LOCAÇÃO DE ESPAÇO PARA PUBLICIDADE


PorEulampio- Postado em 06 maio 2015

Autores: 
Eulâmpio Rodrigues Filho

- LOCAÇÃO DE ESPAÇO PARA PUBLICIDADE -

CONTRATO – NATUREZA – INADIMPLEMENTO – EFEITOS – COMINATÓRIA – RECONVENÇÃO – PARECER

 

Eulâmpio Rodrigues Filho

Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Doutor em Direito pela UMSA, de Buenos Aires

Professor titulado de Direito Processual Civil

Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Ex-professor da Uniube e da Unirp

 

 

Pende, perante a Primeira Vara Cível da Comarca de ... Ação Cominatória movida por ... contra ...

 

Consulta-nos o ilustre advogado DR. X, sobre a reconvenção manejada pela requerida, através da qual busca rescisão do contrato celebrado interpartes, com oferecimento de valor que ela entende como referente a multa liberatória.

 

Após detido exame dos autos, concluimos não assistir à ré, a faculdade de rescindir, «ad libitum» o contrato, que recusa-se cumprir mediante o pagamento da importância correspondente à multa estabelecida em sua cláusula 4ª, pelas seguintes razões:

 

 

O CONTRATO

 

Qualificação jurídica - Validez e eficácia

 

O instrumento contratual revela que as partes convencionaram locação, pela ré, de espaço destinado à publicidade, e cessão de local, por ela mesma, para comercialização de produtos, pela autora, durante cinco anos, em períodos intermitentes, isto é, anualmente, nas ocasiões em que se realizar a tradicional «Festa», tudo mediante pagamento do preço em prestações anuais.

 

O contrato teve sua execução iniciada pelo cumprimento de suas cláusulas por ambas as partes, relativamente ao primeiro ano, e pela autora no ano subsequente.

 

Face à recusa da ré em dar sequência a seu cumprimento, promoveu-se a presente ação de preceito, que foi respondida através de contestação, e de reconvenção visando ao desfazimento do combinado.

 

Impende, todavia, antes de se propor à busca das consequências jurídicas do negócio, qualificar juridicamente o ato, no caso, com relação a outros contemplados no sistema legal, por traduzir ele, o próprio fundamento da produção dessas consequências (Cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, s/d, pág. 230).

 

Qualificar o contrato, consiste em determinar sua natureza jurídica e os efeitos que lhe são próprios de acordo com as disposições legais pertinentes (BRAIN ROJAS, cit. por LOPEZ SANTA MARIA, Interpretación y Calificación de os Contratos..., Santiago, Editoral Jurídica de Chile, 1965, pág. 21).

 

  E a interpretação tem de partir da base certa de que um contrato é de uma determinada classe, e o que se tem a esclarecer é o alcance de suas estipulações (Cfr. LOPEZ SANTA MARIA, cit., pág. 27).

 

No mesmo sentido: CUSTÓDIO DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA, Interpretação e Integração dos Negócios Jurídicos, S. Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1989, págs. 97 e segs.

 

Com essa preocupação, portanto, inicia-se a análise, com a asserção de que o «nomen iuris» atribuído pelas partes, a si, ou ao contrato, pode perder o sentido no que se refira à sua classificação, se as cláusulas estipuladas não lhe digam respeito (art. 112 do Código Civil).

Logo, as referências a comodante e comodatária, revelam-se desprezíveis, diante da onerosidade pactuada.

 

Doutro lado, não há dúvida de que a avença, face ao contexto do instrumento, diante da lei, revela-se autêntico contrato atípico, inominado.

 

Ensina SILVIO RODRIGUES que «Inominados ou atípicos são os contratos que a lei não disciplina expressamente, mas que são permitidos, se lícitos, em virtude do princípio da autonomia privada. Surgem na vida cotidiana, impostos pela necessidade do comércio jurídico.» (Direito Civil, S. Paulo, Saraiva, 1972, vol. 3, pág. 35).

 

E, a seu turno, o Professor WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO assim classifica os princípios que orientam os contratos não específicos: «Os contratos inominados são regidos pelos seguintes princípios: a) em primeiro lugar, pelas regras gerais, aplicáveis a todos os contratos; b) em segundo lugar, pela vontade das partes, na medida em que ela se afirmou, ou foi declarada; c) por fim, subsidiariamente, pelas disposições aplicáveis ao contrato nominado com o qual venha oferecer maior analogia.» (Curso de Direito Civil, S. Paulo, Saraiva, 1976, 50 vol., pág. 30).

 

Com base nesse escólio, assim se pronunciou o Egr. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul: «Em suma, o contrato atípico será válido e eficaz, sendo as partes contratantes capazes, lícito o seu objeto e a sua forma não for defesa em lei (C. Civ. art. 104), e, como todo contrato, subordina-se a três princípios fundamentais:

        

«a) o da autonomia da vontade;

        

«b) o da supremacia da ordem pública; e

        

«c) o princípio da obrigatoriedade da convenção.

        

«O segundo desses princípios baliza o da autonomia da vontade, impossibilitando estipulações contrárias à moral, à ordem pública e aos bons costumes. À luz de tais princípios, não se pode negar eficácia e validade à convenção dos litigantes.» (Cfr. TJMS, s/d - Apel. n. 214/81 - Rel. Des. LEÃO NETO DO CARMO, Revista Forense, 285, pág. 279).

 

No caso concreto, ao combinarem locação prevendo o uso de espaço no imóvel da ré, para instalação de apetrechos de publicidade exclusiva, pela autora, por tempo determinado, e mediante contraprestação, além de as partes não haverem atentado contra a ordem pública, levaram a efeito ato que a jurisprudência e a doutrina consideram regulado pelas regras gerais aplicáveis aos contratos de locação, e também pela letra contratual.

 

De fato,

 

«Rege-se pelo Código Civil [vigente, art. 573], e não pela lei do inquilinato, a locação de espaço sobre o telhado do prédio para a colocação de anúncio de propaganda, de modo que ela cessa de pleno direito, findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso (art. 1.194 do Código Civil).» (Ac. TJSP, de 5/6/63 - Apel. 60.686 - Rel. Des. PACHECO DE MATTOS, Revista dos Tribunais, 349/470).

 

No mesmo sentido: Revista Forense, 109/425.

 

Em seu livro Locação e Despejo, S. Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1992, pág. 12- GILDO DOS SANTOS, ao comentar o art. 1° da Lei 8.245/91 faz essas considerações:

 

«Cada vez mais nos tempos modernos, em que o slogan ‘a propaganda é a alma do negócio’ ganha foros de verdade insuperável, surgem contratos de locação, por assim dizer atípicos, prevendo o uso de espaços em propriedades (paredes, muros, árvores), no espaço aéreo (out doors, luminosos), mas, como antes, esses ajustes ficam fora da lei que estamos comentando, bastando que sobre eles incida a lei civil comum.» (Gr.).

 

Sem dúvida, aí consignada a expressão da Lei 8.245, de 18/10/91, que em seu art. 1º, § único, n. 3, diz:

 

«Parágrafo único. Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais:

«a) as locações: (...)

«3. de espaços destinados à publicidade.»

 

No que toca à cessão onerosa de espaço para comercialização de produtos em certa época do ano, nos cinco anos subsequentes, acredita-se perfeitamente válido o que se pactuou, quer pelas razões suso alinhadas, quer pelos motivos que a seguir se declinam.

 

Quanto à fixação do prazo, ou à forma a ser adotada no seu cumprimento, a regra louva-se no princípio da autonomia da vontade.

 

O art. 3º da Lei 8.245/91 dispõe que

        

«Art. 3º.O contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo.»

 

Ao emitir juízo sobre norma equivalente, da Lei do Inquilinato, MARIA HELENA DINIZ, com substrato nesse dispositivo do Código Civil, ensina:

 

«Neste artigo está consagrado o princípio da autonomia da vontade, no qual se funda a liberdade contratual dos contratantes, consistindo no poder de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordos de vontades, o prazo da locação, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica.» (Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada, S. Paulo, Saraiva, 1992, págs. 43 e seg., gr.).

