O princípio da legalidade tributária


Porbarbara_montibeller- Postado em 20 março 2012

Autores: 
GUIMARÃES, Lucia Paoliello

1. Introdução 

A Constituição Federal de 1988 proclama, em seu artigo 150, I, que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Firma, nestes termos, o chamado princípio da legalidade tributária, garantia conquistada pelos cidadãos e consagrada, hoje, na grande maioria das Constituições dos Estados.

A preocupação com os limites e circunstâncias da tributação - verdadeira invasão estatal ao patrimônio dos cidadãos - remonta ao século XI, quando os súditos passaram a perceber que não deveriam, ou poderiam, se submeter livremente a todas as tentativas de incursão em seu patrimônio pelos monarcas. Nascia, então, a idéia de controle da tributação (ou da ação estatal de constranger o patrimônio do povo) pelo consentimento popular, ou, em outro dizer, a idéia de autotributação.

Com o passar dos séculos, deu-se o desenvolvimento das estruturas e organizações estatais, tanto em âmbito político, quanto jurídico, chegando-se, hoje, à era dos Estados Democráticos de Direito, que, pautados em constituições democráticas, asseguram a seus cidadãos direitos e garantias de toda natureza, em especial no que tange à tutela de bens como a vida, a liberdade, a igualdade e o patrimônio. 

A necessidade popular de se garantir em face de eventuais arbitrariedades praticadas pelos Estados em matéria de tributação, no entanto, apenas aumentou, de sorte que, hoje, temos em nosso texto Constitucional uma imensidão de normas destinadas a limitar a atividade estatal nessa seara, as quais receberam da doutrina a denominação “estatuto do contribuinte”.

O princípio da legalidade tributária, por sua vez, muito embora desponte como a mais antiga destas normas destinadas a proteger o contribuinte, manteve seu “status” e, ainda hoje, figura dentre as mais importantes (se não for, de fato, a mais importante) limitações constitucionais ao poder de tributar, sendo vista como a origem de diversas outras garantias hoje expressamente asseguradas ao contribuinte sob diferentes títulos.

O dispositivo que o contempla na atual Constituição, já anteriormente transcrito, é de aparente simplicidade, não demonstrando, numa primeira e apressada análise, a grande dimensão tomada pelo princípio no sistema jurídico pátrio. Nesta linha, é imperioso o esforço doutrinário para dar à importante matéria relativa ao princípio da legalidade tributária contornos mais firmes e bem traçados, esclarecendo-se, assim, a maneira como referido princípio se insere no plexo de princípios e sobreprincípios que rege nossa ordem constitucional.

Visando, portanto, a esmiuçar o aparentemente simples princípio da legalidade tributária, desenvolveremos estudo sobre suas diferentes vertentes, de modo a permitir o conhecimento de seu amplo conteúdo e, conseqüentemente, sua correta interpretação e aplicação nos diversos casos concretos que freqüentemente se apresentam.

Limitaremos nosso estudo, no entanto, à análise do ordenamento jurídico brasileiro, com olhos voltados, em especial, para a Constituição Federal de 1988.

2. Origem e Evolução do Princípio  

Sem se desconsiderar as primeiras evidências da exigência de consentimento pessoal e direto à tributação, datadas do século XI,[1] pode-se afirmar ter o princípio da legalidade sido expressamente elaborado como norma jurídica geral e abstrata pela primeira vez em 1215, quando da promulgação da Magna Carta pelo rei inglês João Sem Terra.

Referido texto, verdadeira declaração de direitos da nobreza frente à Coroa inglesa, produto da pressão exercida pelos barões sobre o já mencionado monarca, trazia em seu artigo XXXIX o seguinte mandamento:

Nenhum homem livre será preso ou aprisionado, privado de propriedade ou direito, tornado fora-da-lei ou exilado, ou de maneira alguma prejudicado, nem o perseguiremos ou mandaremos alguém fazê-lo, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra. (tradução nossa) [2]

   

E, impondo especificamente a necessidade do consentimento de representantes para a criação pelo rei de prestações financeiras, dispunha seu artigo XII:

Nenhuma exigência financeira será feita sem o consentimento do conselho geral do reino, salvo se destinada ao resgate de nosso Monarca, para armar cavaleiro nosso filho mais velho e para celebrar, uma única vez, o casamento de nossa filha mais velha; e essas cobranças não excederão limites razoáveis. (tradução nossa) [3]

Desta forma, tem-se que referido documento assegurou aos homens livres - ao menos em tese [4] - o direito de não ter seu patrimônio e sua liberdade limitados ou suprimidos senão segundo a legislação existente. A imposição de encargos financeiros pelo rei também ficou condicionada à aprovação específica pelos “representantes da nação”, restando definitivamente assentadas as idéias de consentimento popular e de estrita submissão à lei como pressupostos essenciais à tributação.

A cláusula que exigia a prévia autorização para a instituição dos “scutages” e “aids” foi mantida, inclusive, após as trinta e sete alterações feitas no texto da Magna Carta, o que demonstra a relevância do princípio básico nela contido: o de que toda incursão do Estado no patrimônio do povo deve ser por este devidamente consentida.

Também consagrou o princípio da legalidade tributária - em sua faceta relativa ao consentimento - o “Statement de tallagio non concedendo”, expedido pelo rei Eduardo I em 1296 e invocado repetidamente até o século XVII, sempre em face das constantes tentativas da monarquia inglesa de instituir impostos não previamente autorizados. Da mesma forma o fizeram a “Petition of Rights”, em 1628, e o “Bill of Rights”, em 1689, demonstrando, em definitivo, a inequívoca presença do princípio da legalidade tributária na história legislativa da Inglaterra.[5]

Paralelamente à inglesa, outras monarquias européias desenvolveram, também, a idéia do consentimento popular à tributação a partir da Idade Média, havendo registros desta prática em território espanhol, francês, italiano e português. 

Com o surgimento do chamado constitucionalismo clássico - oriundo das revoluções francesa e americana, no século XVIII -, o princípio da legalidade tributária, bem como todos os demais princípios basilares do direito constitucional, restou definitivamente afirmado, sendo encontrado, daí em diante, em todas as cartas constitucionais dos Estados Democráticos de Direito. Como bem assinalado por Victor Uckmar,

Todas as Constituições vigentes - exceção feita, pelo que me consta, da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - afirmam explicitamente que os impostos devem ser aprovados pelos órgãos legislativos competentes, preceito que, pelo menos nos Estados de Direito, nao seria nem mesmo necessário [...].  [6]

 

Feitas estas breves considerações, passa-se ao estudo dos textos constitucionais brasileiros, analisando-se a posição ocupada pelo princípio da legalidade tributária em cada um deles e, em especial, na Carta de 1988, hoje vigente.

2.1.            O Princípio da Legalidade Tributária nas Constituições Brasileiras

Sem fugir à regra, o Brasil consagrou o princípio da legalidade tributária - de um jeito ou de outro - em todas suas Constituições.

Iniciando esta tradição,[7] nossa Constituição Imperial (1824), muito embora não mencionasse diretamente a necessidade de edição de lei para a instituição de tributos, afirmou o princípio da legalidade ao dispor acerca da competência legislativa tributária, conforme se infere de seu artigo 171, inverbis:

Art. 171 - Todas as contribuições directas, á excepção daquellas, que estiverem applicadas aos juros, e amortisação da Divida Publica, serão annualmente estabelecidas pela Assembléa Geral, mas continuarão, até que se publique a sua derogação, ou sejam substituídas por outras.

