Justiça ambiental no município de Teresina-PI: percepção por meio do serviço público de limpeza das ruas


Porwilliammoura- Postado em 03 junho 2013

Autores: 
BEZERRA, Ana Keuly Luz

Até que ponto a gestão municipal priva de limpeza de rua bairros que sofrem com piores condições ambientais?

Resumo: A temática da justiça ambiental dentro de uma perspectiva socioeconômica e à luz dos serviços de limpeza das ruas, se faz importante tendo em vista a necessidade da prestação de um serviço público equânime e que atenda aos anseios da população de forma geral. Neste trabalho buscou-se identificar a ocorrência da injustiça ambiental por meio da percepção da distribuição do serviço público de limpeza das ruas na cidade de Teresina-PI. Utilizou-se da pesquisa bibliográfica e de campo, com a visita in loco nos quatro bairros mais populosos de cada uma das quatro zonas geográficas da cidade de Teresina-PI. Como resultados, verificou-se que entre os bairros visitados e com relação aos critérios analisados, a limpeza das ruas ocorre de forma equânime e com poucas variações, com destaque apenas para a quantidade de lixo nas vias, onde percebeu-se uma quantidade um pouco mais acentuada nos bairros Santa Maria da Codipi e Itararé, localizados na zona norte e sudeste respectivamente da capital piauiense.

Palavras-chave: Justiça Ambiental. Sustentabilidade. Serviços Públicos.


1 INTRODUÇÃO        

O movimento por justiça ambiental teve suas origens nos Estados Unidos, sendo sua constituição associada às lutas contra contaminação causada pelos resíduos das indústrias químicas e pelo saneamento inadequado que ocorreu nos anos 1960, pós segunda guerra mundial. Este movimento é associado às primeiras críticas à configuração locacional de fontes de contaminação e à sua proximidade com comunidades específicas. Este debate foi amadurecido na década de 1970, pela aproximação entre sindicatos, organizações ambientalistas e grupos de minorias étnicas que pretendiam discutir questões ambientais no contexto urbano. (ACSELRAD et al, 2009 apud  MILANEZ e FONSECA 2011, p. 80)

Entretanto, foi em 1982 que a luta contra a implantação de um aterro industrial para receber bifenil policlorado (um hidrocarboneto halogenado com alto potencial de concentração na cadeia alimentar e com efeitos tóxicos sobre a reprodução de seres humanos) no condado de Warren, na Carolina do Norte, chamou a atenção da opinião pública para a questão da localização de empreendimentos poluidores. (ACSELRAD et al, 2009 apud  MILANEZ e FONSECA 2011, p. 80)

 Nesta perspectiva, o conceito de justiça ambiental foi proposto como uma alternativa ao que Bullard (1993) chamou de paradigma da “proteção ambiental gerencial”, onde todos os seres humanos seriam igualmente responsáveis pelo consumo dos recursos e pela “destruição da natureza” e seriam afetados indistintamente pela contaminação ambiental.

Assim para Bullard (1993, p. 76) justiça ambiental é:

a busca do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor, origem ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e reforço de políticas, leis e regulações ambientais.

Por tratamento justo entenda-se que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou de classe, deva suportar uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas resultantes de operações industriais, comerciais e municipais, da execução de políticas e programas federais, estaduais, locais ou tribais, bem como das consequências resultantes da ausência ou omissão destas políticas.

Por sua vez, no contexto nacional, o desenvolvimento do movimento por justiça ambiental, é mais recente, iniciado por movimentos não governamentais em 1998, e só algum tempo depois começa a ser institucionalizado. Nesse sentido, merece destaque o I Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, que resultou na coleção intitulada "Sindicalismo e Justiça Ambiental", publicada em 2000 e realizado com apoio da CUT/RJ, Instituto IBASE e IPPUR da UFRJ.

