Prestação de Serviços de Comunicação: Base de cálculo do ICMS


Porvinicius.pj- Postado em 11 outubro 2011

Autores: 
MIRANDA, José Benedito

Segundo dispõe o art. 13, III, da LC 87/96, a base de cálculo do imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal sobre a prestação de serviços de comunicação é o preço do serviço. Colhe-se de precedentes do STF que o tema dos contornos da base de cálculo do ICMS, destinada a dimensionar a expressão financeira do fato tributável delineado no art. 155, II, da CF, constitui matéria constitucional (AI 767.105, Relatora Min. Cármen Lúcia), mesmo porque a lei complementar que define a base de cálculo do ICMS encontra fundamento de validade diretamente na própria Constituição Federal (art. 146, III, “a”).

Uma interpretação sistemática da lei complementar permite a segura inferência de que a base impositiva do imposto não se circunscreve ao preço da prestação do serviço de comunicação, visto que a sua extensão é maior, pois, a despeito de genéricos os termos da lei, tudo o que integra o preço do serviço integra a base tributável, razão pela qual o valor da prestação do serviço compreende também o que mais for pago à concessionária por efeito dos serviços prestados ou colocados à disposição do usuário, lançados na nota fiscal/fatura sob diferentes rubricas.

Na hipótese, a consumação da comunicação entre os interlocutores pressupõe, por definição, um conjunto de atividades que possibilita a oferta do serviço, ao teor do art. 60 da Lei nº 9.472/97, embora não se inscrevam no núcleo da hipótese de incidência do imposto.

Há, entretanto, quem sustente que sobre as parcelas do preço cobradas pela concessionária, a título de serviços adicionais ou facilidades suplementares, não poderia incidir o ICMS, uma vez que constituiriam meras atividades-meio, estranhas ao objeto principal, não tendo relação direta, por conseguinte, com o objeto da prestação do serviço tributado.

Embora as demais utilidades e serviços oferecidos pela concessionária não se inscrevam no núcleo do fato gerador do ICMS, integram, não obstante, a base impositiva sobre a qual é apurado o valor da tarifa devida no período considerado, que poderá variar em função do custo de algumas das facilidades contratadas ou da intensidade do uso de outras, estando todas elas, de qualquer modo, associadas ao contrato de adesão celebrado pelo usuário do serviço, de que dependem e ao qual se vinculam.

Daí a necessidade de formulação de uma distinção entre descrição do núcleo da hipótese de incidência do ICMS e a definição de sua base de cálculo - considerada a inegável importância de que se revestem, em face da dogmática jurídica, o descritor (o antecedente) e o prescritor (consequente) da norma.

O núcleo da materialidade da hipótese de incidência do ICMS reside na prestação do serviço de comunicação, constituindo sua base de cálculo, a grandeza alojada no prescritor, o preço da prestação de serviço de comunicação, a ela agregando-se ainda os custos de uma variada gama de outros serviços adicionais (acesso, adesão, ativação, habilitação, etc.), bem como os custos das facilidades suplementares contratadas pelo usuário do serviço e colocadas à sua disposição.

Ao ver-se obrigado a arcar também com o pagamento de uma tarifa mínima, cobrada sob a rubrica de assinatura, o usuário do serviço estará suportando o chamado "custo de disponibilidade", presente na generalidade das tarifas de serviços públicos concedidos, com o que se preserva a equação financeira do contrato, visto que, sem a garantia de uma retribuição mínima, que assegure a amortização dos investimentos realizados, ninguém assumiria a onerosa responsabilidade pela prestação de um serviço adequado.

