A RECUPERAÇÃO JUDICIAL E AVAIS E FIANÇAS


PorEulampio- Postado em 10 dezembro 2015

Autores: 
EULÂMPIO RODRIGUES FILHO

  A Recuperação Judicial e avais e fianças

 

 

Eulâmpio Rodrigues Filho

Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Doutor em Direito

Pós-Doutor em Direito – Itália

Advogado

 

 

 

Ao que se vê da literatura jurídica, tem havido preferência pelo caminho que admite curso de execução contra avalistas e fiadores de empresas amparadas pela recuperação judicial, a despeito da suspensão legal das execuções contra esta.

 

Com tal fundamento louva-se na idéia de que, a despeito de a lei estabelecer no seu art. 58, que o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, essa «novação legal» inexistiria, de molde a que descabida seria a sustação de curso de execuções de títulos garantidores de pagamento de débitos com execução suspensa pelo recebimento do pedido de recuperação.

 

Não padece dúvida de que há essas duas correntes a disputar idéias: uma em conformidade com a Lei, e a outra decorrente do imaginário de juristas levada à publicidade em «Jornada de Direito Comercial», chamado enunciado n. 43 (sem força de Lei).

 

Diz o Prof. Vicente Ráo:

 

«Em suas claríssimas Instituzioni di Direito Civile Italiano (6ª ed., vol. I, pág. 122), De Ruggiero nos adverte que ‘na antiga escolástica e na prática do foro surgiram, aos poucos, inúmeros brocardos e aforismos jurídicos repetidos até hoje pelos práticos e considerados como expressões de regras fixas e princípios absolutos, - brocardos e aforismos que soam como provérbios de sabedoria jurídica, mas, na realidade, constituem perigosos instrumentos nas mãos dos juízes; e tendo, embora, a aparência de princípios gerais, deles um só não há que, como máxima geral, não seja falso.»

 

Vejamos, então, o que determina a Lei:

 

«Lei nº 11.101 de 09 de Fevereiro de 2005

«Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

«Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido,e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei.

«§ 1º A decisão judicial que conceder a recuperação judicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III, do caput da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

«§ 2º Contra a decisão que conceder a recuperação judicial caberá agravo, que poderá ser interposto por qualquer credor e pelo Ministério Público.»

 

A propósito, a jurisprudência:

 

«TJ-SP - Apelação APL 00009938420048260428 SP 0000993-84.2004.8.26.0428 (TJ-SP)

«Data de publicação: 13/05/2014

«Ementa: APELAÇÃO. Execução de título extrajudicial. Extinção sem julgamento de mérito, em face da decretação de falência da executada. Pretensão à reforma, com suspensão da ação até julgamento da ação de falência, independentemente da habilitação do crédito. Cabimento. Inviabilidade da extinção. Novação prevista no art. 59 Lei n.º 11.101/05 que não implica ‘extinção’ das ações - Deferimento da recuperação judicial que implica somente a suspensão das ações, conforme o disposto no art. 6º, c.c. o art. 49, caput e art. 52, inc. III, todos da Lei n.º 11.101/05. Possibilidade, ademais, de eventual retomada da execução, após o decurso do prazo de suspensão de 180 dias (art. 6º, § 4º, da Lei n.º 11.101 /05) ou de descumprimento do Plano de Recuperação (art. 62 da Lei n.º 11.101/05) Sentença reformada. Recurso provido.» (Ac. TJSP, Jusbrasil/ Jurisprudência).

 

«TJ-RS - Agravo de Instrumento AI 70061939096 RS (TJ-RS)

«Data de publicação: 10/10/2014

«(...)

«Em tendo sido concedida recuperação judicial à empresa da qual os sócios/avalistas são acionados em ação de execução, impõe-se a suspensão da ação executiva, pena de fadar ao insucesso o próprio Plano de Recuperação Judicial, mostrando-se despicienda a discussão sobre o alcance da novação das dívidas anteriores à concessão do benefício, e sem prejuízo das garantias, na forma do artigo 59 da Lei nº 11.101/05.Tratando-se a novatio de causa extintiva da obrigação originária, ainda que sob condição resolutiva do preciso cumprimento do Plano de Recuperação, pena de retorno das dívidas ao status quo ante (art. 61, §2º, da LFRE), impõe-se a suspensão da execução ajuizada contra os sócios/avalistas, pena de fracasso da própria recuperação, à qual retomará o seu curso no caso de convolação em falência ou de extinção, caso cumprida a obrigação.RECURSO PROVIDO LIMINARMENTE COM BASE NO ART. 557, §1º-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. (Agravo de Instrumento Nº 70061939096, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado... em 07/10/2014).