Nas palavras de Herculano (2002, p.7):

O intuito era "estimular a discussão sobre a responsabilidade e o papel dos trabalhadores e das suas entidades representativas, na defesa de um meio ambiente urbano sustentável e com qualidade de vida acessível a todos os seus moradores", dentro da "perspectiva de crítica ao modelo dominante de desenvolvimento" e entendendo que os "recursos ambientais são bens coletivos, cujos modos de apropriação e gestão são objeto de debate público".

Nos dias atuais, a importância da assimilação do conceito de justiça ambiental às diversas práticas institucionais ou não, decorre da constatação de que a crescente escassez de recursos naturais e de que a desestabilização dos ecossistemas afetam de modo desigual, e muitas vezes injusto, diferentes grupos sociais ou áreas geográficas.

Ou seja, o relacionamento entre sociedade e natureza reflete, em maior ou menor grau, assimetrias políticas, sociais e econômicas, as quais são específicas de um determinado momento histórico e de uma dada configuração espacial (tanto no âmbito local e regional, quanto entre países e continentes).

Neste contexto o presente artigo aborda o tema da justiça ambiental sob a ótica da percepção da limpeza das ruas na cidade de Teresina-PI, tendo como objetivo identificar a ocorrência da injustiça ambiental por meio da percepção da distribuição do serviço público de limpeza das ruas nas quatro zonas geográficas da cidade de Teresina-PI.


2 METODOLOGIA

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica a partir de livros, artigos, revistas e demais publicações que versam sobre a temática proposta e de campo utilizando-se a técnica da percepção a partir de visitas aos bairros mais populosos de cada região geográfica da cidade de Teresina.

Inicialmente, foi feita a leitura do acervo bibliográfico para elaboração das seções teóricas e paralelamente foi realizada a visita a quatro bairros de Teresina, escolhidos dentre os mais populosos de cada uma das zonas geográficas.

Sendo assim foi escolhido o bairro mais populoso de cada uma das zonas geográficas (norte, leste, sudeste e sul), a partir da base de dados censitários do IBGE (2010), resultando nas seguintes escolhas:

  • Satélite, situado na Zona Leste com uma população de 11.606 habitantes,
  • Santa Maria da Codipi, situado na Zona Norte com uma população de 32.685 habitantes,
  • Promorar, situado na Zona Sul com uma população de 18.988 habitantes,
  • Itararé, situado na Zona Sudeste da Capital com uma população de 37.443 habitantes.

As visitas foram realizadas nos bairros selecionados no período de 06 à 21 de dezembro de 2012, onde o principal intuito era o de perceber visualmente as diferenças existentes quanto ao serviço de limpeza das ruas, sob os critérios: quantidade de lixo descartado de forma incorreta nas vias e quantidade de lixo devidamente embalado para coleta pelo serviço público municipal.

Após as visitas in loco, foi realizada a representação ambiental dos bairros e por conseguinte, os mapas cognitivos da região, com a construção mental das imagens, que reflete o modo como a pessoa interpreta o espaço estudado, donde pôde-se extrair os resultados que importaram em percepções semelhantes quanto aos critérios analisados.


3 CONCEITO E ASPECTOS HISTÓRICOS DA JUSTIÇA AMBIENTAL

A consolidação do sistema capitalista no inicio do século XIX que incentivava o acúmulo de capital e o desenvolvimento econômico, propôs ao mundo uma nova forma de produzir. Um modo de produção avançado que utilizava mais tecnologias, mais recursos naturais e menos recursos humanos, apresentado como resultados: produção em massa, acúmulo de produtos, alto consumo dos recursos naturais, altos investimentos tecnológicos e melhores resultados financeiros.

É sob este panorama econômico que os Estados Unidos da América começam a desenvolver um avançado processo de industrialização decorrente da 2ª Revolução Industrial do inicio do século XX e da solidificação do sistema capitalista no mundo ocidental, acentuando-se no pós segunda guerra mundial.

Incentivados pela crescente concorrência internacional e pelo desejo de aumentar o acúmulo do capital, a industrialização do país é cada vez mais fomentada internamente, ampliando-se a instalação de indústrias, principalmente daquelas que tem como fonte de energia o petróleo, e que, por conseguinte são as maiores provocadores de impactos ambientais negativos, tendo em vista que nesta fase histórica a industrialização ainda não vislumbrava os aspectos ambientais e o consumo sustentável dos recursos naturais.