Parece não existir dúvida quanto à legitimidade da cobrança desses componentes tarifários, mesmo porque, se a tarifa deve assegurar justa remuneração do capital, as demais utilidades oferecidas, no âmbito de um contrato para prestação do serviço de comunicação, devem ser naturalmente computadas no valor da tarifa, como componentes seu, custos incorridos que são com a boa prestação do serviço que nela necessitam abrigar-se, pois, a ser de outro modo, a tarifa não estaria incorporando todos os componentes que devam concorrer para sua formação. Como é de todos sabido, assim se compõe normalmente o regime tarifário, conforme autorizado magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello ("Taxa de Serviço", in RDT 9/10).

Todos esses serviços estão sujeitos ao pagamento  de um componente tarifário específico, uma vez que geram custos para a concessionária, passíveis de serem ressarcidos por quem a eles tenha dado causa. Mas nada, nada mesmo, acrescem ao núcleo da hipótese de incidência do imposto, aptos que são apenas para dimensionar a expressão financeira do fato gerador a que se vinculam por um nexo de acessoriedade e dependência, concorrendo, assim, para a determinação do valor da tarifa devida pelo usuário.

Por conseguinte, a afirmativa de que os serviços de que se faz acompanhar o contrato de prestação de serviço de telefonia não se inscrevem na hipótese de incidência do ICMS revela-se irrepreensível, mas daí não se pode extrair a conclusão de que as receitas geradas pelos serviços adicionais e facilidades suplementares contratados e colocados à disposição do usuário deveriam ser excluídas da base impositiva do imposto.

Os denominados serviços de acesso, adesão, ativação, habilitação, etc., , em verdade, não serviços prestados ao tomador do serviço de comunicação, mas meras rubricas sob as quais são remuneradas as denominadas atividades-meio,  componentes da tarifa de telefonia, sem cujo pagamento o serviço de comunicação não é sequer colocado à disposição do interessado.

Tais componentes tarifários, não se inscrevendo no núcleo da hipótese descritiva do fato gerador do imposto sobre a prestação de serviços de comunicação, concorrem, contudo, para a determinação de sua  base de cálculo.

Tal como se passa com os negócios jurídicos que envolvam a circulação de mercadorias, em que a base de cálculo do ICMS incorpora também todas as despesas incorridas até sua entrega ao consumidor (LC 87/96, art. 13, § 1º, II, “a”), a base impositiva do imposto incidente sobre a prestação de serviços de comunicação é também integrada por todas as demais despesas correlatas, a ela associadas, direta ou indiretamente, por resultado da contratação do serviço, cujos custos são suportados pela tarifa.

Tanto é assim que há na Lei Complementar nº 87/96 (art. 8º) previsão expressa de que a base de cálculo, para fins de substituição tributária, será (I) em relação às operações ou prestações antecedentes ou concomitantes, o valor da operação ou prestação praticado pelo contribuinte substituído; (II) em relação às operações ou prestações subseqüentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes (a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário; (b) o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço; (c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subseqüentes.

Como, então, a base de cálculo do ICMS deve abrigar todos os custos incorridos, o imposto devido deve corresponder ao quantum destacado na nota fiscal/fatura, documento representativo da prestação do serviço e versão documental que a materializa, onde são discriminados os valores devidos pelo usuário.

Assim, nada impede, ao contrário, tudo recomenda, que, como custos que são da prestação do serviço, também as utilidades ou facilidades oferecidas pela concessionária venham a compor a base de cálculo do ICMS, pois realmente não integram o núcleo da hipótese de incidência do imposto.

Guardando inteira fidelidade com o que se contém no enunciado de seu art. 2º, III,  dispõe o § 1º,  II, “a”, do art. 13, da LC 87/96, que integra a base de cálculo do imposto o valor correspondente a seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição, isto é, o valor integral da tarifa cobrada pela prestação do serviço,  que incorpora todas as demais despesas incorridas e agregadas, cobradas em razão do contrato que vincula o usuário à concessionária, uma vez que a base de cálculo do ICMS é o preço cobrado na fatura, por compreender, naturalmente, todos os custos incorridos com a prestação do serviço de telefonia, pois, somente assim, a base impositiva do imposto estará guardando equivalência com a matéria tributável, fornecendo a exata medida da grandeza econômica do fato gerador a que corresponde.