 

E, para ocaso específico, assim é o posicionamento da melhor doutrina:

 

«Considerando-se o tempo em que devem ser executados, distinguem-se os contratos de execução instantânea dos contratos de execução diferida no futuro (contratos sucessivos). (...)

«Os segundos são aqueles em que uma das partes (ou ambas) deve cumprir sua obrigação em tempo futuro.

«Estes contratos podem se apresentar sob duas modalidades: a) é possível que as prestações devidas por uma ou ambas as partes, por sua própria natureza ou em virtude da natureza do contrato, só possam ser fornecidas futura e periodicamente, como, p. ex., no contrato de locação de serviços; aí a obrigação do empregado e do patrão é contínua, e seu cumprimento se alonga no tempo; o mesmo ocorre no contrato de locação de imóveis, de fornecimento de matérias-primas, etc.; b) o fornecimento da prestação de um dos contratantes pode-se fazer, por convenção entre as partes, através de pagamentos parcelados, como nas vendas a prazo; nelas o comprador recebe desde logo o objeto comprado, para pagá-lo um determinado número de prestações futuras.» (SILVIO RODRIGUES, Contrato de Execução Instantânea e de Execução Diferida no Futuro, «in» Enciclopédia Saraiva do Direito, S. Paulo, Saraiva, 1977, vol. 19, pág. 341, gr.).

 

Doutra parte acredita-se oportuno raciocinar no sentido de que, a par da licitude do objeto, a cessão de local, no caso, seria uma figura afim à «locatio», bem como à cessão de uso contemplada no Decreto Lei 271, de 28/2/67- arts. 7º e seguintes - que prevê a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo e determinado.

 

Distingue-se o contrato sob apreciação, do contemplado na referida norma, quanto à sua natureza - neste real -, e por ser este apenas resolúvel.

 

O Professor ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO inclui na categoria de contrato atípico, o de uso de local a título oneroso (Cfr. Contratos Inominados ou Atípicos, S. Paulo, José Bushatsky, Editor, 1975, pág. 153).

 

Dessa forma, entendemos que as partes convencionaram contrato atípico, visando à locação de espaço destinado à publicidade, numa parte, e, em outro passo, de locação civil, ou de cessão de uso de espaço para comercialização, que, neste último caso guarda semelhança com a referida concessão de uso (D.L. 271/67), da qual se distingue pela diversidade da natureza do objeto, pela determinação de prazo, e pela inexistência de cláusula resolutiva (em parte, cfr. Ac. do TJMS, cit., Revista Forense, 285/280).

 

A nosso juízo, portanto, o contrato é válido e eficaz, apto, portanto, gerador das consequências pertinentes com as figuras afins.

        

 

O PROCESSO

        

Do pedido

 

Estando, ao que se extrai dos autos, íntegra e de pé, a obrigação, e sendo determinado o objeto, é ela, à evidência, exigível, assistindo ao credor sua execução, através da ação cominatória.

 

No grande comentário de CARVALHO SANTOS ao Código Civil de 1916, nota-se, sem margem a dúvida, que o credor pode exigir e ao devedor se impõe prestação do ato, que expõe com muita clareza, nestas palavras:

 

 «Tendo-se em vista a execução, ou o adimplemento das obrigações, incontestavelmente o principal efeito a considerar é o que diz respeito ao cumprimento delas, pelo devedor, no tempo, lugar e modo devidos, o que corresponde ao credor a exigir a execução.» (Código Civil Brasileiro lnterpretado, Rio, Freitas Bastos, 1974, 9ª ed., pág. 5).

 

Acerca da ação visando a tal desiderato, escreveu MOACYR AMARAL SANTOS:

 

«Tutelando o interesse e o direito do credor de exigir do devedor o cumprimento da obrigação conforme se obrigara, o processo deverá proporcionar àquele a satisfação de sua pretensão dentro dos limites do possível. Não se compreenderia que o sistema jurídico positivo, ao disciplinar o processo, não o munisse dos instrumentos necessários ao exercício integral daquela tutela, ou seja, não armasse o processo de modo a atingir, na lição de CHIOVENDA, a finalidade de dar, ‘nos limites do que é praticamente possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo a que tem direito de obter.’ Assim, para obviar o obstáculo, possivelmente verificável em execução, de não poder coagir-se o devedor ao cumprimento da prestação, haveria de instituir-se uma ação que o compelisse, por meios indiretos de coação ou subrogação, e nos limites do que é praticamente possível, a satisfazer a obrigação na forma pela qual se obrigara. Essa é a ação cominatória, que se vale da cominação de uma pena, destinada a convencer o devedor da conveniência de prestar o fato, conforme o estabelecido na convenção ou prescrito pela lei. A peculiaridade dessa ação, qual a de valer-se da cominação de uma pena, não se contrapõe a qualquer norma geral ou especial de direito, e, portanto, é perfeitamente admissível, não havendo assim, razão jurídica que impugne a utilização de tal ação para tutela das obrigações de fazer em geral. Ainda aqui se aplica, como uma luva, o ensinamento de CHIOVENDA: ‘qualquer modo de atuação da lei (a qualquer meio executivo), que seja praticamente possível e não seja contrário a uma norma geral ou especial de direito deve considerar-se admissível.» (Ações Cominatórias no Direito Brasileiro, S. Paulo, Max Limonad, 1969, II Tomo, 4ª ed., págs. 763 e seg.).

 

Expendidas essas considerações genéricas, o exame da hipótese conduz à conclusão de que, sem dúvida, recai sobre o locador, a obrigação de entregar a coisa alugada ao locatário, para os fins previstos (art. 566-I/CC), podendo este alcançar o objetivo, através da ação cominatória, quando não se verifica a execução voluntária.

 

De feito,

 

«A entrega da coisa alugada ao locatário para o fim a que se destina é obrigação precípua do locador expressa na lei (Cód. Civil [1916] art. 1.189, I) e assim assistiria ao locatário, em princípio, o direito de exigir a entrega manu militari, no caso de recusa ou demora do locador em cumprir aquela obrigação tal como ocorre na legislação de muitos países que consagram idênticos direitos e obrigações decorrentes dessa espécie de contrato. (...)

«A nossa lei processual não proporciona, entretanto, ao locatário ação, para obter de modo direto e independente de fato do locador, ou seja, manu militari, a posse direta da coisa locada, não se enquadrando, com efeito, a espécie, nos casos taxativos estabelecidos pelo art. 881 do Cód. de Proc. Civil [de 1939] para uso da ação de imissão de posse, como seria curial.

 

«Permite-lhe, entretanto, alcançar aquele objetivo, concedendo-lhe nos termos do art. 302, inc. XII, do mesmo Cód. de Proc. Civil [de 1939] o uso da ação cominatória para exigir do locador que preste o fato a que se obrigou de entregar-lhe a coisa alugada para o fim a que se destina, sob a pena que for cominada.» (Ac. TJDF, de 12/4/57 - Apel. 38.987- Rei. Desemb. HENRIQUE FIALHO, Revista Forense, 181, págs, 192 e seg., gr.).

 

Respeitantemente à cominação de pena, para a hipótese de inobservância do preceito, conforme exige a lei (art. 936-II/CPC), a petição lhe faz referência, cabendo ao Magistrado arbitrá-la, ao teor dos autos.

 

«Multa diária - Omissão do quantum – Admissibilidade - Fixação que cabe ao Juiz - Artigo 936, inciso II, do Código (Ac. TJSP, de 26/2/87 - Agr. Instr. 85.236-1 - Rel. Desemb. NEY ALMADA, LEX-RJTJESP, 108/327).