Ocorre que o avanço industrial americano acaba por encontrar limitações geográficas, que resultam na concentração de zonas industriais em regiões predominantemente habitadas por negros ou imigrantes e coincidentemente menos favorecidos socioeconomicamente, daí a razão para que o movimento inicialmente tenha sido categorizado por injustiça racial, uma vez que se atribuía esta migração (proposital ou não) de indústrias poluentes a estes bairros por questões raciais.

Assim, nas palavras de Nusdeo (apud DORNELAS; BRANDÃO 2011, p.3):

O movimento, que ficou conhecido como "Justiça Ambiental" (Environmental Justice), surgiu nos Estados Unidos na década de 80 do século XX. Na década anterior, o movimento ambientalista ganhara força naquele país e haviam sido editadas as primeiras e importantes leis de proteção ambiental (especialmente o Clean Air Act e o Clean Water Act). Embora o movimento ambientalista considerasse a proteção ambiental objeto de consenso nacional, representantes de minorias raciais posicionaram-se criticamente a ele e ao correspondente sistema de proteção legal, acusando-os de iniciativas da classe média, não benéficos as comunidades pertencentes às classes sociais desfavorecidas e às minorias raciais. Essas críticas transformam-se em protestos na década de 80, ocasionados por decisões de governos estaduais ou locais de instalar aterros de resíduos perigosos próximos a bairros de residência predominante de negros. Por esse motivo, o movimento era identificado com a bandeira de "racismo ambiental" (environmental racism), tendo, porém, prevalecido à expressão "justiça ambiental" (environmental justice) para designá-lo.

Depois de anos de considerações burocrático-legalistas, os Estados Unidos da América (EUA), por meio da Agencia de Proteção Ambiental (EPA), definiu justiça ambiental como “o tratamento justo e significativo envolvendo todas as pessoas, independentemente da raça, cor, origem nacional ou renda no que diz respeito ao desenvolvimento, execução e implementação das leis ambientais, regulamentos e políticas”[1].

Roberts e Toffolon-Weiss (2001) argumentam que a principal causa das desigualdades ambientais é uma aliança entre empresas, o Estado, e demais interessados na “máquina de crescimento” para criar um bom clima de negócios que favoreça aos interesses privados mais que ao público e a saúde ambiental.


4 SUSTENTABILIDADE URBANA À LUZ DO PLANO DIRETOR DE TERESINA

No estudo do direito ao meio ambiente sadio na sociedade contemporânea não se pode deixar de considerar o direito ao desenvolvimento, hoje também configurado entre os “novos” direitos fundamentais. Conforme dispõe o caput do art. 170 da CF/88, a finalidade da ordem econômica estaria em assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e portanto o conceito de desenvolvimento aqui mencionado reflete esta finalidade do permissivo legal citado (DERANI, 2008).

O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados (Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento das Nações Unidas, 1986).

O desenvolvimento econômico vem sendo alvo das diversas nações desde o pós 2ª Guerra, principalmente através da industrialização e agroexportação de comodities primárias, nos países periféricos e tidos anteriormente como subdesenvolvidos, como: China, Brasil, Índia, em grande expansão econômica e demográfica.

Com isso a população humana e a produção material vêm se expandindo, levando de um lado, a um aumento continuado da extração de recursos naturais do meio ambiente, e produzindo, de outro lado, volumes cada vez maiores de emanações de resíduos e rejeitos para o meio ambiente, muitos de elevado potencial nocivo (MUELLER, 2007).

Ainda segundo Mueller (2007, p. 53): “junto com o avanço recente da urbanização nos países em desenvolvimento, isso também implica aglomeração de segmentos mais pobres da população em espaços limitados, com igualmente forte comprometimento do meio ambiente”.

