Tratados internacionais sobre Direitos Humanos e seu status constitucional


Porvinicius.pj- Postado em 18 novembro 2011

Autores: 
RIBEIRO, Lorena de Sá

1.1                          CONCEITO E HISTÓRICO

A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969 em seu artigo 2º, 1, "a", preceitua que “Tratado designa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos e qualquer que seja a sua denominação particular".

O  tratado internacional seria, então, o instrumento pelo qual sujeitos de direito internacional estipulariam direitos e obrigações entre si, sendo que tal acordo é formalizado num texto escrito. 

Resultante da  convergência das vontades, o tratado tem a finalidade de produzir efeitos jurídicos num plano internacional, obrigando somente aos Estados que o ratificaram ou a ele aderiram.

A grande maioria dos tratados, até o século XIX, era bilateral e entre Estados. Todavia, em alguns casos algumas convenções poderiam envolver mais de uma nação. A dinâmica da sociedade internacional tornou necessária a participação de muitas  nações em alguns acordos que tratavam sobre importantes temas comuns a todos.

No século XX,  iniciou-se a codificação do direito internacional, ou seja, as normas costumeiras transformaram-se em normas convencionais, escritas em acordos. Tal codificação, associada a globalização da sociedade moderna, aumentou o número das convenções celebradas neste século. A intensa  relação internacional entre os países fez dos  acordos a principal fonte de direito internacional. Estes, atualmente,  normatizam as mais variadas relações jurídicas entre nações e organizações internacionais, sobre os diversos campos do conhecimento, entre eles os direitos humanos.

     1.2  DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS: STATUS CONSTITUCIONAL

A Magna Carta de 1988 erigiu a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos a princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. Ela instituiu novos princípios jurídicos que conferem suporte axiológico a todo o sistema normativo brasileiro e que devem ser sempre levados em consideração quando da interpretação de quaisquer normas do ordenamento jurídico prático.

Esta Constituição deu um passo rumo à abertura do nosso sistema jurídico ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, sendo sua promulgação um marco para o início do processo de redemocratização do Estado brasileiro e de institucionalização dos direitos humanos. 

Concomitantemente, desenvolveu-se a ratificação de tratados internacionais dos direitos da pessoa humana, pelo Brasil, os quais perfazem uma gama de normas diretamente aplicáveis pelo judiciário e que agregam vários novos diretos e garantias àqueles já constantes do ordenamento jurídico brasileiro.

Consolida o §2º do artigo 5º da Carta Magna que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais que a República Federativa do Brasil seja parte”.

E é baseando neste parágrafo, que se conclui que os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pela República Federativa do Brasil têm status material constitucional, além de aplicação imediata, não podendo em hipótese alguma ser revogados por lei ordinária posterior.

O texto constitucional ao estabelecer que os direitos e garantias nele expressos, não excluem outros provenientes dos tratados internacionais, está a autorizar que estes, constantes das convenções de proteção aos direitos humanos, se incluam no ordenamento jurídico pátrio, passando a ser considerados como se estivessem escritos na própria Magna Carta,  ampliando seu rol de constitucionalidade.

Em matéria de direitos e garantias, a Carta Federal, com o estabelecido no §2º do artigo 5º, reconhece uma dupla fonte normativa. A primeira vem do direito interno, ou seja, os direitos expressos e implícitos no texto constitucional e, a segunda, vem do direito internacional decorrente dos acordos internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil.

Deste modo, se estes tratados internacionais são fontes constitucionais, possuindo a mesma eficácia e igualdade dos direitos expressos ou implícitos na Constituição, tais instrumentos internacionais têm o status de norma constitucional.