 

Em igual sentido a doutrina de ADROALDO FURTADO FABRÍCIO, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio, Forense, vol. VIII, pág. 612:

 

«Como em geral ocorre relativamente à cominação de pena pecuniária, é ao autor que cabe requerê-la, mas é o Juiz quem a estabelece, inclusive no relativo ao quantum. Atentará este para o critério da proporcionalidade entre o benefício econômico que o infrator obteria da inobservância do preceito e o valor da multa; a pena, assim, será suficientemente severa para desestimular a infringência, mas não será desarrazoadamente superior ao valor daquele benefício.»

 

Assim, a ação afigura-se correta, a inicial mostra-se apta, e o pedido ostenta-se procedente.

 

 

A contestação da ré

        

Três são os fundamentos da contestação apresentada:

 

a) que o imóvel cedido, em parte, não pertence à requerida, mas a outra entidade jurídica formada pelos mesmos sócios;

 

b) que as partes distrataram verbalmente;

 

c) que há cláusula de retratabilidade no contrato, razão pela qual a ré pretende liberar-se da relação obrigacional pelo arrependimento.

 

A questão do item «a», relativa à titularidade dominial do imóvel cedido, é irrelevante à defesa da ré, que procura fugir ao cumprimento do contrato ao argumento de inexistir, de sua parte, propriedade OU domínio sobre o prédio locado.

 

Na conformidade do prelecionado por HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, «in» Locação, Mandato e Comodato, S. Paulo, LEUD, 1987, pág. 192, «A locação, como é da tradição do direito e como a define o Código Civil [de 1916] em seu art. 1.188, é o contrato por meio do qual uma parte cede a outra o uso e gozo temporário da coisa não fungível, mediante remuneração determinada.

 

«Embora, em regra, seja o proprietário o que, habitualmente, faz arrendamento de suas coisas, o certo é que não entra na conceituação desse contrato, como condição essencial, o direito de propriedade ou o domínio do locador.

 

«De tal arte, se o objeto do arrendamento é o uso e gozo, não se pode negar que quem tenha tal disponibilidade, mesmo sem ser proprietário, está em situação de dar a coisa em arrendamento, sem que, com isso, pratique ato nulo ou anulável.        

           

«Ciente dessa verdade, ensina o insuperável CARVALHO DE MENDONÇA:

 

«Por isso que o fim direto da locação é o uso da coisa, pode ser objeto desse contrato toda coisa lícita, móvel ou imóvel, corpórea ou incorpórea, desde que seu uso seja possível do ponto de vista físico ou legal. Da regra exposta - conclui o mestre - deduz-se que direitos há que podem ser objeto desse contrato, como sejam: o usufruto, a superfície, a posse, o de patente de invenção.» (‘Contratos no Direito Civil Brasileiro’, 4ª Ed., vol. II, n. 171, pág. 19).

 

«Se, como se vê, a simples posse autoriza o contrato locativo, é claro que, ainda segundo o magistério de CARVALHO DE MENDONÇA, ‘a coisa de outrem pode, em regra, ser objeto da locação. Tal locação é positivamente válida para certos efeitos, desde que se encare a situação das partes’ (obr. cit., pág. 20).»

 

Nesse sentido decidiu o Egr. TAMG, na Apel. 19.637, da Comarca de Jacutinga, cfr. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, obr. cit., pág. 185, n. 89).

 

E é incrível que se queira deixar de cumprir uma obrigação assumida «ad propria voluntatem», pela ré, ao argumento tardonho, de que a coisa que ela cedeu não lhe pertence.

 

Tanto que, a propósito, o Egr. Tribunal de Minas Gerais lembra::

 

«Um dos princípios fundamentais sobre os quais repousam os contratos é a sua obrigatoriedade; destarte, atendo-se a avença aos requisitos de validade, não pode um dos contratantes, após anos de mantida a situação contratual, alegar em seu prol a invalidade da mesma, o que significa transigir com a malícia e com a má fé.» (Ac. TAMG, de 25/5/84- Apel. 25.041 - Rei. Juiz SÁLVIO DE FIGUEIREDO, Rev. Julgs. TAMG, 19/277).

 

Quanto à razão de letra «b», supra, de que as partes - autora e ré - resolveram verbalmente o contrato, o argumento não colhe; a uma, porque a autora o nega; a duas, porque não há prova atinente; a três, porque o Código Civil, no seu art. 472, é claro ao dispor que

 

«O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.»

 

Nessas condições, se o contrato foi lavrado por escritura particular, somente por escritura particular ou pública pode ser distratado, não se prestando, para os efeitos de extinguir o vínculo obrigacional, mera alegação de uma das partes.

 

A razão de letra «c», versante sobre exercício de arrependimento, será objeto de discussão a seguir, já que matéria pertinente à reconvenção.        

 

 

Da reconvenção

        

Imaginando a ré que a rescisão ou a resolução do contrato ficou reservada ao arbítrio de uma das partes, com a faculdade de destruir a obrigação pactuada, mediante a perda da quantia relativa à multa que se convencionou para os casos de rescisão, ingressou ela, através de reconvenção, com pedido de desconstituição da relação, com fundamento puro e simplório em que não mais pretende dar cumprimento àquilo a que se obrigara.

E o fez com substrato na cláusula 4ª do contrato, que reza:

 

«Cláusula quarta - Da rescisão.

«Rescindido por qualquer forma o presente contrato, obriga-se a comodatária restituir em 10 (dez) dias contados da data da rescisão, no estabelecimento da comodante ou onde esta indicar por escrito, o valor de 05 (cinco) vezes o valor do contrato atual reajustado pelo índice vigente na data.»

 

Contudo, não tem razão.

        

O que a cláusula estabelece, é uma avaliação prévia, determinada, da indenização a ser paga no caso de rescisão, à evidência para que, nessa hipótese, não haja margem a enriquecimento com eventual indenização a liquidar.

 

Mas, não há como confundir uma cláusula, que a própria reconvinte confessa ser penal, com multa compensatória, com faculdade de arrependimento que o contrato não contempla.

 

Realce-se que, a pena, no caso, tem cabida para os casos de rescisão - «por qualquer forma», conforme enfatiza a reconvinte -, o que não faculta ao devedor, mediante sua perda em benefício do credor, exonerar-se do vínculo obrigacional, resolvendo, ao seu alvedrio a obrigação que havia assumido.

 

Isto porque, a rescisão traz consigo a idéia da involuntariedade, no ato de se desfazer o contrato.

 

Logo, não há confundir, resolução pela rescisão, por qualquer forma, isto é, judicial ou extrajudicial, com resolução pela resilição unilateral, eis que esta exige previsão de cláusula expressa (art. 420/CC), permissiva do desfazimento do vínculo, voluntariamente, por uma das partes (v. a respeito, LIMONGI FRANÇA, Teoria e Prática da Cláusula Penal, S. Paulo, Saraiva, 1988, págs. 284 e seg.).

 

A cláusula 4ª do contrato não porta sequer espectro de condição. Reporta-se, embora ferindo o princípio da bilateralidade, ou da reciprocidade, exatamente ao que dispõe a lei a respeito da obrigação de indenizar, se houver rescisão.

 

Parece importante notar, que a cláusula não estabelece que o contrato será resolvido se um dos contratantes, por declaração unilateral, o quiser.

 

Diz simplesmente: no caso de rescisão a ré pagará multa. Pena essa que impende sobre a autora também, por força da norma jurídica (art. 475, § do CC), se ela der margem à rescisão.

 

Por outra parte, ainda tivesse o contrato previsto hipótese de arrependimento, o exercício dessa faculdade encontraria óbice na execução já verificada.

 

Realmente.

        

«Não cabe arrependimento de uma só das partes nos contratos, depois de aperfeiçoados, pois, ambas ficam obrigadas a seu cumprimento.« (JOAQUIM ESCRICHE, Dicionario Razonado de Legislación y Jurispridencia, Bogotá, Temis, 1977, vol. 1, pág. 484, verbete «arrempetimiento», trad.).

 

Aliás, a doutrina brasileira, notadamente a exposta pelo Professor WASHINGTON DE BARROS, sufraga o entendimento de que o contrato, uma vez assinado, há estrita obrigação de adimplí-lo ou dá ensejo à execução, ainda que nele não figure cláusula de irretratabilidade.