Na verdade, o que se constata é que a sociedade contemporânea, principalmente nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, se tornou um modelo de insustentabilidade, naturalmente geradora de complexos problemas ambientais que não podem ser resolvidos sem que haja uma tomada de consciência por parte dos governantes de todo o mundo, assim como de todas as sociedades que habitam o planeta, de que imprescindível e urgente se faz garantir a manutenção da melhoria das bases de conservação da vida. (DUARTE, 2006)

Desta forma, pressupõe-se o reconhecimento de que os limites ambientais devem ser tomados como parâmetros para a gestão de um novo paradigma de desenvolvimento, então de fato sustentável, afastando-se o simplismo da idéia de que o desenvolvimento sustentável se resume à mera economia de recursos naturais.

Teresina, na última década do século XX, embora com suas especificidades regionais e locais, traz em sua formação um elemento, comum a todas as cidades brasileiras, especialmente as metrópoles e os grandes centros: os contrastes sociais, que têm um efeito perverso sobre a vida cotidiana dos habitantes. Essa dinâmica desigual está enraizada na sua própria formação história, já que cresceu sob assimetrias profundas, expressas, de forma dramática, na década de 80, quando aumentaram os conflitos pela apropriação e uso do solo urbano. (LIMA, 2009).

Num cotejamento sobre a legislação urbana, constata-se que a Capital recebeu a primeira proposta de planejamento em 1969, com a elaboração do Plano de Desenvolvimento Local Integrado (PDLI), que se vinculava a uma estratégia nacional de implantação de uma política urbana baseada nessa concepção de integração (TERESINA, 1970).

Surgiu, assim, a primeira Lei de Zoneamento Urbano e se desenvolveram alguns projetos de infraestrutura, mas com reduzido impacto na melhoria do padrão de vida (LIMA, 2009). Aliás, a não materialização da maior parte desse Plano trouxe consequências drásticas para a Capital, que crescera sem instrumentos de regulação de seu espaço. Somente no final da década de 70 aparece novo instrumento de planejamento urbano, o Plano Estrutural de Teresina (TERESINA, 1977), cuja regulamentação resultou em leis que instituíram a figura jurídica do aforamento de terrenos do patrimônio municipal, o parcelamento, o uso e a ocupação do solo urbano e o Código de Edificações do Município.

Como tentativa de atualizar a legislação, produziu-se, em 1983, um exaustivo diagnóstico para subsidiar a elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Teresina – PDDU (TERESINA, 1983), mas tais dados se perderam no tempo, pois somente em 1988, onze anos após o Plano Estrutural, iniciaram-se as discussões para a formulação do II Plano Estrutural de Teresina - PET (TERESINA, 1988). Este surgiu das fortes pressões urbanas provocadas pela expansão da cidade e pelo crescimento das favelas e do movimento de luta pela moradia.

O agravamento da questão urbana era, porém, de tal ordem que, em princípio dos anos 90, o II PET sofreu a primeira atualização pela modificação das leis relativas à ocupação e uso do solo urbano e a obras e edificações. As novas medidas, na verdade, deixavam entrever a insuficiência dos instrumentos urbanísticos para responder às exigências da dinâmica espacial e social. É que a forma desigual em que se forjou a expansão da cidade engendrou o aumento dos conflitos urbanos, particularmente os pela moradia, resultando na multiplicação dos assentamentos com ocupações coletivas, marca expressiva dos dramas vividos por Teresina, que já registrava, em princípio dos anos 90, 141 favelas, com 14.077 domicílios e 14.542 famílias (TERESINA, PMT, 1993a).

Apenas em 2006 o município de Teresina, focou definitivamente a questão da sustentabilidade urbana como meta para organização do desenvolvimento e ocupação do solo. Isso se deu através da Lei nº 3.558, de 20 de outubro de 2006, que reinstituiu o Plano Diretor de Teresina, que passou a ser denominado de Plano de Desenvolvimento Sustentável – Teresina Agenda 2015, que tem como objetivo segundo seu Art. 2°, fixar objetivos políticos, administrativos, econômicos, sociais e físico-ambientais que devem orientar o desenvolvimento sustentável do município.