Imunidade tributária recíproca e a empresa brasileira de correios e telégrafos: reafirmação da jurisprudência do STF


Porrayanesantos- Postado em 25 junho 2013

Autores: 
NETO, Oldack Alves da Silva

Introdução

 

                        O presente trabalho tem por objetivo realizar uma breve análise acerca da imunidade tributária recíproca e os seus delineamentos constitucionais, em especial no que concerne à sua aplicação a entes da administração indireta.

 

                        Analisar-se-á, ainda, em linhas gerais, o recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal que reafirma estarem os serviços prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT abrangidos pela imunidade recíproca.

 

A imunidade tributária recíproca e a Empresa de Correios e Telégrafos – ECT

 

                        Consoante lição de Hugo de Brito Machado[1], “imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência aquilo que é imune. É limitação da competência tributária”.

 

                        Assim, imunidades são limitações constitucionais ao poder de tributar, consistentes na delimitação da competência tributária constitucionalmente conferida aos entes políticos[2].

 

                        Quando essa limitação se refere à proibição de as entidades políticas da Federação instituírem impostos umas sobre as outras, fala-se em imunidade tributária recíproca, que possui previsão no artigo 150, VI, “a”, da Constituição Federal[3]:

 

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

 

VI - instituir impostos sobre:

 

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

 

                        Por se tratar de manifestação do princípio federativo, pois impedem a sujeição de um ente federativo ao poder de tributar de outro, as imunidades tributárias recíprocas são consideradas cláusulas pétreas, estando protegidas contra emenda constitucional, por força do disposto no artigo 60, § 4º, I, da Constituição Federal. Esse entendimento foi consagrado em clássico julgado do Supremo Tribunal Federal, proferido nos autos da ADI 939/DF[4].

 

                        A respeito da imunidade tributária recíproca, interessante, ainda, observar o disposto nos §§ 2º e 3º do artigo 150 da Constituição Federal[5]:

 

§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

 

§ 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.

 

                        Da análise do disposto no § 2º acima mencionado, percebe-se que as autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, por serem pessoas de direito público integrantes da administração indireta, também são destinatárias da imunidade tributária recíproca. Contudo, tal garantia é mais restrita em relação àquela conferida aos entes políticos, na medida em que se referem “ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”.

 

                        E as empresas públicas e sociedades de economia mista, estariam abrangidas ou não pela imunidade tributária recíproca?

 

                        De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, tais pessoas de direito privado apenas seriam abrangidas pela imunidade tributária recíproca quando prestadoras de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado.

 

                        No que diz respeito às empresas públicas, tal entendimento foi consagrado no julgamento do RE 407.099/RS[6], que tratava especificamente da Empresa de Correios e Telégrafos, cuja ementa se transcreve:

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômicaA Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a. II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido.

 

(RE 407099, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 22/06/2004, DJ 06-08-2004 PP-00062 EMENT VOL-02158-08 PP-01543 RJADCOAS v. 61, 2005, p. 55-60 LEXSTF v. 27, n. 314, 2005, p. 286-297) [original sem destaque]

 

                        A extensão da imunidade tributária recíproca às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, por sua vez, conforme mencionado por Ricardo Alexandre[7], apenas foi reconhecida em momento posterior, quando o STF, no julgamento da AC 1550/RO[8], entendeu também serem destinatárias da proteção constitucional, desde que preencham os mesmos requisitos exigidos das empresas públicas.

 

                        Centremos a análise, doravante, na Empresa de Correios e Telégrafos.

 

                        No ponto, necessário fazer referência ao julgamento proferido pelo STF, nos autos da ADPF 46/DF[9], em sessão do dia 05.08.2009, em que se consignou que o serviço postal não consubstancia atividade econômica em sentido estrito, mas sim serviço público, e, como tal, o regime de exclusividade atribuído pela Constituição Federal é expressão de privilégio, não de monopólio. Abaixo, colaciona-se a respectiva ementa:

 

EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS. PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS. SERVIÇO POSTAL. CONTROVÉRSIA REFERENTE À LEI FEDERAL 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978. ATO NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL. PREVISÃO DE SANÇÕES NAS HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1º, INCISO IV; 5º, INCISO XIII, 170, CAPUT, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 42 DA LEI N. 6.538, QUE ESTABELECE SANÇÃO, SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO. APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ARTIGO 9º, DA LEI. 1. O serviço postal --- conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado --- não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público.2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar. 3. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X]. 4. O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1.969. 5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado.6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. 7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade. 8. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º desse ato normativo.

 

(ADPF 46, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-01 PP-00020) [original sem destaque]

 

                        Mesmo com o delineamento dado pelo STF no julgamento da ADPF 46/DF, permanecia o questionamento a respeito da abrangência da imunidade tributária recíproca a ela assegurada, ou seja, se se referia apenas aos serviços tipicamente postais previstos no artigo 9º[1] da Lei 6.538/78 ou se, ao contrário, abrangeria também atividades desempenhadas fora do regime de privilégio.

 

                        No âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região[10], adotou-se interpretação restritiva, no sentido de que a imunidade tributária recíproca restringir-se-iaaos serviços tipicamente postais mencionados no referido diploma legal, sendo lícito ao município, em consequência, cobrarimposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), relativamente aos serviços não abarcados pelo privilégio concedido pela União[2].