 

Na mesma esteira a jurisprudência:

 

Como decidiu o Egr. Tribunal de Alçada de S. Paulo, se o contrato é omisso no tocante à cláusula de arrependimento ele é irretratável e irrevogável (Revista dos Tribunais, 211/498).

 

Se não prevista cláusula expressa de arrependimento, o contrato será irrevogável (Revista dos Tribunais, 387/185 e 209/258).

Também, conforme decidiu o Egr. Tribunal de Justiça do Paraná, «A revogabilidade é que deve constar do contrato; não a irrevogabilidade, que resulta da lei.» (Revista dos Tribunais, 332/408).

 

Há ainda, parecer, com idêntico raciocínio, do Professor ANTÃO DE MORAIS, «in» Revista Forense, 147/72.

 

Mas, voltando ao caso concreto, tem-se que na propositura reconvencional há um contrasenso que choca, eis que a reconvinte, manifestando o propósito de destruir a obrigação pactuada, mediante depósito do valor da multa prevista na cláusula penal, na condição de devedora quer ver rescindido o contrato.

 

Ensina o Professor FRANCISCO CAMPOS, que «Na obrigação com cláusula penal não é lícito ao devedor destruir ou resolver o laço obrigacional, e o inadimplemento não constitui motivo de rescisão ou de resolução da obrigação.» (Direito Civil, Rio, Freitas Bastos, 1956, pág. 124, gr.).

 

Aliás, essa é a posição do Egr. 1° TACivSP, ao proclamar ensinamentos ao amparo da mais autorizada doutrina.

 

Diz então o Egr. Tribunal (TAC) de S. Paulo:

 

«Efetivamente, a ação descansa na consideração de que, existindo multa de natureza compensatória no contrato de fornecimento, era dado à autora rescindir o ajuste e pagar apenas a importância da pena convencionada.

«Ocorre que essa alternativa é instituída em benefício do credor e não do devedor, como dispõe o artigo 918 do Código Civil [de 1916].

«Assim, como acentua CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, ‘aquela alternativa entre a prestação específica e a multa beneficia, é claro, apenas o credor, e nunca se estende ao devedor inadimplente. Daí assentar-se que não tem o devedor a faculdade de escolher entre a pena convencional e o cumprimento da obrigação’.

         «E, ainda com apoio em TRABUCCHI, POLACCO, TITO FUNGÊNCIO e OROZIMBO NONATO, acrescenta o acatado civilista: ‘Não tem direito de prestar ou pagar a multa nem pode considerar-se a cláusula penal um meio de romper-se o contrato, oferecendo-a o devedor em substituição da prestação’ (cf. ‘Instituições de Direito Civil’, vol. II/132).

«Esse entendimento, ademais, é tranquilo na doutrina, como bem mostrou o douto Magistrado, que ainda trouxe à colação as lições de CARVALHO SANTOS (Código Civil Brasileiro interpretado, vol. XI/303) e de SILVIO RODRIGUES (Parte Geral da Obrigações, pág. 93). (...)

«Por sinal, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, examinando a matéria, oferece segura resposta ao argumento das razões do recurso, em ordem a dispensar qualquer outra consideração sobre a matéria.

«Assim, a multa ‘compensatória, como indica a própria denominação, substitui a obrigação principal, indenizando o credor das perdas e danos gerados do inadimplemento do devedor. Em razão desta finalidade, decorre da lei a alternativa a beneficio daquele, pois que a falta da prestação traz o dano, que a penalidade ajustada visa a corrigir ou compensar’.

«E, ‘quando a cláusula penal é moratória, não substitui nem compensa o inadimplemento. Por esta razão, nenhuma alternativa surge, mas, ao revés, há uma conjunção de pedidos que o credor pode formular: o cumprimento da obrigação principal que não for satisfeita oportunamente, e a pena moratória, devida como punição ao devedor, e indenização ao credor pelo retardamento oriundo da falta daquela’ (ob. cit., pág. 135).

«Vale dizer, em se tratando de multa de natureza compensatória, ao credor, no caso de completa inexecução da obrigação, é dado optar pelo cumprimento da obrigação ou cobrar a pena convencional. No caso de cláusula penal moratória, o credor pode exigir o cumprimento da obrigação e, ainda, a multa.» (Ac. 1° TACSP, de 9/11/83 - Apel. 308.776 - Rel. Juiz OLAVO SILVEIRA, LEX-JTACSP, 86/65).

 

Outro não é o pensamento dos eminentes Desembargadores do Egr. TJSP, quando assertivam:

 

«E a suposição do réu de que, pagando a multa constante do contrato, pode violar a cláusula contratual, é o que há de injurídico. Até mesmo quando cominada para o caso de total inadimplemento da obrigação, a cláusula penal é alternativa a benefício do credor, evidente como é que ninguém pode ter o ‘direito’ de infringir cláusula contratual, com a alegação de que pagará multa.» (Do v. Ac. TJSP, de 9/6/67 - Apel. 162.354 - Rel. Des. RODRIGUES DE ALCKMIN, LEX-RJTJESP, 4/57).

        

E, finalmente, como uma luva, para o caso «sub examine», a seguinte sentença:

 

«Não se exonera o locador da obrigação de fazer entrega ao locatário da coisa alugada mediante o pagamento da multa convencionada no contrato de locação, tendo como principal finalidade punir a infração de qualquer cláusula, independente do cumprimento da obrigação.»(Ac. TJDF, Ac de 12/4/57- Apel. 38.987- Rei. Des. HENRIQUE FIALHO, Revista Forense, 181/191).

 

Ademais, a doutrina não discrepa da posição dos Tribunais, tanto que CARVALHO DE MENDONÇA observa que «ninguém jamais pôs em dúvida que só tenha direito de requerer a rescisão nos bilaterais a parte que, tendo cumprido, não recebeu a contraprestação». (Doutrina e Prática das Obrigações, vol. 2, pág. 646).

 

«In specie», mais que eloquente a prova da satisfação da obrigação pela reconvinda, inclusive em consignatória, onde houve recebimento da prestação pela reconvinte, logo na audiência de oblação.

 

Concluindo, registra-se que antes do ajuizamento da cominatória a autora ingressou com procedimento cautelar, visando à antecipação da execução da obrigação pela reconvinte, que, à míngua de recurso, se conformou com a liminar concedida «initio iitis». Empós veio a cominatória, em cujo ventre a ré manifestou o pedido rescisório pela via da reconvenção.

 

Então, quando veio o pedido de rescisão do contrato, quem estava em mora, pela citação verificada tanto na medida preparatória como na ação principal, era a reconvinte, que assim foi constituída, por não ter cumprido a sua obrigação no tempo convencionado.

 

Em razão disso, a rescisão não tem como vingar.

 

Este, aliás, o entendimento do Egr. TJSP:

        

«Estando um dos contratantes já constituído em mora, por não executar sua parte na convenção, não pode pretender exercer o direito de rescisão fundado no inadimplemento a que ele mesmo deu causa, posto que o art. 1.092 do CC é expresso em dizer que só tem este direito aquela parte que tenha cumprido o avençado, não recebendo a contra-prestação.» (Ac. TJSP, de 18/3/86 - Apel. 98.692-2 - Rel. Des. MACHADO DE ARAÚJO, Revista dos Tribunais, 610/87).   

 

 

CONCLUSÂO

 

À vista do que acabamos de expor, entendemos, «data venia», que se impõe, na presente ação cominatória, o decretamento da procedência do pedido, para determinar à ré que preste o fato a que se obrigou de entregar à autora, nas épocas previstas, a coisa dada em locação ou cedida para uso, sob a pena que o Mmo. Juiz houver por bem cominar; impondo-se, de outro lado, o reconhecimento de carência de ação, no que toca à reconvenção.

 

Estas, portanto, as considerações que nos ocorreram, salvo melhor juízo.

 

Obs.: este arrazoado foi acolhido em diversos Juízos.   

