O estupro de vulneráveis e a pedofilia - visão do agente sob o âmbito da criminologia


Porvinicius.pj- Postado em 01 novembro 2011

Autores: 
FIGUEIREDO, Marco Antônio Dias

Sumário: 1-Introdução; 2-Estupro de vulnerável-conceito; 3-Pedofilia; 4-A sensível e tênue linha que separa o fato tipificado no estupro de vulneráveis e ai psicossexualidade anômala presente na pedofilia; 4.1-Quem faz sexo com criança deve responder por estupro de vulneráveis e deve cumprir pena ou deve ser visto como um portador  de um desvio sexual devendo ser submetido  a tratamento?; 5-Conclusão; 6-Referências.

Resumo: Com a nova redação que foi dada ao artigo 213 do Código Penal, o crime de estupro se caracteriza pela conduta de "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso", com a mesma pena de outrora (reclusão de 6 a 10 anos).om as novas alterações, o estupro passou a conter a conduta de constranger alguém (e não apenas a mulher) à prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, que anteriormente caracterizava o crime de atentado violento ao pudor (art. 214 do Código Penal), agora revogado. Assim, para a configuração do estupro basta que uma pessoa (homem ou mulher) obrigue outra (homem ou mulher) a com ela praticar qualquer ato libidinoso.O bem jurídico protegido é a própria pessoa vítima da ação incriminada, o menor e o incapaz de discernir ou de resistir, que, por não deter a capacidade de exercer livremente a sua sexualidade, merece especial proteção do Direito Penal. É o chamado pela lei de vulnerável.

Palavras Chave: estupro; vulneráveis; pedofilia; Lei n. 12.015/09.


1- INTRODUÇÃO

Imperioso se faz, antes de adentrar-se na vasta seara dos assuntos que se interligam em decorrência do crime de vulneráveis e sua relação com a pedofilia, tecer breves comentários acerca das noções gerais que se deve ter sobre os dois temas.

Nestes termos, importante destacar que no dia 07.08.2009, foi sancionada a Lei n. 12.015, que reformulou o Título VI, da Parte Especial do Código Penal, que trata dos crimes sexuais. A nova lei fez importantes modificações, criando novos crimes, modificando outros e extinguindo alguns deles.  As mencionadas alterações começaram, inclusive, pelo nome do Título, que passou a se chamar Crimes contra a dignidade sexual.

Nesta mesma linha de raciocínio, faz-se necessário uma análise acurada acerca do estupro bem como sua colocação e tipificação na nova sistemática penal.

Com a nova redação que foi dada ao artigo 213 do Código Penal, o crime de estupro se caracteriza pela conduta de "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunçãocarnal ou a praticar ou permitir quecom ele se pratiqueoutroatolibidinoso", com a mesma pena de outrora (reclusão de 6 a 10 anos).

Importante observar que, com as novas alterações, o estupro passou a conter a conduta de constranger alguém (e não apenas a mulher) à prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, que anteriormente caracterizava o crime de atentado violento ao pudor (art. 214 do Código Penal), agora revogado. Assim, para a configuração do estupro basta que uma pessoa (homem ou mulher) obrigue outra (homem ou mulher) a com ela praticar qualquer ato libidinoso (conjunção carnal, coito anal, felação etc.).

Contudo, o novo artigo 213 é aplicável tão-somente nas condutas contra maiores de 14 anos, pois, se a vítima for menor de 14 anos, aplica-se o artigo 217-A que prevê o crime de estupro de vulnerável, assunto central do presente artigo, que tem pena mais grave.

Com a revogação do artigo 224, que previa a presunção de violência, o estupro previsto no novo artigo 213 do Código Penal só pode ser praticado mediante violência real (agressão física) ou grave ameaça.

2. ESTUPRO DE VUNERÁVEL - CONCEITO

De início cumpre salientar que a lei 12.015, de 7.08.2009 acrescentou, ao Código Penal, o art. 217-A, contendo o tipo penal de estupro de vulnerável, assim definido: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. A pena cominada é reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. O § 1° estabelece: “Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

Vale ressaltar que o estupro de vulnerável não é, como pensam alguns, uma espécie do crime de estupro, definido no art. 213, porquanto não contém o elemento “constranger” daquele tipo. Um crime só é espécie de outro, quando contiver todos os mesmos elementos do outro e mais um ou alguns, ditos especializantes.