Uma parte da doutrina já defende que o art. 5 º, §2º da Constituição Federal de 1988, confere as normas internacionais de proteção dos direitos humanos o nível de norma constitucional. Corroborando com tal raciocínio eis a transcrição ad litteram dos ensinamentos de Antônio Augusto Cançado Trindade, lançados no prefácio escrito para a obra de George Galindo:

A disposição do artigo 5º, §2º, da Constituição Brasileira vigente, de 1988, segundo a qual os direitos e garantias nesta expressos não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil é Parte, representa, a meu ver, um grande avanço para a proteção dos direitos humanos em nosso país. Por meio deste dispositivo constitucional, os direitos consagrados em tratados de direitos humanos em que o Brasil seja Parte incorporam-se ipso jure ao elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. (...) O propósito do disposto nos §§2º e 1º do artigo 5º da Constituição Federal não é outro que o de assegurar a aplicabilidade direta pelo Poder Judiciário nacional da normativa internacional de proteção, alçada a nível constitucional. (...) A tese da equiparação dos tratados de direitos humanos à legislação infraconstitucional – tal como ainda seguida por alguns setores em nossa prática judiciária, - não só representa um apego sem reflexão a uma postura anacrônica, já abandonada em vários países, mas também contraria o disposto no artigo 5º, §2º, da Constituição Federal brasileira.(...) O problema – permito-me insistir – não reside na referida disposição constitucional, a meu ver claríssima em seu texto e propósito, mas sim na falta de vontade de setores do Poder Judiciário de dar aplicação direta, no plano de nosso direito interno, às normas internacionais de proteção dos direitos humanos que vinculam o Brasil. Não se trata de problema de direito, senão de vontade (animus)." (2002, p. 9)

Entretanto, o status constitucional dos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos continua causando divergência na doutrina e nem na jurisprudência.

Celso D. de Albuquerque  Mello, assinala, no sentido de que “a norma internacional prevalece sobre a norma constitucional, mesmo naquele caso em que uma norma constitucional posterior tenta revogar uma norma internacional constitucionalizada.” (2001 p.25).Contudo, este status constitucional não é aceitos pelo Supremo Tribunal Federal para todos os tratados sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil.

Com o objetivo de findar as controvérsias relativas à hierarquia dos tratados internacionais, acrescentou-se através da Emenda Constitucional 45/2004, o parágrafo o §3º do artigo 5º da Carta de 1988 que assevera que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Não obstante o disposto em tal parágrafo, o status material constitucional destes tratados já existe.

Isto porque, o disposto no §2º do artigo 5º da Magna Carta, já os garante um status material de norma Constitucional. Assim, na proporção em que a Magna Carta não exclui os direitos humanos oriundos de convenções internacionais, é porque a Constituição os inclui no seu rol de direitos protegidos, ampliando dessa forma seu  rol de cláusulas pétreas e atribuindo-lhes hierarquia de norma constitucional.

Enquanto que o §2º, artigo 5º, estabelece o status constitucional dos acordos internacionais, a redação do § 3º do mesmo artigo afirma, apenas, que tais tratados somente equivaleriam à emenda constitucional quando aprovados pelo quorum qualificado.

Diferentemente do que pensa grande  parte da doutrina e jurisprudência, em momento algum o §3º do artigo 5º atribui status de norma supralegal aos tratados não aprovados pela maioria qualificada. Tal quorum serve, apenas, para atribuir eficácia formal àquelas tratados aprovados pelas regras das emendas constitucionais, ou seja, ao serem acolhidas nos termos do referido dispositivo, tais instrumentos internacionais passam a ser equivalentes às emendas constitucionais.

Um tratado que possui nível constitucional integra o rol das cláusulas pétreas, ou seja, o rol de constitucionalidade material e não formal do texto constitucional. Destarte, o fato de um tratado equivaler a uma emenda constitucional significa, apenas, que ele além de materialmente constitucional é formalmente constitucional.

Resumindo, o referido paragrafo 3º do artigo 5º estabelece que os tratados de  direitos humanos ratificados pelo Brasil - que já possuem nível constitucional de acordo com seu inciso 2º – poderão, ainda, ser formalmente constitucionais, desde que após sua entrada em vigor, sejam eles aprovados pelo quorum qualificado.

Ao lhes atribuir equivalência de emenda, para além do nível de norma constitucional, três são os efeitos. O primeiro é que uma vez aprovado pelo quorum qualificado, o tratado internacional de direitos humanos, reforma imediatamente o texto constitucional conflitante, o que não é possível pela sistemática do §2º, do artigo 5º, que confere apenas status constitucional material àqueles tratados.

O segundo, é que apesar da prática atual em matéria de denúncia dos instrumentos internacionais, o Presidente da República, unilateralmente, não poderá elaborar a denúncia destes acordos, mesmo que estivesse previsto expressamente. A denúncia também não poderia ser feita pelo Congresso Nacional, ou seja, os tratados de direitos humanos não poderiam ser denunciados nem mesmo por Projeto de Denúncia elaborado pelo Congresso Nacional. Não poderia, o Estado Nação, desengajar-se do seu compromisso, tanto no plano interno quanto no plano internacional.

Isso não ocorre quando o acordo internacional de direitos humanos possui apenas o status material de norma constitucional. O ato da denúncia, neste caso, importa somente em livrar o Brasil de responder pelo cumprimento do tratado no âmbito internacional. Assim, nada impediria que tecnicamente se denuncie um tratado de direitos humanos que somente possuísse status constitucional material, pois, o Estado brasileiro passaria, apenas, a não mais ser responsabilizado pelo descumprimento do mesmo tão somente no plano internacional e não no âmbito interno. 

Contudo, com relação aos tratados acolhidos mediante quorum qualificado, sua denúncia acarreta a responsabilidade do Presidente.

O terceiro efeito em se atribuir aos tratados internacionais equivalência às emendas constitucionais significa, nas palavras de Mazzuoli na obra O controle jurisdicional da convencionalidades das leis, que “eles passarão a ser paradigma do controle concentrado da produção normativa doméstica (o que chamamos de controle concentrado ou abstrato...)”.  Referido  mestre conclui dizendo que: “podendo servir de fundamento para que os legitimados do art. 103 da Constituição proponham ao STF as ações do controle  abstrato a fim de invalidar (com efeito erga omnes) as normas internas com eles incompatíveis.” ( 2009, p. 57 e 58).

Diante do exposto, observa-se que os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil já possuem status constitucional, independentemente do novo dispositivo redigido pela EC nº 45/2004. Isto inclusive, nas palavras de  Mazzuoli, vale tanto para os tratados já ratificados pelo Brasil, antes da entrada desta emenda, quanto para aqueles ratificados depois dela.

 Apesar disso, a maioria dos Ministros do Pretório Excelso, consideram que os tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados após a Emenda 45/2004 e, sem aprovação pelo quorum qualificado, teriam, apenas, eficácia supralegal, ou seja, infraconstitucional. Todavia, este não se configura o melhor entendimento.

Os tratados internacionais de direitos humanos ratificados antes desta Emenda, assim como aqueles ratificados após a mesma, já são recepcionados como normas constitucionais, visto que em ambos os casos, integram o núcleo intangível constitucional. Ou seja, integram o núcleo material das clausulas pétreas, tendo sim nível de norma constitucional.  Contudo, uma vez aprovado pelo quorum qualificado, passam a integrar, formalmente, o texto constitucional.

 Independentemente de aprovação por quorum qualificado, os tratados de direitos humanos anteriores ou posteriores à Emenda referida já são materialmente constitucionais. Desta forma, eles serão paradigmas do controle de constitucionalidade.

 CONCLUSÃO

Em virtude do disposto no §2º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil já têm status de norma Constitucional. O referido inciso dispõe que os direitos e garantias expressos no texto constitucional não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Carta Política ou dos tratados internacionais que o Brasil seja signatário.

Assim, na proporção em que a Magna Carta não os exclui, é porque os abarca no seu  rol de direitos protegidos, atribuindo-lhes hierarquia de norma constitucional.

Enquanto o §2º, artigo 5º, estabelece o nível constitucional material dos acordos internacionais, a redação do § 3º do mesmo artigo, acrescentado através da Emenda Constitucional nº 45/2004, lhes confere status formal constitucional, ao afirmar que os mesmos  poder equivaler à emenda constitucional quando aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, ou seja, quando acolhidos através do  quorum qualificado.

Em suma, os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro detêm nível de normas constitucionais, somente do aspecto material. Entretanto, aqueles  aprovados pelo quorum qualificado passam a ter hierarquia constitucional, material e formal.

Disto resulta que, assim como a Constituição Federal, os tratados internacionais de direitos humanos em vigor na República Federativa do Brasil são também paradigmas de controle da produção de direito doméstico. É o que se denomina de controle jurisdicional de constitucionalidade das leis, o qual pode se dar tanto na via de ação, controle concentrado, quanto pela via de exceção, controle difuso.


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