 

- LOCAÇÃO DE ESPAÇO PARA PUBLICIDADE -

CONTRATO – NATUREZA – INADIMPLEMENTO – EFEITOS – COMINATÓRIA – RECONVENÇÃO – PARECER

 

Eulâmpio Rodrigues Filho

Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Doutor em Direito pela UMSA, de Buenos Aires

Professor titulado de Direito Processual Civil

Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Ex-professor da Uniube e da Unirp

 

 

Pende, perante a Primeira Vara Cível da Comarca de ... Ação Cominatória movida por ... contra ...

 

Consulta-nos o ilustre advogado DR. X, sobre a reconvenção manejada pela requerida, através da qual busca rescisão do contrato celebrado interpartes, com oferecimento de valor que ela entende como referente a multa liberatória.

 

Após detido exame dos autos, concluimos não assistir à ré, a faculdade de rescindir, «ad libitum» o contrato, que recusa-se cumprir mediante o pagamento da importância correspondente à multa estabelecida em sua cláusula 4ª, pelas seguintes razões:

 

 

O CONTRATO

 

Qualificação jurídica - Validez e eficácia

 

O instrumento contratual revela que as partes convencionaram locação, pela ré, de espaço destinado à publicidade, e cessão de local, por ela mesma, para comercialização de produtos, pela autora, durante cinco anos, em períodos intermitentes, isto é, anualmente, nas ocasiões em que se realizar a tradicional «Festa», tudo mediante pagamento do preço em prestações anuais.

 

O contrato teve sua execução iniciada pelo cumprimento de suas cláusulas por ambas as partes, relativamente ao primeiro ano, e pela autora no ano subsequente.

 

Face à recusa da ré em dar sequência a seu cumprimento, promoveu-se a presente ação de preceito, que foi respondida através de contestação, e de reconvenção visando ao desfazimento do combinado.

 

Impende, todavia, antes de se propor à busca das consequências jurídicas do negócio, qualificar juridicamente o ato, no caso, com relação a outros contemplados no sistema legal, por traduzir ele, o próprio fundamento da produção dessas consequências (Cfr. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, s/d, pág. 230).

 

Qualificar o contrato, consiste em determinar sua natureza jurídica e os efeitos que lhe são próprios de acordo com as disposições legais pertinentes (BRAIN ROJAS, cit. por LOPEZ SANTA MARIA, Interpretación y Calificación de os Contratos..., Santiago, Editoral Jurídica de Chile, 1965, pág. 21).

 

  E a interpretação tem de partir da base certa de que um contrato é de uma determinada classe, e o que se tem a esclarecer é o alcance de suas estipulações (Cfr. LOPEZ SANTA MARIA, cit., pág. 27).

 

No mesmo sentido: CUSTÓDIO DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA, Interpretação e Integração dos Negócios Jurídicos, S. Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1989, págs. 97 e segs.

 

Com essa preocupação, portanto, inicia-se a análise, com a asserção de que o «nomen iuris» atribuído pelas partes, a si, ou ao contrato, pode perder o sentido no que se refira à sua classificação, se as cláusulas estipuladas não lhe digam respeito (art. 112 do Código Civil).

Logo, as referências a comodante e comodatária, revelam-se desprezíveis, diante da onerosidade pactuada.

 

Doutro lado, não há dúvida de que a avença, face ao contexto do instrumento, diante da lei, revela-se autêntico contrato atípico, inominado.

 

Ensina SILVIO RODRIGUES que «Inominados ou atípicos são os contratos que a lei não disciplina expressamente, mas que são permitidos, se lícitos, em virtude do princípio da autonomia privada. Surgem na vida cotidiana, impostos pela necessidade do comércio jurídico.» (Direito Civil, S. Paulo, Saraiva, 1972, vol. 3, pág. 35).

 

E, a seu turno, o Professor WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO assim classifica os princípios que orientam os contratos não específicos: «Os contratos inominados são regidos pelos seguintes princípios: a) em primeiro lugar, pelas regras gerais, aplicáveis a todos os contratos; b) em segundo lugar, pela vontade das partes, na medida em que ela se afirmou, ou foi declarada; c) por fim, subsidiariamente, pelas disposições aplicáveis ao contrato nominado com o qual venha oferecer maior analogia.» (Curso de Direito Civil, S. Paulo, Saraiva, 1976, 50 vol., pág. 30).

 

Com base nesse escólio, assim se pronunciou o Egr. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul: «Em suma, o contrato atípico será válido e eficaz, sendo as partes contratantes capazes, lícito o seu objeto e a sua forma não for defesa em lei (C. Civ. art. 104), e, como todo contrato, subordina-se a três princípios fundamentais:

        

«a) o da autonomia da vontade;

        

«b) o da supremacia da ordem pública; e

        

«c) o princípio da obrigatoriedade da convenção.

        

«O segundo desses princípios baliza o da autonomia da vontade, impossibilitando estipulações contrárias à moral, à ordem pública e aos bons costumes. À luz de tais princípios, não se pode negar eficácia e validade à convenção dos litigantes.» (Cfr. TJMS, s/d - Apel. n. 214/81 - Rel. Des. LEÃO NETO DO CARMO, Revista Forense, 285, pág. 279).

 

No caso concreto, ao combinarem locação prevendo o uso de espaço no imóvel da ré, para instalação de apetrechos de publicidade exclusiva, pela autora, por tempo determinado, e mediante contraprestação, além de as partes não haverem atentado contra a ordem pública, levaram a efeito ato que a jurisprudência e a doutrina consideram regulado pelas regras gerais aplicáveis aos contratos de locação, e também pela letra contratual.

 

De fato,

 

«Rege-se pelo Código Civil [vigente, art. 573], e não pela lei do inquilinato, a locação de espaço sobre o telhado do prédio para a colocação de anúncio de propaganda, de modo que ela cessa de pleno direito, findo o prazo estipulado, independentemente de notificação ou aviso (art. 1.194 do Código Civil).» (Ac. TJSP, de 5/6/63 - Apel. 60.686 - Rel. Des. PACHECO DE MATTOS, Revista dos Tribunais, 349/470).

 

No mesmo sentido: Revista Forense, 109/425.

 

Em seu livro Locação e Despejo, S. Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1992, pág. 12- GILDO DOS SANTOS, ao comentar o art. 1° da Lei 8.245/91 faz essas considerações:

 

«Cada vez mais nos tempos modernos, em que o slogan ‘a propaganda é a alma do negócio’ ganha foros de verdade insuperável, surgem contratos de locação, por assim dizer atípicos, prevendo o uso de espaços em propriedades (paredes, muros, árvores), no espaço aéreo (out doors, luminosos), mas, como antes, esses ajustes ficam fora da lei que estamos comentando, bastando que sobre eles incida a lei civil comum.» (Gr.).

 

Sem dúvida, aí consignada a expressão da Lei 8.245, de 18/10/91, que em seu art. 1º, § único, n. 3, diz:

 

«Parágrafo único. Continuam regulados pelo Código Civil e pelas leis especiais:

«a) as locações: (...)

«3. de espaços destinados à publicidade.»

 

No que toca à cessão onerosa de espaço para comercialização de produtos em certa época do ano, nos cinco anos subsequentes, acredita-se perfeitamente válido o que se pactuou, quer pelas razões suso alinhadas, quer pelos motivos que a seguir se declinam.

 

Quanto à fixação do prazo, ou à forma a ser adotada no seu cumprimento, a regra louva-se no princípio da autonomia da vontade.

 

O art. 3º da Lei 8.245/91 dispõe que

        

«Art. 3º.O contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo.»

 

Ao emitir juízo sobre norma equivalente, da Lei do Inquilinato, MARIA HELENA DINIZ, com substrato nesse dispositivo do Código Civil, ensina:

 

«Neste artigo está consagrado o princípio da autonomia da vontade, no qual se funda a liberdade contratual dos contratantes, consistindo no poder de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordos de vontades, o prazo da locação, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica.» (Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada, S. Paulo, Saraiva, 1992, págs. 43 e seg., gr.).