Nesta vertente, estupro de vulnerável, é um tipo absolutamente novo e não derivado de nenhum outro. Há em comum com o estupro do art. 213, além do nome, os elementos conjunção carnal ou outro ato libidinoso. A estrutura típica, todavia, é absolutamente diferente. Naquele exige-se constrangimento, neste não há qualquer referência a constrangimento, que pode, contudo, ocorrer. O bem jurídico protegido é a própria pessoa vítima da ação incriminada, o menor e o incapaz de discernir ou de resistir, que, por não deter a capacidade de exercer livremente a sua sexualidade, merece especial proteção do Direito Penal. É o chamado pela lei de vulnerável.

3- PEDOFILIA

Antes de tecer comentários acerca da conceituação de pedofilia, necessário se fazer uma breve referência aos desvios da sexualidade, ou seja, às parafilias, que perturbações da sexualidade que podem ser constantes ou episódicas, que se manifestam através de fantasias ou de comportamentos recorrentes e que são sentidas pelo próprio como sexualmente excitantes.

Nota-se que as parafilias específicas mais conhecidas são o exibicionismo (exposição dos genitais); o fetichismo (uso de objetos inanimados); o frotteurismo (tocar ou roçar-se numa pessoa que não consente); a pedofilia (foco em crianças prépubertárias); masoquismo sexual (ser objeto de humilhação ou sofrimento); o sadismo sexual (infligir dor); o fetichismo travestido (traves-tir-se); e o voyeurismo (observar atividade sexual). De acordo o exposto e ancorado na terminologia utilizadapela Organização Mundial da Saúde, a pedofilia caracteriza-se como a ocorrência de práticas sexuais entre um indivíduo maior de 16 anos com uma criança na pré-puberdade. A psicanálise encara a pedofilia como uma perversão sexual.

Importante notar que não é uma doença, mas sim uma parafilia, ou seja, um distúrbio psíquico que se caracteriza pela obsessão por práticas sexuais não aceitas pela sociedade, como o exibicionismo e o sadomasoquismo. Muitas vezes o pedófilo apresenta uma sexualidade pouco desenvolvida e teme a resistência de um parceiro em iguais condições. Sexualmente inibido, escolhe como parceiro uma pessoa vulnerável.

4- A SENSÍVEL E TÊNUE LINHA QUE SEPARA A O FATO TIPIFICADO NO ESTUPRO DE VULNERÁVEIS E A PSICOSSEXUALIDADE ANÔMALA PRESENTE NA PEDOFILIA

Cumpre salientar, que não raramente a mídia em geral utiliza-se do termo pedofilia de forma indiscriminadamente, não tendo, desta forma, o necessário discernimento de que no presente ordenamento pátrio jurídico um fato para ser considerado típico deve estar previsto em lei, o que, definitivamente, não ocorre com a pedofilia.

Nesta seara é que reside a polêmica, haja vista que no âmbito da criminologia, o sujeito ativo do crime de estupro de vulneráveis não deve ser visto como um delinqüente qualquer e sim como um portador de uma psicossexualidade anômala na forma do desvio sexual denominado pedofilia. ]

No dizer de Croce e Croce Júnior “o instinto sexual na natureza humana é expressão designativa da ação orgânica reflexa neuropsíquica, desencadeada por automatismos profundos filogenéticos, objetivando, primordialmente, a perpetuação da espécie e, secundariamente, nos seres mais evoluídos da escala zoológica, a satisfação da posse carnal”.

Sendo assim, forçoso concluir que a manifestação mental do instinto sexual é a libido, que se caracteriza como uma forma de energia psíquica especificamente associada à vontade sexual. É sabido que o sexo mal orientado pode provocar desajustes, desvios de conduta capazes de provocar variadas frustrações e muitas das vezes levar o indivíduo ao cometimento de crimes, já que os desvios sexuais muitas das vezes são expressões de outras enfermidades mentais, ou apenas fundamentadas no transtorno do instinto e na confusão da definição inata do sentimento ético.  

4.1- QUEM FAZ SEXO COM CRIANÇA DEVE RESPONDER POR ESTUPRO DE VULNERÁVEL E DEVE CUMPRIR PENA OU DEVE SER VISTO COMO UM PORTADOR DE UM DESVIO SEXUAL DEVENDO SER SUBMETIDO A TRATAMENTO?