E não poderia ser de outro modo, pois o valor tarifado da ligação telefônica, isoladamente considerado, revela-se insuficiente para traduzir o valor real da prestação do serviço contratado, que pressupõe, naturalmente, a integração de todos os elementos que são adicionados ao custo da prestação do serviço, circunstância que reclama por sua inclusão na base impositiva do ICMS.

Somente assim é atendida a correlação lógica que deve existir entre o fato gerador e o montante sobre o qual deve incidir o imposto, permitindo que a base impo­nível resulte de todos os elementos que integram um mesmo e único elemento material.

De resto, é de rigor a observância, no particular, da norma inscrita na lei complementar, mesmo porque, para a jurisprudência da Suprema Corte, revela-se inconstitucional a previsão em Constituição do Estado-membro que exclua os juros devidos nas vendas a prazo da base de cálculo do ICMS, pois tal iniciativa, à falta de previsão em lei complementar, equivaleria à concessão de benefício fiscal sem a observância do procedimento previsto no art. 155, § 2º, XII, "g", da CF (ADI/MG 84), pois, sendo único o negócio jurídico, a legislação do ICMS não diferencia as operações de venda à vista ou a prazo (AI 805.951, Rel. Min. Celso de Mello; AI 807.613, Rel. Min. Joaquim Barbosa; AgRg no Ag 488.717, Rel. Min. Gilmar Mendes; AgR-AI 453.995, Rel. Ricardo Lewandowski; RE 363.539, Rel. Min. Carlos Britto; AgRg -AI 289.724, Rel. Min. Néri da Silveira e AgRg -AI 228.242, Rel. Min. Carlos Velloso, inter plures).

Do mesmo modo, quando mercadorias são fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios (CF, art. 155, § 2º, IX, "b" e LC 87/96, art. 2º, IV), o imposto, por expressa previsão constitucional, deve incidir sobre o valor total da operação, tal como decidido no RE 282.310 (Rel. Min. Moreira Alves) e AI 166.079-AgR (Relator Min. Marco Aurélio), entre outros.

Por conseguinte, somente assim poderá existir uma correlação lógica entre o fato gerador enunciado no art. 155, II, da CF e o montante sobre o qual deve incidir o imposto, pois “a base de cálculo não pode estar dissociada do aspecto material do fato gerador, havendo de consistir numa perspectiva dimensional apta à redução desse aspecto material a uma expressão numérica” (STF, Pleno, RE167.992).

Parecendo intuitivo, então, que o delineamento do campo impositivo do ICMS traduz emanação que resulta, primariamente, da própria Constituição Federal, a inclusão do valor dos componentes tarifários na base de cálculo do ICMS deve se operar, por conseguinte e por coerência normativa, na exata medida com que, como parcela do preço, concorrem para a determinação do valor da fatura de telefonia.

 

Diante desse quadro, comportaria aplicação a figura do precedente judicial, que, mercê de timbrar a interpretação dos sistemas do civil law e do common law, consubstancia técnica de aprimoramento da aplicação isonômica do Direito, a recomendar, portanto, que, para casos iguais, soluções iguais (RE 433.896, Min. Cármen Lúcia), ou, a se preferir, ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio.  

 

A ser de outra forma, significa, em última análise, conferir à concessionária irrestrita disposição sobre a própria base de cálculo do ICMS, que, a seu exclusivo critério, poderia promover a migração dos valores das receitas auferidas segundo a maior ou menor carga tributária a que submetidas.

Estima-se, então, que a solução da matéria de fundo reclama pela distinção formulada pela teoria geral do direito entre o antecedente e o consequente da norma e por adequada compreensão do modelo das condições de formação das tarifas de telecomunicações, para, a partir daí, proceder-se ao exame crítico das premissas teóricas que têm presidido os julgamentos da matéria.