 

E, para ocaso específico, assim é o posicionamento da melhor doutrina:

 

«Considerando-se o tempo em que devem ser executados, distinguem-se os contratos de execução instantânea dos contratos de execução diferida no futuro (contratos sucessivos). (...)

«Os segundos são aqueles em que uma das partes (ou ambas) deve cumprir sua obrigação em tempo futuro.

«Estes contratos podem se apresentar sob duas modalidades: a) é possível que as prestações devidas por uma ou ambas as partes, por sua própria natureza ou em virtude da natureza do contrato, só possam ser fornecidas futura e periodicamente, como, p. ex., no contrato de locação de serviços; aí a obrigação do empregado e do patrão é contínua, e seu cumprimento se alonga no tempo; o mesmo ocorre no contrato de locação de imóveis, de fornecimento de matérias-primas, etc.; b) o fornecimento da prestação de um dos contratantes pode-se fazer, por convenção entre as partes, através de pagamentos parcelados, como nas vendas a prazo; nelas o comprador recebe desde logo o objeto comprado, para pagá-lo um determinado número de prestações futuras.» (SILVIO RODRIGUES, Contrato de Execução Instantânea e de Execução Diferida no Futuro, «in» Enciclopédia Saraiva do Direito, S. Paulo, Saraiva, 1977, vol. 19, pág. 341, gr.).

 

Doutra parte acredita-se oportuno raciocinar no sentido de que, a par da licitude do objeto, a cessão de local, no caso, seria uma figura afim à «locatio», bem como à cessão de uso contemplada no Decreto Lei 271, de 28/2/67- arts. 7º e seguintes - que prevê a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo e determinado.

 

Distingue-se o contrato sob apreciação, do contemplado na referida norma, quanto à sua natureza - neste real -, e por ser este apenas resolúvel.

 

O Professor ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO inclui na categoria de contrato atípico, o de uso de local a título oneroso (Cfr. Contratos Inominados ou Atípicos, S. Paulo, José Bushatsky, Editor, 1975, pág. 153).

 

Dessa forma, entendemos que as partes convencionaram contrato atípico, visando à locação de espaço destinado à publicidade, numa parte, e, em outro passo, de locação civil, ou de cessão de uso de espaço para comercialização, que, neste último caso guarda semelhança com a referida concessão de uso (D.L. 271/67), da qual se distingue pela diversidade da natureza do objeto, pela determinação de prazo, e pela inexistência de cláusula resolutiva (em parte, cfr. Ac. do TJMS, cit., Revista Forense, 285/280).

 

A nosso juízo, portanto, o contrato é válido e eficaz, apto, portanto, gerador das consequências pertinentes com as figuras afins.

        

 

O PROCESSO

        

Do pedido

 

Estando, ao que se extrai dos autos, íntegra e de pé, a obrigação, e sendo determinado o objeto, é ela, à evidência, exigível, assistindo ao credor sua execução, através da ação cominatória.

 

No grande comentário de CARVALHO SANTOS ao Código Civil de 1916, nota-se, sem margem a dúvida, que o credor pode exigir e ao devedor se impõe prestação do ato, que expõe com muita clareza, nestas palavras:

 

 «Tendo-se em vista a execução, ou o adimplemento das obrigações, incontestavelmente o principal efeito a considerar é o que diz respeito ao cumprimento delas, pelo devedor, no tempo, lugar e modo devidos, o que corresponde ao credor a exigir a execução.» (Código Civil Brasileiro lnterpretado, Rio, Freitas Bastos, 1974, 9ª ed., pág. 5).

 

Acerca da ação visando a tal desiderato, escreveu MOACYR AMARAL SANTOS:

 

«Tutelando o interesse e o direito do credor de exigir do devedor o cumprimento da obrigação conforme se obrigara, o processo deverá proporcionar àquele a satisfação de sua pretensão dentro dos limites do possível. Não se compreenderia que o sistema jurídico positivo, ao disciplinar o processo, não o munisse dos instrumentos necessários ao exercício integral daquela tutela, ou seja, não armasse o processo de modo a atingir, na lição de CHIOVENDA, a finalidade de dar, ‘nos limites do que é praticamente possível, a quem tem um direito, tudo aquilo e exatamente aquilo a que tem direito de obter.’ Assim, para obviar o obstáculo, possivelmente verificável em execução, de não poder coagir-se o devedor ao cumprimento da prestação, haveria de instituir-se uma ação que o compelisse, por meios indiretos de coação ou subrogação, e nos limites do que é praticamente possível, a satisfazer a obrigação na forma pela qual se obrigara. Essa é a ação cominatória, que se vale da cominação de uma pena, destinada a convencer o devedor da conveniência de prestar o fato, conforme o estabelecido na convenção ou prescrito pela lei. A peculiaridade dessa ação, qual a de valer-se da cominação de uma pena, não se contrapõe a qualquer norma geral ou especial de direito, e, portanto, é perfeitamente admissível, não havendo assim, razão jurídica que impugne a utilização de tal ação para tutela das obrigações de fazer em geral. Ainda aqui se aplica, como uma luva, o ensinamento de CHIOVENDA: ‘qualquer modo de atuação da lei (a qualquer meio executivo), que seja praticamente possível e não seja contrário a uma norma geral ou especial de direito deve considerar-se admissível.» (Ações Cominatórias no Direito Brasileiro, S. Paulo, Max Limonad, 1969, II Tomo, 4ª ed., págs. 763 e seg.).

 

Expendidas essas considerações genéricas, o exame da hipótese conduz à conclusão de que, sem dúvida, recai sobre o locador, a obrigação de entregar a coisa alugada ao locatário, para os fins previstos (art. 566-I/CC), podendo este alcançar o objetivo, através da ação cominatória, quando não se verifica a execução voluntária.

 

De feito,

 

«A entrega da coisa alugada ao locatário para o fim a que se destina é obrigação precípua do locador expressa na lei (Cód. Civil [1916] art. 1.189, I) e assim assistiria ao locatário, em princípio, o direito de exigir a entrega manu militari, no caso de recusa ou demora do locador em cumprir aquela obrigação tal como ocorre na legislação de muitos países que consagram idênticos direitos e obrigações decorrentes dessa espécie de contrato. (...)

«A nossa lei processual não proporciona, entretanto, ao locatário ação, para obter de modo direto e independente de fato do locador, ou seja, manu militari, a posse direta da coisa locada, não se enquadrando, com efeito, a espécie, nos casos taxativos estabelecidos pelo art. 881 do Cód. de Proc. Civil [de 1939] para uso da ação de imissão de posse, como seria curial.

 

«Permite-lhe, entretanto, alcançar aquele objetivo, concedendo-lhe nos termos do art. 302, inc. XII, do mesmo Cód. de Proc. Civil [de 1939] o uso da ação cominatória para exigir do locador que preste o fato a que se obrigou de entregar-lhe a coisa alugada para o fim a que se destina, sob a pena que for cominada.» (Ac. TJDF, de 12/4/57 - Apel. 38.987- Rei. Desemb. HENRIQUE FIALHO, Revista Forense, 181, págs, 192 e seg., gr.).

 

Respeitantemente à cominação de pena, para a hipótese de inobservância do preceito, conforme exige a lei (art. 936-II/CPC), a petição lhe faz referência, cabendo ao Magistrado arbitrá-la, ao teor dos autos.

 

«Multa diária - Omissão do quantum – Admissibilidade - Fixação que cabe ao Juiz - Artigo 936, inciso II, do Código (Ac. TJSP, de 26/2/87 - Agr. Instr. 85.236-1 - Rel. Desemb. NEY ALMADA, LEX-RJTJESP, 108/327).