 

                        Tal entendimento, contudo, não prevaleceu no STF.

 

                        No julgamento do RE 601.392/PR, a Suprema Corte, em sessão do dia 28.02.2013, entendeu queos serviços prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT estão abrangidos pela imunidade recíproca, independentemente de serem prestados ou não em regime de exclusividade. Vejamos a ementa do julgado:

 

Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 3. Distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade. Precedentes. 4. Exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Irrelevância. Existência de peculiaridades no serviço postal. Incidência da imunidade prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido.

 

(RE 601392, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG 04-06-2013 PUBLIC 05-06-2013)

 

                        Por esclarecedores, cumpre trazer à colação os fundamentos adotados por alguns Ministros, constantes do Informativo n. 696 do STF[11]:

 

 

 

Na sessão de 16.11.2011, o Min. Ayres Britto registrou, de início, que a manutenção do correio aéreo nacional e dos serviços postais e telegráficos pela recorrente não poderia sofrer solução de continuidade, de maneira a ser obrigatoriamente sustentada pelo Poder Público, ainda que lhe gerasse prejuízo. Além do mais, reputou possível a adoção de política tarifária de subsídios cruzados, porquanto os Correios realizariam também direitos fundamentais da pessoa humana — comunicação telegráfica e telefônica e o sigilo dessas comunicações —, em atendimento que alçaria todos os municípios brasileiros (integração nacional) com tarifas módicas. Assinalou que, na situação dos autos, a extensão do regime de imunidade tributária seria natural, haja vista que a recorrente seria longa manus da União, em exercício de atividade absolutamente necessária e mais importante do que a própria compostura jurídica ou a estrutura jurídico-formal da empresa.

 

O Min. Gilmar Mendes, em reforço ao que referido, ressaltou que a base do monopólio da ECT estaria sofrendo esvaziamento, tornando-se ultrapassada, diante da evolução tecnológica.Ressurtiu que a recorrente, mesmo quando exercesse atividades fora do regime de privilégio, sujeitar-se-ia a condições decorrentes desse status, não extensíveis à iniciativa privada, a exemplo da exigência de prévia licitação e da realização de concurso público.

 

(...)

 

Em seguida, o Min. Celso de Mello sublinhou que essas outras atividades existiriam para custear o desempenho daquela sob reserva constitucional de monopólio. Se assim não fosse, frustrar-se-ia o objetivo do legislador de viabilizar a integração nacional e dar exequibilidade à fruição do direito básico de se comunicar com outras pessoas, com as instituições e de exercer direitos outros fundados na própria Constituição.

 

Conclusão

 

                        Da análise dos julgados acima mencionados, evidencia-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reafirma, uma vez mais, a condição especial da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que, não obstante tratar-se de empresa pública – personalidade jurídica de direito privado, portanto – por desempenhar serviços públicos da União em regime de exclusividade, possui o tratamento de Fazenda Pública.

 

                        Por consequência, consoante entendimento do Excelso, até mesmo quando desempenha atividades em regime de concorrência com a iniciativa privada (serviços não tipicamente postais) é destinatária de imunidade tributária recíproca, não podendo, por consequências, os demais entes políticos dela cobrar impostos.

 

Referências


[1]Art. 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:

I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;

II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada;

III - fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal.

§ 1º - Dependem de prévia e expressa autorização da empresa exploradora do serviço postal;

a) venda de selos e outras fórmulas de franqueamento postal;

b) fabricação, importação e utilização de máquinas de franquear correspondência, bem como de matrizes para estampagem de selo ou carimbo postal.

§ 2º - Não se incluem no regime de monopólio:

a) transporte de carta ou cartão-postal, efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, em negócios de sua economia, por meios próprios, sem intermediação comercial;

b) transporte e entrega de carta e cartão-postal; executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento.

[2] No caso em comento, o TRF da 4ª entendeu que os serviços elencados no item 95 da Lista anexa ao Decreto-Lei n. 406/1968, com a redação conferida pela Lei Complementar n. 56/1987 (“Cobranças e recebimentos por conta de terceiros, inclusive direitos autorais, protestos de títulos, sustação de protestos, devolução de títulos não pagos, manutenção de títulos vencidos, fornecimentos de posição de cobrança ou recebimento e outros serviços correlatos da cobrança ou recebimento...”), estariam sujeitos à tributação em discussão, por possuírem natureza privada, sendo prestados em regime de concorrência com as demais empresa no setor.

 

Notas:

[1]MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 304.

[2] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2013, p. 148.

[3]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 20.06.2013.

[4] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br> Acesso em: 20.06.2013.

[5]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 20.06.2013.

[6]Brasil. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br> Acesso em: 20.06.2013.

[7] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 7ª ed. São Paulo: Método, 2013, p. 157.

[8]Brasil. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br> Acesso em: 20.06.2013.

[9]Brasil. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br> Acesso em: 20.06.2013.

[10]Brasil. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Disponível em: <www.trf4.jus.br> Acesso em: 20.06.2013.

[11]Brasil. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br> Acesso em: 20.06.2013. Informativo n. 696.

 

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