De inicio cumpre observar que a pedofilia é desvio sexual caracterizado pela atração por crianças ou adolescentes sexualmente imaturos, com os quais os portadores dão vazão ao erotismo pela prática de obscenidades ou de atos libidinosos – a pedofilia é o regresso do indivíduo adulto a curiosidade sexual e ao comportamento de exploração da criança. No dizer de Croce “uma intensa ansiedade de castração, promotora de incapacidade de assumir uma relação heterossexual normal, afasta o pedófilo do parceiro sexual adulto”.

 A pedofilia tanto pode se manifestar por relações heterossexuais quanto homossexuais dependendo no caso concreto do sexo da vítima, já a prática  sexual por homens e menores com faixa etária entre 10 e 16 anos é conhecida por hebefilia sendo que os hebéfilos são indivíduos com características de violadores e com distúrbios de juízo , tanto a pedofilia quanto a hebefilia são modalidades de desvio sexual que necessitam de tratamento psicanalítico ou psicoterápico com orientação analítica.

Quando da análise da personalidade do pedófilo revelam como traço comum sentimento de inferioridade e baixa autoestima, são pessoas isoladas e solitárias, observa-se imaturidade emocional bem como dificuldade para se relacionar com pessoas de sua idade ou maduras, sinais de raiva e hostilidade e apresentam outros transtornos mentais associados.

Importante mencionar que a literatura psiquiátrica forense traz igualmente como causas da pedofilia fatores ambientais sociais e psicológicos, bem como abuso sexual durante a infância e quando se trata da pedofilia incestuosa o alcoolismo é traço comum entre eles.

Nesse diapasão, é necessário que se faça uma avaliação rigorosa daqueles que se encontram classificados como “pedófilos” pela mídia, já que do ponto de vista psiquiátrico-forense a pedofilia é considerada uma perturbação da saúde mental e conseqüente semi imputabilidade nos moldes do parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, in verbis :

“Art. 26 (...)

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”

Desta forma, a perícia médico-legal deve detectar se a pedofilia está relacionada ao alcoolismo, demência senil ou psicose, nestes casos a análise deve ser feita diante de um quadro de inimputabilidade previsto no art. 26 caput do Código Penal, in verbis:

“Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da açãoou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.”

5- CONCLUSÃO

Diante observância de todas as colocações explanadas, conclui-se que a comunidade jurídica bem como outras instituições envolvidas, não podem simplesmente fechar os olhos para os casos de abuso sexual cometidos contra criança ou adolescente e juntar-se ao coro dos que clamam por linchamento e privação da liberdade sem uma análise do caso concreto, visto que, agindo desta maneira, ou seja, acompanhando o coro da multidão desinformada, não se conseguirá erradicar o problema que constitui um fator medo no seio da nação brasileira que teme pelo seu bem mais precioso, ou seja, nossas crianças e adolescentes.

Noutra vertente, o pedófilo que não for submetido a uma perícia séria e sem preconceitos será submetido a uma pena privativa de liberdade e com o tempo de prisão cumprido voltará às ruas tão ou mais doentes de que quando entrou no sistema carcerário.

Deve-se usar da razoabilidade para entender que diante do caso concreto, por mais revoltante que seja, como já ocorre em países como EUA e Canadá, necessário se faz a perícia médico-legal e diante do resultado seja o pedófilo submetido à medida de segurança detentiva ou restritiva, por tempo indeterminado , passando por tratamento farmacológico consistente na castração química e de psicoterapia cognitivo-comportamental , visto que, o tratamento atuará como forma de prevenção social, já que é desnecessário ter o título de psiquiatra para diagnosticar como comportamento anormal um adulto que se relaciona sexualmente com crianças , urge que se busque a história do desenvolvimento psicossexual do indivíduo , para constatar as causas desse desvio sexual que tanto choca a população quando vem a público e precipuamente buscar proteger as crianças para que não se transformem em pedófilos de amanhã.

6- REFERÊNCIAS

CROCE, CROCE JÚNIOR. Delton. Manual de Medicina Legal. São Paulo: Saraiva, 2010.

Ballone GJ - Delitos Sexuais (Parafilias) - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2005.

GÊNOVA, Jairo José. Novo crime de estupro. Breves anotações. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2240, 19 ago. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13357. Acesso em: 17 maio 2011.

ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 2011.

MOSCATELLO, Roberto. Artigo: Pedofilia é doença passível de inimputabilidade – disponívelComo citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

SILVA, Francisco Deliane e. Pedofilia, crime ou doença? O direito da loucura ou a loucura do direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2333, 20 nov. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/13877. Acesso em: 15 maio 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade social: comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2.009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.009.