Retificação extrajudicial de registro civil de pessoas naturais : é possível?


Porbarbara_montibeller- Postado em 27 março 2012

Autores: 
SANTANA, Eunices Bezerra Santos e

Resumo: Este texto tem como finalidade analisar a inovação trazida pela Lei 12.100/2009, que alterou o art. 110 da Lei 6.015/73, ao possibilitar a retificação extrajudicial de registro civil de pessoas naturais, fazendo um confronto com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, tecendo considerações acerca do procedimento e analisando a repercussão prática do instituto.

Palavras-chave: Registro civil de pessoas naturais; retificação extrajudicial; princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Abstract: This text has as main purpose to analyze the innovation brought by the Law 12.100/2009, amending art. 110 of Law 6015/73, by allowing extra-judicial redress civil registration of individuals, making a confrontation with the principle of inafastabilidade jurisdiction, with considerations about the procedure and analyzing the practical impact of the institute.

Keywords: civil registry of individuals, non-judicial redress; inafastabilidade principle of jurisdiction.

INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei 12.100, de 2009, a qual alterou o art. 110 da Lei 6.015/73, o legislador infraconstitucional introduziu, no ordenamento jurídico pátrio, a retificação extrajudicial de registro civil de pessoas naturais, possibilitando, sem a necessidade de intervenção judicial, a correção de erros para cuja comprovação não se exija dilação probatória.

Trata-se de medida com manifesto intuito de desafogar o Poder Judiciário do acúmulo de demandas, que tanto compromete a observância do princípio-garantia da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil.

2. RETIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL: PROCEDIMENTO DE OFÍCIO

Na feliz definição de Serpa Lopes, citado por João Pedro Lamana Paiva (2010, p. 01):

“a retificação é um processo destinado a restabelecer a verdade das declarações contidas nos assentos do Registro civil, desfazendo o erro de facto ou de direito ou preenchendo uma omissão, produzidos por declarações ideológica ou materialmente erradas ou deficientes, bem como declarações consignadas de um modo diverso pelo Official, em conseqüência de erro ou engano, na reprodução do que tiver ouvido.”

Assim é que, regra geral, aplica-se o art. 109 da Lei 6.015/73 para os casos de retificação, restauração e suprimento de registro civil. Entrementes, para a hipótese de erro verificável de plano, para cuja aferição não se exija maior indagação, o legislador trouxe a previsão do art. 110 do mesmo diploma legal.

Nesse passo, supondo que na lavratura de assento de casamento de certo interessado, o Oficial de Registro tenha feito constar, por erro, data diversa da constante no assento de nascimento acostado na habilitação de casamento; e supondo, ainda, que tal erro tenha passado despercebido; uma vez munido de Certidões de Nascimento e Casamento, poderá referido interessado lançar mão da via prevista no art. 110 da Lei 6.015/73, que nada mais é do que um procedimento extrajudicial, sumário e que depende de requerimento do interessado, dirigido ao Oficial de Registro Civil, sendo prescindível o patrocínio de advogado.

Na situação vertente, quando o legislador mencionou, no caput do art. 110, acima citado, que a correção dar-se-ia de ofício pelo Oficial de Registro Civil, fizera não no sentido de que seria dispensável o requerimento do interessado, mas no sentido de que o procedimento não dependeria de decisão judicial.

Nesse caso, formulado o requerimento, este acompanhado da documentação necessária, o Oficial encaminhá-lo-á ao Ministério Público que, opinando no sentido de que a verificação do erro não exige maior indagação, a correção do equívoco pelo Cartório restará autorizada, sem precisar do crivo do Poder Judiciário.

Por outro lado, caso o Parquet entenda que a constatação do erro demanda maior indagação, o interessado, com a assistência obrigatória de advogado, deverá requerer a correção ao Juiz, instruindo o pleito com documentos, observando-se o rito sumaríssimo.

Convém destacar, embora já salientado que, em qualquer situação prevista no art. 110 da Lei 6.015/73, o interessado deverá requerer a correção do erro, a qual não se dará oficiosamente pelo responsável pela Serventia, mesmo porque a Lei dos Registros Públicos contempla o princípio da instância, previsto no art. 13 do mesmo diploma legal, segundo o qual só seriam permitidas a averbação e a anotação, de per si, como providências de ofício.

3. O ART. 110 DA LEI DOS REGISTROS PÚBLICOS E O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO

Com o advento da Lei 12.100/2009, que alterou o art. 110 da Lei 6.015/73, irrompe a seguinte questão: o art. 110 da Lei dos Registros Públicos faz com que a possibilidade de lançar mão da via administrativa afaste o interesse de agir para demanda fulcrada no art. 109 do mesmo diploma legal?