 

Em igual sentido a doutrina de ADROALDO FURTADO FABRÍCIO, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio, Forense, vol. VIII, pág. 612:

 

«Como em geral ocorre relativamente à cominação de pena pecuniária, é ao autor que cabe requerê-la, mas é o Juiz quem a estabelece, inclusive no relativo ao quantum. Atentará este para o critério da proporcionalidade entre o benefício econômico que o infrator obteria da inobservância do preceito e o valor da multa; a pena, assim, será suficientemente severa para desestimular a infringência, mas não será desarrazoadamente superior ao valor daquele benefício.»

 

Assim, a ação afigura-se correta, a inicial mostra-se apta, e o pedido ostenta-se procedente.

 

 

A contestação da ré

        

Três são os fundamentos da contestação apresentada:

 

a) que o imóvel cedido, em parte, não pertence à requerida, mas a outra entidade jurídica formada pelos mesmos sócios;

 

b) que as partes distrataram verbalmente;

 

c) que há cláusula de retratabilidade no contrato, razão pela qual a ré pretende liberar-se da relação obrigacional pelo arrependimento.

 

A questão do item «a», relativa à titularidade dominial do imóvel cedido, é irrelevante à defesa da ré, que procura fugir ao cumprimento do contrato ao argumento de inexistir, de sua parte, propriedade OU domínio sobre o prédio locado.

 

Na conformidade do prelecionado por HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, «in» Locação, Mandato e Comodato, S. Paulo, LEUD, 1987, pág. 192, «A locação, como é da tradição do direito e como a define o Código Civil [de 1916] em seu art. 1.188, é o contrato por meio do qual uma parte cede a outra o uso e gozo temporário da coisa não fungível, mediante remuneração determinada.

 

«Embora, em regra, seja o proprietário o que, habitualmente, faz arrendamento de suas coisas, o certo é que não entra na conceituação desse contrato, como condição essencial, o direito de propriedade ou o domínio do locador.

 

«De tal arte, se o objeto do arrendamento é o uso e gozo, não se pode negar que quem tenha tal disponibilidade, mesmo sem ser proprietário, está em situação de dar a coisa em arrendamento, sem que, com isso, pratique ato nulo ou anulável.        

           

«Ciente dessa verdade, ensina o insuperável CARVALHO DE MENDONÇA:

 

«Por isso que o fim direto da locação é o uso da coisa, pode ser objeto desse contrato toda coisa lícita, móvel ou imóvel, corpórea ou incorpórea, desde que seu uso seja possível do ponto de vista físico ou legal. Da regra exposta - conclui o mestre - deduz-se que direitos há que podem ser objeto desse contrato, como sejam: o usufruto, a superfície, a posse, o de patente de invenção.» (‘Contratos no Direito Civil Brasileiro’, 4ª Ed., vol. II, n. 171, pág. 19).

 

«Se, como se vê, a simples posse autoriza o contrato locativo, é claro que, ainda segundo o magistério de CARVALHO DE MENDONÇA, ‘a coisa de outrem pode, em regra, ser objeto da locação. Tal locação é positivamente válida para certos efeitos, desde que se encare a situação das partes’ (obr. cit., pág. 20).»

 

Nesse sentido decidiu o Egr. TAMG, na Apel. 19.637, da Comarca de Jacutinga, cfr. HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, obr. cit., pág. 185, n. 89).

 

E é incrível que se queira deixar de cumprir uma obrigação assumida «ad propria voluntatem», pela ré, ao argumento tardonho, de que a coisa que ela cedeu não lhe pertence.

 

Tanto que, a propósito, o Egr. Tribunal de Minas Gerais lembra::

 

«Um dos princípios fundamentais sobre os quais repousam os contratos é a sua obrigatoriedade; destarte, atendo-se a avença aos requisitos de validade, não pode um dos contratantes, após anos de mantida a situação contratual, alegar em seu prol a invalidade da mesma, o que significa transigir com a malícia e com a má fé.» (Ac. TAMG, de 25/5/84- Apel. 25.041 - Rei. Juiz SÁLVIO DE FIGUEIREDO, Rev. Julgs. TAMG, 19/277).

 

Quanto à razão de letra «b», supra, de que as partes - autora e ré - resolveram verbalmente o contrato, o argumento não colhe; a uma, porque a autora o nega; a duas, porque não há prova atinente; a três, porque o Código Civil, no seu art. 472, é claro ao dispor que

 

«O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.»

 

Nessas condições, se o contrato foi lavrado por escritura particular, somente por escritura particular ou pública pode ser distratado, não se prestando, para os efeitos de extinguir o vínculo obrigacional, mera alegação de uma das partes.

 

A razão de letra «c», versante sobre exercício de arrependimento, será objeto de discussão a seguir, já que matéria pertinente à reconvenção.        

 

 

Da reconvenção

        

Imaginando a ré que a rescisão ou a resolução do contrato ficou reservada ao arbítrio de uma das partes, com a faculdade de destruir a obrigação pactuada, mediante a perda da quantia relativa à multa que se convencionou para os casos de rescisão, ingressou ela, através de reconvenção, com pedido de desconstituição da relação, com fundamento puro e simplório em que não mais pretende dar cumprimento àquilo a que se obrigara.

E o fez com substrato na cláusula 4ª do contrato, que reza:

 

«Cláusula quarta - Da rescisão.

«Rescindido por qualquer forma o presente contrato, obriga-se a comodatária restituir em 10 (dez) dias contados da data da rescisão, no estabelecimento da comodante ou onde esta indicar por escrito, o valor de 05 (cinco) vezes o valor do contrato atual reajustado pelo índice vigente na data.»

 

Contudo, não tem razão.

        

O que a cláusula estabelece, é uma avaliação prévia, determinada, da indenização a ser paga no caso de rescisão, à evidência para que, nessa hipótese, não haja margem a enriquecimento com eventual indenização a liquidar.

 

Mas, não há como confundir uma cláusula, que a própria reconvinte confessa ser penal, com multa compensatória, com faculdade de arrependimento que o contrato não contempla.

 

Realce-se que, a pena, no caso, tem cabida para os casos de rescisão - «por qualquer forma», conforme enfatiza a reconvinte -, o que não faculta ao devedor, mediante sua perda em benefício do credor, exonerar-se do vínculo obrigacional, resolvendo, ao seu alvedrio a obrigação que havia assumido.

 

Isto porque, a rescisão traz consigo a idéia da involuntariedade, no ato de se desfazer o contrato.

 

Logo, não há confundir, resolução pela rescisão, por qualquer forma, isto é, judicial ou extrajudicial, com resolução pela resilição unilateral, eis que esta exige previsão de cláusula expressa (art. 420/CC), permissiva do desfazimento do vínculo, voluntariamente, por uma das partes (v. a respeito, LIMONGI FRANÇA, Teoria e Prática da Cláusula Penal, S. Paulo, Saraiva, 1988, págs. 284 e seg.).

 

A cláusula 4ª do contrato não porta sequer espectro de condição. Reporta-se, embora ferindo o princípio da bilateralidade, ou da reciprocidade, exatamente ao que dispõe a lei a respeito da obrigação de indenizar, se houver rescisão.

 

Parece importante notar, que a cláusula não estabelece que o contrato será resolvido se um dos contratantes, por declaração unilateral, o quiser.

 

Diz simplesmente: no caso de rescisão a ré pagará multa. Pena essa que impende sobre a autora também, por força da norma jurídica (art. 475, § do CC), se ela der margem à rescisão.

 

Por outra parte, ainda tivesse o contrato previsto hipótese de arrependimento, o exercício dessa faculdade encontraria óbice na execução já verificada.

 

Realmente.

        

«Não cabe arrependimento de uma só das partes nos contratos, depois de aperfeiçoados, pois, ambas ficam obrigadas a seu cumprimento.« (JOAQUIM ESCRICHE, Dicionario Razonado de Legislación y Jurispridencia, Bogotá, Temis, 1977, vol. 1, pág. 484, verbete «arrempetimiento», trad.).

 

Aliás, a doutrina brasileira, notadamente a exposta pelo Professor WASHINGTON DE BARROS, sufraga o entendimento de que o contrato, uma vez assinado, há estrita obrigação de adimplí-lo ou dá ensejo à execução, ainda que nele não figure cláusula de irretratabilidade.