 

Veja-se que, ao atribuir à Assembléia Geral, e somente a ela, a competência para instituir tributos, a Constituição do Império nada mais fez do que reconhecer a impossibilidade de o Imperador tomar para si esta atividade, rendendo graças, assim, ao tantas vezes mencionado consentimento.

A regra constitucional em questão foi, posteriormente, estendida às províncias, tendo o Ato Adicional de 1824 determinado caber às Assembléias Legislativas de cada uma delas instituir os impostos locais, “contanto que estes não prejudicassem as imposições gerais do Estado (art. 10, §5º), sob pena de serem revogadas pelo Poder Legislativo Geral, isto é, nacional (art. 20)”. [8]

2.1.1. . As Constituições Republicanas

Em 1891, nossa primeira Constituição Republicana, como não poderia deixar de ser, enunciou o princípio da legalidade tributária de forma bastante literal, incluindo-o na “declaração de direitos” dos cidadãos brasileiros.

Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 30 - Nenhum imposto de qualquer natureza poderá ser cobrado senão em virtude de uma lei que o autorize.

Embora o artigo supra transcrito pareça limitar o princípio aos impostos (à época já apartados das taxas pelo próprio texto constitucional), este era devidamente estendido às demais espécies tributárias pela melhor doutrina, como oportunamente esclareceu Aliomar Baleeiro. [9]

Alterando a organização da Carta anterior, a Constituição de 1934 retirou o princípio da legalidade tributária do rol dos direitos e garantias individuais dos cidadãos, não deixando, no entanto, de enunciá-lo entre suas “disposições preliminares”, precisamente no inciso VII de seu artigo 17, inverbis:

Art. 17 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VII - cobrar quaisquer tributos sem lei especial que os autorize, ou fazê-lo incidir sobre efeitos já produzidos por atos jurídicos perfeitos;

A Carta de 1937, elaborada em meio ao regime ditatorial que assolou o país até o ano de 1945, é a única de nossas Constituições a não trazer o princípio da legalidade tributária de forma expressa, literal. No entanto, seu conteúdo pode ser extraído da norma que trata da competência legislativa para dispor sobre impostos, enunciada no artigo 13, alínea “d”:

Art. 13 - O Presidente da República, nos períodos de recesso do Parlamento ou de dissolução da Câmara dos Deputados, poderá, se o exigirem as necessidades do Estado, expedir decretos-leis sobre as matérias de competência legislativa da União, excetuadas as seguintes:

d) impostos;

Cumpre esclarecer, no entanto, que em razão da não submissão de referida Carta ao plebiscito nela previsto (artigo 178), durante todo o período de vigência da “Constituição Polaca” foi a matéria fiscal regida pela regra de transição enunciada em seu artigo 180 (“Enquanto não se reunir o Parlamento nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União”), o que representou, em verdade, um afastamento temporário do princípio da legalidade tributária, até então inquestionável no ordenamento pátrio.

Rompendo com as características ditatoriais que marcaram o Estado Novo e a Carta anterior, a Constituição de 1946 consagrou plena e irrestritamente o princípio da legalidade tributária, novamente incluído no rol de direitos e garantias individuais dos cidadãos brasileiros.

Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 34 - Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra.

Sobreveio então, em 1965, a Emenda Constitucional nº 18, que, em seu artigo 2º, inciso I, manteve o princípio da legalidade tributária, mas previu algumas exceções a ele.

Assim, a partir de 1965, foi concedida ao Poder Executivo a prerrogativa de alterar as alíquotas e bases de cálculo dos impostos sobre o comércio exterior (importação e exportação) e sobre operações financeiras (de crédito, câmbio, seguro, e relativas a títulos e valores imobiliários), sempre segundo as condições e limites estabelecidos em lei.

Incorporando as normas da Emenda Constitucional nº 18, promulgada pouco mais de um ano antes, a Constituição de 1967 tomou o princípio da legalidade tributária como verdadeira limitação ao poder de tributar da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, estabelecendo, para tanto, ser vedado a estes entes “instituir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”. O conteúdo de referida ressalva se manteve idêntico ao previsto na EC nº 18 (impostos sobre o comércio exterior e sobre operações financeiras).

Além disso, a nova Constituição repetiu o dispositivo constante da Carta de 1946, incluindo a legalidade tributária entre os direitos e garantias individuais (artigo 150, §29).

 A Emenda Constitucional nº 1, que, em 1969, substituiu quase na integralidade o texto constitucional, pouco fez em relação ao princípio da legalidade tributária, não obstante o tortuoso cenário político da época.

Como se pode perceber nos dispositivos abaixo transcritos, foi mencionado princípio mantido entre os direitos e garantias individuais e, também, entre as limitações ao poder de tributar, sendo apenas alterada sua exceção, que passou a albergar o IPI e deixou de contemplar o IOF.

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - instituir ou aumentar tributo sem que a lei o estabeleça, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes:

§ 29 Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça, nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído ou aumentado esteja em vigor antes do inicio do exercício financeiro, ressalvados a tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos industrializados e outros especialmente indicados em lei complementar, além do imposto lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição. (Redação dada pela EC nº 8/77)

Importante transcrever, neste ponto, a advertência feita por Aliomar Baleeiro quando da análise das exceções ao princípio da legalidade tributária previstas pela EC nº 1, de 1969, e, em especial, do papel do Poder Executivo na função de alterar alíquotas e base de cálculo dos tributos:

Não vale o ato do Poder Executivo, se a lei nao o autoriza. Nao tem eficácia a lei, para esse fim, se não estabelece condições e limites, dentro dos quais deve agir o Poder Executivo. A lei, em tal caso, não pode ser uma carta branca, que equivaleria então, à delegação de atribuições dum Poder a outro Poder, prática constitucionalmente defesa (art. 6º, parág. único).

Conquanto a Constituição não o diga, é inteiramente razoável exigir-se que o ato do Poder Executivo, alterando alíquotas, traga motivação expressa, pela qual se verifique sua compatibilidade com as “condições e limites” da lei. [10]

Clara é, pois, a restritividade sob a qual se interpretavam as exceções constitucionais ao princípio da legalidade tributária, fator este que apenas reforça a importância e conseqüente inafastabilidade de referida norma.

2.1.1.1. A Constituição de 1988

O atual texto constitucional, seguindo o modelo adotado por Constituições anteriores, além de consagrar o princípio da legalidade geral entre os direitos e garantias individuais (artigo 5º, II), deu a ele importante destaque em matéria tributária, enunciando-o de forma ainda mais literal e rígida no que concerne aos tributos: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. [11]

No entanto, a grande inovação trazida pela Constituição vigente não reside, como parece claro, na redação do dispositivo que consagra o princípio da legalidade tributária, mas em outras normas que, a despeito de não tratarem especificamente da matéria, se prestam a fortalecer e garantir o cumprimento de referido princípio.

A norma que atribui competência ao Congresso Nacional para sustar os atos normativos do Poder Executivo que extrapolem os limites do poder regulamentar ou da delegação legislativa (artigo 49, inciso V) é, por exemplo, uma delas.

Outro dispositivo que contribuiu de forma determinante para a prevalência do princípio da legalidade tributária nos moldes traçados pela atual Constituição foi o artigo 25, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o qual determinou a revogação, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Carta de 1988, de todos os dispositivos legais que atribuíam ou delegavam a órgão do Poder Executivo competência agora assinalada ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a ação normativa.

