de terra.

 

Além disso, afigura-se necessário lembrar que há estados no Brasil, que sob regime do CPC de 1973, através de seus tribunais de justiça expediram resoluções incrementando ilegitimamente a lei processual, adotando regras como estas aqui lembradas, que virão integrar o sistema processual civil, como se viu demonstrado.

 

Mas «a experiência» tem revelado que a obrigação, e não a faculdade de se conclamar «ex-officio», além de outros órgãos, promotores de justiça, se não há razões outras fora das já previstas no CPC de 1973, não melhora em ponto algum o curso do processo relativo à possessória, pois, ao contrário, tem piorado, já que, em razão da forte incidência de forças ideológicas, torna-se iterativa a criação de meios que retardam o curso da ação, ao ponto de, nós mesmos estarmos patrocinando interesses em causa dessa natureza, com dois anos de liminar deferida e não cumprida em razão dos múltiplos incidentes amiúde descabidos provocados em autos respectivos.

 

A carência de direito a ser amparado em favor de quem busca se impor pela força na propriedade alheia tem sido uma realidade própria da natureza do estado democrático de Direito, que aliás vem sofrendo agressões de toda sorte nos últimos anos, no sentido de se ver distorcido o princípio da igualdade no âmbito do Direito Processual, e instalado autêntico Tribunal de Exceção, em franco desprezo aos princípios da igualdade e da legalidade democráticas.

 

E, nem sempre a imposição de mãos de ferro cria situação favorável ao delinqüente esperançoso de uma vitória em meio culto.

 

Exalça-se, ademais, que soluções canhestras ordinariamente não desenlaçam corretamente questões jurídicas elaboradas ao longo dos séculos pelos luminares da ciência do Direito.

 

De fato, a 6ª Câmara Cível do TARS já proclamou:

 

«Tenho que, apesar do caráter quase satisfativo da liminar em tela, o se manter os agravantes na posse apenas contribuiria para aumentar os problemas sociais a que se referem os agravantes, desde que a sorte da ação, evidenciada a invasão, apresenta-se em princípio, selada. Quanto mais tempo se passar, e mais dolorosa será a retirada determinada pelo juízo ‘a quo’, certo que a tendência é a dos invasores irem fincando raízes no curso do tempo.»

 

Não há dúvida de que eventual permanência dos invasores na área vindicada pelo dono ou possuidor, durante tempo superior ao necessário para uma pacífica e rápida desocupação só lhes causaria «expectativas infundadas», conforme decidiu a 20ª Câmara Cível do TJRS:

 

«... Todavia, inadmissível, em outro sentido, arrastar-se a execução da reintegração. Isso só geraria expectativas infundadas para os agravantes, consolidando situação de fato que poderia se tornar insustentável ao final, com graves conseqüências para ambas as partes. Além do mais, certa a conclusão da juíza ao referir que ‘a permanência da ocupação por período maior somente aumentaria o conflito social gerando prejuízo ao autor e aos próprios ocupantes da terra...» (TJRS – Vigésima Câmara Cível – Agravo de Instrumento nº 599211042, Rel. Des. José Aquino F. de Camargo, 22.06.1999).

 

A seu turno, a douta Juíza Janine Stiehler Martins, do Estado de Santa Catarina pondera:

 

«O direito positivo não pode ser fechado às conquistas sociais e ao projeto de solidariedade fulcrado na realização da cidadania. Desta forma, incumbe à Política do Direito uma visão não dogmática, mas comprometida com a transformação da sociedade e de seus interesses, os quais podem ser racionalizados pelo legislador e pelo Juiz. Esta racionalização intenta a busca da validade material da norma, ou seja, compatibilizar o socialmente desejado e necessário ao homem, e não apenas a sua validade formal, mediante obediência às normas processuais para sua vigência.

«Ferreira de Melo, em sua obra ‘Fundamentos da Política Jurídica’, ressalta que a política do direito deve ser comprometida com o justo, ético, legítimo e necessário. O mesmo autor cita, em sua obra, que os autores que dedicaram atenção e importância à política jurídica foram reducionistas em suas concepções.» (Janine Stiehler Martins, Posse no atual Código Civil: Alguns redimensionamentos necessários ao Político do Direito, JSMartins-enm.org.br).

 

 

Conclusão 

 

Evidente que a indicação de complexidade assim, estabelecida pela lei, exige pelo menos uma sugestão visando solução que evite prejuízo ao autor da demanda possessória, e o próprio Código, pelo que se pode extrair da sua redação, dá ensanchas a semelhante propósito, por tratar-se, no caso, de regra de exceção.

 

Para eventual adoção das providências relativas à obrigatoriedade da participação do Ministério Público e quejandos, o CPC relegou ao juiz poderes para estabelecer, segundo suas preferências, o que seja «grande número» de demandados.

 

Se a competência para tanto foi atribuída ao juiz, a ele caberia eleger número infinito, p. ex., de invasores, suficiente para justificar a conclamação de tantas figuras ao processo, por natureza complicado.

«O infinito pode ser visto de muitas perspectivas. A intuição percebe-o como uma espécie de ‘número’ maior do que qualquer outro. Para algumas tribos primitivas é algo maior que três, representando ‘muitos’, algo incontável. Para um fotógrafo o infinito começa a dez metros da lente, ao passo que para um cosmólogo pode não ser suficiente para conter o universo. Para um filósofo é algo que tem a ver com a eternidade e a divindade. Mas é na matemática que o conceito tem as suas raízes mais profundas, sendo a disciplina que mais contribuiu para a sua compreensão.» (Eli Maor,  To infinity and beyond: a cultural history of the infinite, «apud» Wikipédia).

 

Lembra-se que para as ciências exatas a Lógica é neutra.

 

Não esclarecendo o novo CPC a quantidade de invasores a fim de se ver como de «elevado número», visando a evitar criação de obstáculos ao normal curso do processo, a fórmula legal restou aberta, livre, de modo a que se tolere uso de interpretação restrita pelo juiz, a permitir o recebimento do maior número de causas possível, livres de formalidades injustificáveis.

 

Patente, portanto, a liberdade que se entrevê concedida, de o juiz escolher para concepção do número de litisconsortes para os fins enumerados, critérios de conveniência e de justiça.  

 

Em conclusão, tem-se que, conforme Orosimbo Nonato, «muitos são os caminhos da Justiça, inclusive o da Lei.