 

Na mesma esteira a jurisprudência:

 

Como decidiu o Egr. Tribunal de Alçada de S. Paulo, se o contrato é omisso no tocante à cláusula de arrependimento ele é irretratável e irrevogável (Revista dos Tribunais, 211/498).

 

Se não prevista cláusula expressa de arrependimento, o contrato será irrevogável (Revista dos Tribunais, 387/185 e 209/258).

Também, conforme decidiu o Egr. Tribunal de Justiça do Paraná, «A revogabilidade é que deve constar do contrato; não a irrevogabilidade, que resulta da lei.» (Revista dos Tribunais, 332/408).

 

Há ainda, parecer, com idêntico raciocínio, do Professor ANTÃO DE MORAIS, «in» Revista Forense, 147/72.

 

Mas, voltando ao caso concreto, tem-se que na propositura reconvencional há um contrasenso que choca, eis que a reconvinte, manifestando o propósito de destruir a obrigação pactuada, mediante depósito do valor da multa prevista na cláusula penal, na condição de devedora quer ver rescindido o contrato.

 

Ensina o Professor FRANCISCO CAMPOS, que «Na obrigação com cláusula penal não é lícito ao devedor destruir ou resolver o laço obrigacional, e o inadimplemento não constitui motivo de rescisão ou de resolução da obrigação.» (Direito Civil, Rio, Freitas Bastos, 1956, pág. 124, gr.).

 

Aliás, essa é a posição do Egr. 1° TACivSP, ao proclamar ensinamentos ao amparo da mais autorizada doutrina.

 

Diz então o Egr. Tribunal (TAC) de S. Paulo:

 

«Efetivamente, a ação descansa na consideração de que, existindo multa de natureza compensatória no contrato de fornecimento, era dado à autora rescindir o ajuste e pagar apenas a importância da pena convencionada.

«Ocorre que essa alternativa é instituída em benefício do credor e não do devedor, como dispõe o artigo 918 do Código Civil [de 1916].

«Assim, como acentua CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, ‘aquela alternativa entre a prestação específica e a multa beneficia, é claro, apenas o credor, e nunca se estende ao devedor inadimplente. Daí assentar-se que não tem o devedor a faculdade de escolher entre a pena convencional e o cumprimento da obrigação’.

         «E, ainda com apoio em TRABUCCHI, POLACCO, TITO FUNGÊNCIO e OROZIMBO NONATO, acrescenta o acatado civilista: ‘Não tem direito de prestar ou pagar a multa nem pode considerar-se a cláusula penal um meio de romper-se o contrato, oferecendo-a o devedor em substituição da prestação’ (cf. ‘Instituições de Direito Civil’, vol. II/132).

«Esse entendimento, ademais, é tranquilo na doutrina, como bem mostrou o douto Magistrado, que ainda trouxe à colação as lições de CARVALHO SANTOS (Código Civil Brasileiro interpretado, vol. XI/303) e de SILVIO RODRIGUES (Parte Geral da Obrigações, pág. 93). (...)

«Por sinal, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, examinando a matéria, oferece segura resposta ao argumento das razões do recurso, em ordem a dispensar qualquer outra consideração sobre a matéria.

«Assim, a multa ‘compensatória, como indica a própria denominação, substitui a obrigação principal, indenizando o credor das perdas e danos gerados do inadimplemento do devedor. Em razão desta finalidade, decorre da lei a alternativa a beneficio daquele, pois que a falta da prestação traz o dano, que a penalidade ajustada visa a corrigir ou compensar’.

«E, ‘quando a cláusula penal é moratória, não substitui nem compensa o inadimplemento. Por esta razão, nenhuma alternativa surge, mas, ao revés, há uma conjunção de pedidos que o credor pode formular: o cumprimento da obrigação principal que não for satisfeita oportunamente, e a pena moratória, devida como punição ao devedor, e indenização ao credor pelo retardamento oriundo da falta daquela’ (ob. cit., pág. 135).

«Vale dizer, em se tratando de multa de natureza compensatória, ao credor, no caso de completa inexecução da obrigação, é dado optar pelo cumprimento da obrigação ou cobrar a pena convencional. No caso de cláusula penal moratória, o credor pode exigir o cumprimento da obrigação e, ainda, a multa.» (Ac. 1° TACSP, de 9/11/83 - Apel. 308.776 - Rel. Juiz OLAVO SILVEIRA, LEX-JTACSP, 86/65).

 

Outro não é o pensamento dos eminentes Desembargadores do Egr. TJSP, quando assertivam:

 

«E a suposição do réu de que, pagando a multa constante do contrato, pode violar a cláusula contratual, é o que há de injurídico. Até mesmo quando cominada para o caso de total inadimplemento da obrigação, a cláusula penal é alternativa a benefício do credor, evidente como é que ninguém pode ter o ‘direito’ de infringir cláusula contratual, com a alegação de que pagará multa.» (Do v. Ac. TJSP, de 9/6/67 - Apel. 162.354 - Rel. Des. RODRIGUES DE ALCKMIN, LEX-RJTJESP, 4/57).

        

E, finalmente, como uma luva, para o caso «sub examine», a seguinte sentença:

 

«Não se exonera o locador da obrigação de fazer entrega ao locatário da coisa alugada mediante o pagamento da multa convencionada no contrato de locação, tendo como principal finalidade punir a infração de qualquer cláusula, independente do cumprimento da obrigação.»(Ac. TJDF, Ac de 12/4/57- Apel. 38.987- Rei. Des. HENRIQUE FIALHO, Revista Forense, 181/191).

 

Ademais, a doutrina não discrepa da posição dos Tribunais, tanto que CARVALHO DE MENDONÇA observa que «ninguém jamais pôs em dúvida que só tenha direito de requerer a rescisão nos bilaterais a parte que, tendo cumprido, não recebeu a contraprestação». (Doutrina e Prática das Obrigações, vol. 2, pág. 646).

 

«In specie», mais que eloquente a prova da satisfação da obrigação pela reconvinda, inclusive em consignatória, onde houve recebimento da prestação pela reconvinte, logo na audiência de oblação.

 

Concluindo, registra-se que antes do ajuizamento da cominatória a autora ingressou com procedimento cautelar, visando à antecipação da execução da obrigação pela reconvinte, que, à míngua de recurso, se conformou com a liminar concedida «initio iitis». Empós veio a cominatória, em cujo ventre a ré manifestou o pedido rescisório pela via da reconvenção.

 

Então, quando veio o pedido de rescisão do contrato, quem estava em mora, pela citação verificada tanto na medida preparatória como na ação principal, era a reconvinte, que assim foi constituída, por não ter cumprido a sua obrigação no tempo convencionado.

 

Em razão disso, a rescisão não tem como vingar.

 

Este, aliás, o entendimento do Egr. TJSP:

        

«Estando um dos contratantes já constituído em mora, por não executar sua parte na convenção, não pode pretender exercer o direito de rescisão fundado no inadimplemento a que ele mesmo deu causa, posto que o art. 1.092 do CC é expresso em dizer que só tem este direito aquela parte que tenha cumprido o avençado, não recebendo a contra-prestação.» (Ac. TJSP, de 18/3/86 - Apel. 98.692-2 - Rel. Des. MACHADO DE ARAÚJO, Revista dos Tribunais, 610/87).   

 

 

CONCLUSÂO

 

À vista do que acabamos de expor, entendemos, «data venia», que se impõe, na presente ação cominatória, o decretamento da procedência do pedido, para determinar à ré que preste o fato a que se obrigou de entregar à autora, nas épocas previstas, a coisa dada em locação ou cedida para uso, sob a pena que o Mmo. Juiz houver por bem cominar; impondo-se, de outro lado, o reconhecimento de carência de ação, no que toca à reconvenção.

 

Estas, portanto, as considerações que nos ocorreram, salvo melhor juízo.

 

Obs.: este arrazoado foi acolhido em diversos Juízos.