De se citar, ainda, o alargamento da legitimação ativa para a proposição de ação direta de inconstitucionalidade (consagrado pelo artigo 103 do texto constitucional), que proporciona o controle por maior número de entidades dos atos regulamentares expedidos pelo Poder Executivo.

Hugo de Brito Machado inclui, ainda, no elenco de dispositivos que fortaleceriam o princípio da legalidade tributária, o artigo 68, inciso I, e, também, “o fato de haver deixado de ser da competência privativa do Presidente da República a iniciativa das leis sobre matéria tributária”. [12]

A extinção da figura do decreto-lei, instrumento por meio do qual o Chefe do Poder Executivo podia inovar o ordenamento jurídico, inclusive em matéria tributária, também deve ser vista como uma grande conquista em favor da plena realização do princípio da legalidade. [13]

Aliando todos estes dispositivos e alterações e, em especial, considerando a clara redação do inciso I do artigo 150 de nossa atual Constituição, não se pode negar que vivemos hoje, no Brasil, sob o império da legalidade em matéria de tributação.

E, em verdade, diante do cenário jurídico atual, não poderia ser outra a realidade, afinal, como corretamente afirma Sacha Calmon Navarro Coelho, “Estado de Direito e legalidade na tributação são termos equivalentes. Onde houver Estado de Direito haverá respeito ao princípio da reserva de lei em matéria tributária”. [14]

Importa, agora, compreender exatamente o que representa o já inúmeras vezes mencionado princípio da legalidade tributária, analisando seu conteúdo e suas diferentes facetas no âmbito de nosso ordenamento jurídico.

3. Conteúdo do Princípio

Feitos os breves apontamentos acerca da evolução histórica deste que é, sem dúvida, um dos grandes princípios do Direito Constitucional, necessário é que entendamos seu conteúdo, compreendendo suas funções em nosso sistema jurídico, sua abrangência e forma de interação com outras normas constitucionais.

No presente capítulo analisaremos, pois, as duas vertentes que compõem o conteúdo material do princípio da legalidade tributária e que, em verdade, acabam por defini-lo, permitindo sua correta e eficaz aplicação.

Em seguida, nos deteremos à análise da forma textual sob a qual foi positivado o princípio na Constituição de 1988, demonstrando, com base no estudado, a correta interpretação de cada um dos termos utilizados pelo constituinte.

3.1. As Duas Vertentes da Legalidade Tributária 

Para que se vislumbre, de fato, o que representa a legalidade tributária em nosso sistema jurídico, imperioso é conhecer profundamente seu conteúdo, significado e, principalmente, a maneira como se dá seu relacionamento com outros princípios (ou sobreprincípios) constitucionais, dos quais ela é, na verdade, decorrente.

3.1.1.      Legalidade como Manifestação do Consentimento: A Exigência Republicana

Como visto anteriormente, tem a legalidade tributária origem na antiga idéia de autotributação: a partir do século XI, viu-se consolidada entre os povos a idéia de que aqueles que suportarão a carga tributária devem com ela consentir, ainda que o façam indiretamente, por meio de seus representantes.

Assim, nasceu a legalidade tributária da necessidade de manifestação de consentimento popular em relação às imposições financeiras que os Estados porventura pretendessem instituir.

Com o passar dos séculos e desenvolver das sociedades, essa idéia foi perdendo força, cedendo lugar aos ideais do chamado Estado de Direito (muito embora estes, como veremos, em nada contrariem o consentimento). Chegou-se a um ponto tal que, hoje, pouco - ou nada - se fala do chamado “princípio do consentimento”, sendo este relegado, na maior parte das vezes, às análises históricas da legalidade.

A negligência com que mencionado princípio vem sendo tratado pela doutrina e jurisprudência pátrias, no entanto, nos parece equivocada e, em verdade, inadmissível, dada a absoluta indissociabilidade existente entre este e a atual sistemática republicana. Explicamos.

Nos valendo da precisa conceituação formulada por Geraldo Ataliba, vejamos o que, essencialmente, representa o regime republicano sob o qual vivemos:

República é o regime político em que os exercentes de funções políticas (executivas e legislativas) representam o povo e decidem em seu nome, fazendo-o com responsabilidade, eletivamente, e mediante mandatos renováveis periodicamente.

[...]

Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. Como o povo não pode apresentar-se na função de governo, os seus escolhidos o representam. Governam em seu nome, no seu lugar, expressando sua vontade. [15]

Do texto destacado percebe-se ser inerente à forma republicana de governo a noção de representação, de realização pelos destinatários da outorga de poderes da vontade dos titulares deste mesmo poder: os cidadãos. Em outro dizer, é consectário direto da República o princípio do consentimento.

A manifestação da vontade popular - o consentimento - se concretiza, em nosso sistema de tripartição de poder, por meio das leis, atos inaugurais da ordem jurídica elaborados pelos membros do Poder Legislativo (e por eles apenas), representantes do povo, por ele eleitos.

Se o povo é o titular da res publica e se o governo, como mero administrador, há de realizar a vontade do povo, é preciso que esta seja clara, solene e inequivocamente expressada. Tal é a função da lei: elaborada pelos mandatários do povo, exprime a sua vontade. Quando o povo ou o governo obedecem à lei, estão: o primeiro obedecendo a si mesmo, e o segundo ao primeiro. O governo é servo do povo e exercita sua servidão fielmente ao curvar-se à sua vontade, expressa na lei. [16]

Disto se conclui que, para que sejam os cidadãos submetidos a qualquer tipo de imposição, em especial aquelas que ameacem sua liberdade ou seu patrimônio, devem estes ser necessariamente consultados, para que digam em que limite e em que termos consentem com a constrição de tão elementares direitos. E este consentimento será demonstrado por meio das leis, elaboradas e expedidas por seus representantes, eleitos especificamente para esta função.

Não deixa outra possibilidade, pois, o regime republicano, que, como visto, é construído sobre a idéia de que são os cidadãos os verdadeiros titulares do poder.

Reconhecendo a inafastável ligação entre República e consentimento, afirma José Artur Lima Gonçalves:

O necessário consentimento, em face do regime republicano, é tão óbvia e inafastavelmente posto pela sistemática constitucional (republicana), que Antonio Berliri, com ironia, sugere que se vá logo à questão de saber qual é o órgão mais qualificado para implementar o consentimento popular [...]. [17]

Com a tributação, como parece claro, não poderia ser diferente. [18]

O cidadão, através das leis produzidas por seus representantes, dirá se e em que medida participará do financiamento dos gastos públicos. Sem esse necessário consentimento, então, não poderá subsistir qualquer tentativa de incursão estatal no patrimônio de seus súditos, sob pena de violação do princípio republicano.

E esta exigência de produção de lei pelos representantes do povo acaba por impor limitação (ou proibição) ao Executivo, eis que este Poder tem obstada qualquer possibilidade ingerência na tarefa de criar ou aumentar tributos. [19]

O princípio da legalidade tributária, pois, ao vedar a instituição e o aumento de tributo sem lei (ato emanado do Poder Legislativo) que o estabeleça, nada mais faz que verbalizar a exigência de atendimento ao princípio do consentimento, este último direta e inexoravelmente decorrente do sistema republicano.

A legalidade tributária é, em última análise, uma exigência da República, sendo seu conteúdo dedutível do próprio sistema.