 

Do Escritório Teixeira Fortes, S. Paulo, «in» Imunidade dos Fiadores e Avalistas na Recuperação Judicial, «web», extrai-se:

 

«O caput do artigo 49 dispõe que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos (e guardem este termo: CRÉDITOS) existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. E no parágrafo primeiro reza que os credores do devedor (guardem este termo: CREDORES DO DEVEDOR) em recuperação judicial, conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.(...)

«A doutrina vai no sentido de que é o devedor que obtém o beneplácito da dilargação do pagamento, mediante plano de recuperação, portanto, se o crédito é garantido por fiança ou aval, fiadores e avalistas somente podem ser executados, quando efetivamente vencida a dívida no prazo originário, em outras palavras, o que se ensina é que quem obtém o beneplácito é a pessoa do devedor e não o crédito, não ocorrendo, portanto, o vencimento antecipado em relação aos avalistas e fiadores. (...)

 «Se a interpretação do parágrafo primeiro do artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial, é a de que os credores podem executar seus créditos contra fiadores e avalistas, ante o termo ‘conservam seus direitos’, pergunto: Por que então o parágrafo segundo do artigo 61 da Lei em comento reza que os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, se decretada a falência? (...)

«O artigo 59 é claríssimo ao dispor que o plano de recuperação judicial implica novação dos CRÉDITOS anteriores a ele sujeitos, ou seja, se há novação, não há como se executar os garantidores.

«Mas se ocorrer a falência, aí sim, nos termos do artigo 61, o crédito e garantias retornam às suas características originais. Seria a reversão da novação.

«Se a Lei diz que os CRÉDITOS são novados, como então executar os garantidores se novos prazos foram concedidos? Como executar garantidores se foi concedida em termos práticos, a moratória ao crédito?

«Não há que se falar em execução dos garantidores, se com a novação, o inadimplemento deixa de existir.(...)

«Neste termo, conclui-se que a Recuperação Judicial nada mais é do que a busca de uma ordem de novação ou mais especificamente de moratória, pois o deferimento do plano judicial implica na concessão de prazos mais dilargados para o devedor quitar seus débitos.

«E o que é moratória?

«Ora, nada mais é do que a concessão do credor ao devedor para pagamento em prazo, forma ou lugar diversamente do convencionado. Ora, se houver concessão de prazo diverso, por força do plano de recuperação judicial, não se poderá executar avalistas e fiadores, porque se concedida a moratória, a mora, por lógica, deixa de existir.

«Frise-se, no caso da Recuperação Judicial, a moratória é concedida pelo Poder Judiciário, ao deferir o plano e neste ponto, a sentença sobrepõe-se à vontade do credor. 

«Assim, se há moratória, não há que se falar em mora, e se não há mora, não se pode falar em execução ante a falta de interesse de agir.

«E ainda, se a Lei diz que os CRÉDITOS são novados (artigo 59), não se poderá, então, persegui-los contra fiadores e avalistas, pois a novação constituiu outras condições para o pagamento do débito, mesmo contra a vontade do credor. (...)

«De fato os credores não estão inibidos de promover a execução de seus créditos contra fiadores e avalistas (e endossantes ), todavia, poderão fazê-lo somente se o devedor vier a falir - nos termos do artigo 61 – ou se não pagar integralmente o débito na recuperação judicial, porque enquanto os créditos estiverem sob o efeito da moratória, não poderão ser executados.

«Em síntese, não haverá interesse de agir para a execução contra fiadores e coobrigados, por crédito objeto de concessão de moratória em virtude do plano de recuperação judicial.»

 

A seu turno, o juiz de Direito Manuel Eduardo Pedroso Barros, da 23ª vara Cível de Brasília/DF determinou a suspensão de execução de título extrajudicial em face de fiadores em virtude de aprovação de plano de recuperação judicial. De acordo com o magistrado, a suspensão das execuções em face dos garantidores, ‘embora, seja atualmente posicionamento minoritário, encontra respaldo em precedentes do Colendo STJ’.

