Abolitio criminis - Associação eventual para o tráfico


Pormathiasfoletto- Postado em 07 maio 2013

Autores: 
MENDES, Flávio Freitas Pereira

 

 

Faz menção à pretérita e a nova Lei de Entorpecentes, levando-se em conta a recente decisão do STJ que sustenta ter ocorrido a abolitio criminis do art. 18, III, da Lei 6.368/76 (associação eventual) pela nova Lei de Tóxico.

Trata-se de um tema novo em que já há diversas discussões, pois que a aplicação da regra, a seguir demonstrada, e a consolidação do que será abordado podem ocasionar excessivo acúmulo de serviço para o Poder Judiciário, mais do que existe.

Inicialmente, antes de adentrar no assunto sob análise, devemos lembrar que a Lei 11.343/2006, publicada em 23 de agosto de 2006, que entrou em vigor após 45 dias dessa data, revogou as Leis 6.368/1976 e 10.409/2002 – leis que cuidavam dos assuntos relativos ao direito material, bem como ao direito formal, no tocante ao tráfico ilícito de entorpecentes. Assim, com isso, criaram-se alguns critérios legais que objetivaram apenar condutas de tráfico ilícito de entorpecentes de forma mais rígida. Por exemplo, os delitos dos arts. 12, 13, 14 e 16 tiveram suas redações praticamente intactas, mas com os respectivos aumentos de suas penas (vide Capítulo II da Lei 11.343/2006).

Pois bem, tecidos esses comentários iniciais, o art. 18, III, da Lei 6.368/1976, causa de aumento de pena denominada de “associação eventual”, assim, pela doutrina e a jurisprudência, como todos sabem no cenário jurídico, consiste, em poucas palavras, basicamente, no concurso de pessoas – em muito se assemelha com o tipo mediato do art. 29 do Código Penal. Nessa esteira, em muito se compara com a associação para o tráfico prevista no art. 14 da antiga Lei de Entorpecentes, hoje, de forma idêntica, disciplinada no art. 35 da Lei 11.343/2006, que revogou a Lei antes referida.

Dada a grande discussão que cercava esse tema, o Supremo Tribunal Federal decidiu, definitivamente, a diferença entre a hipótese do art. 14 e art. 18, III, ambos da pretérita Lei de Tóxico, elucidando a confusão causada pelo legislador ordinário: “A qualificação de que trata o inc. III do art. 18 da Lei de Tóxico, diferentemente, se dá quando a associação é eventual, decorrendo de reunião ocasional, sem que haja uma quadrilha organizada previamente, em conluio com previsão duradoura” (STF, RJT, 129/1212). Com efeito, nessa situação, haja vista a “confusão” criada pelo legislador, ante a idêntica interpretação gramatical que os dispositivos legais mencionados continham, o STF, por motivos de política criminal, tendo em vista que um auxiliar de traficante poderia ser apenado em concurso material de crimes (art. 13 c/c art. 14 da Lei 6.368/1976) - por exemplo -, por conseqüência, pegando uma pena altíssima, para um fato de pouca relevância, esclareceu a contenda dizendo, de forma forçosa, assim pareceu, que o art. 18, III, da antiga Lei, cuidava de “associação eventual” para o tráfico. Com isso, o indivíduo que participara de apenas uma conduta delituosa envolvendo tráfico ilegal de entorpecentes, sofreria apenas um aumento na pena, ou seja, seria apenado de forma mais branda - caso diferente em comparação com a hipótese anterior - utilizando-se, o Judiciário, a proporcionalidade, na medida em que o citado tribunal havia criado um precedente ímpar, a “associação eventual”.

Enfim, pode-se notar, com certeza, mas que o STF fez questão de diferenciar, face aos motivos expendidos, que o art. 14 da passada Lei de Entorpecentes, por si só, já comportaria uma eventual associação para o tráfico, eis que menciona: “associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos art. 12 e 13 desta lei”. Assim, pode-se dizer que a interpretação feita pela Corte Suprema figuraria, sem dúvida, de modo mais benéfico para o apenado, em sede de “associação eventual” para o tráfico.

Como frisado, a Lei 11.343/2006 revogou explicitamente as Leis 6.368/1976 e 10.409/2002, não contendo na nova lei a hipótese do art. 18, III, da antiga Lei de Tóxico, o que gerou diversas discussões no tocante a abolitio criminis desta causa de aumento de pena. Assim, o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, proferiu o acórdão a seguir:

 

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PLEITO DE SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA POR EXISTIR RECURSO PRÓPRIO EM TRÂMITE (APELAÇÃO). CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ASSOCIAÇÃO EVENTUAL PARA O TRÁFICO. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DO ART. 18, INCISO III (PARTE INICIAL), DA LEI N.º 6.368/76 REVOGADA PELA LEI 11.343/06. ABOLITIO CRIMINIS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA.

1. O pleito de substituição da pena, ora deduzido, não foi apreciado pelo Tribunal a quo, que negou conhecimento ao pedido originário por entender que era inviável a análise da questão, trazida pela sentença condenatória, em sede de habeas corpus, por ser cabível, na espécie, o recurso de apelação. 2. Em sendo assim, como a matéria não foi debatida na instância originária, não há como ser conhecida a impetração, diante da flagrante incompetência desta Corte Superior Tribunal de Justiça para apreciar originariamente a matéria, sob pena de supressão de instância. 3. Contudo, apesar de ser a apelação o recurso próprio cabível contra a sentença condenatória, não há óbice ao manejo do habeas corpus quando a análise da legalidade do ato coator prescindir do exame aprofundado de provas, como no caso. 4. Em se considerando que a causa especial de aumento pela associação eventual de agentes para a prática dos crimes da Lei de Tóxicos, anteriormente prevista no art. 18, inciso III (parte inicial), da Lei n.º 6.368/76, não foi mencionada na nova legislação, resta configurada, na espécie, a abolitio criminis, devendo, pois, ser retirada da condenação a causa especial de aumento respectiva, em observância à retroatividade da lei penal mais benéfica. 5. Recurso não conhecido. Concedida a ordem, de ofício, para determinar que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro aprecie o mérito da impetração, bem como para, com fulcro no art. 203, inciso II, do RISTJ, excluir da condenação a majorante do art. 18, inciso III, da Lei n.º 6.368/76, decorrente da associação eventual para a prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes.

(STJ, RHC 21062, 5ª Turma, Min(a). Laurita Vaz, DJ 14.05.2007, p. 335)

Então, como visto, o STJ pronunciou-se sobre o assunto dizendo que há sim a incidência do instituto da abolitio criminis, eis que a nova Lei não previu a hipótese de “associação eventual” - entendimento, do ponto de vista político e até mesmo jurídico, não prestigiado por este escrito. Vê-se o porquê adiante.

A questão é um pouco crítica, deveras é apropriada, eis que, tendo em conta a falta de previsão legal daquela causa de aumento de pena do art. 18, III, da passada Lei de Entorpecentes no novo texto legal, com o fim de tornar mais dolorosa a pena para os sujeitos que se associam para praticar os crimes descritos na nova Lei de Tóxico, o legislador ordinário preferiu não a positivar. Todavia, por si só, o art. 35 dessa nova Lei comporta ambas as espécies de associação para o tráfico, pois que fala em associação “reiterada ou não”, ou seja, permanente ou eventual.

Agora, em decorrência da avultada decisão, todos os condenados, com fundamento na antiga Lei de Entorpecentes, que tiveram suas penas aumentadas em razão da “associação eventual”, poderão requerer, junto ao Poder Judiciário, que suas penas sejam reduzidas, porque o STJ acredita que houve, sim, a abolitio criminis da outrora mencionada causa de aumento de pena, o que não aconteceu.

Ora, foi demonstrado que a questão entre “associação permanente” e “associação eventual” era muito confusa, e, forçosamente, o STF esclareceu a diferença. Todos aqueles que foram condenados com base na Lei 6.368/1976, mais especificamente quanto aos apenados com a causa de aumento de pena aqui debatida, foram, notavelmente, beneficiados, em virtude do entendimento da dita Corte Superior. Não podemos dizer que o legislador ordinário teve a intenção de abolir aquela causa de aumento de pena, pois que, diante de todo o contexto da novo Lei de Tóxico, pode-se notar que as condutas antes narradas pela Lei 6.368/1976 foram tratadas com maior severidade. O que na verdade ocorreu foi que ele apenas não a positivou, pois que visivelmente sua intenção foi a de tornar a pena mais severa para quem, ou de forma permanente ou eventual, se associar para o cometimento de tráfico ilegal de entorpecentes. Nota-se que a conduta antes narrada pelo dispositivo legal citado (art. 18, III, da antiga Lei de Tráfico Ilegal de Entorpecentes) apenas se fundiu com a descrita no art. 35 da nova Lei de Entorpecentes – que, só para lembrar, é idêntica à narrada no art. 14 da Lei 6.368/1976 - , não ocorrendo qualquer abolição de delito, mas sim recebendo, aquela espécie de conduta, um tratamento mais enérgico. Portanto, a decisão avultada, pronunciada pelo STJ, está equivocada, ou seja, não há a abolitio criminis daquela referida causa de aumento de pena.

Ademais, sob uma análise política, dizer que houve a abolição da chamada “associação eventual” (art. 18, III, da Lei 6.368/1976) para o tráfico, é ir de encontro à vontade do legislador ordinário, pois que a Lei 11.343/2006, claramente, tornou as condutas disciplinadas pela Lei Antiga mais gravosas. Portando, não deixando, de forma alguma, de positivar a conduta de associar-se permanentemente ou eventualmente para os sujeitos que contribuem para o tráfico ilegal de substâncias entorpecentes. Logo, desse modo, têm-se mais um motivo para acreditar que não ocorreu a abolição do dispositivo legal de aumento de pena antes mencionado.

Enfim, deve-se ter em mente que o Judiciário, além da sobrecarga de demanda já existente, terá, em quantidade excessiva, tendo em vista toda a problemática apresentada, mais casos para decidir, haja vista o entendimento da matéria pelo STJ, aplicando-se, ou não, o instituto da abolitio criminis, ocasião em que terá, além de fazer a análise quanto ao tema aqui prestigiado, averiguar se houve a perda da pretensão punitiva/executória estatal, ou seja, se é o caso, além da adequação da pena, de declaração da extinção da punibilidade pela prescrição. Bem, isso é o de menos, pois se tivesse ocorrido, realmente, tal abolição, seria obrigação do Estado rever as sentenças de seus condenados.

Por último, vale frisar, que seria uma medida emergente a chegada da matéria em rogo ao Supremo Tribunal Federal – órgão considerado por muitos como sendo também político, além de jurisdicional - , para, quem sabe, contrariar o entendimento até então apresentado pelo STJ, não somente pela sobrecarga de demanda que o Poder Judiciário terá, mas, também, e principalmente por isso, pelo fato de não ter ocorrido a abolição da causa de aumento de pena do art. 18, III, da antiga Lei de Tóxico.

 

Bibliografia:

_ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação Penal Brasileira. 2ª Ed: Saraiva, 2006, páginas 29 – 59.

 

Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3673/Abolitio-criminis-Assoc...