Deveras, pelo princípio da legalidade afirma-se, de modo solene e categórico, que, sendo o povo o titular da coisa pública e sendo esta gerida, governada e disposta a seu (do povo) talante - na forma da Constituição e como deliberado por seus representantes, mediante solenes atos legais -, os administradores, gestores e responsáveis pelos valores, bens e interesses considerados públicos são meros administradores, que, como tais, devem obedecer à vontade do dono, pondo-a em prática [...]. [20]

Extrai-se justamente desta conclusão a razão pela qual se deve preservar, a qualquer custo, o princípio da legalidade tributária: as violações a ele implicam em violações diretas ao princípio republicano. [21]

Não bastasse isso, é de se acrescentar que, também sob a perspectiva do Estado de Direito, se mostra de suma importância o princípio da legalidade tributária em sua vertente ligada ao consentimento popular.

Isso porque, a idéia de justiça igualitária, conteúdo material do Estado de Direito, somente pode ser atingida através das leis, as quais representam a vontade dos cidadãos e o único instrumento apto a prevenir o arbítrio do poder.

Em verdade, para que se possa considerar um Estado como de Direito, imprescindível é sua subordinação à lei - esta compreendida, sempre, como ato por meio do qual se manifesta o consentimento popular e se limita o poder estatal.

Desta forma, é de se enxergar o princípio da legalidade como “instrumento - único válido para o Estado de Direito - de revelação e garantia da justiça tributária”. [22]

A vertente do consentimento, mais antiga forma de se enxergar o princípio da legalidade tributária, mantém-se, pois, firme em nosso sistema constitucional, não se podendo cogitar, ainda hoje, de sua superação ou desconsideração. Entender o princípio da legalidade tributária passa, necessariamente, pelo entendimento da idéia do consentimento e da primazia da lei (esta concebida em sentido formal) que dele decorre.

 

3.1.2.   Legalidade como Instrumento da Segurança Jurídica

Sob uma segunda perspectiva, pode-se visualizar o princípio da legalidade tributária como um dos instrumentos necessários para se atingir o ideal da segurança jurídica, sobreprincípio constitucionalmente consagrado, ainda que não de forma expressa.

Vista desta forma, a legalidade tributária se prestaria a garantir que os tributos sejam cobrados segundo normas objetivamente postas que permitam assegurar o máximo de estabilidade e segurança nas relações entre Fisco e contribuintes.

Além disso, o princípio da legalidade garante que os tributos não poderão ser instituídos ou alterados arbitrariamente pelo Poder Executivo, protegendo o direito à propriedade privada e, por conseqüência, trazendo maior tranqüilidade e - por que não dizer - segurança aos cidadãos. Desta forma, “protege-se a pessoa humana dos abusos e inconstâncias da Administração, garantindo-lhe um ‘estatuto’ onde emerge sobranceira a segurança jurídica, o outro lado do princípio da confiança na lei fiscal, a que alude a doutrina tedesca”. [23]

Na verdade, ao prever pormenorizadamente os aspectos da incidência tributária, a lei - ato público e de conhecimento amplo - permite ao cidadão conhecer de antemão o volume da carga tributária que terá que suportar, permitindo a realização de planejamentos ou, ao menos, evitando a surpresa, fator fortemente repelido pelo princípio da segurança jurídica.

O princípio da legalidade tributária garante ao cidadão, pois, a previsibilidade das situações futuras em matéria tributária, assegurando a ele, através da exigência de edição de lei para a instituição ou aumento de tributos, que seu patrimônio não será atingido por circunstâncias por ele desconhecidas ou, ainda, em montantes por ele não esperados.

Tal como posta, a segurança jurídica abomina a casuística dos regulamentos e incertezas que se deve às muitas portarias e demais atos da Administração. Dado que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a não ser em virtude de lei, a segurança jurídica a que faz jus o contribuinte entronca diretamente com a tese ou princípio da “proteção da confiança”.[24]

Além disso, a obrigatoriedade de instituição ou majoração dos tributos por meio de lei garante aos contribuintes, pelo menos, a certeza de que a relação de tributação não se constitui em simples relação de poder, mas pelo contrário, que se consubstancia em típica relação jurídica. [25]

Desta forma, para que atendam plenamente ao princípio da legalidade, e, por conseqüência, para que não firam a segurança jurídica, devem as leis fiscais ser elaboradas de modo a permitir que a população saiba exatamente que condutas suas implicarão em incidência tributária e, mais, em que montante e de que forma se dará eventual cobrança.

Precisamente o conceito de “proteção da confiança” assume no Direito Tributário uma larga projeção. Na Alemanha, o Tribunal Constitucional proclamou mesmo ser um imperativo constitucional de qualquer Estado de Direito aquilo a que chamou o “princípio da confiança na lei fiscal” [...] e segundo o qual as leis tributárias devem ser elaboradas de tal modo que garantam ao cidadão a confiança de que lhe facultam um quadro completo de quais as suas ações ou condutas originadoras de encargos fiscais. [26]

A idéia de segurança jurídica é, não se nega, muito mais ampla do que o princípio da legalidade tributária, no entanto, nos termos aqui postos, é fato que este princípio toca a questão da segurança, sendo um dos principais instrumentos de sua realização em matéria de tributação.

Repita-se, neste ponto, que ao definir que tributos somente podem ser exigidos ou aumentados por meio de lei, o princípio da legalidade afasta dos cidadãos a insegurança gerada por regulamentos esparsos, produzidos sem qualquer critério ou limites por órgãos do Poder Executivo. Estabelece, assim, regra que tutela e resguarda a confiança que deve pautar as relações entre Fisco e contribuintes, tornando-as mais estáveis.

3.1.2.1. A Tipicidade Tributária

Dentro da visão do princípio da legalidade como instrumento realizador da segurança jurídica, destaca-se outro princípio dele diretamente decorrente: o da tipicidade tributária.

Desdobramento do princípio da legalidade tributária, relaciona-se a tipicidade com o aspecto material deste princípio, orientando a maneira com que deve ser elaborado o conteúdo da lei que - por força do aspecto formal da legalidade - instituirá o tributo. Explicamos.

Em sentido formal, exige o princípio da legalidade tributária que, para que se institua ou majore tributo, se edite lei em sentido formal, ou seja, exige a edição de ato normativo pelo Poder Legislativo em conformidade com as normas procedimentais previstas na Constituição Federal.

O aspecto material da legalidade, por sua vez, remete a exigências relativas ao conteúdo dessa lei que será editada. E é justamente aí que se enquadra o princípio da tipicidade: em razão dele, a lei que institui ou majora tributos deve ser completa; deve trazer todos os elementos que compõem a norma jurídica tributária (os fatos descritores do fato jurídico e prescritores da relação), explicados e detalhados de forma a não se abrir qualquer margem de discricionariedade aos agentes aplicadores e julgadores.

A lei fiscal deve conter todos os elementos estruturais do tributo: o fato jurígeno sob o ponto de vista material, espacial, temporal e pessoal (hipótese de incidência) e a conseqüência jurídica imputada à realização do fato jurígeno (dever jurídico). Equivale a dizer que a norma jurídico-tributária não pode ser tirada do ordo juris nem sacada por analogia; deve estar pronta na lei, de forma inequívoca, obrigando o legislador a tipificar os fatos geradores e deveres fiscais. [27]

A tipicidade tributária implica dizer, assim, que a lei que institui o tributo não poderá fazê-lo simplesmente afirmando a criação de determinado tributo e relegando ao Poder Executivo a tarefa de definir o núcleo da hipótese de incidência, os sujeitos passivos, a base de cálculo e a alíquota a serem adotadas.

