ESTADO DE DIREITO


PoreGov- Postado em 04 março 2011

Autores: 
CANOTILHO, Joaquim José Gomes

Texto extraído da Internet, no endereço http://66.102.1.104/scholar?q=cache:VaO14bgc3eAJ:scholar.google.com/+art..., em 18/08/2009.

Convidam-nos amavelmente a escrever um pequeno livro sobre um tema outrora reservado ao saber dos juris tas. Perguntamo-nos a nós próprios como iremos enqua drar nos Cadernos Democráticos o tema do Estado de direito. As dúvidas começam logo no facto de, ainda hoje, o Estado de direito e a democracia responderem a dois modos de compreender a cidadania e a autodeterminação individual. Indivíduo autónomo perante o poder, eis o tema do Estado de direito; indivíduo livre através da participação autónoma na cidade, eis o lema da democracia. Mas não só isto. Estes Cadernos Demo- cráticos pretendem, ao que supomos, registar os modos e os modos outros da cidade republicana actual. Novo problema. Estado de direito e república lançam entre si olhares de mútua suspeição. Do lado republicano, vê-se o Estado de direito preocupado exclusivamente com a autonomia privada e a sua distância perante o poder, des prezando-se as virtudes Públicas. Do campo do Estado de direito, não se compreende o direito reduzido a «actos de fala» do homem público, nem sempre amigo das virtudes privadas do sujeito da sociedade civil. Por último, mais um ruído. Os Cadernos Democráticos não são indiferentes aos problemas da justiça social nas sociedades contemporâneas. Nem outra coisa seria de esperar de uma fundação cujo patrono afirma sem reti cências a bondade do socialismo. Eis uma terceira provocação. Contra o «demasiado Estado» do despotismo iluminista se lançaram os pilares de uma arquitectura política onde o Estado se configura como esquema de organização curvado e limitado pelo direito. Ora, o «Estado social» retoma, segundo alguns, o desejo do «Estado largo» por amor a uma controvertida missão econ6mico-social dos poderes públicos.
Seja-nos permitido, assim, localizar o discurso na cidade republicana. Procurar os caminhos do Estado de direito hoje é, no fundo, tentar responder a algumas das mais candentes questões políticas actuais. Numa formulação recente, uma conhecida publicista francesa1 resumia as nossas angústias. Como articular a ética e o direito? Qual o lugar que deve ter a educação cívica e moral? Como se deve reequilibrar o Estado administrativo? Como refor- mar a justiça? Como é que se reorganiza a cidadania e a selecção dos eleitos? Qual o direito do povo e das mulheres e, sobretudo, como articular os diferentes vasos do direito político republicano: o direito do Estado, os direitos do homem, os direitos do povo, os direitos do cidadão? O tema que nos é proposto é um iti- nerário de passagem destas perplexidades. Tentemos responder a algumas delas.
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