A resposta só pode ser negativa. Ora, a previsão do art. 110 da Lei 6.015/73, por ser uma hipótese mais específica inclusive, vem a ser uma opção do interessado, que, se reputar conveniente, pode optar por pleitear a tutela jurisdicional.

Tal ilação justifica-se pelo fato de que o manejo da via administrativa - como forma de facilitar, garantindo a solução mais célere em caso de erro verificável de plano - pode ser afastado mediante posicionamento do Ministério Público, o que determina a conversão de procedimento administrativo para judicial e consequente observância de regras do processo civil, como a devida constituição de causídico.

Ademais, exigir que o interessado lance mão previamente da via extrajudicial violaria o princípio da inafastabilidade da jurisdição, sendo qualquer interpretação contrária manifestamente incompatível com a Constituição Federal.
Segundo preceitua o inciso XXXV, art. 5º, da Carta Magna: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se do princípio da inafastabilidade da jurisdição, também chamado de direito de ação ou princípio do livre acesso ao judiciário e, segundo Pontes de Miranda, apud Pedro Lenza (2009, p. 698), princípio da ubiquidade da justiça.

A inafastabilidade da jurisdição é um direito e garantia individual (cláusula pétrea), que afasta qualquer exigência de esgotamento das instâncias administrativas, permitindo ao indivíduo o exercício imediato do direito de ação, seja para postular a tutela jurisdicional preventiva, seja para postular a repressiva. Tal preceito só possui uma exceção, prevista na própria Carta Magna e só admissível porque introduzida pelo poder constituinte originário: é o que ocorre com a Justiça Desportiva, consoante art. 217, §§ 1º e 2º.

Destarte, a interpretação que mais se coaduna com a Carta Magna é no sentido de que a escolha da via judicial ou extrajudicial é livre pelo interessado, tendo o legislador infraconstitucional apenas buscado, na situação específica de erro visível de plano, trazer uma opção mais célere, menos onerosa e idônea a diminuir o congestionamento do Poder Judiciário.

Outrossim, insta consignar, em que pese o Conselho Nacional de Justiça não tenha, até o presente, editado qualquer resolução no sentido de debelar eventuais divergências a respeito da Lei 12.100/2009, não se pode olvidar que situação semelhante ocorrera com o advento da Lei 11.441/2007, a qual passou a possibilitar a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa.

Diante das divergências, o Conselho Nacional de Justiça editou a resolução nº 35, de 24 de abril de 2007, cujo art. 2º prevê: “É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial.” É o nosso entendimento.

CONCLUSÃO

Com efeito, não se pode negar que, com o art. 110 da Lei 6.015/73, seja na redação anterior à Lei nº 12.100/2009, seja na redação atual, o legislador tentou avançar, trazer uma opção mais célere, menos onerosa e capaz de descongestionar o Poder Judiciário.

Contudo, numa redação relativamente truncada, com a qual o legislador foi aquém do que talvez pretendesse, manteve-se a intervenção do Ministério Público quando a hipótese de cabimento, isto é, situação de erro verificável de plano, autorizaria que a correção fosse levada a efeito de forma menos embaraçada, menos burocratizada, ou seja, mediante requerimento do interessado dirigido ao Oficial de Registro Civil que, acatando os argumentos e à vista dos documentos comprobatórios, estaria autorizado a proceder à correção.

No caso, não só se ganharia em celeridade, em menor onerosidade, como também se diminuiria a burocracia, sem, contudo, deixar de preservar a segurança jurídica, mesmo porque, à luz do que dispõe o art. 25 da Lei 6.015/73, o Registrador ficaria obrigado a arquivar os autos do procedimento, para eventual controle dos órgãos instituídos por lei, como o próprio Parquet e a Corregedoria-Geral da Justiça, verbi gratia.

Ademais, embora parte da doutrina diferencie erro evidente (restrito à ocorrência de erros de grafia e à mera transposição de dados para o assento lavrado) da hipótese do art. 110, caput, da Lei 6.015/73, entendemos tratar-se aquele apenas de espécie do gênero erro verificável de plano, a merecer, pois, regulamentação paralela, não necessariamente idêntica.

Ex positis, esperamos uma postura menos tímida do legislador infraconstitucional que, dada a relevância do registro civil de pessoas naturais, com reflexos até mesmo no exercício da cidadania (lato sensu) e com o escopo de conformar o conteúdo desses registros com a realidade fática da vida de cada ser humano, deverá empenhar-se em diminuir o rigor formal, os entraves, incentivando a busca, pelos interessados, dessa mesma conformação.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 35, de 24 de abril de 2007. Disponível:
. Acesso em 03 de outubro de 2010.

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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18ª edição, São Paulo: Malheiros, 2005.

PAIVA, João Pedro Lamana. Do erro evidente e da retificação extrajudicial no RCPN(Lei n° 12.100, de 27 de novembro de 2009). Disponível em: .Acesso em: 03 out. 2010.