Para que se atenda de forma plena ao princípio da legalidade tributária, pois, a lei instituidora ou majorada de tributo deve ser completa, apresentando conceitos fechados e precisos. Essa é a exigência da tipicidade.

Na verdade criar o tributo não é apenas dizer que ele está criado. Criar o tributo é estabelecer todos os elementos necessários à determinação da expressão monetária e do sujeito passivo da respectiva obrigação.

[...]

Realmente, é fácil compreender que bem pouco valeria a afirmação, feita pela Constituição Federal, de que só a lei pode instituir tributo, se o legislador pudesse transferir essa atribuição, no todo ou em parte, a outro órgão estatal, desprovido, segundo a Constituição, de competência para o exercício de atividade normativa. [28]

Se considerada, então, a necessidade de se efetivar os ditames do princípio da legalidade tributária, parecem bem naturais as prescrições e exigências do princípio da tipicidade, afinal, somente por meio de leis de conteúdo completo e preciso é que se pode garantir a efetiva segurança jurídica do contribuinte e, mais, o respeito aos estreitos limites de seu consentimento (o qual deve ser integralmente manifestado por meio da atividade normativa de seus representantes).

O princípio da legalidade originariamente cingia-se a requerer lei em sentido formal, continente de prescrição jurídica abstrata. Exigências ligadas aos princípios éticos da certeza e segurança do Direito, como vimos de ver, passaram a requerer que o fato gerador e o dever tributário passassem a ser rigorosamente previstos e descritos pelo legislador, daí a necessidade de tipificar a relação jurídico-tributária. [29]

Não bastasse isso, já fora do âmbito normativo, impõe este princípio a necessidade de que haja perfeita subsunção do evento factualmente ocorrido à previsão abstrata feita na norma, o que, em última análise, acaba por exigir que os agentes da Administração Pública “indiquem, pormenorizadamente, todos os elementos do tipo normativo existentes na concreção do fato que se pretende tributar”. [30]

Referido princípio impõe, pois, freios à atividade fiscal, tornando-a plenamente vinculada ao conteúdo prescrito em lei. Segundo Alberto Xavier, “A tipicidade seria, pois, o princípio pelo qual os tributos só poderão ser cobrados quando a lei o autorize e, portanto, quando se concretiza a hipótese (Tatbestand) dessa mesma lei”. [31]

Em última análise, circunscreve-se o princípio da tipicidade tributária na vedação de que sejam editadas normas tributárias por meio de cláusulas gerais e conceitos abertos, as quais poderiam criar uma margem de discricionariedade na cobrança e fiscalização de impostos, situação esta absolutamente incompatível com o já destrinchado conteúdo do princípio da legalidade, tanto sob a perspectiva do consentimento, quando da segurança jurídica.

Desta forma, em razão da dupla exigência oriunda do princípio da legalidade: (i) de que o tributo seja instituído por lei (legalidade formal) e (ii) de que esta lei exaura a matéria por ela tratada, disciplinando todos os pormenores da tributação (legalidade material), é que se pode afirmar estar a matéria tributária sujeita à reserva absoluta de lei (ou, como preferem alguns autores, à disciplina de lei).

A lei, e somente ela, pode inovar o ordenamento em matéria tributária, devendo fazê-lo, sempre, de forma suficiente a vincular integralmente o comportamento de seus destinatários, sem qualquer margem de discricionariedade ou dúvida as quais possam vir a se converter em arbitrariedade.

Merece destaque, neste ponto, a lição de Alberto Xavier, em trabalho dedicado ao estudo da legalidade e da tipicidade tributárias:

O princípio da tipicidade não é, ao contrário do que uns já sustentaram, um princípio autônomo ao da legalidade: antes é a expressão mesma deste princípio quando se manifesta na forma de uma reserva absoluta de lei, ou seja, sempre que se encontra construído por estritas considerações de segurança jurídica. [32]

A esse regime de reserva absoluta de lei é que se costuma designar “princípio da estrita legalidade tributária”, expressão criticada pelo supracitado autor, [33] mas que apenas quer referir-se ao fato de que, no âmbito tributário, o princípio da legalidade ganha contornos mais rígidos, diferenciando-se da simples regra geral aplicável à Administração Pública e contemplada no inciso II do artigo 5º da atual Constituição.

E essa é uma realidade que não se pode negar, mormente se consideradas todas as implicações constitucionais do princípio da legalidade tributária, já exaustivamente tratadas.

3.2.   O Artigo 150, I, da Constituição

Como visto, revela-se a legalidade tributária como princípio necessário tanto à manutenção dos ditames republicanos, quanto à proteção da segurança jurídica, finalidades estas que, por inafastáveis e inerentes ao próprio princípio, devem pautar, sempre, a interpretação dos dispositivos legais que o consagrem no ordenamento positivo vigente.

Desta forma, uma vez compreendidas as duas vertentes sob as quais deve ser enxergado o princípio da legalidade tributária em nosso sistema jurídico, cumpre analisar o dispositivo constitucional que expressamente o consagrou, visando, assim, a se entender com precisão a significação que deve ser atribuída a cada um dos termos que o compõem, de forma a harmonizá-los com todas as implicações do princípio.

Dispõe o primeiro inciso do artigo 150 da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

 

Assim, como se infere da literalidade do artigo, é vedado aos entes tributantes exigir ou aumentar tributo por meio de outro instrumento que não seja a lei, constituindo esta a primeira das grandes limitações constitucionais ao poder de tributar.

Mas, para que seja referida proibição efetivamente entendida em harmonia com o até aqui afirmado acerca do conteúdo do princípio da legalidade, imperioso é que se compreenda o sentido específico daquelas que podem ser consideradas as expressões-chave do dispositivo: “exigir ou aumentar” e “lei”.

Como bem adverte Hugo de Brito Machado,

A expressão ‘exigir ou aumentar’ não é tecnicamente correta. Melhor seria dizer-se instituir ou majorar tributo, como estava no art. 2º, item I, da EC 18/65, ou então instituir ou aumentar tributo, como estava no art. 20, item I, da Constituição de 1967, e art. 19, item I, da EC 1/69. [34]

A observação do autor decorre do fato de que a expressão “exigir”, utilizada pelo Constituinte de 1988, se aproxima mais da ação de cobrar tributos do que do ato de propriamente instituí-los. Desta forma, poder-se-ia pensar, numa interpretação apressada, que a Constituição estaria a vedar apenas a ação de cobrança de tributos não prevista em lei.

Não é este, no entanto, o caso. Quando se depara com a palavra “exigir”, deve o intérprete associar a ela a idéia de instituir, de criar um tributo, e não de simplesmente o cobrar (até mesmo porque, impensável seria a cobrança de um tributo não previamente instituído). E, por instituir, é de se repetir, entenda-se descrever detalhada e suficientemente todos os elementos da regra-matriz do tributo que se pretenda criar, não bastando ao atendimento da legalidade em sentido material, como visto, a simples criação vazia, em branco, do tributo.

Em verdade, se consideradas as demais prescrições constitucionais que moldam o princípio sob análise, não se chega - ao menos não de forma autorizada - a conclusão diversa, afinal, se considerada livre a criação de tributos por meio de instrumento outro que não a lei, caem por terra as idéias de consentimento e de segurança jurídica, inerentes a nosso sistema constitucional republicano, mas não compatíveis com a interpretação restrita do vocábulo “exigir”.