 

«Os autores impetraram a ação alegando que o crédito excutido no bojo do processo foi incluído no plano de recuperação judicial requerido pela devedora principal, ‘sendo certo que, uma vez aprovado referido plano de recuperação pela Assembléia Geral de Credores, conforme ata de fls. 82/92, não há razão para ajuizamento/prosseguimento da execução em face dos embargantes que figuraram como garantidores (fiadores) da sociedade empresária recuperanda’.

 

«O magistrado, em sua decisão, citou entendimento do ministro Aldir Passarinho,do Egr. STJ, no sentido de que quando a avalizada tem deferido pedido de recuperação judicial, ‘de maneira que tal fato suspende todas as execuções em curso contra a empresa recuperanda e ocasiona a consequente novação de seus débitos anteriores, inexistindo razão para que o processo executivo continue, mesmo em relação àqueles avalistas do título exeqüendo’». (Suspensa execução em face de garantidores em virtude de Recuperação Judicial, Migalhas, 5/12/2012).

A insustentabilidade da tese em sentido contrário

 

Tese em contrário encontra-se mesmo em acórdãos e publicações de grande prestígio.

 

Realmente,

 

«Ao analisar a questão, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que a novação prevista na lei civil é diferente daquela disciplinada na lei 11.101/08. Segundo ele, se a novação civil, como regra, extingue as garantias da dívida, inclusive as reais prestadas por terceiros estranhos ao pacto, a novação decorrente do plano de recuperação, ao contrário, traz como regra a manutenção das garantias, sobretudo as reais, as quais só serão suprimidas ou substituídas mediante aprovação expressa do credor, por ocasião da alienação do bem gravado.

«Por outro lado, a novação específica da recuperação desfaz-se na hipótese de falência, quando então os ‘credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas’ (art. 61, § 2º).

«Daí se conclui que o plano de recuperação judicial opera uma novação sui generis e sempre sujeita a condição resolutiva, que é o eventual descumprimento do que ficou acertado no plano, circunstância que a diferencia, sobremaneira, daquela outra, comum, prevista na lei civil. (...) (Ac. STJ, REsp. 1.333.349-SP (2012/0142268-4, Rel. Min. Felipe Salomão)» (Migalhas, 7/5/2014).

Ao que se nota, as decisões em sentido inverso ao desta tese, i. e., que abrem as portas à execução de garantidores de débitos de responsabilidade de firma beneficiária de concessão de Recuperação Judicial, mesmo ao curso desta vêm sustentadas com emprego de recursos apenasmente retóricos, afastados das normas jurídicas apropositadas.

 

Observe-se que abertura de cabouco para se admitir execução de títulos de garantias cambiais ou reais ligados a titularidade «objeto» de «concordata» dá-se mediante criação e aplicação de artifício impróprio, desadequado, «ut» se vê em continuação.

 

Indubitável que a justificativa, e não recursos hermenêuticos exigidos, que se tem usado para fuga ao sentido legal da norma não tem revelado acerto que permita se dê como correta e «justa» a análise empreendida.

 

De fato, para tanto utilizam-se de expressão latina: «sui generis»,que na acepção vulgar significa ímpar, característico, i.e., mediante indicação de que a «novação» empregada na Lei de Falências não é aquela que se extrai da ordem civil, com fundamento reiterado em que nesse caso a «novação» é «sui generis».

 

Mas parece que assim o fenômeno não se apresenta em determinada «forma jurídica», porque a novação não é consagrada como passível de existência na configuração legal do Código Civil (única) e na forma «sui generis» como «outra categoria».

 

Indaga-se: e se se admitir sinônimo de «sui generis»como «único em sua espécie»,que é correto?

A operação, à evidência não vem para desnaturar o instituto da recuperação judicial, mas para fazê-lo existente e prestante.

 

Aí se encontra mais segurança na idéia que ora se defende, de que a recuperação judicial susta o vencimento dos débitos da empresa recuperanda e dos respectivos garantes, pois como ocorre na ordem civil, o credor, no caso, não recebe a prestação, mas continua titular do direito de crédito, sujeito aos efeitos da Lei Falimentar.

 

E, como no caso não há «classificação» a fazer, a interpretação literal nada mais permite que a reprodução do texto legal, que é o quanto basta para se sustentar a «novação» como mola propulsora da suspensão da execução de títulos devidos pela recuperanda e seus garantidores, sobretudo porque a Lei não lhes faz distinção para semelhante efeito.

 

«Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus»