Algumas considerações acerca do controle externo exercido pelos Tribunais de Contas


Porvinicius.pj- Postado em 06 dezembro 2011

Autores: 
LAUSCHNER, Ilene

 

INTRODUÇÃO

O Tribunal de Contas é órgão do Estado, com a função indelegável e específica de fiscalização da atividade financeira, sendo o guardião de bens e dinheiros públicos - portanto, bens que pertencem a todos.

As distintas atribuições e competências que lhe foram conferidas, estão claramente delimitadas na Constituição Federal (Arts. 70 a 75), contudo, uma das suas competências (Art. 71, inc. II)  “colide” com as competências do Poder Judiciário.

Assim, em respeito ao Princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, e em consideração à teoria da separação dos poderes, o Judiciário detém o monopólio jurisdicional – fazendo com que na prática haja crescente número de ações a fim de desconstituir julgamentos realizados pelo Tribunal de Contas.

1 Problemas

a) Tendo o exercício do controle externo pelo Tribunal de Contas previsibilidade Constitucional (Artigos 70 a 75, CF), e dentre demais competências está a de julgar contas “dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos ...” (Art. 71, inc. II, CF), qual a natureza dos julgamentos realizados por este órgão?

b) Na hipótese de julgadas irregulares as contas de determinado jurisdicionado do Tribunal de Contas, caberá recurso ao Poder Judiciário?

Apesar da competência constitucional – de “julgar contas” - ter sido atribuída ao Tribunal de Contas, cabe salientar que não trata-se daquele julgamento que é exclusivo do Poder Judiciário, mas sim, aquele relativo ao exercício de “jurisdição” meramente administrativa, e, portanto, que produz somente coisa julgada administrativa.

Como o Poder Judiciário detém o monopólio de jurisdição, caberá recurso ao Judiciário, conforme normatiza o art. 5º, da CF, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Contudo, cabe salientar, que compete ao Judiciário apenas verificar se foi observado o devido processo legal e se não houve violação de direito individual”[1].

2 Controle da Administração Pública

Para descrever as diferentes formas de controle na Administração Pública, trago os ensinamentos de importantes doutrinadores. Assim, na perspectiva de Gualazzi[2], são assim delineadas:

As formas de controle comportam diversificação e múltiplas classificações, que remanescem, porém, adstritas à finalidade substancial de verificar e orientar, lato sensu, a prioriou a posteriori, a legitimidade e os resultados da atividade desenvolvida pela Administração Pública. Um dos aspectos relevantes do controle refere-se, precisamente, à execução do orçamento.

‘A execução do orçamento pelos serviços administrativos deve ser objeto de controle constante. Em primeiro lugar, porque as despesas e as receitas somente existem na medida em que hajam sido autorizadas pelo orçamento. Receita alguma pode ser percebida pela administração fiscal se não houver sido previamente instituída pelo Parlamento. A administração pode não consumir os créditos que lhe tenham sido consignados, mas todas as despesas devem inserir-se no quadro da autorização orçamentária. O controle deve, então, permitir assegurar-se o respeito às prerrogativas parlamentares. Deve igualmente velar no sentido de evitar-se a dilapidação do dinheiro público, pois é autorizado pela representação nacional para prover às necessidades de interesse geral. Importa verificar que não sejam desviados para fins particulares. Trata-se, enfim, de assegurar que a execução das despesas e das receitas se encontre em harmonia com a política econômica da Nação’ (Charles Debbasch, Science Administrative – Administration Publique, Paris, Dalloz, 1971, 512).

 Segundo os ensinamentos de Mileski[3], trata-se o controle de atividade complementar, com a finalidade de avaliar a atuação administrativa, levando em conta normas e princípios, que buscam manter a regularidade e a legalidade da Administração na sua função ativa. Salienta, no entanto, que, “controle não administra. A sua função é fiscalizar, avaliar, detectar erros e falhas e responsabilizar a Administração, mas jamais tomar o seu lugar[4].

Há na doutrina vários critérios para classificar as modalidades de controle da Administração Pública, contudo, Di Pietro[5], assim as classifica:

Quanto ao órgão que o exerce, o  controle pode ser administrativolegislativo ou judicial.  Quanto ao momento em que se efetua, pode ser prévio, concomitante ouposterior. (...) controle preventivo  (...) visa impedir que seja praticado ato ilegal ou contrário ao interesse público. O controle concomitante, como o próprio nome diz, acompanha a atuação administrativa no momento mesmo em que El se verifica; é o que acontece com o acompanhamento da execução orçamentária pelo sistema de auditoria; ainda, com a fiscalização que se exerce sobre as escolas, hospitais e outros órgãos públicos prestadores de serviços à coletividade. O controle posterior tem por objetivo rever os atos já praticados, para corrigi-los, desfazê-los ou apenas confirmá-los; abrange atos como os de aprovação, homologação, anulação, revogação, convalidação. 

 

Como podemos verificar, o controle ainda pode ser interno ou externo[6]:

É interno o controle que cada um dos Poderes exerce sobre seus próprios atos e agentes. É externo o controle da Administração Direta sobre a Indireta. A Constituição Federal, no capítulo concernente à fiscalização contábil, financeira e orçamentária, prevê o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas (art. 71) e o controle interno é feito, normalmente, pelo sistema de auditoria, que acompanha a execução do orçamento, verifica a legalidade na aplicação do dinheiro público e auxilia o Tribunal de Contas no exercício de sua missão institucional.

 

No que tange ao Controle Legislativo, este pode ser político e financeiro[7]:

Controle político (...) abrange aspectos ora de legalidade, ora de mérito, apresentando-se, por isso mesmo, como de natureza política, já que vai apreciar as decisões administrativas sob o aspecto inclusive da discricionariedade, ou seja, da oportunidade e conveniência diante do interesse público (...)

(...)

Controle financeiro: a Constituição Federal disciplina, nos artigos 70 a 75, a fiscalização contábil, financeira e orçamentária, determinando, no último dispositivo, que essas normas se aplicam, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

O artigo 70 permite inferir algumas normas básicas:

1. quanto à atividade controlada, a fiscalização abrange a contábil, a financeira, a orçamentária, a operacional e a patrimonial; isto permite a verificação da contabilidade, das receitas e despesas, da execução do orçamento, dos resultados e dos acréscimos e diminuições patrimoniais;

2. quanto aos aspectos controlados, compreende: ‘I – controle de legalidade dos atos de que resultem a arrecadação da receita ou a realização da despesa, o nascimento ou a extinção de direitos e obrigações; II – controle de legitimidade, que a Constituição tem como diverso da legalidade, de sorte que parece assim admitir exame de mérito a fim de verificar se determinada despesa, embora não ilegal, fora legítima, tal como atender a ordem de prioridade, estabelecida no plano plurianual; III – controle de economicidade, que envolve também questão de mérito, para verificar se o órgão procedeu, na aplicação da despesa pública, de modo mais econômico, atendendo, por exemplo, uma adequada relaçãocusto-benefício; IV – controle de fidelidade funcional dos agentes da administração responsáveis por bens e valores públicos; V – controle de resultados de cumprimento de programas de trabalho e de metas, expresso em termos monetários e em termos de realização de obras e prestação de serviços’ (cf. José Afonso da Silva, 2003:727);

3. Quanto às pessoas controladas, abrange a União, Estados, Municípios, Distrito Federal e entidades da Administração Direta e Indireta, bem como qualquer pessoa física ou entidade pública, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigação de natureza pecuniária;

4. A fiscalização compreende os sistemas de controle externo, que compete ao Poder Legislativo, com auxílio do Tribunal de Contas, e de controle interno exercido por cada um dos Poderes. (grifos da autora)

 

3 Natureza dos julgamentos dos Tribunais de Contas

Acerca da natureza jurídica do julgamento realizado pelo Tribunal de Contas (art. 71, II, CF), verifica-se que é matéria com divergentes posicionamentos entre os doutrinadores[8], quanto à definição de existir ou não função jurisdicional na competência de julgamento daquele Tribunal.

Apesar de o Tribunal de Contas ser um órgão público independente, mas integrado na estrutura do Estado, pois não compõe a estrutura do Poder Executivo, Legislativo e nem do Judiciário, ele tem suas competências específicas delimitadas  na força do texto constitucional.

A respeito, Mileski[9] assim se manifesta:

A decisão do Tribunal de Contas, no julgamento de contas que realiza, é terminativa no âmbito administrativo, na medida em que se trata de uma atividade de jurisdição administrativa, cuja revisão judicial fica adstrita aos aspectos de ilegalidade manifesta ou de erro formal.

(...)

(...) o Tribunal de Contas é um órgão integrante da estrutura do Estado, e, nessa circunstância, procedendo ao julgamento das contas daqueles que as devem prestar, por isso, não se pode negar que o mesmo exerce uma jurisdição administrativa, na medida em que possui o poder de dizer o direito, consoante as regras do ordenamento jurídico vigente, no sentido de fazer com que a Administração tenha uma atuação financeira dirigida ao interesse público, com atendimento dos princípios constitucionais da legalidade, legitimidade e economicidade, afim de ser assegurado.

(...)

A função fiscalizadora, embora não seja de natureza  jurisdicional judicial e esteja sujeita à revisão judicial, possui um forma judicial, em face da obrigatoriedade do seu cumprimento. Nesse aspecto, o Poder Judiciário, especialmente os Tribunais Superiores, tem proferido reiteradas decisões firmando a competência de julgamento do Tribunal de Contas e reconhecendo como ‘sendo suas decisões de cumprimento obrigatório’ no âmbito administrativo. (grifos meus)

Acerca da expressão “julgar” utilizada na Carta Maior, assevera Di Pietro[10]:

(...) quando ‘julga’ as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos e as contas daqueles que derem causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao Erário Público; embora o dispositivo fale em ‘julgar’ (inc. II do art. 71), não se trata de função jurisdicional, porque o Tribunal apenas examina as contas, tecnicamente, e não aprecia a responsabilidade do agente público, que é de competência exclusiva do Poder Judiciário; por isso se diz que o julgamento das contas é uma questão prévia, preliminar, de competência do Tribunal de Contas, que antecede o julgamento do responsável pelo Poder Judiciário.

CONCLUSÃO

Embora o Tribunal de Contas tenha suas atribuições delineadas na Lei Maior, e, considerando o Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário, podem os julgamentos do Tribunal de Contas, em virtude de não produzirem coisa julgada, serem examinados pelo Judiciário.

Contudo, não caberá a este examinar o seu mérito, mas somente verificar se houve erro formal e/ou lesão ou grave ameaça a direito (art. 5º, da CF).

4  REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2ª edição. São Paulo : Atlas, 2009.

FURASTÉ, Pedro Augusto. Normas técnicas para o trabalho científico.. Explicitação das normas da ABNT. 11ª Ed. Porto Alegre, 2002.

GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime Jurídico dos Tribunai de Contas. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1992.

HENRIQUES, Antonio. Monografia no curso de direito : trabalho de conclusão de curso : metodologia e técnicas de pesquisa, da escolha do assunto à apresentação gráfica. 4ª Ed. São Paulo : Atlas, 2004.

LIMA, Luiz Henrique. Controle Externo. Rio de Janeiro : Elsevier, 2008.

MILESKI, Helio Saul. O controle da gestão pública. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003.


Notas

[1] LIMA, Luiz Henrique. Controle externo. Rio de Janeiro : Elsevier, 2008, p. 119.

[2] GUALAZZI, Eduardo Lobo Botelho. Regime Jurídico dos Tribunais de Contas. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1992. (p. 28 e 29)

[3] MILESKI, Helio Saul. O controle da gestão pública. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003. (p. 140)

[4] MILESKI, Helio Saul. O controle da gestão pública. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003. (p. 140)

[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2ª edição. São Paulo : Atlas, 2009. (p. 725 e 726).

[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2ª edição. São Paulo : Atlas, 2009. (p. 726)

[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2ª edição. São Paulo : Atlas, 2009. (p. 739, 741).

[8] E também, no âmbito do Judiciário, pois muitos Tribunais de Justiça e Superiores,  não vislumbram na competência do Tribunal de Contas uma competência jurisdicional administrativa, apesar da Constituição Federal assim delimitar.

[9] MILESKI, Helio Saul. O controle da gestão pública. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003. (p. 282-284)

[10] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2ª edição. São Paulo : Atlas, 2009. (p. 742)