Noutro dizer, se entendida a norma construída a partir do artigo 150, I, da Constituição Federal como limitadora apenas da atividade estatal de cobrar tributos, deixam de ser contemplados por ela os princípios republicano e da segurança jurídica, que, em verdade, acabariam por sofrer grave violação.

Firme é, nesse sentido, a opinião de Hugo de Brito Machado, para quem “a instituição, ou criação, do tributo há de ser feita por lei. Este é o sentido que o elemento sistemático da interpretação recomenda para a norma constitucional em questão”. [35]

O vocábulo “lei”, por sua vez, embora aparentemente claro, merece algumas considerações.

Como mencionado em momento anterior, a tradicional doutrina jurídica separa o conceito de “lei” em duas diferentes categorias: a lei formal e a lei material.

Formalmente, lei é o “ato jurídico produzido pelo órgão estatal competente para exercer a função legislativa, com observância do processo para tanto estabelecido pela Constituição”. [36] Em outro dizer, em sentido formal, lei é o ato produto do exercício pelo Poder Legislativo de sua função típica, executada nos exatos termos das normas constitucionais de procedimento. É, em nosso sistema, o veículo adequado para inserir no ordenamento jurídico normas inéditas.

Materialmente, por outro lado, somente há que se falar em lei tributária quando há conteúdo normativo, formulado sob estrutura hipotética, dotado de abstratividade e generalidade, e, ainda, de clareza e suficiência. É essa, afinal, a lição que se tira do estudo do princípio da tipicidade, consectário da legalidade tributária.

A dupla perspectiva sob a qual se pode enxergar a lei é perfeitamente delineada por Geraldo Ataliba, que, mesmo sem se referir expressamente às categorias formal e material, as diferencia de forma clara e inquestionável:

No nosso direito a lei não é simplesmente o ato inaugural e primeiro, inovador da ordem jurídica, emanado do Poder Legislativo, órgão vertical do Estado e titular da representação popular por excelência [...]. É mais que isso: a lei é, no direito constitucional brasileiro, necessariamente genérica, isônoma, abstrata e irretroativa. [37]

Sob a égide da atual Constituição, fundada, dentre outros, nos princípios republicano e da tripartição do poder, impensável e inaceitável é a inovação do ordenamento jurídico por meio de instrumento outro que não a lei em sentido formal, em especial quando referida inovação implica na imposição de deveres e obrigações aos cidadãos.

Além disso, é de se ter mente que a legalidade desempenha, em nosso ordenamento constitucional, o papel de protetora das garantias e direitos individuais e, ainda, de portadora do consentimento popular, sendo este tipo de função, por certo, “incompatível com a sua [do princípio da legalidade] consagração por fontes secundárias (‘normas complementares’) provenientes do Poder Executivo”.  [38]

Justifica-se plenamente, assim, a obrigatoriedade de edição de lei em sentido formal.

A materialidade da lei, por sua vez, é exigência que decorre diretamente da necessidade de acolhimento do princípio da isonomia jurídica, expressamente contemplado (e exaltado) pela Carta de 1988, bem como do tantas vezes já mencionada princípio da tipicidade tributária, decorrência inafastável dos princípios republicano e da segurança jurídica.

Assim é que, constitucionalmente, somente pode a palavra “lei” ser entendida como a soma de seus aspectos formal e material, não bastando, pois, à satisfação do princípio da legalidade tributária (e à própria harmonia do sistema), a edição de ato que se enquadre em apenas uma das duas vertentes do vocábulo. [39]

Não é outra a opinião de Hugo de Brito Machado:

A nosso ver, quando a Constituição estabelece que somente a lei pode criar tributo, a palavra “lei” está aí empregada em sentido restrito. Há de ser lei tanto em sentido formal, como em sentido material. [40]

Daí se dizer, como afirmado anteriormente, que em nosso ordenamento encontra-se a matéria tributária sob reserva absoluta de lei, e não simplesmente albergada pelo princípio da legalidade em sentido amplo. Nas palavras de José Afonso da Silva,

A doutrina não raro confunde ou não distingue suficientemente o princípio da legalidade e o da reserva de lei. O primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal. [...] O fenômeno tributário, como atividade estatal, obedece ao princípio da legalidade, mas não à simples legalidade genérica que rege todos os atos e atividades administrativas. Subordina-se a uma legalidade específica, que, em verdade, se traduz no princípio da reserva de lei. [41]

Sobre o mesmo assunto, manifesta-se com clareza Alberto Xavier:

Se o princípio da reserva de lei formal contém em si a exigência da lex scripta, o princípio da reserva absoluta coloca-nos perante a necessidade de uma lex stricta: a lei deve conter em si mesma todos os elementos da decisão no caso concreto, de tal modo que não apenas o fim, mas também o conteúdo daquela decisão sejam por ela diretamente fornecidos. [...] É a esta característica que aludem, entre nós, alguns autores, ao referirem-se - embora com evidente impropriedade terminológica - a um princípio de estrita legalidade. [42]

Compreendida está, desta forma, a leitura que deve ser construída a partir da disposição constante do inciso I do artigo 150 da Constituição de 1988, que, em suma, veda aos entes federativos a possibilidade de, no exercício de suas competências constitucionais, instituir ou aumentar tributo por instrumento outro que não a lei, esta última considerada como ato inovador da ordem jurídica, emanado do Poder Legislativo, de conteúdo necessariamente genérico, isônomo, abstrato completo e fechado.

3.2.            Exceções ao Princípio

Analisado o conteúdo da legalidade tributária, seja sob a ótica do consentimento, seja no que toca à segurança jurídica, difícil é aceitar que venha este a ser, de qualquer maneira, excetuado.

Ora, se, como dissemos, decorre este princípio das idéias de República e de Estado de Direito e, ainda, se presta a, juntamente com outras normas, tutelar a confiança necessariamente existente no trato entre Estado e cidadão, não caberia, de fato, cogitar de possíveis exceções à sua incidência.

A Constituição de 1988, no entanto, indo contra este pensamente, tratou de firmar hipóteses em que a legalidade tributária, tal como aqui estudada, é afastada.

A exceção ao princípio em comento se encontra consignada no §1º do artigo 153 do Texto Magno, o qual se refere à possibilidade de a lei delegar ao Poder Executivo a faculdade de fazer variar, observadas determinadas condições e dentro dos limites que ela estabelece, as alíquotas (e somente as alíquotas) de determinados impostos (II, IE, IPI e IOF).

Veja-se que, ao abrir a possibilidade de um dos elementos formadores da regra-matriz de incidência do tributo ser definido por instrumento que não a lei, produzido por órgão que não do Poder Legislativo, o constituinte excetuou sim o princípio da legalidade tributária, uma vez que afastou a já discutida reserva absoluta de lei (alcançada apenas quando se conjugam a necessidade de lei formal e lei material, conforme os ditames da tipicidade).

Prescrevendo, no entanto, que ao legislador cabe estabelecer as “condições e limites” para a atuação do Poder Executivo, que apenas agirá dentro da margem pré-fixada pela lei, manteve a Carta de 1988 observância ao princípio da legalidade geral, consagrado pelo artigo 5º, inciso II, de seu próprio texto.

Assim, forçoso é admitir que, ainda que haja, de fato, exceções ao princípio da legalidade tributária (visto, como aqui proposto, como reserva absoluta de lei), estas são albergadas pelo princípio da legalidade geral, restando resguardados, assim, os direitos e garantias do contribuinte, ainda que de forma um pouco menos rígida.

Discorrendo sobre os princípios que impõem limitações ao poder de tributar, afirma José Afonso da Silva:

[...] princípio da reserva de lei ou da legalidade estrita, segundo o qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir ou aumentar tributos sem que a lei o estabeleça (art. 150, I), mas a Constituição admite a alteração, por decreto, das alíquotas dos impostos sobre importação, exportação, produtos industrializados e operações financeiras, atendidas as condições e limites estabelecidos em lei (art. 153, §1º), o que vale dizer, ainda, respeito ao princípio da legalidade genérica. [43]

O que é importante ter em mente, no entanto, é que referidas exceções somente são válidas por terem sido firmadas pelo constituinte originário, não havendo, em nosso sistema, a possibilidade de criação de novas hipóteses de afastamento do princípio da legalidade tributária, seja pelo legislador ordinário, seja pelo poder reformador, afinal, qualquer providência neste sentido esbarraria nas chamadas “cláusulas pétreas”, como a tripartição de poderes e os direitos e garantias individuais (artigo 60, §4, incisos III e IV).

Dito isto, impossível é pensar em quaisquer outras exceções ao princípio da legalidade tributária, que deve, portanto, ser aplicado em sua plenitude, independentemente de eventuais prescrições legais em sentido contrário.

3.3.1. As Medidas Provisórias

Nesse contexto cabe analisar, ainda que brevemente, a questão das medidas provisórias em matéria tributária, assunto polêmico sobre o qual doutrina e jurisprudência não parecem encontrar um ponto comum.

Diante de tudo que se afirmou, até este ponto, sobre o princípio da legalidade tributária, e, especialmente, sobre suas fortes ligações com os princípios republicano e da segurança jurídica, impossível é aceitar os argumentos lançados pelos defensores da utilização das medidas provisórias em matéria tributária. Vejamos o porquê.

De início, cabe destacar que, ainda que se afirme serem as medidas provisórias equiparáveis à lei, estas, como ato normativo emanado do Poder Executivo, não atendem, de forma alguma, ao princípio do consentimento, prestigiado apenas nas hipóteses em que as normas jurídicas são elaboras pelos representantes diretos do povo: os membros do Poder Legislativo.

O princípio da legalidade significa que a tributação deve ser decidida não pelo chefe do governo, mas pelos representantes do povo, livremente eleitos para fazer leis claras. [44]

Assim, por não representarem a vontade do povo, verdadeiro titular do poder, ferem as medidas provisórias o básico conceito da autotributação, exigência direta do sistema republicano sob o qual vivemos. Por conseqüência, a exigência de lei formal, decorrência lógica do princípio da legalidade tributária, restaria, assim, cabalmente violada.

O que deve ser destacado, neste ponto, é que, independentemente de possuir - ou não - “força de lei”, não atende a medida provisória ao conceito formal de lei. E não por simples razão de nomenclatura, é claro, mas por não se enquadrar no que, essencialmente, significa uma lei: a manifestação de vontade dos detentores do poder (o povo) através de seus representantes eleitos para esta finalidade.

Desta feita, ainda que tenha o ordenamento autorizado que, por meio deste instrumento, se inove o sistema jurídico, atribuindo-lhe, desta forma, a principal característica da lei, o fato é que medidas provisórias não são leis e, justamente no que difere aquelas destas, se apega o princípio da legalidade tributária.

Impossível, destarte, concordar-se com a tese segundo a qual seriam as medidas provisórias instrumentos aptos a instituir tributos, sob pena de se ferir de morte o princípio da legalidade tributária, o qual - repita-se - não comporta exceções desta natureza.

4. . Conclusão

A importância do princípio da legalidade tributária para a higidez de todo o sistema constitucional não pode ser negada. Sua relevância, como demonstrado, extrapola o simples fato de se tratar este princípio de uma das limitações ao poder de tributar expressamente contempladas pelo texto constitucional, chegando a tocar - diretamente - alguns dos princípios sobre os quais se fundam nosso ordenamento jurídico: o princípio republicano e o da segurança jurídica.

A antiga idéia da autotributação dos povos permanece acesa, sendo, em verdade, absolutamente insuperável pela perspectiva republicana sob a qual devemos analisar todo o ordenamento jurídico brasileiro. Destaca-se, nesse diapasão, o durante muito tempo esquecido princípio do consentimento, decorrência lógica dos conceitos de “coisa pública” e de outorga constitucional de poderes pelo povo aos governantes.

Sob a ótica do consentimento, e, conseqüentemente, do princípio republicano, afasta-se qualquer tentativa estatal de se debruçar sobre o patrimônio dos cidadãos com base unicamente em sua discricionariedade ou, não seria exagero dizer, arbitrariedade, garantindo-se, assim, a proteção efetiva deste tão fundamental direito.

A perspectiva da segurança jurídica - finalidade maior de muitos dos princípios constitucionais - também se presta a enaltecer o princípio da legalidade tributária, indispensável à meta de se atingir um Estado pautado pela segurança e estabilidade nas relações jurídicas integradas por governantes e governados.

O princípio da legalidade tributária se mostra, assim, como verdadeiro mensageiro dos chamados sobreprincípios constitucionais, representando, em verdade, um dos muitos mecanismos através dos quais estes se realizam no sistema jurídico. Plenamente possível é, pois, fundamentar a legalidade tributária em princípios outros, podendo-se chegar a afirmar que sua enunciação expressa far-se-ia, diante do contexto constitucional que se apresenta, dispensável (ainda que teoricamente).

De qualquer forma, a especialidade com que foi tratado o princípio - disposto no topo do rol das assim denominadas limitações constitucionais ao poder de tributar - apenas reforça sua importância e inafastabilidade, facilitando, assim, sua defesa e aplicação.

Veio, nesse sentido, fortalecer a legalidade tributária a Constituição Federal de 1988, carta que consagrou diversos dispositivos que, não obstante direcionados a outros fins, apenas reforçam os valores existentes por trás da legalidade, facilitando sua aplicação e reduzindo as possibilidades de desvio ou desrespeito ao princípio.

A exaltação constitucional aos direitos e garantias individuais, bem como aos direitos dos contribuintes em face dos entes tributantes, é, sem dúvida, fator que acaba por fortalecer e beneficiar, em muito, os ditames do princípio da legalidade tributária.

Por tudo o que foi dito, importante é que se mostre clara a necessidade de respeito absoluto aos ditames do princípio da legalidade tributária, como forma de se preservar a própria higidez de nosso sistema constitucional, e, por conseqüência, os ditames e garantias decorrentes da idéia de Estado Democrático de Direito, marcado, como deve ser, pela segurança e lisura das relações. As reiteradas tentativas de se macular o princípio em questão devem, pois, ser prontamente repelidas pela doutrina e, particularmente, pelos órgãos julgadores, responsáveis últimos pela aplicação efetiva dos limites da atuação estatal em matéria de tributação.

5. Referências

ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. 2 tir. Atualizado por Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros, 2001.

 

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 4. ed.rev. Rio de Janeiro: Forense, 1974.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. O Princípioda Legalidade. O Objeto da Tutela.In PIRES, Adilson R.; TÔRRES, Heleno T. (Org.). Princípios de Direito Financeiro e Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitucionais.1. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2002.

MACHADO, Hugo de Brito. Princípio da Legalidade Tributária na Constituição de 1988. Revista de Direito Tributário. São Paulo, n. 45, p. 175-187, julho-setembro 1988.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2003.

UCKMAR, Victor. Os Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976.

XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.


[1]       Segundo afirma Victor Uckmar (UCKMAR, Victor. Os Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 9-20), as primeiras manifestações do princípio da legalidade tributária seriam do início do século XI, a partir de quando, tanto na Inglaterra quanto na Espanha, há diversos registros da exigência de consentimento - inicialmente individual e, posteriormente, coletivo - dos contribuintes para a instituição e arrecadação de tributos.

[2]       Tradução nossa de versão em inglês do artigo (No freeman shall be taken, or imprisoned, or disseized, or outlawed, or exiled, or in any way harmed - nor will we go upon or send upon him - save by the lawful judgment of his peers or by the law of the land).A carta Magna foi, originalmente, escrita em latim.

[3]       No scutage or aid shall be imposed on our kingdom, unless by the common counsel of our kingdom except for ransoming our person, for making our eldest son a knight, and for once marrying our eldest daughter, and for these there shall not be levied more than a reasonable aid. Esclarecemos, apenas, que as expressões “scutage” e “aid” têm significados específicos, não exatamente similares à idéia hodierna de tributos. Ambos representam, no entanto, prestações financeiras impostas pelo rei a seus súditos (a primeira delas relacionada ao não cumprimento de serviços militares e a segunda a deveres feudais).

[4]       Em artigo sobre o tema, Sacha Calmon Navarro Coêlho adverte que, a despeito da redação de seus artigos 12 e 39, a Magna Carta não teria estabelecido de fato o princípio da legalidade na Inglaterra, uma vez que, “nos quinhentos anos que lhe seguiram, reis, juízes e parlamentos continuaram em sangrentas disputas para fazer prevalecer a vontade do mais forte” (COELHO, Sacha Calmon Navarro. O Princípio da Legalidade. O Objeto da Tutela.In PIRES, Adilson R.; TÔRRES, Heleno T. (Org.). Princípios de Direito Financeiro e Tributário: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 612).

[5]       A importância do princípio da legalidade tributária para a história político-jurídica inglesa é ressaltada por Victor Uckmar no seguinte trecho: “A experiência dos últimos trinta anos foi condensada nas determinações de 1295 de Eduardo, durante cujo reinado se deu a efetiva formação do Parlamento [...]. O Parlamento continuou afirmando-se sempre mais nos anos seguintes e o seu desenvolvimento, como ocorrera com o seu nascimento, está estritamente ligado ao consentimento aos impostos”. (UCKMAR, 1976, p. 15)

[6]       UCKMAR, 1976, p. 24-25.

[7]       Aliomar Baleeiro ressalta que mesmo no período colonial a tributação era, em geral, aprovada pelos Senados das Câmaras, compostos por representantes eleitos pelos contribuintes (BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 4. ed.rev. Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 12)

[8]       BALEEIRO, 1974, p. 13.

[9]       BALEEIRO, 1974, p. 13-14.

[10]     BALEEIRO, 1974, p. 30.

[11]     Constituição Federal, artigo 150, inciso I.

[12]     MACHADO, Hugo de Brito. Princípio da Legalidade Tributária na Constituição de 1988. Revista de Direito Tributário. São Paulo, n. 45, p. 175-187, julho-setembro de 1988.

[13]     De se ressaltar, neste ponto, que o decreto-lei, diferentemente da atual medida provisória, não podia ter seu texto alterado pelo Congresso Nacional e, ainda, estava sujeito ao que se chamava “aprovação tácita”, quando da extrapolação do prazo de sua apreciação pelo Poder Legislativo. Não bastasse isso, se fosse rejeitado pelo Congresso Nacional, sofria o decreto-lei efeitos semelhantes ao de uma revogação, de sorte que se mantinham sob sua tutela as relações formadas no período de sua vigência.

[14]     COÊLHO, 2006, p. 619.

[15]     ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. 2 tir. Atualizado por Rosolea Miranda Folgosi. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 13.

[16]     ATALIBA, 2001, p. 122.

[17]     GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitucionais.1. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 87.

[18]     “Não se aceita a noção de que o tributo é ato de soberania do Estado. Antes, como advertiu Pontes de Miranda, ‘o princípio a priori é de que o povo se tributa a si mesmo’, juiz supremo, através da representação, das suas vantagens e conveniências em pagar as despesas propostas pelo Executivo”. (BALEEIRO, 1976, p. 17-18)

[19] ... Sobre o tema, afirma Sacha Calmon Navarro Coêlho: “A legalidade da tributação, dizia Pontes de Miranda, significa o povo se tributando a si próprio. Traduz-se como o povo autorizando a tributação através dos seus representantes eleitos para fazer leis, ficando o príncipe, o chefe do Poder Executivo - que cobra os tributos -, a depender do Parlamento”. (COÊLHO, 2006, p. 630)

[20]     ATALIBA, 2001, p. 125.

[21]     Nesse sentido é a advertência de José Artur Lima Gonçalves: “Daí porque não se pode admitir o descumprimento dos princípios da legalidade e da tipicidade. A omissão do legislador e a indevida ação do Executivo podem comprometer este tão básico postulado. É que à margem do Legislativo - foro próprio da representação popular - não há como satisfazer as exigências do princípio do necessário consentimento, assegurado que é pelos princípios da legalidade e da tipicidade taxativa. A república é a coisa do povo. O gasto público tem que ser (i) feito para atender ao interesse do povo, conforme esse venha a indicar, e (ii) custeado pelo povo, quando, e na medida em que, este consentir”. (GONÇALVES, 2002, p. 88)

[22]     XAVIER, 1978, p. 11.

[23]     COÊLHO, 2006, p. 622.

[24]     COÊLHO, 2006, p. 621.

[25]     MACHADO, 1988, p. 176.

[26]     XAVIER, 1978, P. 45-46.

[27]     COÊLHO, 2006, p. 626-623.

[28]     MACHADO, 1988, p. 179-180.

[29]     COÊLHO, 2006, p. 627.

[30]     CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 287.

[31]     XAVIER, 1978, p. 59.

[32]     XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 69-70.

[33]     XAVIER, 1978, p. 37-38.

[34]     MACHADO, 1988, p. 178.

[35]     MACHADO, 1988, p. 178.

[36]     MACHADO, 1988, p. 182-183.

[37]     ATALIBA, 2001, p. 123-124.

[38]     XAVIER, 1978, p. 21.

[39]     Com os olhos voltados à Constituição vigente na época (EC nº 1/69), Alberto Xavier acrescenta, ainda, outra razão pela qual se deve entender o vocábulo “lei” em sua acepção mais restrita: “[A proposta de assunção da palavra lei em sentido lato deve ser liminarmente rejeitada] por a expressão ‘lei’, usada na Constituição, se encontrar sistematicamente relacionada com o art. 46 que se refere ao processo legislativo, tipificando os modelos básicos das ‘leis’: ora, a tipificação a que procede o art. 46 não abre as portas às fontes regulamentares, secundárias ou ‘complementares’ que encontram guarida no conceito espúrio de ‘legislação tributária’, em má hora acolhido no Código Tributário Nacional”. (XAVIER, 1978, p. 21-22)

[40]     MACHADO, 1988, p. 183.

[41]     SILVA, 2003, p.421.

[42]     XAVIER, 1978, p. 37-38.

[43]     SILVA, 2003, p. 691.

[44]     COÊLHO, 2006, p. 620.